Argentum

Capítulo 3

N/A: Uma pequena nota explicativa, para quem não conhece muito sobre santos (o que é meu caso também), mas esse era impossível eu não conhecer apensar de não saber muita coisa sobre ele também. São Francisco de Assis é considerado o padroeiro dos animais, por isso também dos veterinários. Apesar de não vir de uma família católica praticante Alicia mora em uma cidade do interior e seu pai acabou por desenvolver a devoção por São Francisco de Assis por causa da profissão. Para quem não acredita digo apenas que, numa situação de risco, não faz mal pedir ajuda independente de para quem quer que seja; essa apenas foi a opção de Alicia.

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Ela separou os medicamentos e tudo o mais que precisaria usar para dar assistência ao parto da égua. Sabia que precisaria de ajuda, então gritou por Eduardo e Carlos, cujas vozes ela já tinha ouvido do lado de fora. A Eduardo pediu que trouxesse dois baldes com água e a Carlos pediu que lhe arrumasse uma vasilha ou pote limpo e pegasse uma lona grande. Enquanto eles buscavam o que ela pediu Alicia preparou o acesso venoso enquanto tentava acalmar o animal que, por conta do desconforto abdominal, estava ficando mais agitado.

Alicia conferiu a sonda nasogástrica que ainda não indicava refluxo de nenhum tipo e, após prender o cateter à pele da égua com um esparadrapo grande, conectou o soro fisiológico. Ela via o suor começando a ficar muito evidente no pelo de Lua e, por isso, deixou a regulagem do gotejamento no máximo, sabia que ela precisaria de hidratação. Quando os dois rapazes voltaram ela já tinha aplicado todos os medicamentos para induzir o parto. E começava a envolver a cauda da égua em ataduras para, logo depois, prender a cauda numa posição elevada.

Ela jogou uma solução antisséptica em um dos baldes, afastou suas coisas e, com a ajuda de Carlos e Eduardo, cobriu a cama de maravalha* que recobria a baia com a lona. Os dois rapazes abriram um sulco no material da cama por baixo da lona de forma que a depressão levasse toda a água para o ralo de escoamento da baia. Alicia então pegou sabão e começou a lavar a região posterior da égua. Primeiro ela usou água limpa e sabão, depois a solução de água com antisséptico. Quando tudo estava bem higienizado ela voltou a medir os sinais vitais da égua e checou as contrações.

Os medicamentos começavam a fazer efeito e Alicia constatou, para seu alívio, que já havia dilatação. Separou seus equipamentos e tudo o que poderia precisar usar em uma bandeja de metal, tudo esterilizado e em embalagens a vácuo individuais. Ela orientou Eduardo a lavar as mãos e colocar luvas. Ela também lavou as próprias mãos e colocou luvas de palpação (luvas de material não elástico que tem comprimento suficiente para cobrir todo o braço). Se recordou de quando, com 12 anos, havia ajudado o pai a fazer o parto de uma vaca leiteira em uma propriedade dos entornos da cidade. Sua vontade de se tornar veterinária havia nascido naquele dia.

Alicia sentia seu coração acelerado de medo. Ela sempre ficava assim quando sabia que corria o risco de perder seu paciente durante os procedimentos. E, naquele, ela tinha duas vidas em suas mãos, praticamente de forma literal. Esquecendo-se completamente de que não estava em trajes apropriados e não ligando a mínima para o fato de que, provavelmente, perderia a calça e a camisa que usava, ela se ajoelhou junto ao posterior da égua. Naquele instante ela jurou a si mesma que não permitiria que nenhuma daquelas duas vidas se esvaísse em suas mãos. Fez uma rápida prece em pensamentos à São Francisco de Assis para que ele protegesse aqueles dois animais e então começou a fazer sua parte.

Do lado de fora Giulio andava de um lado a outro em frente a porta do estábulo, inquieto e preocupado havia negado todas as tentativas de sua mulher de fazê-lo ingerir ao menos um café. Senhorita Almeida havia sido convencida pelo irmão a retornar a casa e se encontrava sentada numa cadeira acolchoada no canto direito da grande varanda da casa principal, de costas para a entrada do rancho e de frete para a porta do pavilhão de baias onde ela assistia a Giulio andar de um lado a outro impaciente.

