*
Virnan observava a chegada dos últimos barcos que levaram os soldados de Axen para o continente. Ela tinha chegado alguns minutos antes e se postado no fim do píer com os braços cruzados e semblante indecifrável.
Apesar dos acontecimentos recentes, mantinha-se serena e indagava-se o que se passaria na mente da grã-mestra, após o que presenciou. Arqueou um dos cantos da boca, imaginando se deveria lhe contar a verdade, afinal, com tão poucas informações ela deduziu uma boa parte dela. No entanto, nada do que imaginasse se aproximaria da realidade total.
Melina a fitava, alguns passos atrás. Ainda sentindo o calor gerado pelo esforço da caminhada chegar até ali. Virnan tinha notado sua presença rapidamente e lhe oferecido uma reverência singela antes de voltar para o mar. Respirou fundo e caminhou até ela, sendo envolvida pelo vento forte que soprava do oceano.
— Estou ficando velha demais. Meus ossos doem após a caminhada até aqui. — Se queixou, mirando o caminho que percorreu.
Tinha escolhido o caminho mais bonito e penoso, a praia. Os pés afundavam fácil na areia fofa e volumosa e haviam trechos pedregosos, onde grandes rochas formavam arcos para a passagem, mas que ofereciam perigos menores, como pedregulhos e saliências afiadas. Não era incomum alguém chegar sangrando, após uma caminhada na praia.
— Seu corpo é velho, mestra, mas me atrevo a dizer que é capaz de lutar contra um exército antes de começar a suar. — Virnan sorriu de lado, avaliando-a. Não aparentava o cansaço que alegava e não se enganava quanto as capacidades dela. Melina não era a líder da Ordem à toa.
A idosa gargalhou alto, chegando mais perto.
— Não precisa manter-se em alerta comigo. — A jovem garantiu.
Era sutil e poderia até passar despercebido, até mesmo a um bom guerreiro com dons mágicos, mas conseguia capitar uma aura mágica em volta da grã-mestra, que lhe sorriu com ar relaxado, embora suas atitudes demonstrassem o contrário.
— Não ofereço risco a ninguém que pertença a Ordem — enfatizou.
Ao longe, gaivotas alçaram voo, preenchendo o ar com seus grasnados. O dia ensolarado e o céu límpido, nem de longe recordavam a tempestade do dia anterior, apesar do cheiro forte de terra molhada e a lama ainda se fazerem presentes.
— Eu sei. Você fez um juramento quando foi aceita na Ordem e o renovou a cada círculo que alçou. Se tivesse más intenções, não estaríamos tendo esta conversa. Entretanto, depois do que vi, me sinto mais segura desta forma. Pelo menos, por enquanto. Deixe-me acostumar com essa descoberta. — Confessou, embora estivesse ciente de que, se ela desejasse machucá-la, não seria capaz de lhe oferecer resistência por muito tempo.
Melina era uma mulher habilidosa e dona de uma poderosa magia. Assim como Virnan, passou alguns anos no círculo de proteção, mas desejava ir além e, não por acaso, havia chegado ao círculo da vida. De fato, não era tão frágil quanto sua aparência denunciava.
A moça deu de ombros e voltou a mirar o horizonte.
— Não tenho uma história para lhe oferecer. Pelo menos, não agora — disse.
O som de uma onda abafou o suspiro de Melina.
— É uma pena, pois estou muito curiosa sobre os motivos que a trouxeram para nós.
Virnan buscou seu olhar, novamente.
— Alguns chamariam nosso encontro de destino, mas sempre estive inclinada a acreditar no acaso. — O que, de fato, havia sido. Entretanto, encontrar a Ordem renovou seu espírito e lhe trouxe certezas absolutas.
A velha concordou, acalmando a curiosidade que se debatia em seu interior. Admirou as feições dela por algum tempo.
— Por que acolheu uma eleita? Desde quando a Ordem cuida daquelas que serão enviadas para o abate? — A indignação vibrou em cada palavra.
— Respondo, se você me tirar a dúvida que deixou na noite passada. — Sorriu de lado. A luz solar refletindo nas íris azuis intensamente. — Há uma tatuagem debaixo dessa faixa?
A moça chegou mais perto.
— Por que não tenta tirá-la para descobrir? — Respondeu, atrevida.
— Receio não ter muitas chances de vitória contra uma dominadora da mão assassina. — Desprezou a careta de desagrado que ela fez ao ouvir o termo. — E, já que estamos tocando nesse assunto, poderia me explicar como alguém que consegue interromper o fluxo de magia que percorre o corpo humano, usando uma arte milenar, como o manibut, não consegue usar magia?
