2
Tempo: “Compositor de destino, tambor de todos os ritmos”
Dias atuais…
A primeira vez em que Agatha teve contato com Daniel, ele estava a observando através das lacunas existentes no cercado do canteiro das flores. E por mais forte que fossem as suas intuições, ela jamais poderia prever o quanto aquele menino mudaria a sua vida.
Como de costume, sempre que desenvolvia alguma tarefa, cantarolava baixinho. Era um habito que obteve com a sua mãe e muito lhe agradava. Entre um e outro intervalo da canção, aspirava profundamente aquele ar, era apaixonada pelo perfume das diversas flores que cultivava em seu jardim, principalmente as gérberas cor de violeta.
O sol era de setembro e brilhava intenso em mais uma primavera, o barulho do mar ressoava e podia-se dizer que os moradores da rua Alegrea tinham a sorte de ter o mar como quintal. Aquiles, o gato preto de patinhas brancas, estava dormindo sobre a espreguiçadeira, Duda, a coruja da espécie tyto furcata, estava sobre uma das colunas do cercado, observando tudo a sua volta. E Agatha colhia algumas ervas, quando ouviu o barulho vindo do cercado das flores, olhou e deparou-se com aqueles olhos a observando. Ela sorriu, apesar de não ter tamanha simpatia por crianças, ainda mais as curiosas, aquele rostinho a encantou. Mas, seria assim com qualquer um; o nariz delicadamente desenhado, grandes olhos cor de madeira envernizada, os cachinhos dos cabelos castanhos esvoaçavam com as pequenas rajadas de brisa marinha. Ele sorriu de volta e seus olhos brilhavam envoltos de curiosidade e travessura.
– Olá!
– Oi. __ respondeu o pequeno em tom sapeca. – Você tem uma coruja e consegue fazer com que ela te obedeça e fique na sua mão quando você a chama! Como você faz isso?
– Hum, parece que estou sendo observada a mais tempo do supus. Mas, o segredo é ter muita paciência, e esperar o tempo dela para que confie em você ao ponto de pousar em sua mão. __ o pequeno se fez pensativo, relaxou o corpo sobre o gramado e ficou em silencio.
Agatha já havia reparado que a casa ao lado da sua voltara a ter movimentos, luzes acesas e sons. Seria certo acreditar que aquele menino era um de seus novos vizinhos, mas não custava nada confirmar, perguntando para criança de forma despretensiosa se ele estava morando na casa vizinha.
– Sim. Eu gosto daqui, sabe? O nome da cidade é engraçado e eu posso ver o mar. Posso ir até você?
– Claro que sim! __ o pequeno levantou e atravessou pela cerca, cuidando para não pisotear as flores e carregando em seus braços um filhote de beagle. – E quem é este?
– Ah, esse é o Tapioca. __ e fez um pequeno carinho no cão. – Encontramos ele antes de vim morar aqui, mas a mamãe só me deixou ficar com ele depois que o vet… vete… o médico que cuida do dodói dos animais deu alta para ele. Agora o Tapioca é meu e eu tenho que cuidar direitinho dele porque essa é a minha responsabilidade.
– Ele é lindinho, posso pegá-lo?
– Você gosta de cachorrinhos, é? __ entregou o cão nas mãos de Agatha. – Eu gosto de todos os bichos; gatos, corujas, golfinhos, cavalos, gaivotas, galinhas, sapos e até o papagaio que o porteiro do prédio tinha. __ e a criança continuava a falar e falar, falar… – E um dia vamos ter um porco, o nome dele será Bill, mas vamos pensar ainda nisso, é o que a mamãe sempre fala, que vamos pensar nisso.
A mulher estava tão maravilhada, ao ponto de questionar-se em silencio, se realmente aquela criança tão doce e encantadora era real, ou se ela estava tendo alguma espécie de alucinação.
– Eu gosto de animais também. Perto daqui, o meu primo tem uma fazenda com muitos cavalos, peixes, e até mesmo sapos e porcos.
– Nossa, será que eu posso ir lá? __ o pequeno já se encontrava ao lado da espreguiçadeira fazendo carinho no gato, que apenas ronronava.
– Algum dia eu levo você. __ foi sincera. – Mas, terá que pedir a permissão dos seus pais.
– Eu tenho duas mães, sabia? Mas, a minha outra mãe virou uma estrela e foi morar no céu.
Embora não houvesse dor ou tristeza naquelas palavras, Agatha não deixou de sentir um leve aperto em seu coração. Não achava justo um serzinho ainda tão novo passar por uma perda daquelas. Estendeu a mão e afagou os cabelos do pequeno, e naquele carinho a criança fechou os olhos e sorriu.
Às vezes elos se formam, e não sabemos explicar como ou o porquê daquilo, não foi diferente com Agatha e aquela criança.
– O meu nome é Daniel.
