Layse foi tomar o banho. Enquanto se lavava, recordava dos momentos vividos com Valentina. Enrolou-se na toalha voltando ao quarto. A porta do quarto ficou entre aberta enquanto se vestia. Foi quando ouviu a batida na porta e a voz da mãe soando eufórica:
– Valentina! Que surpresa boa ocê por aqui.
– Olá, Ceição! Tudo bem? Está um pouco mais conformada?
– Estou não, mas sei que o Agenor descansou. Fiquei melhor com a sua chegada. Vai entrando sem cerimônia. Tome assento.
– Obrigada!
Valentina respondeu sentando sem se fazer de rogada. Percebeu os olhos de Ceição percorrendo seu corpo com atenção.
– Quanta elegância! Esse vestido é muito jeitoso. Nunca que imaginei que ocê iria ficar tão linda desse jeito.
– São os seus olhos, Ceição!
– Deixa de ser modesta. Ocê tá é formosa demais. Seu pai tem motivos para ter muito orgulho docê.
– Eu sei que ele tem.
Valentina olhou para os lados indagando:
– A Layse ainda não voltou do trabalho?
– Voltou agurinha. Tá no banho, mas já cá vem ter. Ocê é servida de um café? Acabei de passar.
– Aceito sim, obrigada!
Ceição entrou na pequena cozinha falando de lá.
– A Layse voltou de madrugada. Ela contou que tava na sua casa. Foi um alívio, porque quase morri de preocupação.
– Estava sim Ceição. Eu trouxe a Layse em casa porque ficou tarde.
– Fez foi muito bem em trazer.
Ceição voltou para a sala passando a xícara para ela. Neste momento Layse entrou na sala dando um sorriso enorme para Valentina.
– Olá, Valentina!
– Oi, Layse!
Valentina desceu os olhos rapidamente pelo corpo dela, sentindo ao mesmo tempo os olhos de Layse percorrendo o seu. Notou a camisa preta de botões enfiada para dentro da calça jeans. Reparou na faca presa ao cinto. Até a bota chamou sua atenção.
Valentina voltou os olhos para Ceição, falando:
– Eu vim buscar Layse para passear comigo em Vassourinhas. Ela te contou que eu viria?
– Uai, contou não! Ah, Valentina! Que coisa boa! Essa menina não sai para lado nenhum. Só ocê mesmo para tirar ela da toca.
– Pois é, vamos dormir lá. Amanhã voltamos. Tem algum problema ela dormir fora essa noite, Ceição?
– Tem problema não, Valentina!
Voltando os olhos para Layse, Ceição falou:
– Ocê vai, mas tem juízo. E não me vá em nenhuma biboca que não é lugar procê frequentar.
– Pode deixar, mãe. Não vou para essas bandas não. Nem acredito que Valentina ande por essas quebradas.
– Aff… Deus que me livre, gente! Longe de mim. Pode ficar descansada, Ceição!
Valentina terminou o café depositando a xícara sobre a mesinha, erguendo-se. Pegou as mãos de Ceição, dizendo:
– Fique firme, viu, Ceição! Tudo há seu tempo. Seu café continua delicioso! Obrigada!
– Que nada, foi só um café simples! A Layse até comprou uma cafeteira, dessas modernas, ocê sabe, né? Mas ainda prefiro pó pô no coador de pano, já me acostumei. Gente velha tem dessas manias. Mas meu café é bão, mar bão mermo porque é feito deste jeitinho.
– Que velha que nada, deixa de bobagem, boba! Você está é muito bem. Vamos indo, mas pode deixar que vou trazer a Layse sã e salva para casa.
– Tá bem, Valentina! Vão com Deus! Aproveite bastante o passeio, filha.
– Vou aproveitar. Fica com Deus mãe! Bença!
Layse despediu beijando o rosto dela. Foi à morte do pai que fez com que sentisse necessidade de ser mais afetuosa com Ceição. Pois antes, era mais seca e distante. Isto se devia a postura de Ceição que insistia em levá-la no mesmo cabresto com o qual levara seu pai. Quando Clarice falou sobre o assunto, preferiu ficar calada, entretanto, sabia muito bem como a mãe era.
– Deus te abençoe, filha!
– Amém! Até amanhã, mãe!
– Até amanhã, Ceição!
