Capítulo 31

Cada uma entrou em um reservado, saí antes da minha amiga e fui surpreendida pela Vanessa, minha ex ficante e agora atual namorada da Renata, pelo menos era o que eu achava.

Ela me empurrou de volta para o reservado e, por causa do susto, me deixei levar, mas assim que acordei daquela loucura – coisa que duraram dois ou três segundos – juntei toda a minha força e raiva e a empurrei para longe de mim. Ela acabou batendo as costas – violentamente – na parede do lado de fora do local que ela havia me empurrado, pois não se deu ao trabalho nem de fechar a porta:

-Tá louca, criatura?

-Eu quero você, Duda!

-Você quer que eu perca o respeito e a admiração que tenho por você, aliás, tinha, não é?

-Duda! – tentou segurar meu braço.

-Não toca em mim – gritei.

Olhei para a porta ao lado e vi minha amiga boquiaberta com a cena e pálida, muito pálida.

-Rafa, você está sentindo alguma coisa?

-Não amiga, estou bem. O que foi isso? Não entendi nada.

-Nem eu amiga, nem eu.

-Então corre atrás da Clara porque ela viu só a parte que a maluca te empurrou para o reservado.

-Como assim?

-Ela entrou aqui, viu a Vanessa te empurrar ali pra dentro e sumiu.

-Merda!

Saí em disparada para a nossa mesa:

-Cadê a Clara?

-O que você fez, Duda? – Bruna me perguntou já levantando para tirar satisfações.

-Eu não fiz nada, quero saber onde está a minha namorada.

-Ela saiu e não disse para onde ia, estava chorando. Acho melhor você ir atrás dela, Duda.

-Vou sim, Dani. É isso o que vou fazer agora.

-Mas, o que aconteceu?

-A Rafa explica para vocês.

Saí em direção ao estacionamento, procurei a Clara em todas as partes e não a encontrei, resolvi ir para  seu apartamento. O porteiro avisou que ela tinha proibido a minha entrada, liguei para o telefone da sua casa, para seu celular e ela não atendia, fiquei desesperada, enviei um SMS para ela:

”Preciso explicar o que você viu”

Pouco tempo depois recebi a resposta:

”Some”.

Coloquei o capacete, virei a placa para cima, subi na moto e fiz o máximo de barulho que eu podia, abusei da potência daquele motor. A vi na varanda, ela saiu logo em seguida. Havia colocado os fones do meu mp4 no ouvido e incrivelmente estava na música “Diz que fui por aí” com Fernanda Takai, arranquei na moto sem destino algum.

“Se alguém perguntar por mim/ Diz que eu fui por aí/ Levando o violão/ Debaixo do braço/ Em qualquer esquina eu paro/ Em qualquer botequim eu entro/ Se houver motivo/ É mais um samba que eu faço/ E se quiserem saber se volto/ Diga que sim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim/ Eu tenho meu violão/ Pra me acompanhar/ Tenho muitos amigos,/ Eu sou popular/ E tenho a madrugada/ Como companheira/ A saudade me dói/ No meu peito me rói/ Eu estou na cidade, estou na favela/ Eu estou por aí/ Sempre pensando nela”.

http://br.youtube.com/watch?v=NzKafjeyUVk

O dia já tinha amanhecido e eu não conseguia chegar a lugar algum, nem conseguia raciocinar direito. Continuei nas minhas tentativas frustradas de falar com a Clara e ela não atendia minhas ligações.

Eu estava no Farol da Barra sentada no muro que separa a pista da areia e senti o meu celular vibrar em meu bolso:

-Oi Dani – disse num fio de voz.

-Conseguiu falar com ela?

-Ela não me atende e proibiu minha entrada em seu apartamento.

-E como você está?

-O que você acha?

-Nem precisa responder.

-Bom, vou tentar falar com ela no aeroporto. Seu vôo sai daqui a pouco.

-Vai lá então e me mantenha informada.

-Fica tranquila, te ligo mais tarde. Beijo.

-Beijo.

Segui para o aeroporto e fui diretamente para a área de embarque, nada dela, no balcão da empresa aérea constatei que a Clara já tinha feito o check in. Tentei encontrá-la sem sucesso. Voltei para a área de embarque e a vi ao longe, tentei correr para alcançá-la, mas tinha muita gente na minha frente e ela já estava passando pelo detector de metais. Liguei novamente para o seu celular, ela olhou para o aparelho e além de derrubar minha ligação, desligou o celular e o jogou na bolsa. Incrivelmente olhou em minha direção, nossos olhos ficaram presos um no outro por alguns instantes. Ali eu vi tristeza, mágoa. No meu tinha desespero. O que eu mais temia estava acontecendo, ela ia viajar sem ao menos me dar a chance de explicar o que aconteceu, aliás, o que não aconteceu.

Eu já estava subindo na moto quando senti mais uma vez meu celular vibrar em meu bolso:

-Oi Dani.

-Conseguiu?

-Não, só a vi de longe. Não consegui alcançá-la.