– Seu nome é muito bonito, e você também é uma criança muito linda. O meu nome é Agatha. __ não resistiu ao olhar sapeca e inclinou-se para depositar um beijo na testa do menino.
Corando com aquele gesto de carinho inesperado, o menino sentou-se e voltou a tagarelar. Fazia todas as perguntas possíveis, ao mesmo tempo em que passava informações sobre si: havia poucas semanas que tinha feito cinco anos, iria começar o colégio no dia seguinte, mas isso só se deu porque a mãe conhecia a diretora do colégio. A cor que mais gostava no mundo todo era o amarelo, mas tinha que ser o amarelo forte, e o que menos gostava na vida, era ter que comer beterraba. E continuou: “Você pode me ensinar a plantar flores? Qual o nome do seu gato? O nome da coruja é Duda, né? Você tem mais bichinhos? Você tem namorada? Por que não?”
E lá estavam, um garotinho travesso usando sua blusa preferida de “explorador de mundos”, na cor azul com o desenho de uma lupa. Aquiles, Duda e Tapioca investiam em uma brincadeira. A mulher de pele bronzeada e com as pernas sujas de terra, sorria em meio aos pensamentos de que fazia algum tempo em que não tinha uma tarde tão agradável como aquela.
Os cabelos médios e negros de Agatha estavam mal amarrados por uma fita de cor vermelha, vez em quando alguns fios escapuliam para o seu rosto. Não havia nenhuma maquiagem ornamentado a sua face, sua beleza era natural e tipicamente tropical. Os olhos também eram negros e brilhantes, os lábios cheios e bem desenhados, e toda a sua áurea tinha um leve toque de mistério.
Ela estava a gargalhar de algo que Daniel havia falado quando Duda se adiantou e começou a balançar a cabeça e ouriçar as suas brancas penas, em sinal de que havia alguém se aproximando. Tapioca foi em direção ao canteiro das flores e Aquiles ficou em alerta.
– Dan… Daniel?! __ o tom era de preocupação e nervosismo. – Daniel Limas Barreto! __ a voz repercutiu sobre o gramado, as flores e chegou até a pequena área onde a criança se encontrava.
Duda já sobrevoava a certa altura, identificando e observando a figura que se movia pelo quintal, claro que estava preocupada. O filho havia desaparecido, e ela não tinha ideia de por onde começar a procurá-lo.
– Ela falou meu nome inteirinho. __ sorriu arteiro, era nítido que ele não temia a repreensão. – Mamãe, estou aqui. Venha nos ver, estou com a Agatha.
Os passos que antes apressados, se tornaram lentos. Pareciam querer evitar o inevitável. Ela não estava pronta para o que viria a seguir. Engoliu a seco e os olhos piscaram rapidamente algumas vezes. Encostou-se na cerca e olhou por cima das flores, não era preciso ser um gênio ou profissional em analise comportamental para notar o quanto a mulher sentiu-se abalada ao ouvir aquele nome. Ainda que de longe, era possível notar as ondas de frustração e alivio alternando em suas expressões faciais.
Se observada com maior atenção, ela tinha alguns traços parecidos com os do filho, principalmente o desenho do nariz e a expressividade dos olhos, embora a cor deles fosse de um verde intenso. E o sol que brilhava atrás dela, dava mais reflexos aos cabelos loiros presos em um rabo de cavalo mal feito. Usava uma camisa vermelha de botões e short jeans. Lançou um olhar indecifrável para Agatha, antes de voltar sua atenção para o filho.
– Dan, não havíamos combinado de você ficar apenas no quintal?
– Acho que sim. __ sorriu. – Eu e o Tapioca ouvimos a Agatha cantando e quando ela nos viu olhando, disse que podíamos entrar. Mamãe…
– Hum?
– Ela tem uma coruja e um gato. E o primo dela tem uma fazenda cheia de bichinhos, e a prima tem três cachorrinhos…
Decerto, já habituada a tagarelice do filho, esperou que ele contasse todas as novas descobertas. Também é verdade que precisava respirar e buscar o equilíbrio, sabia que os olhos da morena estavam sobre ela, e aquilo a deixava inquieta.
– Filho, entenda que quando eu falo que é para ficar no quintal e você não me obedece, eu fico preocupada. Achando que alguma coisa de ruim poderia ter acontecido com você. __ o pequeno fez beicinho.
Agatha que observava, ainda incrédula, aquele momento entre mãe e filho, precisou admitir para si mesma que era admirável a forma como a outra soube repreender a criança sem precisar elevar o tom de voz para mostrar que estava certa. Acabou por encolher os braços, sentindo-se tão repreendida quanto Daniel.
– Desculpa, mãezinha. __ os olhos estavam carregas de sinceras desculpas.
– Também necessito pedir desculpas. __ a morena aproximou-se devagar, ainda que a coragem lhe faltasse, precisava mostrar apoio ao Daniel. Afagou os cabelos do menino, era sua forma de dizer que ambos estavam juntos nisso. – Como é mesmo o seu nome? __ sim, não custava nada confirmar.