– Até amanhã, Valentina! Até amanhã, filha!
Valentina sorriu passando com Layse pela porta seguindo para o automóvel estacionado diante da casa. Entraram no carro sob o olhar atento de Ceição que ficou no portão acenando. Valentina deu partida no carro. Ligou o som concentrando-se na direção. A música romântica fez Layse relaxar a cabeça no encosto do banco cerrando os olhos para curtir a melodia.
Valentina comentou neste momento com ela:
– A sua mãe é uma mulher muito simples. Acho isto bonito. Notei que ela está muito triste, embora tenha tentado disfarçar. Era novinha quando a minha mãe morreu, mas recordo que senti tanto, que parecia que tinham tirado um pedaço de mim.
– É assim que me sinto também. A minha mãe está mesmo arrasada.
– Fez bem em dar uma cafeteira para ela. Aposto que o dia que decidir usá-la vai aposentar o coador de pano. Acredito que você deve ter economizado muito para comprá-la.
– Na verdade usei uma parte do dinheiro que recebo na casa de ração. Tudo que ganho vai para a despesa da casa e para os remédios dela. Trabalho e mal vejo a cor do dinheiro.
– Isto é ruim.
– Sim, mas não estou me queixando. “O pouco com Deus é muito.”
– Mesmo assim, acho que você se sacrifica demais. Fico até sem jeito de abordar este assunto. Quero que saiba que se estiver precisando de dinheiro eu posso te dar…
Layse a fitou cortando-a na hora.
– Se eu precisasse de dinheiro nunca iria querer que fosse dado. Aceitaria um empréstimo, isto seria justo. Mas não preciso.
– Não quis te ofender, apenas imagino que deve ser muito difícil para você viver com um orçamento tão apertado.
– Tudo bem. Quando me lembro de que já pedi pão indiretamente para a cantineira da escola, nem acredito que fiz aquilo. Estava mesmo desesperada.
– Poderia ter pedido para o meu pai, ele é o seu padrinho.
– Você sabe muito bem que eu não peço nada para ninguém.
– Sim, sei disto. Essa cantineira, eu sei quem é, ela é vizinha da D. Silvinha. Recordo dela indo lá em casa atrás do meu pai. Aquela de santa só tem a cara. Ela ajuda na igreja, não ajuda?
– Sim, ajuda. A D. Nivalda também ia na sua casa?
– Ela não, a que se faz de beata, D. Silvinha.
– Ah, entendi! Como que você sabe que D. Nivalda ajuda na igreja?
– Já se esqueceu de que sempre vou à missa?
– Pensei que tinha perdido este hábito vivendo em São Paulo.
– Não perdi não. Gosto muito das missas do padre Cristovão.
– Você ainda vai à missa aqui?
– Sim, vou aos sábados quando estou na cidade.
– Ah, então é por isto que nunca mais ti vi na igreja. Continuo indo no domingo pela manhã.
– Domingo quando estou aqui gosto de dormir até tarde. Lá em casa quando posso também durmo. Logo que Irene foi trabalhar comigo era uma luta, sempre acordava com o rádio alto que ela escuta na cozinha.
– Ela deve gostar muito de música.
– Nossa Senhora, ama! Não perde um forró nem um baile. Vai gostar de dançar assim, nunca vi coisa igual, mas me divirto muito com o jeito de ser dela.
– Nem sabia que ainda faziam bailes.
– Fazem sim, mas a Irene é muito nova para gostar de bailes. Mesmo assim ela vai em todos que pode. O negócio dela é dançar.
– Entendi.
– Quanto às missas, em São Paulo eu costumo sair do plantão no hospital e vou. Isto quando dou plantão aos sábados a noite. Acredita? Meus colegas me chamam de louca por fazer isto. Se não fizer assim, vou deixando para depois e acabo não indo.
– Já se pegou cochilando em uma missa?
– Olha, uma vez sentei ao lado de uma mulher, e quando dei por mim, ela me deu uma cotovelada que quase caí do banco. Fiquei com a impressão que cochilei de roncar.
– Hahahahahahahaha…
– Hahahahaha… Eu sei que é ridículo, mas tenho destas coisas. Dou uns foras que nem eu me aguento.
– Essa foi muito boa.
– Você ainda joga futebol com os meninos?
Valentina perguntou voltando os olhos para ela.