-Vem aqui pra casa, você precisa descansar e não é uma boa ficar sozinha.

-Não, eu preciso é ir trabalhar.

-Então vem pra cá quando sair de lá.

-Tá, vou ver e depois te ligo. Beijo.

-Estarei a sua espera, beijo.

Não queria falar com ninguém sobre isso, desliguei o aparelho e coloquei-o no bolso novamente. Segui para o escritório do Vc3 e mergulhei de cabeça no projeto. O que eu menos queria era pensar nesse problema, só poderia resolver quando a Clara voltasse dali a quinze dias.

Por volta das 16h Dani chegou no meu trabalho e me levou para sua casa, ela me conhecia o suficiente para saber que eu não iria sozinha, preferia ir para o meu apartamento:

-Você precisa descansar, Duda – tínhamos acabado de chegar.

-O que eu preciso é falar com a Clara.

-Não, você vai tomar seu banho, comer alguma coisa porque duvido que tenha feito isso hoje e descansar um pouco. Quando você acordar, aí você pode tentar falar com ela.

Quando saí do banheiro, a Dani estava a minha espera sentada na cama, vesti um short e uma camiseta que ela me emprestou e deitei com a cabeça em seu colo. Automaticamente as lágrimas começaram a cair.

-Você não se deu a chance de chorar ainda, coloca tudo pra fora, vai. Seu coração está muito angustiado.

Não conseguia falar nada, o choro estava tão intenso que comecei a soluçar. O que ela disse era a mais pura verdade, eu não tinha me dado a oportunidade de chorar até então, tinha me preocupado em me explicar e como não conseguia, ficava ainda mais angustiada, irritada, impaciente, de mau humor.

Eu queria, eu precisava falar com a Clara. Ela provavelmente estava me achando a pior das criaturas, pois no dia anterior eu tinha aberto minha vida totalmente para ela, queria casar, ir morar em outro país com ela, jurei meu amor. E isso estava me deixando triste, ela não podia pensar que falei aquilo tudo da boca para fora, para impressioná-la, muito pelo contrário, nunca havia sido tão sincera comigo mesma para chegar ao ponto de me abrir assim tanto com uma pessoa.

Eu estava apaixonada, amava a Clara tanto que precisava esclarecer tudo com ela. A perna de Dani já estava molhada pelas minhas lágrimas. Ela ficou ali acariciando meu cabelo, tentando me acalmar com suas sábias palavras até que acabei adormecendo.

Acordei às 4h, Dani já havia levantado também e estava na cozinha preparando uma vitamina para ir malhar – na “pequena” academia que tinha no próprio apartamento – cheguei perto dela e a beijei no rosto:

-Bom dia!

-Bom dia, Duda, está se sentindo melhor?

-Um pouco, acho que realmente estava precisando descansar. – olhei para o relógio – dez horas dormindo – sorri.

-Coma alguma coisa, acho que tem mais de 24h que seu estômago não recebe nada, não é verdade?

-Vou comer sim, mas nem pense que vou tomar essa porcaria que você gosta. Eu vou fazer a minha vitamina de banana.

-Sinta-se a vontade.

Depois de preparar meu café da manhã, fomos caminhando até a sua academia, ficamos conversando banalidades até a Dani mudar drasticamente de assunto:

-O que foi realmente que aconteceu lá no Originally?

Respirei fundo:

-Nem eu sei direito – contei o que tinha acontecido e o que Rafa viu.

-Bom, a Clara realmente deve está puta da vida com você. Ela está achando que você a traiu e isso era o que mais ela tinha medo.

-Eu sei e o pior é que não tenho culpa de nada, fui pega de surpresa e na realidade nem deu tempo da Vanessa me beijar.

-É, minha irmãzinha, você vai ter que ir com muito cuidado agora.

-Tenho consciência disso. Mas, agora eu tenho que ir. Preciso passar em casa para trocar de roupa e ir trabalhar. Valeu pela força.

-Não precisa agradecer, se precisar mais uma vez, é só vir.

-Venho te abusar sim, nem se preocupe – sorri.

Minha semana passou arrastada apesar de não ter tempo para nada porque eu tinha que fazer o meu trabalho e o da Clara. Chegava em casa exausta e todos os dias eu tentava ligar para ela sem nenhum sucesso, resolvi escrever um email:

“Clara,

Sei que você ainda deve estar muito, mas muito chateada comigo, eu queria apenas que você ouvisse minha explicação, seria muito mais fácil do que esse joguinho de gato e rato que você está fazendo. Não  a culpo, claro que não, afinal de contas eu também ficaria magoada se eu estivesse em seu lugar, mas  acho que eu pelo menos a escutaria. Acho que todos merecem uma segunda chance, mesmo para provar que não a merecia, concorda?

