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Segredo revelado: Nada permanece oculto para sempre
(Sophie) … certo, contarei tudo: Eu residia em uma cidade do interior. Casa simples, família simples… quando meu pai abandonou a minha mãe, eu ainda era uma criança, mal lembro dele. Depois minha mãe casou-se novamente. Ela teve mais dois filhos, sim, eu tenho irmãos e não sei como eles são, se estão bem, sequer sei se estão vivos!
Acontece que eu sempre notei a forma como meu padrasto me olhava, mas nunca pensei que ele tentaria algo. Até que um dia…, sabe Jenny, muitas vezes acreditamos que as ameaças veladas, só ficaram ali, subentendidas entre olhares e gestos, mas infelizmente não foi assim, em uma noite ele entrou no meu quarto, eu fiquei desesperada. Achei que se eu fingisse que estava dormindo ele sairia, mas ele não saiu. A minha sorte, sim naquele dia e em outros dias, eu tive sorte. A minha mãe interveio, em outras situação ela ou um dos meus irmãos foram meus salvadores e nem sabem.
– Nossa Sophie, que…
– Me deixar terminar?
Naquela noite a minha mãe interveio… o engraçado é que, a minha mãe sempre foi uma mulher forte e destemida, depois dele, ela se tornou fraca e submissa, nunca consegui entender essa mudança de personalidade. Aceitou as desculpas dele, falando que estava bêbado e que confundiu os quartos e de que aquilo não aconteceria outra vez, e até desculpas ele me pediu. Claro que não acreditei naquilo e sabia que seria uma questão de tempo e oportunidade. Quando a oportunidade surgiu, ela veio de mãos dadas com a pior dor que já senti, foi em um repente, minha mãe ficou doente e logo faleceu. Confesso a você que até hoje acredito que ele é o responsável por isso, eu não sei como ele fez, entendo que não posso provar, mas acredito sim, que ele seja o culpado. No dia do velório, ele me abraçou fingindo estar tão abalado quanto eu e meus irmãos, e sussurrou para mim: “a partir dessa noite, é você quem vai ocupar o espaço que sua mãe deixou, ao meu lado, na minha cama. ”
Aquilo foi mais assustador do que quando eu era criança e achava que tinha monstro debaixo da minha cama, não acompanhei o funeral da minha mãe, fiquei em casa e arrumei algumas roupas, peguei todo o dinheiro que eles guardavam, sabia onde ficava e é claro, o aquário; esse que está sempre vazio ali no canto. Ele foi um presente do meu pai para minha mãe, depois que ele nos abandonou, minha mãe nunca mais colocou peixes nele, mas sempre o limpava cantarolando alguma música que eu não descobri qual era, mas acho que era a música que fazia ela lembrar dele, essa é a lembrança mais marcante que tenho dela.
Bom, voltando… eu fui até a rodoviária e comprei uma passagem para o lugar mais longe que eu pudesse ir, e o lugar foi essa cidade. Ah, Jenny… achei que chegaria aqui e um mundo de possibilidades se abriria para mim, nossa, como eu era ingênua. Eu encontrei uma pensão no subúrbio, bem barata; as paredes com rachaduras e banheiro comunitário. E mesmo sendo tão nojento, a dona conseguiu tirar de mim praticamente todo o meu dinheiro. Passei dias e mais dias procurando emprego, mas não estava fácil. Então, quando eu já estava desistindo, passei em frente a uma pensão e estava escrito em uma placa, que eles precisavam de ajudante, fiquei pensando nas inúmeras vezes que minha mãe falou que seu sacrifício valeria a pena, para me manter estudando, para que eu pudesse ter oportunidades melhor que as dela e eu fui para em uma pensão implorando para ser ajudante. E de repente, entrou o dono daquele lugar e disse em alto e bom som que eu era muito bonita para trabalhar como ajudante, falou que me levaria em outro lugar e nesse lugar teria o trabalho ideal para mim, passei acreditar que minha sorte havia mudado. Me animei, sem contar que foi a primeira vez que havia entrado em um carro tão luxuoso, com direito a motorista abrindo a porta para mim e um cara falando todo rebuscado e bonito. Nós descemos em frente a um hotel grande, onde funcionava uma casa de shows, ou melhor, de prostituição, se preferir chamar assim. Claro que naquele momento eu ainda não sabia, parecia mais um hotel que também era teatro. O tal homem, ele me deixou sentada em um sofá e foi conversar com uma mulher, disse que resolveria tudo para mim e que se eu fosse esperta, me daria bem rapidinho. Eu nunca tinha visto uma mulher tão bonita como aquela, bem vestida e elegante, olhos verdes, boca pintada de vermelho, cabelos louros que pareciam mais fios de ouro… eles me olharam, ela apertou a mão dele, como quem fechava um acordo grandioso e ele voltou até mim, falou que estava tudo certo e que a partir daquele momento eu trabalhava para a Clarice, e foi embora.