O vento bagunçou os cabelos de Virnan, enquanto ela sorria. O Manibut havia sido desenvolvido para permitir aos utilizadores de magia, confrontar inimigos durante situações de desgaste. Loyer não possuía magia e ela adaptou a técnica para enviar pequenas impulsos por seu corpo, causando contusões leves, que o deixariam incapacitado por algum tempo.
A curiosidade dela era justificável. Aquela era uma arte perdida no tempo e esquecida em transcrições simplistas nas páginas de livros velhos e empoeirados.
— Nem tudo pode ser perfeito — retrucou.
Não tinha intenção de se aprofundar no assunto, como a grã-mestra já havia percebido, mas, mesmo assim, insistia em procurar meios de fazê-la falar. Permaneceram em silêncio, fitando a aproximação do barco em que Petro e Jovan estavam. Por fim, a idosa começou a se retirar com passadas curtas e silenciosas. Interrompeu o avanço, quando ela falou, divertida:
— Eu já tive magia abundante, como a senhora — decidiu-se por revelar, apenas porque a curiosidade dela a instigava e, também, porque desejava saber até onde estava disposta a ir para descobrir a verdade.
Melina se voltou com um sorriso pueril, que mascarava o aumento das suas dúvidas. Cada vez que Virnan se revelava para ela, ficava mais confusa.
— Imagino que não vai me contar como a perdeu.
Não houve resposta sonora, apenas um leve dar de ombros. Não era inocente, percebia as intenções dela e aceitou o desafio. Fez uma longa pausa, encarando-a, então disse:
— Ela é minha sobrinha, Virnan. Como lhe disse em nossa conversa, na tarde de ontem, tive uma família antes da Ordem e sempre terei. — Afastou-se devagar, deixando a guardiã com um sabor azedo na boca e pensamentos ácidos.
Petro se juntou a ela, relatando o sucesso da sua missão. O guardião não conseguia esconder sua contrariedade, ante a notícia de que ela havia feito a passagem para a primeira classe do círculo protetor. Normalmente, haveria uma cerimônia, mas perante as circunstâncias a grã-mestra a dispensou.
— Jogamos todas as armas no mar. Sem elas, são apenas um grupo de homens comuns. — Mostrou os dentes, discretamente.
Os olhos dela se apertaram, fitando o horizonte, onde uma extensa faixa de terra crescia, se misturando ao verde das matas. Olhava para o ponto exato em que deixara o Comandante Loyer, como se, daquela distância, fosse capaz de enxergá-lo. Estalou a língua, levemente aborrecida com a “cegueira” que o guardião demonstrava.
— Não se iluda. Esses homens são soldados e privá-los de suas armas, apenas nos forneceu algum tempo e vantagem.
— Acha que tentariam nos atacar de novo?! — Manifestou descrença, assim como fez quando ela o convocou e aos demais guardiões para expulsarem os soldados axeanos da ilha.
— Não tenho a menor dúvida disso.
O homem se empertigou, enquanto uma veia ganhava volume em sua testa. Alguns fios da barba longa ondularam sob à vontade do vento.
— É insano e ultrajante! Somos a Ordem e isso jamais nos aconteceu! — Cerrou os punhos, como se o gesto reforçasse sua convicção.
O som da risada dela lhe chegou aos ouvidos, desarmando-o. Observou o sorriso sarcástico com crescente irritação. Aquele jeito despachado o desconcertava, já que nunca sabia o que esperar de Virnan.
— Isso não quer dizer nada, Petro. Essas túnicas, os bordados, o nosso juramento, isso só importa para nós. Ajudar os necessitados, as vítimas das constantes guerras, mediar tratados de paz, tudo isso só faz de nós indesejáveis.
Ela fez uma pausa, deslizando a mão pela túnica verde escuro até encontrar a faixa na cintura, onde dois bastões repousavam ao lado de uma adaga a qual ele nunca viu abandonar a bainha, nem mesmo para auxiliar com a caça, quando não encontravam uma taverna onde saciar a fome em suas viagens. Ela brincou com a ponta da tira de couro que envolvia o cabo, então continuou:
— Os humildes nos respeitam e admiram porque os protegemos e cuidamos; os soberanos nos toleram por causa disso. Ir contra a Ordem é ir contra o povo, mas um homem como o Lorde de Axen não teme o povo, pelo contrário. Ele escravizou sua gente com grilhões mentais, usando a união das casas nobres como bandeira. Um homem assim não respeita nada além do poder e da força e se ele conseguir derrubar a Ordem, será muito odiado, mas também será ainda mais temido e poderoso.