– Não, meu Deus! Fazia isto quando era moleca. Amava jogar bola, mas sei lá, deixei de gostar.
– Você jogava muito bem.
– Você nunca me viu jogando. Não sei como pode falar isso.
– Engano seu. Vi algumas vezes sim.
– Ah, não sabia!
– Papai sempre passeava comigo de carro aos domingos. Algumas vezes passávamos perto do campo e ele parava para vermos você jogando.
– Ele nunca comentou nada disto comigo, nem com os meus pais.
– Doutor Salomão comentar? Você ainda não o conhece? Ele é muito comedido.
– Sim, é verdade. Diga-me uma coisa.
– Sim?
– Você não gostava quando a D. Silvinha ia atrás do seu pai por quê?
– Também ouviu falar sobre o caso que eles tiveram?
– Coincidentemente soube disso hoje.
– Ela começou a ir lá a casa todos os dias. O meu pai mandava Darlinda dizer que não estava. Uma pessoa sensata trataria de aceitar, mas ela não, ela simplesmente desmaiava. Do nada ela desmontava, e caia sabe onde?
– Onde?
– Sempre em cima do sofá. Conveniente, não te parece? Achava aquilo ridículo. Sempre que ela fazia aquelas cenas ele acabava cedendo às suas vontades. Fiquei aliviada quando ele começou a ir para Vassourinhas. Ela ficava doidinha atrás dele.
– Como assim? Ele não terminou o caso com ela?
– Ai é que está o x da questão. Terminou e ela não aceitou. Chegou a dar escândalos na porta lá de casa. Para os fofoqueiros dessa cidade aquilo foi um prato cheio. Cada dia ela dava um barraco diferente.
– Nunca fiquei sabendo de nada disso.
– A Clarice deve saber, porque na última vez papai ligou para ela pedindo que fosse lá fazê-la voltar à razão.
– To besta! Ainda bem que acabou.
– Graças a Deus! Suponho que tenha sido a Clarice que te contou da relação deles.
– Sim, ela mencionou hoje. Estava comentando sobre coisas do passado e este assunto veio à tona.
– Não tem problema, isso não é segredo nessa cidade.
– Percebi que não é mesmo.
Layse respondeu fitando Valentina com mais atenção:
– Não sabia que viria tão bonita. Este vestido ficou lindo no seu corpo.
– Obrigada! A sua mãe também achou. O importante é que você gostou.
Valentina respondeu olhando-a com um sorriso gostoso.
– Gostei foi muito.
– Que bom, porque me aprontei para você.
– Isto é que é privilégio.
– Vamos ter uma noite especial. Fiz outros planos. Quero aproveitar mais a sua companhia.
– Você já vai embora amanhã. Eu sei.
Layse não demonstrou tristeza na voz. Uma coisa que aprendeu foi a controlar as suas emoções. Só abria seu coração para Clarice e para Isadora.
– Vou sim, o dever me chama. Estou feliz por estar com você nesse momento difícil da sua vida. Vamos viver uma noite agradável, mas também quero te confortar. Você aprendeu a controlar as suas emoções, isso é ótimo. Não é qualquer uma que consegue fazer isto.
– Acho que aprendi sim. Nos meus piores momentos consegui ver com quem posso contar e com quem não posso.
– Sei bem como é isso. Clarice é sua amiga, não é?
– Sim, ela e a Isadora.
– Compreendo. É muito importante ter amigas verdadeiras.
– É mesmo. Você tem muitas amizades?
– Vou te ser muito sincera, isto é uma coisa controversa. Não acredito que as pessoas tenham muitos amigos, não amigos verdadeiros. Já fiquei de cara com atitudes de pessoas que julgava muito amigas e descobri que não eram. Sabe aquela coisa de falar pelas costas?
– Sei sim, isso é a maior trairagem.
– É assustador! Mas você sabe que todo mundo passa por isto, não é? Quem não passou tem mais é que levantar as mãos para o céu.
– Sei sim. Sempre escuto as pessoas falando sobre este assunto.
– Quando me dou conta que é falsidade deixo para lá. Não existe coisa pior do que confiar em uma pessoa e descobrir que ela espalhou coisas que contei para os quatro cantos. Não perco mais o meu tempo com gente fingida. Isto não deve me livrar de encontrar pessoas duas caras pelo meu caminho. Apenas não serei enganada com a facilidade com a qual já fui antes.