Ela perguntou meu nome, eu o disse quase que sem voz. Perguntou minha idade, respondi, perguntou se o Lúcio, o homem que havia me levado até ela já tinha conversado comigo, eu fiz que sim com a cabeça. Ela comentou que eu era muito nova e que aquilo poderia ser um problema, eu disse que não me importava de trabalhar, pois precisava. Achei ter impressionado ela com aquelas palavras cheias de certeza, então ela perguntou se estava preparada para começar naquele dia, afirmei balançando a cabeça. Pediu para que me levassem a um quarto, mandou-me roupas, confesso que estranhei aquelas roupas mais decotadas, ainda mais em um trabalho, mas era uma casa de shows, a roupa das garçonetes ou assistentes deveriam ser diferentes das demais que trabalhavam em restaurantes ou bares. Eu sei, isso foi muito inocente da minha parte, mas acredite, houve uma época em que eu realmente não tinha malicia.
É… eu estava enganada Jenny, não tinha sido contratada para ser garçonete muito menos assistente, e só me dei conta disso quando a Clarice me levou até um homem bem mais velho, sorriso e olhar asqueroso, e ela me pediu para que eu o fizesse companhia, naquele momento eu entendi o que estava acontecendo… Eu me apavorei, e o homem, ele mal deixou a Clarice virar as costas e já estava me puxando para junto dele, querendo que sentasse em seu colo… falando que eu era bonita, que me queria e que se eu fosse boazinha com ele, ele seria bom para mim.
Quando ele me jogou na cama, tirou a blusa e se jogou por cima de mim, eu mordi a orelha dele, mordi mesmo, para tirar sangue e causar dor. Ele esbofeteou meu rosto, começou a gritar e me xingar de todas as formas possíveis, a Clarice apareceu e interveio, mandou-me para sala dela e foi conversar com o senhor, provavelmente amenizar as coisas, acredito que sem muito sucesso, porque ela entrou na sala furiosa, e eu só sabia chorar e tremer. “Porque diabos você fez uma coisa dessas, garota? Você é louca, tem algum problema de cabeça? ” Ah, eu não conseguia responder nada, apenas chorava, ela me segurou pelos braços, apertando, me olhou firme e mandou que eu engolisse o choro. Naquele momento eu senti medo dela, e realmente engoli o choro. “Muito bem, agora me responda, sem chorar, o que você estava pensando quando fez aquilo? ”
– Eu não sabia…
“O que você não sabia? ”
– Eu não sabia que era esse o tipo de trabalho que o senhor Lúcio havia me arranjado.
“Perguntei se ele havia lhe explicado e você disse que sim. ”
– Ele disse que arranjaria um trabalho melhor para mim, que era para eu obedecer e fazer as coisas do jeito que você mandasse… eu pensei… pensei que ia trabalhar como garçonete ou alguma coisa assim.
“O Lúcio sempre me arranjando problemas… Acho que você deve voltar para casa”
– Eu não posso, não sou daqui… eu… eu fugi de casa.
“Como veio parar aqui, menina? ”
Então eu contei para ela o que havia acontecido comigo, com a minha mãe, como fugi de casa… e talvez ela tenha sentido pena de mim, e disse que me ajudaria. Depois daquela noite eu passei a ser, uma espécie de secretaria da Clarice, ajudava ela com as outras garotas, ia levar e buscar as roupas na lavanderia, ajudava Clarice a se vestir, maquiar, algumas vezes a acompanhava em eventos, passei a cuidar da sua agenda de compromissos. Ela me ajudou a terminar meus estudos, me tirou da pensão e deixou que eu morasse em um dos quartos do “hotel”. Mas, as coisas mudaram, porque é sempre assim, em algum momento, tudo muda. Foi quando em uma tarde eu acabei sem querer, vendo a Clarice e o Lúcio fazendo sexo. Eu deveria ter saído, mas fiquei olhando pela fresta da porta, quando eles acabaram e o Lúcio começou a se vestir, eu saí correndo para o meu quarto, mas é claro, Clarice havia me visto… foi até o meu quarto e me fez milhões de perguntas, e a única coisa que eu conseguia fazer, era prestar atenção na boca dela, no traje que estava usando e desenhava o corpo… não entendia porque sentia aquilo, a ponto de doer nas minhas entranhas.
“Sophie, você está prestando atenção no que estou dizendo? ”
– Sim…
“Então, nunca mais, eu disse nunca mais quero ver você espionando o meu quarto, estamos entendidas? ”
– Sim…, mas…
“Mas o que? ”
– Nada.
