Reféns do desejo

Capítulo 13

 

— Não pode ter caído nessa historinha!

— Não caí.

Bianca encarava-a com uma fisionomia grave, então dedicou sua atenção para Adriana. Ela continuava sua caminhada intensa diante do carro, vez ou outra, lançando olhares preocupados para as duas.

A ex-refém foi até o carro, curvou-se e enfiou metade do corpo para dentro dele através da janela aberta. Retornou para junto da amiga segurando uma fotografia, o que gerou algumas rugas na testa da criminosa que estacou com dentes trincados.

— A menina existe e está morrendo — ela entregou a foto a Silvia, que a olhou com um sorriso cético.

— É apenas uma foto. Uma olhada rápida na internet e encontrará milhares como esta.

As mãos delicadas da moça envolveram seus braços como garras. Falava baixo, mas com tanta veemência que os olhos azuis da ex-policial se abriram mais, surpresos pelo rompante.

— Eu estive no hospital; a conheci e nunca me senti tão inútil quanto naquele momento. Você entende? Isso não é um dos meus caprichos! Estou falando da vida de uma garotinha. Não estou justificando o que ela — apontou para Adriana — e os amigos fizeram, mas não nego que se estivesse em seu lugar e esta fosse a única opção que se apresentasse para salvar a vida da minha filha, não mediria esforços, nem teria escrúpulos!

Em todos aqueles anos em que se conheciam, Silvia jamais a viu falar com tanto calor e emoção sobre algo, mesmo assim, ainda se apegava a descrença. Era tudo um grande absurdo.

Livrou-se das mãos que a aprisionavam, escondendo o rosto entre as suas próprias mãos por alguns segundos.

— Céus! Não consigo acreditar.

Deu um passo atrás.

— Quem é você? A Bianca que conheço é um poço de egocentrismo, jamais se arriscaria dessa forma por uma criança estranha. Ainda mais uma que saiu de uma história que parece enredo de novela mexicana!

Uma careta desfigurou o rosto moreno. Ela entendia a descrença da amiga. Como falou para Adriana, escondia-se das pessoas por trás de uma máscara de indiferença e frieza. Era natural a surpresa de Silvia.

— Você não me conhece tanto quanto pensa — pronunciou amarga.

Chegou à conclusão de que em 24h, Adriana conheceu muito mais de seu caráter e sentimentos, que a sua melhorar amiga e ex-namorada com a qual convivia havia mais de vinte anos.

— Acha que não entendo o que meu pai fez quando me sequestraram na adolescência? Pensa que não compreendo o que ele está fazendo agora? Ele me ama. À sua maneira, ele me ama e, como pai, está fazendo o que pode para me proteger. Mas isso não significa que devo concordar com as atitudes dele ou as suas.

Abraçou-se por alguns instantes, mirando a mulher para quem tinha se entregado de forma tão intensa e, por um breve momento, pegou-se a desejar estar abrigada entre seus braços novamente. A necessidade de estar com ela, em tão pouco tempo, era assustadora.

Riu com uma breve expressão de desgosto.

— Você sabe que não sou uma pessoa facilmente manipulável.

A contragosto, Silvia concordou. Bianca só fazia algo se fosse da sua vontade.

— Sua consciência, até entendo. Mas e aquele beijo? Por favor, não me diga que foi para ajudar a pobre mãe bandida e sofrida também. — Aquele era o ponto que desejava tocar desde o início.

Apesar de já fazer muito tempo desde que terminaram seu namoro e da amizade que compartilhavam, não podia negar para si mesma que estava com ciúmes. Vê-la nos braços de outra mulher foi inquietante, mas compreendia que grande parte do seu desconforto vinha do fato de que nunca a viu com outra.

No entanto, o que lhe revirava os pensamentos, era o modo como olhava para sua sequestradora, como a defendia e falava dela.

— Prefiro não conversar sobre isso — esquivou-se.

— Mas eu gostaria! Quero saber, quero entender por que você estava aos beijos com a mulher que a sequestrou.

Por segundos, quase intermináveis, se encararam. Bianca desejou poder estar no conforto do seu apartamento, jogada no sofá com as pernas atiradas sobre as dela, preenchendo seus ouvidos com a massa de pensamentos e sentimentos confusos que a dominavam naquele instante, mas estavam muito longe disso.

