Capítulo 43

Os três dias que se seguiram foram muito corridos para mim: contratei a enfermeira que meu pai precisava temporariamente, uma pessoa para arrumar a casa e cozinhar e ainda o ajudei com os papeis com o divórcio que seu advogado pediu. Não vi mais a Clara, sabia dela através do meu pai, que ela ia lá visitá-lo todos os dias, mas eu nunca estava quando ela chegava, acho que nós duas estávamos nos evitando depois da conversa no carro. A Dani estava insuportável com essa historia para voltarmos mesmo com a Regina, mas eu queria que a Clara se resolvesse antes, não queria impor minha presença, ela teria que decidir isso sozinha.

Voltamos para Salvador e assim que cheguei em casa, peguei meu material e fui para o escritório do Vc3. Sabia que tinha adiantado muita coisa ter trabalhado em Curitiba e enviado os relatórios diários, mas eu sabia que tinha muito a fazer ainda e não tinha noção de quando a Clara retornava e provavelmente teria que trabalhar por nós duas.

-Boa tarde, Carlos!

-Oi Duda, como está o seu pai? – me abraçou

-Já teve alta e está se recuperando bem. O deixei com uma enfermeira para terminar o tratamento, não podia ficar mais tempo, afinal de contas tenho meu emprego e minha vida aqui, não é verdade?

-É sim e cadê a Clarinha?

-Não sei, tem uns quatro dias que não nos vemos e nem nos falamos.

-Como assim?

-Terminamos – suspirei profundamente.

-E você não está nada bem com esse término, não é?

-Não, mas bola pra frente.

Saí da sala do Carlos para não dar margem para a conversa continuar e fui para a sala da Clara que era a minha também e aquilo me deixou triste. Eu tinha lembranças muito fortes do nosso namoro naquele local, ia ser complicado ficar ali com ou sem sua presença, voltei à sala do Carlos.

-Carlitos, será que você pode arranjar um cantinho para que eu possa trabalhar?

-Por quê?

-Acho melhor.

-Não temos outro lugar para você, Duda. Vocês duas trabalham na mesma equipe e tem que ficar na mesma sala por estarem diretamente ligadas nas funções.

-Valeu – decidi não protestar.

Retornei para a sala da Clara a contra gosto e dei continuidade ao nosso trabalho, pelo menos isso me fazia esquecê-la temporariamente. Fiquei concentrada no projeto por algum tempo que não sei determinar, ouvi batidas na porta:

-Entra – não tirei os olhos do papel.

-Quer dizer que minha cunhada chega e não vai falar comigo?

-Você tinha ido almoçar – levantei sorrindo e a abracei.

-Estava com saudade, sabia?

-Eu também, Bruninha. Desde o dia que fomos a Originally que não nos vemos.

-Te devo um pedido de desculpas por esse dia.

-Fica tranquila, você não me deve nada – sorri.

-Cadê minha irmã?

-Deve está com a mãe de vocês.

-Eu não acredito que ela continua com essa besteira toda.

-Infelizmente sim.

-Você também é contra essa reaproximação?

-Se fosse qualquer outra pessoa, Bruninha, eu estaria ao lado da Clara para enfrentar isso, mas sendo a Regina, não.

-Como que você conheceu a Regina? – ela realmente não sabia da história.

– Sua mãe era a minha madrasta.

-Como assim? – ela sentou-se no sofá que tinha na sala, estava visivelmente surpresa.

-Simples, conheço sua mãe há uns cinco anos, ela estragou minha vida em menos de dois dias. Ela estava casada com meu pai, foi por causa dela que ele teve o AVC e ainda me ameaçou de morte. E para piorar a situação, descobri há uma semana mais ou menos que ela é a mãe da Clara e, conseqüentemente, sua e do Júnior. Depois disso eu quase matei a Regina.

-Uau, tudo isso aconteceu nesses dias?

-Foi sim.

-E pela sua carinha, vocês não estão bem.

-A gente terminou.

-Mas, vocês não tinham voltado depois de toda aquela confusão?

-Sim, mas por causa da cabeça dura dela em acreditar que a Regina quer mudar e que eu provavelmente estou exagerando, resolvi não continuar mais.