– Maysa.
– Maysa, eu não pensei sobre essa possibilidade de você estar o procurando, nos distraímos. Me desculpe.
Maysa ficou em silêncio fitando Agatha, que facilmente se perdeu naqueles olhos ao encará-la de volta. Quando a loira voltou seu olhar para o filho, Agatha percebeu que estava segurando a respiração e ciente de que seu coração estava prestes a pular de seu peito.
– Dan, está na hora de levar o Tapioca para casa e alimentá-lo.
– Sim, capitã. __ Daniel pegou o filhote no colo e já ia saindo de fininho quando viu o balançar de cabeça da mãe. – Que foi, mamãe?
– Não esqueça de agradecer a moça.
– Obrigada, Agatha. __ o pequeno falou gentilmente, e em seguida lançou um olhar carregado de cumplicidade. – Posso voltar aqui outro dia?
– Vou adorar!
Daniel passou pelo mesmo lugar que entrou, olhou para mãe e lhe ofertou o sorriso mais terno que tinha. – Desculpa mamãe, não era para você ficar preocupada.
– Seu pestinha, você vai acabar me dando muitos cabelos brancos antes da hora, filho. __ falou sorrindo enquanto arrumava os cabelos do menino.
Sorrindo, o pequeno correu pelo quintal com o filhote balançando em seus braços. O sorriso de Agatha foi desfeito assim que Maysa voltou sua atenção para ela.
– Seu filho é encantador! __ a morena até se surpreendeu por ter começado a conversa. – Peço desculpas novamente por não ter me certificado de que você sabia aonde ele estava, mas espero que o permita voltar.
– Não se preocupe, não era a sua responsabilidade. O Dan é uma criança extremamente curiosa e amigável, muitas vezes, até demais. Ele ainda não tem a noção de que no mundo existem pessoas capazes de se aproveitarem disso.
– Concordo em gênero, grau e número. Mas, posso te assegurar que não devoro criancinhas no meu jantar.
Maysa sorriu com aquela afirmação obvia, deletando a fisionomia séria e revelando uma beleza ímpar, capaz de bagunçar com o juízo de qualquer um. Acabou arrancando um suspiro involuntário de Agatha.
– Não se preocupe, você parece bem diferente do que eu imagino ser um ogro devorador de crianças. Agora sou eu quem pede desculpas por ter sido tão rude, mas o Dan me deu um baita susto. Mal comecei a desempacotar a mudança e acreditei que havia perdido meu filho.
– Só não sabia aonde estava, é diferente de perder. __ embora amasse sua privacidade, a morena gostou de saber que a casa vizinha não estava mais vazia. – Espero mesmo que você permita que ele venha me visitar outras vezes, é uma criança adorável. __ insistiu.
– Muitas vezes eu me pergunto se realmente permito alguma coisa para o Dan. Porque, a não ser que você levante um muro aqui, ele irá voltar. Mas, não tenha receio em mandá-lo para casa quando ele abusar da sua paciência. Bom, é melhor eu ir ver se ele está dando corretamente a ração do Tapioca.
– Maysa?
– Sim?
– Bem-vinda à Cabritos!
– Obrigada. É bom estar de volta, Agatha.
A loira afastou-se a passos largos, como quem precisa fugir, só que disfarçadamente. Atravessou o gramado e logo desapareceu entrando em casa. Agatha continuou parada no mesmo lugar, não acreditava no que tinha acabado de acontecer. E ainda se questionava, afinal, Maysa apenas optou por fingir que ela era apenas uma desconhecida qualquer ou realmente não lhe reconhecera? De qualquer forma, a resposta a deixava arrasada.
Caminhou pelo jardim recolhendo as ferramentas e dirigiu-se para casa acompanhada de Aquiles que já miava atrás de comida. E observada por Duda que se aninhava em seu lugar preferido, uma toca improvisada em uma das arvores do jardim.
Créditos musicais:
Oração ao Tempo – Caetano Veloso (https://youtu.be/2NUdznkCZ74)
Tinha de ser né!? Tensão a primeira vista! kkkk
E claro, sem contar no Daniel, tão fofo e lindo, um verdadeiro rapazinho conquistando a Agatha com seu jeitinho travesso.
Muito linda essa cumplicidade deles. ??
Cidinha.
Oi, Cidinha
O Daniel é uma criança muito especial sim, acredito que esse jeitinho dele conquista a todos. É sempre bom te “ver” por aqui.
Beijinhos, amada.
Olá Mohine
Que alegria ter essa história, nosso pequeno explorador conquistando a Aguatha.
Bjus e até o próximo
Olá, Jamille
Acredito que foi uma conquista mútua.
É uma alegria em vê-la por aqui também.
Abraços e até os próximos capítulos.