Passou a mão na testa para aliviar um princípio de dor de cabeça.

— Não aqui, não agora. Sim? Daqui uma hora, o tal Alex chegará para pegar o dinheiro e devolver o Lucas. Preciso que nos ajude.

— Está maluca?!

Massageou a têmpora direita, cada vez mais cansada daquela conversa.

— É, estou maluca! Estou maluca há muito tempo. Na minha insanidade, minha melhor amiga e o meu pai, têm envolvimento com um grupo de extermínio. Eles acham que são os donos da verdade, que carregam a justiça em seus atos. Mas a realidade é bem diferente! Não vejo justiça nas mãos deles, só crimes!

Seu rosto estava vermelho pela raiva repentina. Cada palavra foi pronunciada em um tom de voz cada vez mais alto e vinha acompanhada por gestos duros.

— Não vamos discutir isso de novo! — Silvia também alteou sua voz.

— Eu não estou discutindo. Cansei de discutir! Cansei de fingir que vocês são os mocinhos, porque não são mesmo! — Exalou forte. — Eu não vou voltar para casa até que essa situação se resolva. Você tem os meios e uma equipe treinada. Então, pelo menos uma vez, faça valer a pena toda essa droga disfarçada que chama de justiça!

 

***

 

Cobra ajustou a mira com calma. Ajudava o fato de Adriana ter parado de andar de um lado para outro e se recostado na porta do carro com jeito de zanga. Admirou suas feições por alguns instantes, então apoiou o rifle em um galho e pegou o celular. Segundos depois, o som do celular de Silvia causou um sobressalto em Bianca.

O que foi? — A loira questionou.

Ele sorriu, convencido. Estava assistindo a discussão entre elas e divertia-se em ver o desconcerto na face da loira que sempre se mostrava altiva e confiante.

— Falei com o “chefão” e ele pediu para dizer que você não está mais no comando.

 

***

 

Ao longe, Silvia tirou o aparelho do ouvido e deixou o olhar vagar até onde Adriana estava. A luz do dia dificultava a visualização do ponto verde sobre o peito dela, que mirava o horizonte com semblante carregado, alheia ao fato de que estava prestes a morrer.

— O que foi? — Bianca questionou. Sua voz tinha retornado ao tom normal.

Silvia estava com raiva e magoada, mas se aquilo que a amiga lhe pediu para impedir, acontecesse, ela jamais iria perdoá-la. Trincou os dentes, furiosa consigo mesma.

— Não faça isso — pediu, recolocando o aparelho no ouvido. Contudo, sabia que seria ignorada.

Ouviu uma risada baixa e a voz grave dele ressoou em seus ouvidos.

Sinto muito, já tenho as minhas ordens. Não fique no meio do caminho e cuide da filha do Juiz.

O celular ficou mudo, enquanto sustentava o olhar de Bianca.

— O que está acontecendo? — A moça indagou.

Novamente, Silvia desprezou a pergunta e mirou Adriana.

E se a história dela fosse mesmo verdade? Bianca afirmava que sim e apesar da sua descrença, a amiga estava correta ao afirmar que não era manipulável. Era o tipo de mulher que lutava pelo que acreditava e, raramente, estava enganada.

Neste caso, apesar das circunstâncias, aquela não era o tipo de criminosa que merecia morrer pelas mãos daquele grupo.

As palavras duras de Bianca ainda ressoavam em sua mente. Ela sempre deixou claro que sabia o que o pai e ela faziam; não perdia a oportunidade de alfinetá-los, mas nunca ergueu a voz daquela maneira ou pareceu tão decepcionada.

— Você confia mesmo nela? — Questionou de repente.

Confiar não era a palavra que Bianca usaria. No entanto, balançou a cabeça afirmativamente e foi surpreendida quando ela a atirou no chão e correu para Adriana.

A criminosa se assustou com seu rompante e preparou-se para recebe-la com um soco.

— Abaixa! Abaixa! — Silvia gritou.

Demorou um segundo para compreender o sentido das palavras dela, mas obedeceu e viu a loira se jogar no chão ao seu lado. Então, alguns pedaços de vidro, da janela da porta traseira do carro, caíram sobre si. Ergueu o olhar e, pela segunda vez em 24h, Adriana viu o buraco de uma bala que era destinada a ela.