Ela escorregou a mão pelos cabelos, afastando os fios que o vento marítimo lhe atirava a face.
— Axen retornará quando seu Lorde conseguir o que busca.
— E o que ele busca?
A moça sorriu de lado.
— Você deveria ter prestado mais atenção ao que as pessoas conversavam nas tavernas em que pousamos, quando fomos buscar os novos ordenados.
O maxilar do guardião se contraiu, indicando seu desagrado com o comentário.
— Beber e jogar não me parece um bom jeito de conversar e coletar informações, além de não ser apropriado para alguém que carrega a alcunha de ordenado.
Virnan gargalhou. Petro era terrivelmente sucinto e sem visão.
— Há muito a se aprender em um jogo. As pessoas falam sobre tudo, esperando tirar a atenção dos adversários das cartas e, se estiverem bêbados, melhor ainda, pois não há travas na língua.
Inspirou fundo, afastando o olhar para a praia. Ao longe, uma figura caminhava em sua direção. Os passos cadenciados e suaves de Marie eram inconfundíveis.
— Muito se diz sobre as intenções dele. — Retornou ao assunto. — A maioria não passa de crendices e especulações, mas diante do ocorrido na noite passada, não preciso ouvir da boca do próprio lorde ou fazer um grande esforço para adivinhar suas intenções. Ele quer o que todos os homens como ele querem: poder.
Petro franziu o cenho, ameaçando um sorriso de escárnio. Um jovem guardião se aproximou, oferecendo um cumprimento de cabeça aos dois, relatou o sucesso de sua missão e se afastou em direção ao castelo. Petro optou por permanecer em silêncio e começou a seguir o rapaz.
— Petro — Virnan o chamou.
— Sim?
— Axen está fora desta ilha, mas Midiane permanece.
O guardião voltou a se aproximar.
— Acredita que eles cometeriam o mesmo erro que os axeanos?
Uma ruguinha soberba se formou no canto da boca dela.
— Não seja inocente — censurou, fazendo-o rilhar os dentes. — Midiane estava prestes a guerrear com Axen diante de nossos portões para proteger sua eleita. Nada os impedirá de se tornarem uma ameaça, caso julguem que sua princesa corre perigo em nosso lar.
Ele cruzou os braços musculosos. Fungou, afundando o olhar nas águas salgadas, enquanto admitia para si que estava mesmo sendo inocente em acreditar que tudo estava resolvido. Fitou a companheira de soslaio, um pensamento inquietante lhe atravessava a mente. Virnan era astuta demais para quem se deixava ver como alguém desleixado e irresponsável.
— Desconfie, Petro. Sempre desconfie. — Cerrou os olhos por alguns instantes. — Em breve, você estará no comando e não poderá se permitir acreditar que a Ordem é tão pura e nobre que jamais ousarão desejar o seu fim.
O guardião voltou-se, surpreso.
— O que isso significa?
A mão de Virnan pousou no ombro dele, lhe causando um arrepio de estranheza pela delicadeza do gesto.
— Eu estou deixando esta ilha e abdicando dos meus deveres como ordenada, enquanto estiver fora. — Explicou, pronunciando as últimas palavras devagar, como se saboreasse a mentira nelas. Em verdade, estava certa de que jamais voltaria a pôr os pés naquele lugar.
O som das ondas cresceu entre eles, enquanto o guardião absorvia a informação e Virnan sorriu, cruzando os braços.
— Por favor, contenha sua felicidade. Está me deixando emocionada.
Na verdade, o guardião se encontrava chocado. Não pelo fato de que logo assumiria o comando do círculo de proteção, mas porque não conseguia conceber um motivo forte o suficiente para que alguém abandonasse aquele reduto de paz e harmonia para retornar às incertezas e misérias do continente.
Não que todo o continente vivesse em guerra, pelo contrário. Havia paz na maioria dos reinos, mas pequenas disputas sempre ocorriam. O mesmo não acontecia com Axen, cuja luta pelo poder absoluto do reino durava mais de um século. Mas Petro acreditava que nenhum lugar era como aquele e estava certo de que jamais o abandonaria.
Ele afastou o olhar para a mulher na praia, distante ainda algumas dezenas de metros.
