Capítulo 7
Fabiana saiu para o banheiro pisando duro e com o rosto transtornado. Liz ficou pensando no porquê de tê-la provocado tanto. Tudo bem! Ela estava cheia do tal Caio. De fato, uma queda no primeiro precipício daqui para a Tasmânia com Mercedes e tudo, cairia muito bem (sem trocadilho). