Capítulo 24

Encerrei a ligação com a sensação de certeza que no dia seguinte a conversa seria difícil, por isso queria dormir o máximo possível para não acordar de mau humor.

Pensava em tudo o que aconteceu entre nós duas até aquele momento. Tentativas em vão, nunca perdi o sono por nada, poderia ser o maior problema da minha vida, eu demorava dormir, mas nunca passei a noite em claro por conta disso. E dessa vez foi diferente. Virava de um lado para o outro da cama inúmeras vezes, senti meu corpo cansado, mas não conseguia relaxar o suficiente, olhava para o relógio quase a cada cinco minutos, estava muito impaciente mesmo. Meu cérebro não parava e, consequentemente, não me deixava dormir.

Em determinado momento senti meus olhos pesarem, meu corpo relaxar e não lembro mais nada depois disso.

***

Cheguei ao escritório pontualmente às 8h, desejei um bom dia a todos que passavam por mim:

-Bom dia, Cláudia!

-Bom dia Duda, aconteceu alguma coisa com você?

-Nada não, só não dormi bem, por quê?

-Parece que um caminhão passou por cima de você – sorriu e completou – A dona Clara está esperando a senhora na sala de reuniões.

-Reunião? Tem alguma coisa marcada para agora pela manhã?

-Não, acho que é só para discutir alguma coisa do projeto porque ela nem pediu minha presença.

-Tudo bem, Cláudia. Só vou deixar minhas coisas na sala e sigo para lá. Obrigada!

Já sabia o que a Clara queria: a bendita conversa. Tudo bem que eu tinha prometido que esclareceríamos tudo naquele dia, mas logo cedo? Meu humor não era dos melhores, não tinha dormido bem, ainda não estava pronta para falar, mas mesmo assim fui encarar minha namorada.

Adentrei na sala e a visão que tive foi perfeita: Clara estava com uma saia bege e uma blusa branca de botão, cabelo solto, estava em pé olhando através da janela para o trânsito:

-Bom dia!

Ela olhou em minha direção, não consegui ler o que aqueles olhos que eu tanto amava estavam tentando me dizer:

-Bom dia, Duda!

Aproximei-me dela:

-A Claudia  disse  que  teríamos  uma  reunião,  não  me  lembro  de  termos  marcado  nada     –  disse suavemente depois de ter aceitado o beijo que ela depositou em meus lábios.

-Você marcou comigo ontem à noite por telefone, não lembra mais? – continuava  sem decifrar aquele olhar.

-Claro que lembro, só não imaginava que seria tão cedo – sentei.

-Quero saber o que está acontecendo o quanto antes. Não quero ficar nesse clima chato com você. – disse carinhosamente sentando-se ao meu lado no sofá.

-Você tem certeza que não sabe?

-Claro que não, se soubesse e realmente constatasse meu erro, não continuaríamos assim, não acha?

Respirei fundo fitando a Clara por alguns instantes:

-Bom, não vou ficar aqui protelando ainda mais isso porque também não aguento ficar nessa situação – levantei e encostei-me à mesa.

-É sobre a festa de ontem que não lhe agradou, não é verdade?

-Também – ela ia falar alguma coisa, mas interrompi – foi a festa, as pessoas, as atitudes delas também me incomodaram muito, mas isso tudo é relevante. O que me chateou muito foi a sua atitude – ela me olhou como se não tivesse entendido – você sabia que aquele ambiente não estava me agradando nem um pouco, mas por você eu fiquei e você prometeu que não demoraríamos. Você não percebeu minha ausência de quase uma hora e quando voltei você estava conversando animadamente com a tal da Renata. Ela tentou me ofender, mas consegui me defender tranquilamente e mais uma vez sua atitude comigo foi – pausa – vergonhosa porque além de não se pronunciar em momento algum, você me puxou para um canto e me repreendeu pelas coisas que disse àquela mulher insuportável, que até a alguns dias quando nos encontramos você nem falava direito. Clara, você é minha namorada e por isso eu estava ali mesmo a contragosto, e você o que fez para tentar amenizar a situação? Simplesmente nada. Seu pai me deu muito mais atenção do que você, se mostrou muito mais preocupado com meu duelo com a Renata do que você, porque se dependesse de você, nem imagino onde aquilo ia parar.

-Eu estava com os meus amigos, sabe quanto tempo que praticamente não os vejo? Quanto tempo nós não conversamos? Poxa Duda, você também não tinha nada que sair e sumir daquela forma – disse visivelmente irritada.

-Seus amigos? Esses seus amigos você pode encontrar a qualquer momento, é só ligar e marcar, mas ficar de altos papos com aquele ser insuportável e ainda nem lembrar que eu estava na festa foi demais, não é? E pior ainda foi você ficar neutra enquanto ela tentava me ofender porque nunca fui de frequentar esse tipo de lugar.

-Tá, tudo bem, assumo meu erro quanto a não perceber sua ausência por tanto tempo, mas não posso me afastar de meus amigos, não acha? Sei que você não gosta desse tipo de festa, desse tipo de gente, mas é o ambiente que cresci, que sou acostumada e a Renata sempre foi minha amiga. Aconteceu de ficarmos, mas nada sério como já lhe expliquei, não posso ser inimiga dela.

-Tem uns quarenta dias mais ou menos que você não vai a uma festa dessas porque sempre está comigo, porque estamos namorando e você queria me agradar, mas além de ir, me levou. Até aí tudo bem, nunca te pedi para deixar de fazer qualquer coisa por minha causa, mas ficar tão deslumbrada com o retorno ao seu ambiente natural e não perceber minha ausência de quase uma hora é se abobalhar demais, não é verdade? Clara, o susto que você levou quando te toquei quando retornei ao salão foi tão grande que qualquer um que estava ali, com toda certeza percebeu. Não quero que você fique sem falar com a Renata e nem com ninguém que você já ficou, namorou, sei lá o que, isso não me interessa, mas ficar neutra naquela situação foi demais.

-Sei que o que fiz foi horrível, que eu deveria ficar com você, não podia lhe deixar sozinha por quase uma hora, mas sempre as pessoas que me acompanhavam nessas festas já estavam acostumadas com isso ou ficavam totalmente deslumbradas, não saiam de perto de mim, eu não precisava me preocupar se estavam gostando ou não. Deixei meus amigos de lado para lhe dar total atenção, afinal de contas estamos namorando. E com relação a Renata, preferi me manter neutra para não aumentar ainda mais a discussão.

-O caso agora é diferente, você não estava namorando essas pessoas. Realmente não havia necessidade em se importar com o que elas pensavam ou não. Se elas estavam sendo ofendidas por uma ex sua ou não e sua decisão de se manter neutra era mais uma força para Renata continuar com o showzinho dela. Tenho certeza que se seu pai não nos interrompesse, ia dar muita merda.

-Tá, admito que errei nesses dois pontos, mas você também errou em se afastar.

Eu não estava mais aguentando aquilo:

-Quando é que você vai entender que eu não aguentava mais aquelas pessoas? Eu precisava de um pouco de ar, precisava ficar longe daquelas pessoas.

-E, consequentemente, longe me mim.

-Claro que não, não queria ficar longe de você.

-Mas, ficou e durante quase uma hora.

Dei a volta na mesa e me sentei no sofá novamente:

-Se eu te chamasse para ir embora, você iria?

Nesse momento somos interrompidas pela Cláudia que pedia algumas assinaturas para a Clara e tirou algumas dúvidas. Não tirei meu olhar de cima da minha namorada um instante sequer. Alguns minutos depois a secretária se retirou e a Clara terminava de ajeitar alguns papeis na mesa, pois ela tinha se levantado para poder falar com a secretária e assinar o que tinha que assinar:

-Eu te fiz uma pergunta, Clara.

Ela parou o que estava fazendo, olhou em meus olhos por alguns segundos:

-Iria sim, mas não naquele momento que você saiu dizendo que ia ao banheiro. Eu ainda não tinha conversado com todos os meus conhecidos que estavam presentes e essa era minha maior intenção quando aceitei o convite de comparecer à festa.

Não conseguia falar mais nada, levei minha mão a cabeça inclinando-a para trás, estiquei minhas pernas cruzando-as em minha frente, respirei fundo e percebi que a Clara estava sentada ao meu lado:

-Para de ser cabeça dura, Duda. Eu já admiti que errei, você agora pode fazer o mesmo? Vai ser melhor para nós duas – fez uma leve carícia em meu rosto.

Virei minha cabeça em sua direção, ela sorriu:

-Tudo bem, eu errei e prometo ser mais tolerante – falei suavemente.

Ela não conseguia mais conter as lágrimas e eu a minha resistência, segurei seu rosto entre minhas mãos, enxuguei suas lágrimas com os polegares e a abracei carinhosamente. Clara ficou um longo tempo com a cabeça apoiada em meu ombro e sua respiração, seus lábios no meu pescoço estavam provocando arrepios em mim, estava acariciando suas costas:

-Clara.

-Oi.

-Se você continuar aí, não vou resistir.

Foi o mesmo que falar para continuar e provocar ainda mais porque Clara sorriu ainda com a boca em meu pescoço fazendo com que eu sentisse o seu hálito quente, fechei os olhos. Ela afastou-se o suficiente para olhar em meus olhos, sorriu, retribuí o sorriso, ela passou a língua nos lábios sedutoramente, não consegui resisti.

Puxei sua cintura com ambas as mãos e colei meus lábios nos dela fazendo a Clara instantaneamente passar seus braços ao redor do meu pescoço e gemer em minha boca. O beijo foi intenso, ardente, sufocante, apaixonado, saudoso… tivemos que parar por alguns instantes para respirar direito, minha namorada colou a testa na minha acariciando meu pescoço:

-Estava com saudade.

Nada respondi, voltei a colar minha boca na dela, mas dessa vez com mais calma, saboreando seus lábios, sua língua. Clara enfiou as duas mãos em meu cabelo, acariciava minha nuca fazendo todo o meu corpo se arrepiar. Minhas mãos estavam por baixo de sua blusa, nas costas, puxando-a ainda mais para mim. Queria ela grudada em meu corpo, queria demonstrar que também senti sua falta, de seus beijos, seu corpo, da sensação maravilhosa que era sentir seu corpo grudado ao meu com seu nariz enterrado em meu pescoço enquanto dormimos, o quanto durmo melhor com ela.

Ficamos matando a saudade até o interfone tocar, era Cláudia perguntando se iríamos precisar dela porque ela estava saindo para o almoço. Foi somente aí que nos demos conta do tempo que passou e que não tínhamos produzido nada ainda naquele dia, mas se dependesse da Clara, continuaríamos sem fazer nada:

-Poxa, Du. Deixa de ser chata, vai – disse brincando com meus cachos e fazendo dengo ainda abraçada a mim.

-Clara! – sorri – a gente mata essa saudade a noite, à tarde temos reunião com seus sócios, esqueceu?

-Então promete que se a gente terminar cedo… – disse maliciosamente.

-Se nós terminarmos cedo vamos adiantar algumas coisas para segunda-feira – brinquei, mas o olhar reprovador que ela me lançou me fez desistir da ideia rapidinho – brincadeira, amor, se a gente terminar a reunião cedo, nós vamos direto para casa.

-Ah, bom. Pensei que você não tinha amor a sua vida.

-O que você ia fazer contra mim, hein? – beijei seu pescoço.

-Não ia deixar você me tocar essa noite – disse fazendo charme.

-Se você fizesse isso, nós duas saíamos no prejuízo – beijei-lhe rapidamente nos lábios – e eu sei que você não resistiria por muito tempo – sorri.

-É, isso eu tenho que concordar com você que nós duas sairíamos no prejuízo, mas não aguentar por muito tempo?

-Claro que não! Não sou a única ninfomaníaca… Ai… Ai… Para… Não precisa me bater, só estou falando a verdade – dei vários beijos em seus lábios.

Ficamos mais um tempo namorando e fomos almoçar. A reunião transcorreu normalmente e conseguimos sair cerca de quarenta minutos antes do horário costumeiro e ironicamente entramos num dilema: minha casa ou a dela.

-Vamos lá pra casa Du, lá já tem várias coisas suas.

-Não Clara, lá em casa tem também várias coisas suas das vezes que você leva e de repente mudamos de ideia e acabamos terminando a noite no seu apartamento. Vamos para minha casa e isso não está aberto à discussão.

Clara ficou com a cara fechada:

-Linda, sei que você prefere seu apartamento por diversos motivos e que vários deles eu lhe dou razão, mas o que custa você passar essa noite lá em casa? – abracei-a e com um sorriso malicioso continuei – tenho certeza que você nem vai prestar atenção onde está, não terá tempo para isso.

Clara passou os braços ao redor do meu pescoço, pareceu pensar um pouco e acabou cedendo. Momentaneamente recompensei lhe com um beijo cheio de promessas.



Notas:



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