Capítulo 34
Eu fiquei com meu aparelho nas mãos, olhando para ele boquiaberta e sem ação.
-Amor, fala alguma coisa! O que aconteceu? Seu pai piorou? Quem estava ligando para você ter esse tipo de conversa e tratar assim?
Disse isso e me sacudiu pelos braços, acordei do meu transe, esfreguei minhas mãos em meu rosto:
-Foi a mulher do meu pai, falei algumas coisas que estavam engasgadas e cobrei que ela ficasse um tempo com ele porque eu estava cansada, não sei se ele está bem ou não porque ela não me disse – respondi olhando para o nada e com os olhos cheios de lágrimas.
-E porque você está assim? Você não é de se abalar tanto com qualquer discussão. O que ela disse no final que você mudou totalmente o tom de voz?
-Ela confessou que realmente nunca conseguiu me enganar e que eu descobri algumas coisas que ela planejava, mas algumas delas foram inevitáveis de acontecer – estava incrédula.
-O que você está querendo dizer com isso?
-Foi essa a pergunta que eu fiz para ela, mas não obtive resposta. Meu sexto sentido está em alerta e isso não é bom sinal. Acho que essa mulher pode ser capaz de tudo.
-Você não acha…
-Bingo, Clara! Pelo tom de voz que ela usou, acho sim, que ela tem alguma parcela de culpa com o que aconteceu com meu pai e o desprezo dela é enorme. Eu nunca fui de me sentir tão mal com uma simples discussão e isso só aconteceu quando ela tocou nesse assunto muito por alto e a forma que ela disse.
-Vem cá… Deita aqui… Você está muito cansada… Pode ser só impressão sua.
-Não Clara, essa mulher nunca falou assim comigo, por mais que estivesse claro que ela me odiasse e a gente já se falou por telefone outras vezes sem meu pai estar por perto – pausa – eu preciso ir para o hospital agora! – disse me levantando.
-Nada disso! Você está com a cabeça quente e não vai prestar se ela ainda estiver lá. Fica calma, deita um pouco aqui comigo, eu vou com você depois do almoço – me puxou de volta para a cama.
-Mas, eu preciso saber como está o meu pai.
-Ligue para o médico. Ele não disse que está lá todos os dias a partir das 7h e que você pode ligar a qualquer momento?
Pensei por um instante e enquanto isso a Clara me lançou um olhar muito meigo, quase suplicando para que eu não fosse.
-Tudo bem, vou tomar um banho. Você pode ligar?
Enquanto eu estava no banho, a Clara ligou para o Dr. Marcelo e ele explicou que meu pai continuava reagindo muito bem e que se o ritmo continuasse, dentro de dois dias ele não precisava ficar em coma. Deitei de lado na cama, mas de frente para a Clara, ficamos nos beijando, matando um pouco da saudade, mas nada que levasse ao sexo.
Eu queria muito, sei que ela também, mas aquele não era o momento. Fiz um carinho em seu rosto quando fizemos uma pausa:
-Por que você veio pra cá?
-Porque eu tinha certeza que você estava passando por uma grande barra e não tinha ninguém para te ajudar a passar por isso, eu lembro que você me contou da impossível relação entre você e sua madrasta.
-Foi por isso que você voltou a me tratar carinhosamente, por pena de mim?
-Não, quando você enviou aquele email explicando o que aconteceu, minha ficha já estava começando a cair, mas eu precisava ter certeza das minhas desconfianças.
-Quais?
-Que isso tudo poderia ser armação.
-Por que a Vanessa ia querer armar alguma coisa?
-Não a Vanessa, ela é mais uma vítima em toda essa situação.
-Então quem faria isso?
-Nem desconfia?
-Renata!
-Exatamente! Essa viagem no dia seguinte foi de fundamental importância para que eu conseguisse montar todo o quebra-cabeça. Você e a Renata viviam se estranhando, uma ofendendo a outra mesmo que sutilmente e para completar ela viu que a Dani estava com você nessa. Você lembra que a Dani disse que não gostava de ninguém que já fiquei ou namorei? – fiz um gesto afirmativo com a cabeça – Naquela noite no Originally Renata saiu de perto da gente visivelmente chateada e não sei se você tinha notado, acho que não porque você não a cumprimentou, mas a Vanessa estava logo atrás dela. Então ela conseguiu convencer a nova namorada a fazer o que fez no banheiro e conseguiu implantar a dúvida em minha cabeça para ir atrás de você. Quando eu vi a tal Vanessa te empurrando, tive que sair correndo, eu não consegui ficar até o final, mas a Rafa me viu.
-Tá, isso tudo é muito louco, mas como você conseguiu pensar nisso tudo na raiva?
-Comecei a pensar no motivo que a Renata estava sempre presente nos lugares que nós estávamos, depois foi ela que me avisou que você poderia estar fazendo alguma coisa no banheiro e logo com quem: Vanessa, a namorada dela. Dias depois você me envia um email explicando toda a história e tudo foi se encaixando. Concordo que eu poderia ter lhe ouvido naquele dia, mas a gente poderia não está aqui nesse momento, muito provavelmente eu não a perdoaria e não juntaria as peças do quebra-cabeça.
-E como você teve certeza de tudo?
-Assim que cheguei a Salvador, tive que procurar a Renata. Fiz meu papel de vítima direitinho e assim que vi a Vanessa e tive um tempinho com ela sozinha, pedi seu telefone e disse que ela não precisava se preocupar que a Renata não saberia disso, eu precisava conversar com ela. No dia seguinte liguei e marcamos de almoçarmos juntas, consegui convencê-la a contar tudo e ela me confirmou o que eu já imaginava, mas não foi por vingancinha besta por causa das ofensas que vocês trocavam como imaginei.