Seu irmão e o advogado de seu tio-avô estavam sentados em cadeiras logo ao seu lado e conversavam a respeito do testamento. Nenhum deles lembrava-se da existência desse tio-avô. Na época em que sua mãe era viva lembravam-se dela contando sobre o irmão de seu pai que havia ficado na propriedade da família quando o pai havia se mudado para Minas Gerais em busca de outra vida. O pai de ambos havia se separado da mãe deles quando os dois eram crianças e se mudado para os EUA. A mãe havia falecido poucos anos antes por conta de uma pneumonia que se agravou.

Giovani Augustus Almeida era médico cardiologista. Tinha 33 anos e havia acabado de finalizar seu mestrado a respeito de síndromes genéticas relacionadas a doenças cardíacas. Era um médico respeitado em Belo Horizonte e em Brasília, trabalhava em um grande hospital em Uberlândia e havia, recentemente, aberto sua própria clínica junto de mais 4 colegas que conheceu na residência. Sua preocupação atual era o claro interesse que sua irmã vinha tendo naquela propriedade.

Maia Augustus Almeida tinha 27 anos. Havia se formado a pouco mais de um ano em história, curso que a mãe de ambos só permitiu que ela fizesse por que seria numa universidade próxima a casa deles. Apesar de ser uma mulher ativa, de opiniões fortes e vontades exigentes, Maia possuía diversos problemas pessoais com os quais lidava diariamente. Numa segunda feira, aos 18 anos, ela sofrera um acidente, um atropelamento. Maia estava correndo por uma das ruas do bairro, como fazia todos os dias às 6 horas da manhã. Um carro virou uma esquina invadindo a preferencial tão rápido que acabou virando na contramão. Maia estava descendo a calçada para cruzar a rua.

O motorista estava bêbado, voltava de uma festa e, após cruzar um sinal vermelho, havia acertado a traseira de um carro. Quando tentaram mantê-lo no local da batida, pois ambos os motoristas estavam feridos, ele fugiu seguindo por ruas menos movimentadas para tentar escapar. Ela foi socorrida relativamente rápido, um morador ouviu a batida e saiu para a rua encontrando-a e ligando imediatamente para os bombeiros. Com muitas lesões graves ela permaneceu 6 meses na UTI, dois deles em coma induzido. Mais 5 meses foram passados num quarto de hospital se recuperando e fazendo quase uma dezena de cirurgias tentando corrigir as sequelas dos ferimentos.

Maia não sabe dos detalhes de seu acidente, preferiu nunca saber, sabe apenas que o motorista que a atropelou estava bêbado. O irmão preferiu nunca contar nada a ela, mas ele havia sido julgado enquanto ela estava nos últimos meses de recuperação. Como ela não havia morrido no acidente a pena não foi o que a família dela desejava, mas decidiram que precisavam mais dar apoio a ela do que brigar judicialmente contra o motorista. E ela precisava mesmo de todo o apoio possível.

Por 8 meses ela teve que andar em uma cadeira de rodas. Fazia fisioterapia todos os dias, exceto aos domingos, sofria com dores constantes por conta das articulações lesionadas. Ela havia quebrado ambas as pernas, mas seu lado esquerdo havia sido muito mais afetado. Seu fêmur esquerdo se partiu em 22 pedaços, todos os ligamentos foram rompidos total ou parcialmente, sua fíbula esquerda teve que ser parcialmente removida porque os pedaços eram tão pequenos que a cicatrização deu início a uma osteólise que poderia ter afetado a tíbia.

Por quase dois anos Maia foi incapaz de apoiar o pé esquerdo no chão. Com a fisioterapia ela conseguiu retornar a alguns movimentos, mas nunca mais pode correr, algo que amava fazer. Sua mão esquerda também havia perdido parte dos movimentos. Até os dias atuais ela era incapaz de realizar movimentos precisos com a mão esquerda. Andar também não era tarefa fácil e exigia muito de sua perna esquerda que, por conta da consolidação óssea acabou ficando três milímetros mais curta que a direita. Seu caminhar se tornou lento e torturante por conta das fraturas que teve nos ossos do quadril.

Outro complicador para sua saúde foi o fato de que, durante a batida, parte de seu pulmão esquerdo havia sido esmagado e perfurado por suas costelas. A perda de 70% da área alveolar do pulmão esquerdo foi irremediável e lhe causou sérios problemas respiratórios. Não bastante as cicatrizes físicas a jovem moça ficou com traumas psicológicos muito maiores. Por muito tempo ignorou sua antiga vaidade. Entrou em depressão e se excluiu da vivencia de amigos e parentes. Mas conseguiu se recuperar.