-Mas, a Clara é uma idiota mesmo.

-A Clara acha que meu ponto de vista junto com o de meu pai está totalmente diferente do que a Regina contou para ela e não sabe em quem acreditar, depois de discutirmos, decidi por um fim nesse namoro.

-Mas, você ainda a ama?

-Não sei se um dia vou deixar de amá-la.

A Bruna sorriu e me abraçou, ficamos um pouco naquele contato:

-Cadê minha amiga?

-Deve está chegando, ficou de passar aqui depois que saísse da faculdade.

-Pede para ela vir aqui quando chegar?

-Claro.

Logo em seguida a Bruna foi embora e fiquei perdida nas lembranças dos meus últimos dias, fatídicos e tristes dias. Estava com saudades do meu pai já que voltamos às boas, estava com saudades da Clara, era para ela está ali no escritório comigo.

-Amiga, posso entrar?

-Claro coisa pequena – sorri.

-Estava com saudade dessas suas chatices – sorriu me abraçando.

-Estava com saudade da minha amiga.

-A Bruna me contou o que aconteceu.

-Resumindo foi isso mesmo.

-E o brilho dos seus olhos sumiu, seu sorriso está diferente, está melancólica.

-Não quero mais falar sobre isso.

-Tudo bem, quando quiser, sabe como me encontrar.

-Sei sim. Ah! Fiquei sabendo da briga que você teve com a Bruna por causa do dia do Originally. Por que não me contou nada?

-Porque não queria te preocupar ainda mais e porque sabia também que mais cedo ou mais tarde você conseguiria provar que estava certa. Mas, me conta como a Clara ficou sabendo de tudo e fala como seu pai está, quero saber de todas as novidades – disse sentando-se no mesmo sofá que a Bruna estava anteriormente.

Resumi para a minha amiga toda a história que a Clara me contou sobre a confusão do Originally e sobre toda a viagem. Falei da confusão, da historia da vida de Alfredo, tudo mesmo, sabia que para ela eu não precisava esconder nada afinal, ela era espírita a muito mais tempo do que eu.

-Caramba, amiga! Sinceramente não queria estar em sua pele.

-Muito obrigada pelo apoio – sorri.

Nesse dia eu dormi na casa da minha mãe. Mais uma vez tive que dar explicações pelo fim do namoro com a Clara, mas claro que ocultei algumas partes, minha mãe não precisava saber. Ela me deu colo até quando consegui dormir, já era madrugada.

Os dias se passaram sem muitas novidades. A Clara continuava sem aparecer na empresa, as únicas coisas que eu sabia dela era através da Rafa que tinha informações da Bruna. Mas, nada que me motivasse a procurá-la, sabia que continuava em Curitiba com a Regina.

***

Quase duas semanas depois que retornei para Salvador e não tinha visto a Clara, isso estava me angustiando mesmo sabendo onde e com quem ela estava. A tarde estava chuvosa na cidade, aquelas chuvas de verão que caem de repente e muito forte. Na saída do escritório continuava a chover, esperei quase quarenta minutos para ir embora e percebi que estava só chuviscando, aproveitei essa trégua e peguei minha moto para ir para casa. Cerca de cinco minutos depois a chuva volta forte, resolvi continuar assim mesmo e em casa eu me secava.

Cheguei ao meu apartamento encharcada e peguei minhas correspondências. Algumas contas e uma que chamou a minha atenção, era da universidade em Portugal que escolhi para fazer a especialização. Pediam alguns documentos que faltavam, os outros eles conseguiram com a faculdade que eu havia me formado há alguns meses e elogiaram principalmente minhas notas e o projeto que deixei uma cópia para referência.

Queriam mais detalhes da ONG. Como eu fiquei? Muito feliz, é claro. Liguei meu PC e enviei um email para o coordenador do meu curso e meu orientador do tcc. Enquanto isso não fosse resolvido, nada de contar a ninguém – por causa do lance da energia. No impulso peguei o celular e procurei o número da Clara em minha agenda, por muito pouco eu disquei, parei assim que percebi a bobagem que ia fazer: ia falar com a mulher da minha vida que estava tudo se encaminhando para minha ida para Portugal e que se ela não se decidisse, nos distanciaríamos ainda mais.

