Layse tocou a campainha da casa de Valentina às oito da noite. A empregada que a conhecia muito bem, deixou-a entrar avisando que o doutor estava jantando com Valentina.
Layse apareceu na sala dizendo:
– Boa noite! Desculpe chegar em uma má hora.
– Boa noite, Layse! Ora, pelo amor de Deus, não chegou em má hora coisíssima nenhuma. Sente-se e jante conosco. É um grande prazer recebê-la em nossa casa.
– Posso não, obrigada!
– Não me faça essa desfeita. Darlinda? Traga aqui um prato para a Layse, por favor!
Layse sentou na cadeira que o doutor puxou para ela, olhando para Valentina de rabo de olho.
– Boa noite, Valentina!
– Boa noite, Layse!
Valentina respondeu sem olhar na direção dela.
– Isto de chegar a casa dos outros na hora da refeição não era do seu feitio.
– Valentina! Mas o que é isto? A Layse é muito bem vinda em nossa casa.
– Tem problema não padrinho. Eu sei o quanto a Valentina fica rabugenta em alguns momentos.
– Rabugenta? Você está redondamente enganada, posso ser tudo, menos rabugenta.
Valentina respondeu ruborizando-se surpresa.
– Uai, seu comportamento é de uma rabugice só. Desculpa se pareceu ofensa. Eu nem pensava que rabugice fosse um problema. Tens uns dias que a minha mãe fica tão rabugenta, até a Clarice fica. Já nem ligo mais.
– Não posso. Aff…
– Vamos jantar em paz que é melhor.
O doutor recomendou desviando os olhos da filha. E voltando-se para Layse, contou entusiasmado:
– Comentei com a sua mãe sobre as modificações que você fez no terreno da Clarice. Estou muito orgulhoso de você. Gostei de ver como se adaptou àquele trabalho.
– Eu amo lidar com a terra. A Clarice é uma patroa muito boa e me ensinou muita coisa. Sem contar que me ajuda bastante.
– Eu te falei que sempre vamos precisar da ajuda dos outros.
Valentina lembrou correndo os olhos em Layse.
– Falou mesmo e você tinha toda a razão, Valentina.
Layse admitiu sem se perturbar com o comentário.
A empregada entrou com um prato e talheres para Layse.
– Obrigada, Darlinda! Não carecia não. Coisa que eu mais detesto é dar trabalho.
Layse falou sorrindo para a mulher.
– Não é trabalho nenhum Layse! Com licença!
– Pode se servir à vontade.
Salomão ofereceu sorridente.
Layse serviu-se de um pouco do jantar, mas não era mais a menina morta de fome do passado. Notou o olhar de Valentina avaliando seus movimentos passando a comer como se não a percebesse. O médico voltou a falar comentando coisas corriqueiras que aconteciam na cidade com as duas.
Valentina se perguntou se o pai estaria percebendo a tensão que existia entre elas. Conhecendo-o como conhecia teve a certeza de que ele não deixaria transparecer as suas impressões. Aliás, sabia e bem o quanto o pai era diplomático. Não só isto, ele estimava muito Layse. Isto era algo que sempre soube.
Terminando o jantar, Salomão ergueu-se se dirigindo a Layse.
– Você vai me desculpar, mas tenho um jogo de xadrez marcado. Ficarei à espera que volte outras vezes para jantar aqui em casa. Apreciei muito que tenha vindo.
– Voltarei sim, obrigada!
Voltando-se para Valentina ele acrescentou:
– Beba o café com Layse na sala de estar, minha filha. Boa noite para vocês!
Com a saída do pai, Valentina afastou a cadeira sem olhar para Layse seguindo para a sala de estar. Layse que conhecia muito bem a casa a seguiu até lá. Seus olhos acompanhavam o movimento dos quadris dela. Parecia até o andar de uma égua mangalarga marchador seguindo de cabeça em pé, com os quadris movendo-se sensualmente. Layse pensou intimamente: Eu vou comer essa mulher.
Assim que entraram na sala, Darlinda surgiu com uma bandeja. Depositou duas xícaras e um bule de prata contendo o café. Afastou-se saindo silenciosamente.