— É por causa da Mestra Marie? — De repente, calou-se. Escolhia as palavras, mas não havia um jeito diferente de falar. — Ouvi rumores, sabe? E, bem, vocês sempre foram grudadas… — interrompeu-se.
Virnan riu alto, coçando a bochecha. Não imaginava que Petro prestasse atenção às fofocas, entretanto a ilha era pequena e os ordenados poucos. Era comum que casais se formassem entre eles. Como Melina gostava de afirmar, a Ordem não proibia o amor, pelo contrário, incentivava-o.
— A grã-mestra me fez a mesma pergunta. — Ela deu de ombros, ainda rindo. — Ah! As pessoas falam demais! Mas, sim, tenho sentimentos românticos por Marie, contudo o laço que nos une se baseia na amizade. E, não, não é por causa dela que me afastarei.
Uniu as mãos às costas e complementou.
— São assuntos de cunho pessoal. Basta saber que não posso fugir deles. — Contraiu os lábios em um gesto irônico. — Não mais.
Petro fechou o semblante, escondendo a curiosidade que o tomava. Por fim, ofereceu-lhe um cumprimento de cabeça e se afastou, dizendo:
— Irei redobrar a vigilância sobre os homens de Midiane.
**
Verne esfregou os olhos, ainda sentindo os efeitos do sonífero. Expressou uma profunda irritação sobre isso, quando a grã-mestra revelou a artimanha. Mas não podia negar que gostou da ideia. Afinal, teve sua primeira noite de sono “tranquilo” em dias e sentia suas forças renovadas pelo descanso “forçado”.
Durante o desjejum, indagou sobre a ausência dos soldados de Axen e não se surpreendeu por descobrir o que tinha lhes acontecido, afinal, alertou a grã-mestra sobre a possibilidade de traição deles.
Melina juntou as mãos, com um sorriso pueril. Lorde Verne era uma visita desagradável. Não no sentido de que ele fosse descortês e impróprio, mas pelos motivos que o levaram até ali. Aguardava a chegada daquele dia, desde que se reuniram naquela mesma sala, quase vinte anos antes.
Na ocasião, ele estava acompanhado pela princesa Analyn e esmerou-se em elogios à Ordem e aos serviços que prestavam a todos os povos conhecidos naquele continente. Palavras falsas que, embora polidas, não conseguiram ocultar o desagrado que lhe tomava por ter sido obrigado a ir até ela e lhe pedir auxílio.
Na época, Melina havia acabado de assumir como grã-mestra.
— Então, cá estamos outra vez!
Ele exibiu os dentes amarelados, sem se esforçar para ser charmoso. Melina não se deixava impressionar por beleza ou títulos, então não desperdiçaria energia com isso. Na juventude, tinha sido muito belo e, diziam, fazia jus à fama de conquistador e a de guerreiro destemido também.
— Mais velhos e mais sábios — Melina concluiu.
Ele recostou-se na cadeira de espaldar alto e deslizou a mão pelos cabelos. Fios grisalhos começavam a despontar nas têmporas, conferindo-lhe um ar mais sóbrio e respeitável.
— Cheguei a desejar que este dia nunca chegasse — ela revelou.
O lorde deixou sua máscara de altivez cair por alguns instantes.
— Eu também — balançou a cabeça.
Aprumou-se no assento e afastou qualquer pesar com um gesto displicente.
— Agora que estamos em um momento mais… tranquilo. Me perdoe por não tê-lo dito antes. Meu rei lhe envia cordiais lembranças e agradece sua ajuda.
A idosa sentou diante dele. Aspirando o ar frio que entrava pela janela da sua biblioteca particular. Verne ocupava a mesma cadeira que Virnan, na tarde anterior. A guardiã surgiu em seus pensamentos e as lembranças do que viu no salão dos mestres lhe invadiram, assim como a conversa que tiveram na praia, minutos antes. Estava, cada vez mais, intrigada.
Forçou-se a prestar atenção no homem à sua frente.
— Quando será a eleição definitiva?
— Em dois meses. — Remexeu-se na cadeira.
Como vinte anos antes, ele fingiu ignorar o fato de que ela se manteve em silêncio quanto aos cumprimentos do rei de Midiane, seu irmão.
— Contudo, diante dos acontecimentos, creio que ela não será necessária.
— O que quer dizer?
Como ela havia sido enfática em afirmar que só discutira sua ida ali naquele momento, não lhe contou nada sobre o que aconteceu com as eleitas, durante o jantar na noite passada.
