Alicia estava debruçada sobre o dorso do imenso animal. Lua era uma égua Puro Sangue Inglês de pelagem alazã que estava a duas semanas da data programada para o parto do potro também Puro Sangue Inglês. Naquele momento Alicia fazia um exame físico para confirmar a vitalidade do feto. Já haviam descartado a possibilidade do animal estar sofrendo de algum distúrbio digestivo e a veterinária já estava certa de que os sintomas de cólicas eram devido a contrações do útero da fêmea na tentativa de expulsar o feto. No instante em que ela retirou suas mãos da égua e começou a retirar sua luva Giulio chegou ofegante pela corrida, o que não a surpreendeu. Apesar da saúde impecável ele já era um senhor de 65 anos.
– O que ela tem? – perguntou o gerente da fazenda preocupado entrando na baia da égua – Pelo amor de Nossa Senhora, me diz que Lua e o potro vão ficar bem doutora – ele implorou se aproximando ao animal e se abaixando próximo à cabeça dela.
– Giulio eu não posso afirmar nada, você sabe como essas coisas são imprevisíveis – respondeu Alicia cansada, a posição em que teve que ficar para avaliar o feto não havia sido nada confortável – O potro ainda está vivo Giulio, mas eu precisava de você para continuar os procedimentos.
– Ai meu Deus do céu – murmurou o homem temeroso fazendo o sinal da cruz e depois acariciando o pescoço da égua – O que foi que aconteceu Doutora??
– É o seguinte Giulio – ela falou jogando a luva suja num canto da baia e se aproximando do homem e da égua – Pode ser apenas um alarme falso, algumas contrações adiantadas podem parar em algumas horas ou minutos e que não devem trazer nenhum mal nem pra Lua nem para o potro dela se diminuírem de intensidade logo.
Ela ia explicando calmamente as circunstâncias e o homem ia ouvindo-a atentamente pois sabia que ela lhe explicaria tudo sem lhe esconder nem um pormenor.
– Tem um “mas” nisso tudo não é? – ele questionou vendo a hesitação dela em continuar.
– Eu não acho que as contrações vão diminuir Giulio – ela respondeu abaixando a cabeça para logo voltar a ergue-la, ela não poderia demonstrar desanimo mesmo sabendo a gravidade da situação – Desde que cheguei elas continuaram a aumentar. Estão em intervalos médios ainda, mas continuam aumentando de intensidade e frequência.
O homem se levantou e começou a andar de um lado a outro. Alicia levantou-se também e notou alguns curiosos próximos a porta da baia. Foi até lá e encostou a porta delicadamente para dar a entender que não era hora de ficar assistindo.
– O que tu sugere? – ele questionou sério parando e a encarando – Tem como salvar ela e o potro?
Alicia sabia porque Giulio estava tão desesperado em salvar ambos. Lua era o animal mais importante para o finado Sr. Augustus, sua preferida, a única que o velho aceitava montar nos dias em que se sentia bem para isso. Além de tudo carregava no ventre um potro filho de um dos grandes garanhões que já estiveram em posse de Antônio Augustus. Uma gestação que foi quase um milagre por ter sido concebida por meio de inseminação artificial utilizando sêmen congelado a mais de 15 anos.
– Eu sei a importância dela e do potro pra você – disse ela se aproximando do homem e colocando a mão em seu ombro – Eu não posso afirmar, mas se as contrações não diminuírem agora o potro pode morrer e se isso acontecer seria muito difícil pra mim salvar ela.
– O que quer fazer? – ele questionou com os ombros caídos em desanimo.
Giulio era um homem alto e forte, apesar da idade ainda mantinha seu porte físico dos dias em que esteve no trabalho braçal do Rancho antes de se tornar o homem de mais confiança do Sr. Augustus. Mesmo assim Alicia não precisava erguer muito o rosto para olhá-lo nos olhos, já que tinha 178cm de altura, o que chegava muito próximo dos 180cm de Giulio. Ela apertou os dedos em volta do ombro dele tentando passar segurança e firmeza.