Valentina tinha acabado de sentar no sofá, onde manteve as pernas cruzadas e os lábios selados. Permaneceu na mesma posição vendo Layse sentando na poltrona à sua frente. Seus olhos caíram nos dela. Sentiu na hora aquele desejo avassalador que agora morava nos olhos de Layse. Permaneceu assim, mirando-a sem mover um único músculo do rosto, e nem os precisava mover, já que todo o seu corpo reagia à presença dela. Layse estava conseguindo despertar o lado mais intenso do seu ser. Não sabia como aquilo podia estar acontecendo, mas sentia já a calcinha molhada. Por um segundo deu-se conta do ridículo da situação de permanecer sentada a olhando, quando as xícaras estavam à mão para que servisse os cafés. Como uma boa anfitriã, descruzou as pernas inclinando o corpo para frente pegando o bule com a sua elegância admirável.
Layse observou como inclinou o corpo para servir o café. Manteve as costas eretas enquanto executava aquela tarefa. Em seguida depositou a xícara à sua frente sem nada dizer. Assim, observou-a sentando como dantes sem deixar de acompanhar a forma como recruzava as belas pernas. Desta forma, Valentina levou a xícara à boca saboreando o café com um enorme prazer. Seus olhos resvalaram para a xícara que deixou diante de Layse notando que continuava intacta. Fitou-a neste instante apontando a xícara, recomendando serenamente:
– Tome o seu café antes que ele esfrie.
No instante seguinte, Valentina desviou os olhos dela.
Layse pegou a xícara sorvendo o líquido quente e saboroso apreciando-o com grande prazer. Recordou-se da infância quando chegou a beber um café igual aquele. Nunca tinha tomado um café tão saboroso em sua vida e não provou outro que fosse sequer parecido. A lembrança daquele dia, quando bebeu o café na cozinha daquela casa, fez surgir um leve sorriso em seus lábios enquanto falava:
– Está delicioso!
– Está sim. O café da Darlinda é único. É uma das coisas que sinto imensas saudades quando volto para São Paulo.
– De mim você não sentiu nenhuma saudade.
– Não fale do que você não sabe.
– Por que não me conta o que eu não sei?
Feita a pergunta, Layse tentou compreender o que se passava com Valentina. Ela tinha voltado a ser agradável. A irritação que sentira no início do jantar nela, simplesmente evaporou. Estava tão calma que dava a Layse o que pensar. Que talvez, estivesse ganhando tempo para expulsá-la dali. Sim, com certeza era o que faria a seguir. O encontro que tiveram mais cedo não terminou nada bem.
Beberam o café permanecendo silenciosas. Valentina depositou a xícara vazia sobre a mesa ao mesmo tempo em que Layse.
Fitou-a então questionando:
– Gosta de saber detalhes, não é?
– Quem não gosta?
Valentina deslizou a mão pela perna respondendo tranquilamente.
– Sim, por vezes é bom aprofundar em uma questão. Então você acredita que não senti saudades suas. Por que pensa que não senti?
– Não me parece que tenha sentido.
– Eu senti sim, claro que senti!
– Sentiu? Olha, isto é no mínimo inexplicável. Você não demonstra o que sente. Talvez seja por isto.
– Ficar à flor da pele? Não, não costumo ser assim. Gosto de ter controle sobre as minhas emoções.
– Sempre controlo as minhas também, mas não quero controlar nada do que estou sentindo por você.
– Layse, isto é tão perigoso. Acredito que não esteja pensando nas consequências de se expor desta forma.
– Consequências? Você não arrancando o meu coração para mim tudo bem.
– Hahahaha, você diz cada coisa excêntrica. Não, claro que não vou arrancar o seu coração. Não é disto que estou falando.
Valentina percebeu como ela se inquietou neste momento. Não queria mesmo magoá-la, por isto estava sendo tão cautelosa.
– Do que está falando afinal, Valentina?
Valentina voltou a cabeça na direção dela fitando-a nos olhos, falando imperturbável:
– Eu não acredito que tenha vindo aqui para jantar. Pelo pouco de comida que serviu no prato, julguei até que já o tivesse feito.
– Sim, tomei uma sopa em casa, não tenho porque negar. Comi um pouco apenas para agradar o seu pai. Foi por educação.
– Realmente pareceu-me mesmo ter sido. Foi gentil da sua parte agradá-lo. Agora seja franca, por que está aqui?
– Vou ser bem direta. Eu vim porque quero ficar com você. Quero muito!
Valentina piscou os olhos olhando-a chocada.
– Quer ficar comigo?
– Quero sim.
– Fui clara quanto a não querer ter intimidades com você.