— Que inferno! — Gritou. Pegou a arma na cintura e correu para o lado oposto do carro, privando Cobra do seu alvo.

Silvia a seguiu e, assustada, Bianca se juntou a elas, obedecendo a ordem da amiga que gritou seu nome um par de vezes, antes que se recuperasse do susto. Ódio dominava sua face, passando a impressão de um autocontrole assustador. No entanto, o medo percorria suas veias como as águas caudalosas de um rio.

— Você tinha que trazer os “soldadinhos de chumbo” — disse azeda, quase cuspindo as palavras no rosto da amiga.

— Não me olhe assim!

— E como quer que te olhe?! Deus, você nem parece a minha melhor amiga! Tudo o que vejo é este olhar assassino!

Silvia abriu a boca para replicar, mas nenhum som lhe escapou. Em vez disso, se encolheu ainda mais quando outro tiro atingiu o carro.

— E agora? — Bianca questionou entredentes.

— Ordenei que ele apenas vigiasse a sua “amiguinha”. Mas o estúpido ligou para o seu pai e, adivinha, não tenho mais poder de decisão!

Seu celular tocou novamente e deixou um grunhido baixo escapar.

— Seu idiota! O que pensa que está fazendo? — Berrou ao atender.

Eu que pergunto: “o que está fazendo”? Avisei para que se protegesse e não para que salvasse a ruiva.

— Está cometendo um erro…

Eu nunca erro. Meu trabalho é caçar bandidos e essa ruivinha do seu lado é a minha caça! — Desligou.

Um disparo atingiu um dos pneus do carro e Adriana soltou um palavrão. Sua mente fervilhava em busca de soluções.

— Que maravilha! — Bianca, reclamou.

— Agora não, Bia! Me poupe das suas ironias! — Rugiu.

— Farei isso quando você parar de pensar com a sua arma e começar a usar o cérebro!

— Pelo que vi, é você que não está usando o cérebro e sim sua…

— Parem! — Adriana se intrometeu.

 Foi fuzilada pelo olhar das duas mulheres e quase riu da situação, pois engoliu em seco diante de tanta beleza. Contudo, manteve o foco.

— Me poupem vocês! Tem um maluco querendo me transformar numa peneira e ficam aí discutindo sem necessidade! Não me interessa quem tem razão. Quero mesmo é saber como vamos escapar dessa enrascada, já que ele se encontra em um lugar privilegiado e nós só temos isto — bateu no carro com a mão espalmada — para nos proteger.

Silvia exalou profundamente, dando um soquinho na lataria.

— Pela disposição do terreno, não há muito o que fazer — respondeu, ciente de que sua vida também corria perigo naquele momento. Cobra não lhe pouparia se ajudasse uma criminosa que caçava. E o Juiz não se importaria de vê-la debaixo de sete palmos de terra. — Não temos para onde ir, exceto, as ruínas da casa, mas estão longe e correr para lá é como desenhar um alvo em nossas costas. Cobra é um bom atirador e raramente erra.

Adriana escorregou até sentar no chão, sem se importar com a lama em suas vestes. Exibiu um sorriso deformado e ironizou:

— Bela hora arranjei para me tornar uma criminosa. Aliás, que ótima escolha para refém eu fiz. — Encostou a arma na testa por um momento, então olhou para Silvia. — Meus amigos estão bem?

— Drica, esta não é a hora…

— É a única hora, Bianca — lhe enviou um sorriso torto e sarcástico. — Por favor, responda — pediu a Silvia. Esta, a observou longamente, analisando os traços delicados do rosto marcado por hematomas e arranhões. Os olhos eram de uma cor ímpar, como os de um felino, e espelhavam um sem número de emoções, menos ódio ou maldade, como imaginou que encontraria.

Acreditava que a forma de olhar revelava muito sobre as pessoas. Por mais que a face fosse uma máscara de indiferença, o olhar sempre traía. E o olhar de Adriana era tão único, quanto a cor de suas pupilas.

— Da última vez em que os vi, estavam.

Drica inclinou a cabeça, satisfeita com a resposta. Voltou a ficar de cócoras e retirou o celular do bolso. Alguns segundos se passaram, enquanto fitava o aparelho, então o entregou a Bianca.

— Vão — ordenou.

— O quê? — As duas mulheres indagaram, confusas.

