Capítulo 39

No dia seguinte não estava muito disposta, mas não podia deixar de ver meu pai, ele estava recuperando-se muito bem e em poucos dias receberia a alta.

Chegamos ao hospital e fomos recebidas carinhosamente pelo meu pai, ele estava bem, estava feliz, parecia mais aliviado pela nossa conversa do dia anterior. Conversamos muito, mas não tocamos no assunto que ainda era delicado para mim. Nós rimos também, eu e a Clara estávamos trabalhando muito e conseguimos adiantar algumas coisas já nos preparando para o nosso retorno a Salvador.

Fomos almoçar por volta das 13h e demoramos mais do que o previsto na nossa conversa e além do mais eu estava mais do que cheia de estar tanto tempo naquele hospital. Decidimos levar uma cocada escondida para meu pai, aliás, eu levei a contragosto das meninas, ele adorava aquilo e queria fazer uma surpresa.

Eu fui a primeira a entrar no quarto e não acreditei no que vi: a Regina:

-O que você está fazendo aqui? – tentei me controlar.

-Visitando o meu marido.

-Só hoje você lembrou que é casada?

-Não, eu estava muito ocupada, só hoje eu tive tempo.

Não aguentei e fui para cima dela, eu queria matar aquela mulher que por causa do seu egoísmo quase matou meu pai e ainda disse que queria fazer o mesmo comigo.

Eu não me reconhecia, a segurei pelo pescoço de uma forma consciente de que não a sufocaria, só queria assustá-la: apoiei meu polegar e o indicador em sua mandíbula e a suspendi já que ela era magra, eu aguentava seu peso e na hora da raiva, parece que você arranja forças não sei de onde. Ela segurava minha mão desesperada, provavelmente achou que eu ia matá-la:

-Mãe?

-Filha, manda esse monstro me soltar.

Não precisou, a bomba já havia sido solta: a voz era inconfundível. Larguei a Regina no chão e vi a Clara ir a seu socorro. Não conseguia entender mais nada: a Clara tinha acabado de chamar a Regina de mãe. Olhei para meu pai e em seguida para a Dani, nenhum dos dois estava entendendo nada.

Fiquei tonta, minhas pernas não conseguiam sustentar meu peso, senti dificuldade para respirar, parecia que eu estava sendo sufocada, senti dores na cabeça e na nuca, um enjôo muito forte, parecia que eu ia vomitar a qualquer momento.

Levantei meus olhos e a Dani estava estranha, exibia um sorriso malicioso, monstruoso, vitorioso nos lábios. Seu olhar estava estranho, tinha um brilho perverso que eu nunca havia visto. Definitivamente aquela não era minha irmã. Meu cérebro trabalhava muito mais rápido do que eu conseguia assimilar as coisas. Senti uma energia muito grande e muito boa vindo do meu lado direito. Olhei e não enxerguei nada, mas aquilo me dava segurança, tinha certeza que não estava sozinha, estava tendo ajuda superior para enfrentar aquilo:

-Até que enfim o grande encontro, eu lutei para não acontecer, mas já que aqui estamos, até que fiz um bom trabalho, concorda?

Pelo tom de voz, tinha certeza que aquela não era a minha irmã, ela nunca falaria assim comigo e nem com ninguém, lembrei de Aurélia. Fiquei muda, tive medo, muito medo, olhava para a Regina que também sorria a parecia que sabia do que ia acontecer, a Clara não entendia nada muito menos o meu pai. Fiquei muito preocupada com ele, não queria que sua pressão subisse mais uma vez e que ele retornasse ao coma, precisava agir e rápido, mas não sabia o que fazer, eu nunca lidei com isso, nunca presenciei uma cena como essa.

Encolhi-me no canto do quarto e fiquei agachada, queria sumir, odiava quando a situação saía do meu controle e não sabia como retomar.

-Covarde como sempre, não é, Alfredo?

Aquele tom de voz me causava arrepios, fechei os olhos, tive certeza que era a tal da Aurélia.

-Meu nome é Eduarda – tirei coragem não sei de onde.

-Eu sei, te acompanho desde o seu nascimento, mas te conheci como Alfredo e você continua com as mesmas atitudes, aliás, falta de atitudes.

-Por que você não me esquece?

-Porque sou leal a minha amiga, prometi que sempre a estaria ajudando e continuarei a acabar com você. Uma pena que dessa vez não poderei usar minhas próprias mãos.

-Por que não tenta?

-Porque o amor que essas pessoas que estão aqui no quarto têm por você é tão grande que nem   que eu as incorporasse, não chegaria a tanto. Com exceção da minha amiga, mas ela não vale.

-Acho, na realidade, que você não tem coragem.

-Você é muito querido, sabia? Tem muitos protetores ao seu redor – ignorou meu comentário   – muitos guias que adoram se intrometer nos problemas dos outros.

Ela olhava ao redor e perecia começar a ficar acuada, eu sentia a energia crescer ainda mais.

-Me esquece, Aurélia – ela pareceu acordar quando eu pronunciei seu nome – e me deixa viver em paz.

-Sabe quando você vai ser feliz? – riu escandalosamente, o mesmo sorriso que ouvi da Regina quando eu estava falando no telefone com ela quando a Clara chegou a Curitiba – nunca, eu não vou deixar você ser feliz nunca. Vocês nunca conseguiram se livrar de mim e não vai ser agora.