Ela saiu do meu quarto deixando seu cheiro, foi a primeira vez que senti desejo por alguém, tão forte e implacável, diferente de qualquer que havia sentido antes. Senti necessidade de tocar meu corpo numa tentativa de aplacar aquilo e na minha mente, eram as mãos da Clarice me acariciando, tocando…
Ah, depois daquilo eu parecia estar vivendo em outro planeta, havia me tornado uma viciada em um entorpecente chamado Clarice, que me pegava sempre a olhando com desejo, e quando ela percebia que estava a encarando, eu tentava disfarçar. Isso durou meses, e quando já era quase natal, ouvi gritos e um bater de porta, depois o choro, e eram do quarto da Clarice, ela tinha dito que eu não deveria bisbilhotar, mas ela estava chorando. Eu me enrolei em um lençol e fui até lá, ela chorava de soluçar e eu abracei ela, instintivamente. Ela falava que os homens não prestavam, que não dava para confiar, que amar era ilusão.
– Não é Clarice! Não é …
“E o que você sabe de amor? ”
Então eu a beijei, não um beijo propriamente dito, os meus lábios encostaram nos dela e em seguida recuei, ela me olhou assustada e depois sorriu, eu a beijei novamente, ela retribuiu… uma onda de desejo foi aumentando e nos inundando e tudo era tão reciproco, pelo menos naquele momento. Fizemos amor a noite toda e foi extasiante… no dia seguinte, a Clarice já tinha tudo armado na cabeça dela, falou que sabia exatamente o que fazer comigo. Eu comecei a acompanha-la mais assiduamente aos eventos, e ela me apresentava para algumas pessoas, mulheres no caso, e assim começou. Como todos sabiam o que a Clarice fazia, então as mulheres que ficavam interessadas em mim, entrava em contato com ela, no intuito de me “conhecerem melhor”, a pessoa dizia onde, e a Clarice falava o valor!
– Nossa Sophie, isso é loucura. E essa Clarice, que ser desprezível!
– Jenny, você provavelmente cresceu e viveu em um mundo onde se acredita que esse tipo de coisa só existe nos filmes ou nos livros.
– É lamentável, triste e até mesmo estranho imaginar que esse tipo de mundo possa existir Sophie, ainda mais assim…
– Existem sim. Continuando…
Eu realmente comecei a pegar o ritmo daquilo, sabe Jenny?! Comecei a entender como as coisas funcionavam, o Lúcio garantia clientes e funcionários para Clarice, mas a verdade é que ele era quem tirava a maior parte dos lucros, e eu servia para Clarice como um caixa dois, com o tipo de serviço que eu comecei a prestar, ela não precisava prestar contas ao Lúcio, então todo dinheiro ia para ela. Parece exploração, eu sei, mas ela era boa para mim. Me dava uma quantia relativamente boa de dinheiro, bancava alguns luxos para mim, me apresentava ao melhor do melhor: música, teatro, roupas, pessoas… E eu, de certa forma, comecei a gostar daquilo, não de ser uma mercadoria, mas do que podia ter com aquilo.
Mas, o Lúcio engravidou a Clarice e tudo mudou, ele queria que ela abortasse, afinal ele era um homem casado, político influente e importante, a última coisa que queria era seu nome associado a um escândalo como aquele se tornaria. Quando ela disse que não ia fazer o que ele queria, ele a ameaçou, disse que a mataria e consequentemente o bebê, foi então que eu sugeri que fugíssemos, ir para algum lugar onde o Lúcio nunca nos encontrasse, ele mal lembrava da minha existência, era apenas mais uma no meio de tantas outras que ele havia colocado ali dentro, poderíamos juntar o dinheiro que tínhamos e não teríamos uma vida ruim. Ela aceitou e nos mudamos. É, eu estava em fuga novamente, por uma razão que considerava justa, mas ainda assim em fuga. Parece que toda a minha vida se resumi em fugir.
Não demorou muito para eu voltar a “ativa”, só que meu trabalho começou até a ficar divertido, a Clarice me dava algumas dicas, mas, eu estava por conta própria e ainda ajudava Clarice, podia manter nossos pequenos luxos e quando a criança nascesse, ela teria tudo e nunca deixaria que passasse pelas coisas que eu ou a Clarice passamos. Mas, um dia a Clarice conheceu um homem, se apaixonou por ele e foi embora. Não teve coragem de se despedir pessoalmente, deixou-me uma carta, agradecendo tudo que tinha feito por ela e desejando que eu fosse feliz. Ah, com isso, não havia mais motivos para continuar naquela cidade, então eu voltei, mas eu estava bem diferente, aquela garota ingênua, não exista mais. Não era mais uma menina boba e sem nada… comprei esse apartamento, me tornei sócia do Joe e abrimos aquele barzinho, acabei reencontrando algumas clientes, elas pagavam bem e eu não tinha nada a perder… até conhecer você, Jenny…
– Como você conheceu o Joe? Sempre tive essa curiosidade.