— Vão — repetiu.

— Do que está falando?! — Bianca insistiu.

— Ligue para o meu irmão. O nome dele é Rodrigo. Está no histórico de chamadas. Avise sobre o que aconteceu e peça para realizar a troca. Agora, vão. É a mim que eles querem. Não irão machucá-las. Vão! O que estão esperando?

Silvia arqueou as sobrancelhas, surpresa. Bianca, por outro lado, rilhou os dentes e a estapeou.

— Ai! Droga, por que fez isso?!

— Porque você tem que parar com essa mania de se sacrificar! Ontem se entregou e, se eu não tivesse interferido, aquele “armário” teria te matado. Agora, quer fazer o mesmo! Qual é o seu problema? — Sua voz crescia, assim como tinha acontecido com Silvia, minutos antes. A ex-namorada não deixou de perceber isso e começou a suspeitar que Bianca poderia estar sentimentalmente envolvida por aquela bandida.

A ideia fervilhou em suas entranhas, mas a afastou colocando a preocupação com a situação que viviam no lugar.

Adriana esfregava a face com uma mistura de indignação e admiração.

— O meu problema se chama Alex! — Proclamou, levemente ofegante. A face vermelha, exibia as marcas dos dedos de Bianca. — Um filho da puta que não vai com a minha cara e resolveu infernizar a minha vida. Pra isso, decidiu privar a minha filha do cretino do pai, que não vale um tostão furado, mas carrega no sangue uma chance de salvá-la. Esse é o meu problema! É por causa dele que estou no meio dessa porra de tiroteio! E, se aquele desgraçado lá em cima, não me matar, irei para a cadeia. Não por assaltar um banco ou por sequestro e, sim, por assassinato. Pois, podem ter certeza, eu vou matar aquele bastardo! — Esmurrou a lataria do carro.

Não tinha percebido, mas estava gritando e assustou-se com a intensidade do ódio que a dominava. Era um sentimento tão forte e cruel que, por alguns instantes, nublou seus pensamentos.

Apoiou as costas no carro, fugindo do olhar delas e enxugou uma lágrima, que lhe escapou, com as costas da mão.

— Desculpe! Não queria gritar com você. Só estou cansada dessa história! Estou cansada de tentar não desmoronar sempre que entro no hospital, dessa ideia estúpida de assaltar um banco, de fugir, de lutar…

Baixou a cabeça e Bianca envolveu seu braço como uma das mãos. O calor ameno daquele toque a acalmou momentaneamente.

— Morro feliz por ela, se for preciso. Mas se ela morrer e eu continuar aqui, não saberei como viver.

Outro tiro atingiu a lataria do carro e Silvia encarou as duas mulheres ao seu lado. Definitivamente, aquela não era uma atitude esperada para uma criminosa. Bianca escorregou a mão pelo braço dela e pegou o celular.

Drica fez menção de ficar de pé, mas ela a impediu. Começava a digitar um número, quando Silvia falou:

— Não acredito que isso está acontecendo! — Balançou a cabeça. — Realmente, não acredito.

Fitou a amiga e depositou a mão sobre a dela, impedindo que apertasse o botão de “ligar” para realizar a chamada.

— Você sempre me coloca em fria, Bia! Não sei como consegue, mas sempre me mete em roubadas! E, espero, não me arrepender disso.

— Do que…

Silvia estendeu a mão e agarrou o braço de Adriana. A puxou com força e a atirou longe do carro, permitindo que Cobra tivesse uma boa visualização do seu alvo. Bianca gritou algo; um insulto com certeza e a viu jogar-se sobre a ruiva que erguia-se um pouco desnorteada pelo susto, mas desferiu um soco no queixo dela assim que se aproximou.

— Loira traíra, vou te matar! — Chutou as pernas dela, mas Silvia esquivou-se, dando alguns passos para o lado e enfiou um soco abaixo das suas costelas.

Adriana se curvou, os dentes trincando de dor, mas voltou a erguer os punhos. Esquivou-se de um soco. O braço de Silvia passou ao lado da sua cabeça e aproveitou para lhe socar o abdômen e a loira recuou alguns passos.

Preocupada, Bianca tentou se intrometer na briga, mas o embate era tão feroz que mal conseguiu se aproximar. Escondido na mata, Cobra assistia a luta curioso, com um sorriso quase cruel nos lábios.