– Como veterinária eu preciso pedir sua autorização para realizar o procedimento que eu julgo o mais adequado para o caso da Lua – ela falou calmamente – Eu preciso que você me autorize a induzir o parto dela. Eu sei que faltam quase três semanas, mas se as contrações continuarem assim o potro não vai sobreviver. Induzindo o parto eu posso tentar salvar os dois.
– O que teu coração te diz pra fazer, menina Alicia? – sussurrou o homem encarando-a nos olhos e chamando-a de uma forma que havia deixado de usar com ela desde que havia deixado a cidade para estudar – Teu pai foi o melhor veterinário que eu já conheci, mas isso por que ele não só seguia os procedimentos e sim porque ele sabia sentir os animais. O que teu coração te diz para fazer?
Alicia entendia o que ele queria saber. Ele queria que ela dissesse o que sua intuição lhe dizia para fazer. Independente de técnica ou procedimento padrão que ela teria aprendido na faculdade. Ele queria saber a opinião sincera sobre a possibilidade de dar certo o que ela sugeria.
– Eu não sei se posso salvar ela, Giulio. Não me peça para dizer se posso ou não posso – disse ela firme encarando-o com seriedade e toda a sinceridade que o velho gerente precisava ver – Mas eu sei que se não fizer isso agora os riscos vão ser muito maiores para os dois. Meu coração me diz que se eu não interferir esse potro vai morrer e talvez depois eu não consiga salvar a égua também.
– Faça – disse ele indo na direção da porta da baia – Faça o que tem que fazer doutora. Estou dando a autorização.
Ela sabia que o homem não estava em condições de mais conversas, mas jurou a si mesma que faria o possível e o impossível, se preciso fosse, para salvar o potro e a égua. Correu para sua caixa de medicamentos selecionando o necessário logo pegando também uma bolsa de soro e o necessário para preparar o acesso venoso. Enquanto isso Giulio saia da baia e encontrava seu filho Carlos parado ao lado da porta. O homem mandou que seu filho e mais dois funcionários continuassem ali para auxiliar a doutora e que os outros voltassem ao trabalho e então se dirigiu para a saída frontal dos estábulos. Na porta as três figuras, que antes estavam no escritório, se fizeram visíveis caminhando lentamente na direção do gerente.
Os dois homens usavam ternos bem alinhados. A mulher trajava um vestido de médio comprimento que chegava até abaixo de seus joelhos e era feito de um tecido mais grosso e quente com um casaco azul, um tom mais claro do que o vestido azul marinho. Ela vinha apoiada no homem de terno preto que tinha os olhos verdes também. Ambos tinham uma semelhança notável em suas fisionomias mesmo o homem sendo mais alto e parecendo mais velho. Os traços de seus maxilares e narizes eram parecidos, apesar do rosto da mulher ser mais suave, assim como o mesmo tom claro de castanho nos cabelos.
Os três tinham acabado de entrar pela porta da frente do estábulo quando Giulio saiu da baia e se direcionou a eles. A moça parou de caminhar quando notou a aproximação do gerente do Rancho e o mesmo fizeram os outros dois. Foi possível ouvir uma voz feminina gritar dois nomes de dentro de uma das baias próximas ao centro do pavilhão. O timbre era levemente rouco e transparecia autoridade e urgência, junto a expressão de angustia na face cansada e avermelhada pelo sol forte do dia a dia de Giulio.
– Senhor Giulio, o que está havendo? – questionou a moça claramente preocupada, sua voz era calma e suave – Qual a razão dessa correria toda? – seu sotaque claramente denunciava que ela vinha de Minas.
– É uma égua, Senhorita Almeida – respondeu Giulio coçando a barba de fios prateados que um dia já foram castanhos – Ela está com problemas para parir. A Doutora já está lá, mas mesmo assim a égua corre grandes riscos, assim como o potro.
– Eu achei que tivesse dito que o Rancho não possui um veterinário – falou o rapaz num tom sério, mas curioso, seu timbre era grave e profundo.
– E não temos mesmo, Senhor Almeida – respondeu Giulio com voz cansada – A doutora tem uma clínica na cidade, mas atende toda a região. Não tem outros veterinários além dela pela redondeza. O mais próximo fica a mais de sete horas de carro daqui. Mas a Doutora vem sempre que precisamos.