Bom, vou resumir o que aconteceu aquela noite: realmente estava precisando ir ao banheiro e Rafa havia me chamado, cada uma entrou e um reservado e quando eu estava saindo do meu, a louca da Vanessa me empurrou, no susto me deixei levar, mas em questão de segundos a empurrei tão brutalmente que ela  bateu as costas na outra parede, mas você se retirou antes disso acontecer e acabou não vendo essa parte e muito menos me deixou explicar, aliás, eu nem sabia que você tinha visto, Rafaela que me disse. Saí em disparada atrás de você, mas não a encontrei mais e quando fui ao seu apartamento, você já tinha proibido a minha entrada. O que me deixou mais triste foi seu olhar no aeroporto, eu queria tirar aquela nuvem de tristeza que pairava em sua cabeça, mas você não me deu chance alguma para tal. Acredita em mim, por favor… Acredita em tudo o que lhe disse quando lhe pedi em casamento. Nunca fui tão sincera com alguém como sou contigo, tenha certeza que eu que não quero é lhe magoar, jamais lhe trairia. Se você precisar de uma segunda opinião, a Rafa viu tudo, ela é minha amiga, mas acho que você já percebeu que ela não iria encobrir um erro tão grave.

Amor, você sabe que o que não quero é te ver triste, magoada, chateada, angustiada do jeito que te vi, eu te amo demais para isso e para não suportar essa situação. Se eu te pedi para casar comigo é mais uma prova, eu não iria te propor isso se não te amasse.

Estou com saudade.

Beijo,

Sua, somente e eternamente, Du.”

Enviei junto, um anexo com a música “Luz dos olhos” do Nando Reis:

“Ponho os meus olhos em você, se você está/ Dona dos meus olhos é você, avião no ar/ dia pra esses olhos sem te ver, é como o chão do mar/ Liga o radio a pilha, a TV, só pra você escutar/ A nova música que eu fiz agora/ Lá fora a rua vazia chora/ Os meus olhos vidram ao te ver, são dois fãs, um par/ Pus nos olhos vidros pra poder, melhor te enxergar/ Luz dos olhos para anoitecer, é só você se afastar/ Pinta os lábios para escrever, a sua boca é minha/ Que a nossa musica eu fiz agora, lá fora a lua irradia a glória/ E eu te chamo, eu te peço vem/ Diga que você me quer, porque eu te quero também/ Passo as tardes pensando/ Faço as pazes tentando te telefonar/ Cartazes te procurando/ Aeronaves seguem pousando sem você desembarcar/ Pra eu te dar a mão nessa hora/ Levar as malas pro fusca lá fora/ E eu vou guiando, eu te espero vem/ Siga onde vão meus pés, que eu te sigo também/ Por que eu te amo e eu berro vem/ Grita que você me quer porque eu vou gritar também”

Pronto, assim que terminei de escrever, enviei e fiquei olhando para a tela do computador. Sabia que muito provavelmente aquele horário ela já estaria dormindo, desliguei meu PC e deitei, mas mais uma vez desde esse último acontecimento não consegui dormir direito.

O dia seguinte era domingo, fui passar o dia com minha mãe, perguntou da Clara, acabei contando o que aconteceu, desde o dia que nos conhecemos até o fatídico dia do Originally, contei inclusive sobre meus planos de nos casar e no fim do ano ir para Portugal para fazer minha pós. Para minha total surpresa ela escutou pacientemente tudo e disse para eu ter um pouco de paciência porque não era uma situação fácil para nós duas, que a Clara acreditava no que os olhos dela viram e já que ela já foi traída a situação piora e muito.

Pela primeira vez recebi um carinho da minha genitora, apesar da minha quase depressão, minha mãe e minha avó conseguiram me alegrar um pouco, me senti bem, acolhida, amada como nunca havia sentido nos braços da minha mãe.

A Dani me ligou para dormir em sua casa, não recusei, o que eu menos queria naquele momento era ficar só, meu dia tinha sido relativamente bom, apesar da tristeza, não queria voltar ao clima de antes. Contei a ela o que tinha acontecido na casa da minha mãe e ela ficou super feliz, conversamos muito e dormimos tarde já que ela tem problemas de insônia e eu não dormia direito desde o domingo da confusão.

Fui trabalhar na manhã seguinte e assim que cheguei em casa vi que tinha a resposta do meu email:

“Conversamos quando eu voltar para Salvador”.

Não era bem o que queria, mas já era um ótimo começo, pelo menos teria uma chance de explicar o que realmente aconteceu, tinha quase certeza que ela acreditaria em mim. Fiquei realmente feliz, liguei para Dani e disse o que aconteceu, ela vibrou junto comigo, conversamos mais um pouco e fui dormir logo em seguida, incrivelmente eu consegui dormir cedo.

E como desgraça pouca é bobagem, na quinta-feira eu estava com o Carlos passando algumas  informações quando recebi uma ligação com um DDD de outra cidade, mais especificamente de Curitiba:

-Alô!

-Eduarda?

-Sim, quem é? – já desconfiava quem era.

-É a Regina, tudo bem?

-Até antes de você ligar, sim.

-Olha, não quero brigar, estou te ligando para falar que seu pai teve um AVC e está internado.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2017 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.