Adriana bloqueou um soco e abaixou, de repente, girando o corpo. A perna formando um arco perfeito, enquanto atingia Silvia, atirando-a no chão. Voltou a ficar de pé e deu um passo à frente, cometendo um grave erro, pois a ex-policial ergueu o tronco e a atingiu no queixo com a sola das botas.

Caiu sentada, ligeiramente desorientada pela pancada.

A loira jogou-se sobre ela e montou em seu tronco, mas Adriana prendeu a mão dela junto ao corpo e agarrou a manga da sua blusa, acima do cotovelo, travou a perna dela embaixo da sua e ergueu o quadril, girando o corpo e trocando suas posições. Contudo, Silvia conseguiu jogá-la para o lado e girou sobre seu corpo, empurrando-a de cara no chão. Falava, enquanto seu joelho pressionava as costas dela, mantendo-a prisioneira. Eram palavras rápidas que lhe saíam baixas e um pouco atropeladas. Então, pegou a arma e apontou para sua cabeça, à tempo de impedir que Bianca avançasse em defesa dela.

— Se não quiser que ela morra agora, Bia, vamos entrar naquela mata — sorriu vermelho e cuspiu um pouco de sangue.

 

***

 

Cobra mantinha a mira firme, enquanto assistia Silvia percorrer o caminho até ele com a ruiva bandida, desacordada, jogada sobre os ombros como se fosse um saco de batatas. Ela carregava a moça sem esforço aparente, ao mesmo tempo em que apontava a arma para Bianca, incentivando-a a prosseguir um pouco à frente.

— Você é mesmo um idiota! — Afirmou ela, parando à sua frente e atirando o corpo da ruiva no chão. — Eu disse que estava cometendo um erro, mas você queria bancar o espertão!

O maxilar dele se contraiu de raiva.

— Nem tudo se resolve com um tiro, imbecil! — Ela continuou, vendo-o envolver com mais força o cabo do rifle. — Estava tudo sob controle!

— Você não parecia ter nada sob controle — retrucou.

Um riso de escárnio escapou por entre os lábios rosados dela.

— Acha que eu nasci ontem? Depois do que houve naquela cabana, achava mesmo que desceria até lá sem um plano de ação? Tudo o que tinha de fazer, era me obedecer!

Ele se pôs de pé, olhando a fúria que os olhos de Bianca exibiam, enquanto Silvia pressionava a arma em suas costas. Caminhou até elas, baixando o rifle. Estava a poucos centímetros de Adriana, mas não se dignou a olhar para ela e chegou mais perto das duas.

— Eu só obedeço ao Juiz!

— Um corpo tão grande e um cérebro de ameba! — Bianca soltou. — Essa fidelidade cega ao meu pai, ainda irá lhe custar muito.

O grandalhão se empertigou.

— Seu pai é um grande homem.

— Um assassino como você. Mesmo não segurando a arma, tem as mãos tão sujas de sangue quanto você.

— Faço o que é necessário. Ele também. Afinal, estamos protegendo as pessoas.

Bianca riu, os olhos negros focalizando-o com desprezo.

— É uma pena que você não tenha herdado a visão do seu pai e tantos outros.

— Acredito que você, realmente, acredita que está fazendo um bem ao cometer esses crimes. Mas isso não é justiça de verdade. É apenas assassinato e isso não os torna melhor do que os criminosos que caçam.

Os lábios finos dele, se contraíram.

— Já chega dessa conversinha. Vamos acabar logo com isso — começou a erguer o rifle, outra vez.

— Concordo! Você pode começar soltando a arma e erguendo as mãos — Drica falou, encostando a arma nas costas dele, exibindo um sorrisinho tão vermelho quanto o de Silvia, minutos antes.

Surpreso, Cobra obedeceu, focalizando a loira com o mais puro ódio na face.

— Desculpe, grandão. Mas entre você e a minha melhor amiga, sempre escolherei ela — a loira falou, apontando a arma para ele também, enquanto Bianca recolhia o rifle no chão e a pistola na cintura dele.

Um gemido colérico escapou dele e tentou avançar na direção de Silvia, mas Adriana chutou a parte traseira de seu joelho e ele tombou para a frente. De joelhos, ainda era um homem enorme e ameaçador.