-Como assim? Qual era o real motivo?
-Ela sabia que a Vanessa é ainda apaixonada por você e Renata disse que se fizesse isso, eu ficaria com aquela idiota e a sua ex ficante – riu ironicamente – teria o caminho livre para tentar te conquistar.
-Como Vanessa pôde fazer isso?
-O amor e o ódio são capazes de cegar. Eu que o diga.
Encostei as costas no colchão, não conseguia assimilar tudo aquilo assim, tão rápido. Eu jurava que conhecia a Vanessa e achava que ela nunca faria isso, mas como a Clara tinha acabado de falar: tanto o amor quanto o ódio são capazes de cegar. Na realidade, a Vanessa era uma vítima da Renata, mais uma imbecil na minha lista.
-O que essa cabecinha está matutando?
A Clara se aproximou ainda mais de mim e apoiou a cabeça em meu ombro
-Nada, só estou tentando assimilar todas essas informações, acho que já foi muita coisa por um dia. Mais uma bomba dessa, não sei se agüento – sorri e beijei-lhe a testa.
Ficamos um tempo em silêncio, cada uma com seus pensamentos. Estava fazendo um leve carinho em suas costas até que eu mesma o quebrei:
-E o que vai ser da gente agora?
A Clara se levantou, ficando sentada e fitou meus olhos:
-Bom, primeiro quero lhe pedir desculpas por não ter acreditado em você, mas acho que não tinha como acreditar naquelas circunstâncias, nós duas fomos vítimas.
-Não precisa, acho que teria feito o mesmo, mas primeiro tentaria te ouvir, mesmo que eu não acreditasse. Mas, tudo bem. Não se preocupa quanto a isso cada um age da maneira que achar melhor.
-Agora o que será da gente, só depende de você – estava receosa.
-Hum, depende de mim, é?
Sentei também e lhe roubei um beijo apaixonado:
-A gente ainda vai casar?
Sorri:
-Uau, para quem procurou tantas desculpas para aceitar, esse seu receio chega a ser surpreendente.
Ela tentou falar alguma coisa, mas não deixei roubando-lhe mais um beijo. Quando paramos um pouco para respirar melhor:
-Posso lhe pedir só uma coisa?
-Bom, depois de tantas notícias nesses últimos dias, tenho certeza que o que você vai me pedir, vou tirar de letra. Manda! – sorri.
-A gente pode ficar esses próximos dias no hotel que estou hospedada? – ela estava muito tímida com a pergunta, fiquei olhando-a divertida – amor, por favor… Olha só, lá é tudo maior e mais confortável. Tenho certeza que você vai descansar bem mais já que tem tanto tempo sem dormir direito e posso cuidar melhor das suas refeições – não tive como não rir – do que você está rindo? – ela estava visivelmente envergonhada com a proposta.
-Você fica linda assim envergonhada, sabia? Fica com essa cor de formiga e não sabe para onde olhar, onde pôr as mãos, o que falar…
-Para com isso, Eduarda! – fingiu seriedade – Nós vamos ou não?
-Se eu disser que não, você ficaria aqui comigo?
-Infelizmente sim, aqui até que é aconchegante, mas lá é muito mais confortável. Teria que vir para cá, já que minha mulher está aqui, não acha?
Não consegui não rir, incrivelmente a Clara tinha o poder de mudar meu humor mesmo ele estando péssimo.
-Não se preocupa com isso, amor. Eu vou até onde a minha mulher está hospedada.
Ela sorriu lindamente:
-Repete!
Fiz uma cara de total interrogação:
-Qual parte?
-Para Du… Você sabe…
Fui para cima dela e fiquei dando rápidos beijos em seus lábios:
-Você é o amor da minha vida – beijei-a novamente – a mulher que quero durante o longo período que ainda me resta de vida – sorri e voltei a beijá-la – te amo, Clara… Te amo tanto que nem tenho noção do tamanho – sorri.
Deitei-me sobre seu corpo, minhas mãos já percorriam toda a sua extensão arrancando seus gemidos. Ela me empurrou levemente pelos ombros:
-O que foi? – Não entendi sua recusa.
-Hei, calma. – sorriu. – Não precisa fazer essa cara de preocupada, eu quero tanto quanto você, mas te conheço o suficiente para saber que não vai parar tão cedo e nós ainda temos que providenciar sua “mudança” – ela fez o gesto das aspas no ar – e ver como seu pai está lá no hospital.
-Só mais alguns beijinhos, vai. – fiz cara de pidona.
-Não senhora! Agora não, amor. Mais tarde, quando estiver tudo resolvido, você terá todos os beijos que quiser.
-Mas, mais tarde eu não quero só beijo.
-Você sabe que não terá só beijo – sorriu maliciosamente.
Consegui roubar mais um delicioso beijo da Clara e nos levantamos para organizar minhas coisas. Liguei para a recepção da pousada pedindo para fechar minha conta, terminamos de arrumar tudo e fomos embora assim que fiz o pagamento das minhas despesas.
Chegamos ao hotel e deixei minha mochila. Seguimos para o hospital por volta das 14h e, graças a Deus, não encontramos com a Regina. Não sei do que seria capaz de fazer se a visse em minha frente naquele momento. Senti meu celular vibrar no meio da tarde enquanto estava indo comprar um lanche para mim e para a Clara, era um SMS da Dani:
“Meu guia já me disse o que aconteceu. Você precisa ter força para enfrentar essa mulher. Ele estará aí contigo e eu fazendo minhas orações daqui. Se cuida. Beijo”.