— Não haverá eleição. Todas as eleitas, excetuando Analyn, foram assassinadas.
Melina permaneceu calada por um longo instante. A notícia não lhe caiu bem e engoliu seco por um par de vezes.
— Então, isso quer dizer que…
— Por não haver outras opções, Analyn é a escolhida para o sacrifício.
A grã-mestra comprimiu os lábios, único sinal que demonstrava o impacto que a notícia lhe causou.
— Rumores de espalharam pelos reinos do continente. Exatamente, como ocorreu há cinquenta anos — fez uma pausa, observando-a meticulosamente.
Decerto, não tinha idade para recordar o que aconteceu no último despertar e as consequências para Caeles e Midiane. O pouco que sabia, veio dos relatos de seu pai e algumas lacunas foram preenchidas pelo seu sogro, um pouco antes que ele partisse para a ilha da Ordem.
A face dela tornou-se sombria. Até mesmo o ambiente pareceu adquirir uma frieza mórbida e, com um pouco de custo, ele teve de admitir o quão estranho era imaginar aquela mulher no centro de uma guerra que ela jamais imaginou causar.
— Estão acusando Midiane de tentar sabotar o sacrifício, novamente. — Ela deduziu.
O nobre confirmou com um gesto cansado.
— A primeira morte trouxe desconforto a casa real de Primian, mas mortes súbitas não são incomuns na realeza daquele reino.
Primian era famoso pelas disputas internas pela coroa. Quando todos os jogos políticos falhavam, mortes acidentais costumavam acontecer. Se isso não resolvesse, partia-se para o confronto direto; o que raramente acontecia. O fato era que, naquele reino, usar a coroa era como colocar um alvo nas costas.
— Deduziram que a eleita foi envenenada por acidente. Alguns meses depois, a eleita de Bevis, sofreu um “acidente” de caça.
Inspirou fundo e deu prosseguimento:
— Outra coisa passível de acontecer a qualquer um. Mas a terceira morte foi descarada. Assassinato, puro e simples. Invadiram a alcova da eleita de Trícia e lhe cortaram a garganta. Foi quando os rumores e acusações começaram a se solidificar. Diziam que Midiane era responsável, pois nada sabiam da nossa eleita que, pela segunda vez seguida, é um membro da realeza.
Melina descansou os cotovelos na mesa e escondeu a parte inferior do rosto por trás das mãos unidas. Seus olhos eram, impressionantemente, azuis. Causaram certo impacto no lorde, quando se fecharam levemente, acompanhados por um estalar de lábios. Contudo, permaneceu calada.
— Diante do novo conflito que se alinhavava, começamos a agir. Não estou orgulhoso do que fiz, mas acreditava que era a melhor maneira de obter respostas sem levantar mais suspeitas sobre Midiane. Procurei a escória. Obviamente, sem permitir que soubessem quem era o contratante. Paguei bem por informações e elas caíram sobre meu colo, como se fossem chuva.
Pela primeira vez, ela demonstrou impaciência.
— Vá direto ao ponto, Badir.
Fez-se silêncio por alguns instantes e Verne sorriu deixando uma pequena quantidade de ar escapar pelo nariz.
— Como a senhora bem sabe, Axen está em uma guerra interna há mais de um século. Existem sete famílias nobres brigando pelo seu trono e, raramente, eles concordam em algo, excetuando, a necessidade de se cumprir o sacrifício. Mas, há pouco mais de dois anos, um homem conseguiu unir as casas reais. Pelo menos, a maioria delas…
Fez um gesto, interrompendo-o.
— Uma casa ainda resiste. Nós sabemos, Lorde. Enviei um grupo de ordenados para auxiliar os feridos no conflito.
— Sim… Eu soube do que aconteceu. Sinto muito.
Ela sorriu, irônica.
— Ambos sabemos que isso não é verdade, Badir. Embora sinta respeito pelo que fazemos, você nos acha um bando de tolos, principalmente, porque Analyn escolheu passar seus últimos anos conosco.
Ele deixou a máscara de cordialidade cair.
— Não pode me condenar, pode?
— Os anseios do seu coração são insignificantes, diante do peso que Analyn carrega sobre os ombros. Pelo que sei, você não demorou muito para encontrar consolo nos braços de Emya.
Verne rilhou os dentes.
— Mas não é disso que estamos tratando aqui. Poderia me poupar dos rodeios? Termine seu relato de uma vez.