A criminosa esfregava o queixo, mirando Bianca digitar um número no celular da amiga e depois colocar o aparelho no ouvido.

— Você poderia ter contado seus planos — comentou para a loira. Silvia, que também observava Bianca, se voltou para ela.

— Se tivesse contado, nossa “briguinha” não teria parecido tão real e não poderíamos enganá-lo — respondeu, apreciando o sorriso que se espalhou no rosto bonito, salpicado de sardas graciosas. Só havia revelado suas intensões quando a imobilizou e apontou a arma para sua cabeça. Sabia que o olho treinado de Cobra perceberia logo se estivessem encenando um combate.

Torcia para ter feito a escolha certa e para que isso não lhes custasse a vida. Contudo, ainda se sentia traída e com muita raiva da situação em que estavam.

Ao seu lado, Bianca estalou a língua, irritada. Pressionava o celular no ouvido, evidentemente desconfortável. Alguns segundos se passaram e a ligação foi atendida ao terceiro toque, então colocou no viva voz.

Já resolveu? — A voz do pai a alcançou. Obviamente, ele pensava se tratar de Cobra.

Respirou fundo, enquanto um arrepio eriçava os pelos da sua nuca.

— Vou ser bem clara. Você vai ordenar aos seus capangas que partam sem olhar para trás e vai fazer isso agora ou…

Não bastava sujar o meu nome se envolvendo com Silvia, agora você me envergonha com uma amante criminosa…

A moça esmurrou o ar. Os lábios comprimidos.

— Você vai manda-los embora ou eles terão que me matar também. — O interrompeu; sua voz crescendo algumas notas. — Mas se por acaso isso não acontecer, quando nos encontrarmos novamente, será nos tribunais. Esta será a última vez que usará seus soldadinhos, pois terei grande prazer em entregar as autoridades um dossiê sobre suas atividades. Isso é sujeira suficiente para o seu bom nome, “papai”?!

Por alguns instantes, só ouviu a respiração pesada do outro lado da linha.

Você não sabe…

— Janeiro de 1997, Elias Batista, mais conhecido como Zoinho, traficante que escapou de uma condenação por assassinato e tortura de três adolescentes por falta de provas e testemunhas. Foi ecado e fuzilado. Março de 2003, Matias e Anderson Ribeiro, dois irmãos acusados do estupro de várias crianças e adolescentes foram torturados e mortos. Setembro de 2007, Dimas Oliveira, mais conhecido como…

Ouviu algo sendo quebrado do outro lado da linha.

Está bem! — Ele gritou. — Mas não pense que…

— Não penso nada, “papai”. Afinal, estou muito abalada por ter sido feita refém e, após 12h nas mãos dos bandidos, fui libertada no meio de um matagal. Agora me encontro em uma clínica, medicada e me recuperando do susto. Sugiro que libere uma nota à imprensa. E, não se preocupe, Silvia me levará para casa à noite.

Ouviram algo parecido com um rosnado e, novamente, o som de coisas se quebrando. Se aproximou de Cobra.

— Fale — ordenou.

O homem a mirou enfurecido, mas obedeceu.

— Senhor, devo me recolher com a minha equipe?

Ricardo limpou a garganta, então respondeu:

Sim. Vocês estão dispensados. Agradeço seus esforços, meu amigo. Em breve, nos encontraremos. — A ligação foi encerrada.

Por alguns instantes, as três mulheres se observaram, cruzando olhares cúmplices. Então, Adriana baixou a arma e se afastou de Cobra. Da mesma forma, Silvia fez. Ele se colocou de pé e estendeu a mão para recuperar as armas que Bianca ainda segurava, no entanto, ela não as devolveu.

— Desculpe, vamos ficar com isso por precaução.

Com um sorriso desdenhoso, ele concordou e se voltou para Silvia.

— Espero que não se arrependam por isso — se encaminhou para a trilha que o levaria de volta para o carro e companheiros.

— Eu também espero — ela comentou baixinho, fitando Adriana. Se aproximou dela até ficar a poucos centímetros do seu corpo. Mantinha os braços cruzados com os punhos cerrados. Quando falou, seu hálito acariciou a face dela, de tão próximas que estavam. — Você só está viva ainda por causa de Bianca. Faça algo, qualquer coisa, que a machuque e não hesitarei em meter uma bala em seu peito.



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