– Eu acho que nunca fui traída assim. Também eu só desabafo com a Clarice e com a Isadora. Duvido muito que uma das duas tenha enfiado a faca nas minhas costas.
– A Isadora tem namorada?
– Ela acredita que tem, mas eu acho que é só um rolo.
– Um rolo? Não deixa de ser um envolvimento.
– Sim, concordo que seja. A questão é que eu sinto que a mulher faz hora com a cara dela. Já tentei lhe abrir os olhos, mas ela não concorda com a minha opinião. Fico triste com isso, porque pressinto que ela vai acabar se decepcionando.
– É a vida dela, Layse. Se já tentou fazê-la enxergar e ela não te deu ouvidos, não pode fazer nada. Se ela quebrar a cara você vai poder ajudá-la a superar.
– Quanto a isso não tenha a menor dúvida.
– Algumas mulheres são muito ardilosas. Se ela gosta dela é compreensível que prefira continuar se iludindo.
– Talvez. Não percebo porque algumas pessoas aceitam ser enganadas.
– Não seria por medo da solidão?
– Ainda assim é um preço muito alto a se pagar só para ter uma companhia. Eu não pagaria esse preço.
– Nem se você amasse?
Os olhos delas se encontraram neste instante. Layse deu um sorriso bonitinho respondendo.
– Nem se eu amasse Valentina.
– Hum.
– E você Valentina, também é ardilosa?
Valentina lembrou na hora de Paloma sentindo-se mal. No entanto, não queria que nada estragasse aquela noite.
– Talvez todo mundo acabe por ser um pouco ardilosa em alguma fase da vida.
– Ah, tá! Vou pensar sobre isso com calma depois.
Layse acrescentou num tom mais baixo em seguida:
– Não devia ter mencionado o que penso sobre o relacionamento da Isadora com você.
– Não se preocupe, não vou comentar nada sobre a sua amiga. Pode estar certa que não sou mulher de leva e trás. Ademais só estamos conversando.
– Melhor assim. Obrigada! Posso te perguntar mais uma coisa?
– Se deseja, pergunte.
– Já traiu alguma namorada que você teve?
Valentina engoliu em seco. Em seguida respondeu olhando Layse por um segundo.
– Sim, já traí e não me orgulho.
Layse ficou muda refletindo sobre a resposta.
Valentina perguntou incomodada com o silêncio dela:
– Não vai falar que está besta com a minha resposta?
– Não, não vou. Não perguntei para te julgar. Só queria saber se você já traiu.
Layse respondeu desviando os olhos dela. Continuaram conversando enquanto Valentina mantinha a atenção na estrada que as levava até a cidade de Vassourinhas.
“Nunca minta deliberadamente. Mas, às vezes, convém ser evasivo.”
Margaret Thatcher.
Continua…
Olá autora! To sentindo que nossa bonitinha Layse vai se decepcionar com a Valentina. a Layse pode ser novinha, mas me parece compreensiva e madura, acho que Valentina deveria expor a situação com a Paloma, ai a Layse decidiria se queria ou não envolver. Apesar que conhecendo um pouco da nossa protagonista, eu duvido que ela deixaria esse desafio a desanimar de conquistar Valentina, por isso acho que a sinceridade não a iria afastar, só tornaria o desafio mais articulado. beijos e até o proximo capitulo.
Olá, Sophiebrt!
Não me preocupo com as decepções que a Layse possa vir a ter, porque todo mundo se decepciona mesmo nessa vida. O que eu sei é da vontade ferrenha dela em conquistar o que deseja.
Quanto a Valentina não sei o que ela vai fazer quando voltar para São Paulo.
Muito obrigada!
Beijos.
Atah, e as postagens só são as Sextas neh? Pq comecei a ler agr essa história.
Olá, Flavia!
Postagem toda sexta-feira aqui no site.
Oie quantos capítulos ainda falta, p o final do história?
Olá, Flavia!
Estou escrevendo essa história, portanto, não tenho como responder a sua pergunta. A minha escrita é calma, não corro e muito menos atropelo os acontecimentos.
“Tudo vem com o tempo.”
Quando a história for concluída você vai saber o número de capítulos.
Muito obrigada!