– Foi em uma noite de azar para ambos, uma cliente minha, ela tinha uns gostos mais exagerados.
– Exagerados como?
– Dominação, submissão… tapas, teatrinhos.
– Teatrinhos?
– Sim, historinha de sequestro, fantasias de policial ou qualquer militar, essas coisas. Só que com um certo grau de violência.
– E você aceitava isso?
– Algumas coisas… às vezes, sentia que merecia ser punida pela forma como escolhi viver, e aquilo me parecia uma punição justa. Mas, voltando a como conheci o Joe…
Bom, era alta noite já, essa minha cliente, além de ter exagerado na violência, ainda enrolou e não me pagou. Me deixou em um lugar estranho e aparentemente perigoso. Eu estava assustada, meu corpo doído, àquela altura meu olho já estava roxo e com certeza haviam outros hematomas e foi quando o Joe começou a se aproximar, eu tremi de medo, afinal, se você encontra um cara como o Joe, vestido todo de preto em uma rua daquelas a noite, você fica com medo. Mas, o que aconteceu é que ele me ajudou… começamos a conversar, ele me contou que havia sido descartado de um barzinho qual ele trabalhava e estava com raiva, que havia carregado o lugar nas costas por anos e o dono do lugar simplesmente o demitiu, como se ele não fosse nada. O Joe me levou para casa dele, cuidou de mim, não me cobrou nada, não me pediu nada e soube de cara o que eu fazia. Semanas depois, eu o levei até o lugar onde hoje é o barzinho, antes era apenas um espaço, abandonado e que o dono estava louco para livrar-se, ninguém deveria ser estupido a ponto de descartar um ponto daqueles, à beira-mar … ninguém deveria ser estupido o suficiente para dispensar uma pessoa como o Joe como se fosse lixo… mas existem pessoas estupidas.
– Uhum, e porque você age como se não fosse a dona de lá?
– Ah, eu gosto de ir lá, é um lugar onde me sinto segura, posso levar meus amigos, pessoas em quem confio, posso me divertir. Tenho sim minhas vantagens, mas, gosto de ser tratada apenas como cliente, é divertido e também estratégico, fico sabendo como os funcionários tratam as pessoas, eles não sabem quem é a sócia do Joe.
– E o que eu tenho a ver?
– Como assim?
– Você disse, antes de falar sobre o Joe, que… pelo que eu entendi, que sua vida seguia normal, dentro do seu normal, até me conhecer. O que eu tenho a ver?
– Ah Jenny, por favor, você sabe que me apaixonei por você. Sabe que não quero apenas tua amizade, mas também sei que por mais que eu tente, você nunca vai conseguir me aceitar, ou me perdoar.
– Sophie eu…
– Eu já sei Jenny, você não pode, não consegue… não faz parte do seu mundo, e eu sou a pessoa que conseguiu ser pior que seu ex-marido, não é isso? Não foi isso que você disse? Eu sabia que você não conseguiria passar por isso, talvez por isso, apesar de ter sentido vontade de te contar tudo desde o primeiro dia, eu não contei, por saber que ia ser assim. E foi por isso que, quando a Helena me convidou a ir embora com ela, fiquei muito tentada em aceitar, talvez seja o melhor para a gente.
– Então é isso? Você só sabe fugir? Você vive fugindo… porque não fica, encara a vida de frente, muda de vida. Você é tão inteligente, talentosa e não precisa manter esse tipo de vida. E sempre terá minha amizade, não precisa sair da minha vida!
– Acho que você não me ouviu Jenny… tudo bem. Acho melhor você ir embora, talvez, nem deveria ter vindo, tenho compromissos, preciso me arrumar e sair.
– O que eu não ouvi?
– Que eu não sei ficar ao teu lado fingindo não sentir nada, fazendo papel de amiguinha.
– (Silencio absoluto)
– É … não tem o que falar. Jenny, vai embora. Preciso sair.
– Quer saber, faz o que você quiser. Quer ir embora com aquela loira aguada, então vá… se cuida, Sophie!
– Cuide-se também!
Nitidamente a Jenny estava bastante confusa e irada quando saiu do apartamento de Sophie, e não, a jovem não tinha compromissos, não ia sair e muitos menos havia tomado alguma decisão sobre ir embora com Helena, só não conseguia ficar olhando para Jenny, sentindo um mundo de sentimentos e não ter mais espaço para falar sobre eles.