Argentum

– Certo, comece a explicar desde o início – falou Maia cruzando os dedos sobre a mesa e mantendo o olhar sobre Alicia – O que ficou sabendo, por quem e como farei para enviar isso sem ser por uma transportadora?

A veterinária soltou um longo suspiro. Sabia desde o início que Maia não aceitaria apenas alguns fatos. Cruzou os braços e voltou a encarar os verdes sérios que não haviam saído de si.

– Vou ser bem direta – começou de forma séria – Eu conheço muita gente. E não apenas da região próxima a cidade. Mesmo que não atenda muitos criadores de cavalos eu já fui chamada por um ou outro e por isso tenho alguns contatos por ai. Para começo de tudo não é segredo nenhum para ninguém que a responsável pela inseminação de Lua fui eu. Se funcionasse seria algo muito importante para a minha reputação com cavalos – contou Alicia descruzando os braços e os colocando sobre os apoios da cadeira estofada – A associação não quis permitir, mas seu tio-avô era muito influente e respeitado, por isso eu fui permitida a fazer todo o procedimento e continuo sendo responsável pelos animais do Rancho Aureus, mesmo que isso desgoste certas pessoas importantes. Mas também existem pessoas dentro da associação que gostam de mim e acreditam na minha idoneidade.

– A quem se refere ao dizer que há quem não goste de você? – perguntou Maia, mais por curiosidade, mas ainda mantendo o tom sério por notar que era fato importante.

– Se continuar me interrompendo não consigo terminar de contar isso hoje, Maia – falou a mais velha contendo um sorriso.

– Se me contasse todos os fatos de uma vez eu não precisaria te interromper – retrucou a dona do Rancho deixando um pequeno sorriso se formar no canto de seus lábios – Vamos, explique tudo de uma vez.

– Eu tenho uma pequena desavença com o veterinário que é responsável pelo estado. Não nos dávamos desde a época da faculdade e ele se formou alguns anos antes de mim – começou ela dando de ombros com um meio sorriso que sumiu enquanto contava tudo – Digamos que logo que vim para cá peguei um caso que ele deu como perdido. Era um garanhão que ele tinha desqualificado por um ferimento que prejudicou o aprumo. Sem entrar em detalhes, ele disse ao proprietário que não havia tratamento. O criador me procurou e não me falou sobre o atendimento dele. Eu apenas tratei e deu certo. Depois ouvi dizer que ele teria tentado desqualificar o garanhão por que isso iria favorecer outro criador. Nunca soube se foi verdade ou não, mas digamos que ele não foi muito educado quando nos encontramos após isso. Tentou retirar meu nome da lista de veterinários autorizados a alguns procedimentos pela associação e só não conseguiu porque o velho Augustus me recolocou lá.

– Certo, entendi – interrompeu Maia notando que a história com o tal veterinário era bem mais longa que essa, mas percebendo que Alicia não estava gostando de falar no assunto – Pode voltar a como sabe que vão tentar interferir no teste de paternidade do Argentum e no porquê fariam isso.

– Bom – recomeçou Alicia sorrindo de forma mais calma – Fiquei sabendo que alguns criadores ficaram realmente irritados por você não ter vendido o Rancho – contou ela voltando a ficar séria – Eles andam comentando que com você na administração todo o trabalho do seu tio-avô com os cavalos não vai demorar a se perder completamente.

– Não acreditam que eu seja capaz de continuar o que meu tio-avô fazia – murmurou Maia com uma expressão irritada, mas controlada.

– Eles não aceitam que uma mulher possa ser capaz. É diferente, Maia – respondeu Alicia se inclinando para a mesa e apoiando os antebraços na madeira de forma que ficasse mais próxima da mais nova – Muitos deles não gostam de mim pelo mesmo motivo. E, infelizmente, os que pensam assim são os maiores criadores. O ponto é que todos estavam prontos para dividir seus animais. Soube que até havia um certo acordo entre alguns sobre quem ficaria com qual parte dos cavalos do Rancho. E quando você assumiu e não vendeu um único potro eles não gostaram nada.

– Ainda não explica porque raios vão tentar sabotar o exame do Argentum! – reclamou a menor fechando as mãos em punhos sobre a mesa – Sei que teriam muitos contra o fato de eu estar assumindo o Rancho, mas praticar atos ilegais para me prejudicar… Que tipo de pessoa faria isso?

– Alguns tipos que infelizmente existem – falou Alicia esticando seu braço direito o máximo possível até colocar sua mão sobre a esquerda de Maia – Por anos eles tem tentado comprar alguns animais do seu tio-avô e nunca conseguiram. Augustus era muito difícil numa negociação e adorava entrar em uma com preços impagáveis apenas para irritar os outros. Não me admira que alguns estejam dispostos a coisas ilícitas, mas me surpreendeu quando fui informada que realmente havia alguém se preparando para tentar – contou a veterinária acariciando a mão da menor com o polegar enquanto falava até sentir o aperto das mãos de Maia diminuir – Eu não sei exatamente como eles pretendem fazer, mas os pontos mais vulneráveis são o trajeto até o laboratório e o recebimento da amostra.