-Vai pro inferno e me esquece.

Mais uma vez ela ignorou meu comentário:

-Bom, a conversa está muito boa, o estrago já foi feito. Agora é só aguardar as consequências. Sua amiga está querendo voltar, ela tem muita garra e esses seus amiguinhos que estão ao seu redor também não me deixam ficar por muito tempo, mas não se preocupe, eu volto – riu mais uma vez escandalosamente.

Vi o corpo de Dani cair no chão e ela estava desacordada. Saí do lugar que eu me encontrava e fui ver como minha amiga estava, percebi que ela respirava, provavelmente estava dormindo, mas acordou rapidamente:

-Estou bem.

Ajudei a Dani a levantar e olhei em direção a Regina, agora realmente eu queria matá-la e fui para cima dela, mas dessa vez estava sufocando-a de propósito:

-Você não queria me matar? Mas, agora quem vai morrer é você – gritei.

Senti longos braços me segurarem e me puxar para soltar a Regina, olhei para trás e vi que era a Dani, sentei em uma das cadeiras:

-Vai embora daqui antes que eu acabe com você.

Não conseguia olhá-la.

-Vou sim, mas pode ter certeza que isso não vai ficar assim – virou-se para meu pai – e você   nem para me defender, não é?

-Vai embora, Regina – gritei.

-Espera, mãe. Eu vou com você.

Olhei incrédula para a Clara, na confusão toda havia esquecido que tinha acabado de descobrir que aquela imbecil era a mãe da mulher que eu amo. Só que não estava conseguindo acreditar que depois dela escutar tantas coisas sobre a Regina e ainda presenciar aquela cena, ficaria ao lado daquela mulher e o pior: a mulher que a tinha abandonado durante vinte e cinco anos e que nem tinha ligado um dia sequer para saber se ela estava viva ou morta.

-Você vai fazer o que? – perguntei mais baixo.

-Eu vou com a minha mãe, te encontro mais tarde no hotel.

Não consegui falar mais nada, olhei em seus olhos e não consegui enxergar o brilho que me fez apaixonar por ela. Senti que a partir daquele dia estava começando a perder a minha Clara.

Depois que as duas foram embora, o Dr. Marcelo chegou para examinar meu pai e a enfermeira aplicou os medicamentos. Eu não conseguia ouvir nada do que ele falava, olhava para meu pai e via pânico:

-Cuida disso pra mim?

Dani concordou com um menear de cabeça. Saí do quarto, precisava de água, de álcool, de qualquer coisa que me fizesse esquecer aquilo que estava acontecendo, mas não podia. Sabia que tinha que resolver essa questão da Clara e Regina, mas meu pai estava precisando ainda mais de mim, tinha que me preocupar com ele também. Depois eu via o que faria da minha vida. Tinha certeza que essa conversa com a Clara não seria nada fácil.

Depois que bebi água, entrei mais uma vez no quarto e não tive como não lembrar a cena que aconteceu ali pouco tempo antes. O Dr. Marcelo estava de saída com sua equipe e meu pai estava começando a adormecer. A Dani me olhou muito preocupada:

-Achei que você fosse atrás delas.

Respirei fundo e sentei na cadeira que estava em frente a mesa que havíamos colocado ali para eu e Clara trabalharmos. Apoiei meus cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos:

-O que foi isso?

-Aurélia se manifestou e, consequentemente, revelou a todos nós que a Regina é a mãe desaparecida da Clara. Como ela mesma disse, a bomba foi acionada e agora era só esperar as consequências.

-Pelo visto elas já haviam se reencontrado.

-Para a Clara a reconhecer, sim.

-Porque será que ela não me contou?

-Isso só ela pode lhe responder.

-Nunca senti tanto medo, sabia?

-Eu sei, estou sentindo que seu coração está muito aflito há dias.

-Até agora não consigo acreditar nisso: a Regina é a mãe na minha Clara. São duas mulheres tão diferentes física e psicologicamente.

-Nem eu.

-Sabe o que eu acho? Essa história ainda não acabou por aqui.

-O que você acha que vai acontecer?

-Não tenho noção, Dani, mas acho que vou me decePCionar com a Clara.

-Será?

-Espero sinceramente que eu esteja enganada, mas acho que sim.

Cada uma ficou perdida em seus pensamentos. Eu estava angustiada pela conversa que me esperava logo mais a noite. Sinceramente, queria que a tarde demorasse a passar, estava com muito medo do que estava por vir.

-O que o Dr. Marcelo falou sobre meu pai?

-A pressão dele subiu um pouco essa tarde, mas nada preocupante. Ele está se recuperando  muito bem e deve receber alta em dois dias.

-Pelo menos uma boa notícia.

O silêncio que se instalou no quarto era irritante, mas mesmo assim as horas passaram voando. Meu pai acordou por volta das 18h e ficamos conversando um pouco, estava no meu horário, precisava voltar para o hotel e encarar a realidade.

Cheguei ao quarto do hotel e a Clara ainda não havia chegado. Tomei meu banho, a Dani foi me ver, ficamos conversando banalidades, mas a tensão estava clara. Ambas estávamos ansiosas para a chegada da minha namorada, isso era fato.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2017 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.