Ele fez sua vontade. A voz saía grave, como se estivesse tentando engolir pedras.
— Esse homem não pertence a nenhuma das sete casas. O Lorde de Axen não tem rosto ou nobreza conhecidos. Ele lidera as sete casas com mãos de ferro. Pois, sim, ele conseguiu dominar a última casa. Recebi essa notícia, junto com a informação de que a eleita de Axen foi assassinada pelas mãos dele, que se recusa a realizar o sacrifício. Ele discursa, afirmando que Axen irá subjugar o príncipe dragão e livrará o continente dele para sempre. Mas a verdade é que planeja dominá-lo usando o poder do dragão.
Se pôs de pé, indo até a janela.
— O paradeiro de Analyn era o segredo mais bem guardado de Midiane. Somente o Rei, Emya, o conselheiro e eu, sabíamos que ela estava aqui. Então, seus ordenados foram capturados e um deles sabia sobre a princesa.
Melina fez um som irritado.
— Milan era um guardião de primeira classe. Um bom homem. Tenho certeza de que Lorde Axen teve de se esforçar muito para conseguir arrancar essa informação dele.
— Pensei que somente os mestres conselheiros tinham conhecimento disso.
— Apenas três mestres integram o conselho da Ordem e todos aqueles que estavam aqui, na ocasião em que Analyn chegou, já faleceram. Optei por não contar ao novo conselho sobre a princesa. Contudo, Milan era o guardião mais graduado da Ordem e, portanto, líder do círculo protetor. Era necessário que ele soubesse disso.
— E, graças a isso, Axen chegou até aqui e poderia ter matado a todos nós e levado Analyn.
— Assuma seus próprios erros em vez de procurar culpados para eles. — Melina recriminou. — Axen chegou até aqui porque você permitiu e as consequências poderiam ter sido mais devastadoras do que a nossa morte ou a da princesa.
O príncipe cerrou os punhos, enquanto ela se aproximava.
— A Ordem não foi criada para proteger as eleitas. Nosso dever primordial nunca foi oferecer a cura, o conforto e a possibilidade de paz. Contudo, se essas coisas estão ao nosso alcance, se possuímos o conhecimento para isso, por que não fazê-lo? Assim nossos ancestrais se questionaram e decidiram agir.
Confusão se instalou no lorde, mas ela não tinha intenção de responder à pergunta muda que ele fazia com o olhar.
— Nossos segredos não são da sua competência, Lorde. Basta saber que, desde o princípio, juramos proteger nossos irmãos sob qualquer circunstância. Inicialmente, isso poder parecer uma obrigação imposta pelo juramento, mas não é. Essa é a conduta esperada para os membros de uma família que se amam, respeitam e admiram. É isso que a Ordem é: uma grande família.
— Não entendo onde quer chegar.
Ela sorriu, complacente.
— O que estou dizendo, Lorde, é que, embora não escolhamos lados e busquemos nos manter à parte da política dos reinos que compõem o continente, o fato de Analyn ser uma de nós e sua vida estar em perigo, implica que ela terá uma escolta de ordenados até a cidade dos eleitos.
— § —
Olá, amores!
Então, aproveitando para pedir desculpas pelo atraso, mas tive alguns probleminhas com o computador. Tudo resolvido! O capítulo foi curtinho, mas compensarei isso em breve.
Beijão enorme para vocês e muito obrigada pela companhia!
PS 1.: Ia esquecendo… Abaixo segue a ilustração “Virnan e Marie”, do capítulo anterior, finalizada. Espero que gostem! 😉
Muito legal á história estou curtindo muito. Parabéns bjsss
oi boa tarde ,so passando pra dizer que estou adorando essa historia ,esta muito bem descrita,de leitura leve e cativante,fico ansiosa pelo proximo capitulo.As ilustraçoes dao um toque diferencial , estao fantasticas.obrigado por nos presentiar com seu enorme talento Tattah Nascimento.
Boa tarde, Pollyanna!
Tudo bem?
Eu é que agradeço pela sua presença e carinho. Fico muito feliz que estejas curtindo essa aventura. Parece maldade, mas a ansiedade deixa a leitura mais gostosa, não? rs…
Espero continuar te cativando, porque ainda temos muito a aprender sobre Virnan, Marie e companhia.
Beijo grande!
Até a próxima! 🙂
Eita que a coisa só tá ficando mais misteriosa! Adorando!
Abraços!
Se tá misterioso, tá gostoso! rs…
Abração!