– Essa égua, ela parece ser importante, porque você está claramente preocupado – tornou a falar a moça notando o desanimo e a angustia dele.
Giulio olhou para trás na direção da baia e soltou um longo suspiro. Depois, quando encarou novamente os três, abaixou a cabeça e cruzou os braços sobre o tórax.
– O nome dela é Lua – ele começou a contar – Era o animal que o Senhor Augustus mais adorava. Quando saía para cavalgar era sempre com ela, mesmo que raramente o tio-avô de vocês estivesse bem o bastante para isso insistia de não permitir a mais ninguém monta-la. O patrão tinha verdadeira adoração nessa égua e não era por menos, além de ser linda ela tem uma linhagem incrível. É realmente um dos melhores animais do Rancho. E se não fosse só isso ela ainda está prenha de um potro que tem chances de ser tão incrível quanto ela. Na verdade é um verdadeiro milagre que ela tenha conseguido emprenhar por conta da situação da inseminação – ele tornou a suspirar e então encarou os dois irmãos – Eu sinto não poder acompanha-los na refeição, mas preciso ficar aqui e acompanhar o que vai acontecer. Quero saber das notícias em primeira mão. Agora tudo depende das mãos da Doutora.
A moça ficou incrivelmente curiosa em saber quem era a tal veterinária tão confiável para que Giulio a deixasse cuidar do melhor animal do Rancho. Já havia presenciado a verdadeira devoção que o homem tinha por seu trabalho, pelos animais e, principalmente, por seu falecido tio-avô. Ela era uma mulher muito perceptiva, resultado de anos tendo que lidar com pessoas que não a levavam muito a sério. Conseguia afirmar que, se Giulio não confiasse plenamente na veterinária, ele não estaria ali tão longe das coisas conversando com eles. Mesmo morando a vida toda na cidade ela sabia que homens geralmente ficam receosos em reconhecer a destreza e perícia de uma mulher em seu trabalho. Poderia supor com certa precisão que, numa cidade pequena como aquela e na zona rural, seria muito difícil uma mulher ser reconhecida. Mas resolveu manter sua curiosidade para si mesma, pois não era a hora disso.
N/A: O procedimento de indução de partos é usado de forma mais recorrente em bovinos, principalmente em fêmeas que tem gestação oriunda de transferência de embrião (que é quando os óvulos de uma fêmea são inseminados in vitro e implantados dentro do útero de outra fêmea que vai gestar o feto). Como veterinária eu não tenho muita experiencia em equinos, mas o quadro clínico de Lua é possível. Mas nenhum dos procedimentos e medicamentos serão descritos aqui. Primeiro porque a escolha do que se realizar é SEMPRE do veterinário responsável e segundo que são conhecimentos únicos dessa profissão e não devem ser repassados de forma simples assim. Se alguém quiser alguma explicação mais detalhada de como e porque algum dos procedimentos realizados pela Alicia pode falar comigo pelos comentários ou pelo twitter (@an_403998) eu terei o maior prazer em tirar as dúvidas de vocês.
Espero que estejam gostando desses poucos capítulos.
Até semana que vem ;]
Eita, voce sempre com seus suspenses! E depois sei que você nao tem pena de matar personagens! lembro ainda da mae do Arthur! kkk . Agora vamos vê com bichinho! kkk
beijos!
Mascoty
Oláaa!!! Já sentia sua falta kkkk
Nem tem suspense aqui kkkk, só um pouquinho de drama =P
Eu queria dizer que não matarei ninguém em Argentum, mas já comecei matando um (RIPAugustus).
Mas quem é o sem coração que mataria bichinhos????? Coisas lindas *-* Ainda mais cavalos *_*
Bjs ;]
Oi Alini,
Quando acessei o site do Lesword vi seu username e reconheci do Lettera, já li alguns de seus romances. E agora estou acompanhando o Argentum.
Olá =]
Bom encontrar pessoas que já me conhecem hehe. Argentum está sendo atualizada em todos os meus perfis, mas vou atualizar primeiro sempre aqui.
Espero que goste de Maia e Alicia
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Gostando muito da história. Aguardando ansiosa. Abs
Espero que continue acompanhando
Abraços
;]