Demorou, mas um dia passou a aceitar sua nova aparência e suas limitações. Voltou a ter um pouco da sua antiga autoestima e tentou voltar a sua antiga vida. Mas se surpreendeu com o pouco crédito que passou a receber de todos. Com 22 conseguiu convencer a mãe a deixa-la começar uma faculdade, mas não tinha muitas opções e decidiu seguiu em história para, posteriormente, tentar arqueologia. Claramente sua mãe não permitiu que ela se aventurasse em outro estado para cursar Arqueologia.

Na manhã do sábado anterior ela estava em casa com o irmão quando um advogado bateu a porta deles. Foram informados do falecimento do tio-avô que mal se lembravam existir e comunicados de que eram os únicos herdeiros. Em testamento o finado Senhor Augustus deixou registrado seu desejo de que os animais do Rancho nunca fossem todos vendidos e de que a criação de seus cavalos puro sangue inglês continuasse. Deixou sua vontade também de que Giulio Rosso permanecesse como gerente do lugar até sua aposentadoria, além do desejo de ser enterrado ao lado da esposa e dos filhos.

A única outra exigência era de que, caso os dois não quisessem administrar o Rancho Aureus apenas metade da propriedade, a área que incluía grande parte das áreas que serviam para as plantações, poderia ser vendida. O resto deveria ser doado a cidade e, com o dinheiro da venda do resto da propriedade, o casarão deveria se tornar um museu. Giovani era um médico bem sucedido e não tinha problemas financeiros, ele realmente estava tentado a vender metade da propriedade e ficar Minas sem se preocupar com nada que ocorreria com o lugar. Mas a única exigência feita pelo falecido era que os dois sobrinhos-netos passassem uma semana no Rancho antes de decidirem o que fazer.

Haviam chegado no fim da tarde anterior e durante a conversa e o pouco que puderam ver Maia havia ficado encantada. Nunca havia se imaginado vivendo em um lugar como aquele, mas ao sentir aquele ar fresco e a quietude da noite ela se sentia tentada a experimentar aquela realidade. Seu irmão havia notado isso e se preocupava porque sabia que, se ela decidisse ficar, nada no mundo a faria mudar de ideia e ele, definitivamente, não queria ter que se mudar para uma minúscula cidade de interior. Mas o distinto interesse de sua irmã caçula no que ocorria dentro daquele estábulo o fazia crer que seria impossível para ele convencê-la a vender a propriedade.

 

*Maravalha: resíduos do processamento de qualquer tipo de madeira. Cama: nome dado ao material que cobre a superfície de uma baia ocupada por animais, deve ser macia de forma a diminuir impactos, mas permitir o escoamento de água e outros líquidos.

 

 

N/A: E não foi dessa vez ainda que elas se encontraram hehe. Sei que vai ter gente muito irritada comigo, mas eu precisava e queria mostrar um pouco mais de ambas antes do grande encontro. Pra quem está sentindo a ansiedade crescer para esse encontro sugiro que vejam o drama de um parto kkkkkkkk. Mas sério, vai acontecer, então vão prestando atenção nos detalhes que eu vou contar sobre elas antes 

Antes de me despedir queria dizer que, fiquem atentos ao Lesword sempre pois os capítulos serão atualizados aqui antes dos meus outros perfis em outros sites. 

Bjs ;]



Notas:



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4 Respostas para Capítulo 3

  1. Nossa! uma personagens que nao esta nos padrões de beleza, nao é certinha! tem dificuldades físicas e emocionais fortes! amei! doida para vê o encontro delas!
    Beijos
    Mascoty

    • O mais interessante é que antes do acidente Maia estava completamente dentro desses padrões. Mas agora ela vive numa realidade diferente sentindo muita coisa que nunca imaginaríamos sentir.

      Bjs;]

  2. Estou adorando e até prefiro que seja assim a estória, tudo a seu tempo. O nervoso é mesmo pelo parto da égua, que aflição.

    Abraço

    • Se até na vida tem que ser tudo a seu tempo não é?
      Ain, deu nervoso desse parto até em mim que já sei o que vai acontecer.

      Abraços
      ;]

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