Não queria pressioná-la, mais um motivo para não contar sobre essa carta a ninguém porque sabia que se Rafa soubesse, conseqüentemente, a minha ex namorada também saberia.

Demorei um longo tempo entre a releitura da carta, a seleção dos documentos e envio dos emails para as duas pessoas que podiam saber sobre isso no momento. Só percebi que ainda estava com a roupa molhada quando vi as marcas no chão quando minha euforia diminuiu.

-Preciso de um banho quente e roupas secas, caso contrário vou acabar adoecendo.

Dito e feito, no dia seguinte eu não aguentava levantar da cama, não era um simples resfriado, era realmente uma baita de uma gripe: a cabeça latejava, meu corpo parecia que tinha passado sob um trator, estava todo moído, tive a impressão que estava com febre, mas mesmo assim levantei da cama e fui para o trabalho com muito sacrifício.

Assim que entrei, cumprimentei todos e fui para a sala que eu dividia com a Clara. Por um momento queria que ela estivesse ali brigando comigo para que eu fosse ao médico, tomasse remédio e todas essas coisas que ela fazia quando eu sentia qualquer coisa, mas que eu sempre negava e a irritava, mas desmanchava sempre com beijos o bico que ela fazia. Sorri e sentei, comecei a trabalhar, mas a dor de cabeça estava me incomodando muito e me deixando de mau humor:

-Duda, posso entrar?

-Claro, Bruninha – estava olhando para os papeis em minha frente.

-Como está o projeto?

-Precisava de algumas opiniões da Clara para poder me livrar de alguns tópicos, precisamos ver algumas coisas para a inauguração, a ONG não se resume em papéis – disse olhando para ela.

-Ela está voltando daqui há dois dias.

-Que bom! Eu preciso trabalhar, mas sem a autorização dela em algumas coisas fica impossível.

Tive uma crise de espirro.

-O que foi isso? – sorriu.

-Peguei aquela chuva de ontem no fim da tarde.

-Você precisa cuidar disso.

-Vou para a casa de mainha hoje, ela cuida disso. O problema é que ela vai querer me encher de chás e remédios, duas coisas que detesto.

-Deixa de besteira, Duda. Você precisa cuidar dessa gripe.

-Eu sei, já comecei a cuidar com essas garrafas de água – ela me lançou um olhar de quem não estava entendendo – não gosto de água gelada – sorri – e líquido é melhor do que qualquer remédio antigripal que ela queira me dar.

-Isso é verdade. Mas, cuida direitinho, viu? Não quero ver minha cunhada favorita doente.

-Cunhada favorita? – sorri.

-Lógico! Gosto mais de você do que da Carla, afinal de contas posso ir à farra com você e ela não vai – sorriu – e você continuará sendo minha cunhada de qualquer forma, namorando a minha irmã ou não. Você e a Rafa são quase irmãs – riu as gargalhadas.

Saiu da sala e pouco tempo depois comecei a sentir frio, desliguei o condicionador de ar, mas o frio continuava, fui à farmácia para medir minha pressão e aproveitei e pedi para a farmacêutica – muito bonita por sinal – medir minha temperatura também: pressão um pouco baixa e temperatura quase 40°C.

Voltei para o escritório e avisei a Bruna o que estava acontecendo, ela me liberou na mesma hora e disse para eu não voltar ao trabalho enquanto não tivesse 100% recuperada. Fui para casa e peguei alguns agasalhos, em seguida fui para a casa de minha mãe e hibernei. Não saia da cama para nada, não conseguia. Sentia muito frio, meu corpo doía muito, mas continuei a beber a água e, conseqüentemente, fazia muito xixi, estava liberando o vírus.

No dia seguinte minha mãe não foi trabalhar, disse que eu estava delirando a noite chamando pela Clara, que queria ela ali comigo. Depois que escutei isso, virei para o lado e dormi. Minha garganta estava quase fechada, não conseguia comer quase nada. Tinha quase dois anos que eu não ficava doente, mas sempre era assim, demorava, mas quando ficava eu era literalmente derrubada na cama.



Notas:



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