– É um laboratório particular não vinculado a associação diretamente que vai realizar o exame – comentou Maia já mais calma sentindo o toque da veterinária em sua mão – Não vejo como algo poderia dar errado lá dentro. A parte mais crucial seria mesmo o transporte.

– Tem muita coisa que pode dar errada num teste – falou Alicia em voz calma – Se a amostra for armazenada de forma errada pode haver confusão no resultado e eles sabem que você tem só mais duas doses do sêmen. Aquele garanhão morreu a mais de 15 anos, não há outra amostra de DNA dele.

– Se querem tanto que eu não consiga registrar o Argentum poderiam simplesmente alegar que falsifiquei a amostra do potro – falou Maia de forma séria – Atingiria você com muito mais força, mas provavelmente teriam consequências mais graves para mim também.

– Eles fariam, se fosse possível – contou a veterinária com um pequeno sorriso – Tenho certeza que Marco adoraria me incriminar junto. Mas se o teste der positivo não tem como a amostra ter sido retirada de outro animal além de Argentum. O último meio irmão dele morreu a um ano e meio atrás e não era um garanhão, portanto não deixou filhos ou sêmen. Não existe outro material genético compatível com o dele – contou Alicia esticando a outra mão e segurando ambas as mãos de Maia – Eu sei que é uma situação estressante e irritante para você. Mas eu tenho uma conhecida, secretária na associação, que me afirmou ouvir uma conversa sobre uma tentativa de falsificar as amostras no laboratório. Não quero acreditar que eles conseguiriam comprar alguém de dentro do laboratório para fazer isso, mas não podemos nos arriscar. Se você não conseguir registrar o Argentum isso vai gerar uma queda no nível de confiança que você tem entre os outros criadores e a associação. Pode causar diminuição na avaliação dos seus outros animais e no preço deles. Fora que podem usar isso para te atingir de outras formas. Você tem que mandar alguém levar essa amostra pessoalmente. Como dona do potro pode exigir que o início do teste seja acompanhado por você ou um representante e eu realmente acho que deveria fazer isso. Posso explicar para quem você escolher como responsável o que ele deve olhar na hora em que forem começar a manusear as amostras.

– Eu não sei quem posso mandar – murmurou Maia olhando para a mesa e os papéis abaixo de suas mãos juntas das mãos da veterinária – Confio em Giulio, mas ele não aceitaria dirigir para tão longe. Há também Carlos, mas não sei. Fora eles, tenho apenas você – ela terminou encarando os olhos castanhos mel de Alicia que devolveu o olhar.

Ambas se encararam por alguns segundos. As informações rodando na mente da menor e a maior admirando as expressões pensativas que a dona do Rancho tinha em seu rosto. Teriam ficado ali por muito tempo, Enzo tinha certeza disso, mas a ideia que lhe cruzou a mente era tão perfeita que valia a pena desfazer aquele olhar compenetrado que elas tinham uma para a outra.

– Porque não vão as duas levar essas amostras até o tal laboratório? – ele perguntou de forma inocente e os dois pares de olhos rapidamente se viraram para sua pessoa num canto da sala ao mesmo tempo em que as mãos se soltaram ainda mais rápido, elas praticamente haviam se esquecido que o rapaz estava ali – Pensem comigo. Alicia sabe exatamente o que olhar e Maia precisa se impor para esses machistas dessa tal associação. Se juntem para enfrenta-los. É uma solução muito prática. Verão que nenhuma das duas está para brincadeira e vão pensar duas vezes antes de tentar prejudicar uma de vocês – falou ele cruzando uma perna sobre a outra e apoiando as mãos sobre os joelhos – Machistas são covardes, não vão ter coragem de fazer algo contra uma de vocês sabendo que tem o apoio uma da outra.

Os dois pares de olhos voltaram a se encarar. Ao mesmo tempo em que a ideia as animava ela também as assustava. Seria uma viagem de dois dias no mínimo e teriam, com certeza, que passar uma noite em um hotel. Fora o fato de que ficariam juntas dentro de um carro por horas seguidas. E nenhuma das duas parou realmente para pensar que ficariam quase todo o dia juntas enquanto durasse a viagem. Mas nenhuma delas tinha como negar que Enzo tinha os melhores argumentos. Ambas sabiam que o rapaz tinha toda a razão.

N/A: 

Decidi animar o fds.
Amanhã sai mais um capítulo

Bjs pessoinhas
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