– Se é pela fofoca que circula na cidade, o exame de DNA já foi feito para comprovar que é uma mentira.
– Não é por isto.
– É porque você acha que não estou à sua altura?
– Muito menos é por isto. Aliás, isto não passa de uma coisa criada pela sua cabeça.
– Sei lá se é coisa da minha cabeça. O que eu vejo é você me esnobando o tempo todo.
– Não esnobo ninguém. Por que faria isto logo com você?
– Porque eu te deixei doida com os meus beijos e isto te incomodou.
– Ah, é? Tem certeza disto?
Valentina estava equilibradíssima. Neste momento deu um sorriso parecendo ter achado a resposta completamente descabida.
– Tenho sim.
– Quem diria que você se tornaria uma pessoa tão convencida.
– Sou convencida não, só tenho certeza que te deixei louquinha para transar comigo.
– Lamento te informar, mas não deixou não, Layse.
– Sei como te deixei, mas não vim aqui para discutir.
– Muito menos eu quero discutir.
– Você gostou dos meus beijos não gostou Valentina?
– O que tem isto? Foram apenas beijos…
– Mas não foram mesmo!
– Onde pensa que vai chegar com isto? Quer que eu admita que o seus beijos são gostosos? Eu admito, adorei os seus beijos.
– Então o que te impede de ficar comigo?
– Não acho adequado nos envolvermos por conta da relação das nossas famílias. Não devemos estragar essa relação bonita. Portanto, sugiro que não pense mais sobre essa sua vontade.
– A relação das nossas famílias não tem nada a ver.
– O meu pai tem muita estima por você. Não só por você, pela sua mãe da mesma forma. O que eles irão pensar?
– Nunca vou viver em função do que a minha mãe pode vir a pensar.
– Não respeita a sua mãe?
– Respeito é muito, mas é ela lá e eu cá. Ela não manda no meu coração.
– Esqueci como você é prática. Sempre foi desde novinha. Bem, com licença, porque agora preciso ir me aprontar. Tenho um compromisso marcado com algumas colegas.
Layse ficou olhando-a se retirar da sala sem tentar impedi-la. O que fez foi servir mais uma xícara de café bebendo pensativa.
– Como será o beijo dela com gosto de café?
Com a pergunta na cabeça, Layse terminou de beber o café erguendo-se decidida. Caminhou pelo corredor até chegar à porta do quarto de Valentina. Bateu na porta chamando para ser ouvida:
– Valentina?
– Sim, Layse! Já não temos o que falar. Por favor, vá embora!
– Eu gostava de te dar só mais uma palavrinha. Pode ser?
– Já terminamos a nossa conversa.
– Terminamos nada. Vou ficar aqui esperando você agir como uma pessoa sensata. Sabe né? Só tem que abrir a porta e me ouvir um bocadinho mais. Não vai custar nada. E não pense que estou implorando, é que eu não aceito as suas desculpas.
– Não são desculpas.
– Então abre a porta e fala olhando nos meus olhos.
Levou alguns segundos para Valentina abrir a porta. A mulher segura e controlada de momentos antes na sala não existia mais. Os olhos adquiriram a tonalidade de duas turmalinas. Layse constatou o quanto ela estava excitada. Achou impressionante como foi capaz de demonstrar tamanho controle diante dela momentos antes. Mas o controle não existia mais. Notou os lábios apertados quando ela a encarou após escancarar a porta do quarto.
– Você ainda não entendeu? Já expliquei que é impossível…
– Não é impossível, você é que está dificultando. Você não adora ficar? Não ama beijar? Só tem que aproveitar.
Layse respondeu entrando no quarto. Valentina fez frente a ela, olhando para a porta agitada:
– Aceite de uma vez que eu não quero e nos poupe de mais este desgaste.
– Eu quero que você seja a primeira mulher a me amar.
– Não Layse, eu não posso fazer isto.
– Pode sim.
– Layse? Sejamos racionais, nós nem nos conhecemos mais. E, não, não é porque estou desfazendo de você, só não quero te fazer sofrer. Tenha juízo.
– Hã, juízo?
Layse questionou devorando a boca dela com os olhos por alguns segundos.
– Juízo eu tinha antes de beijar a sua boca.
Layse envolveu a cintura dela sem dar mais tempo para que pensasse, murmurando:
– Não te resisto e não vou arredar o pé daqui.
Continua…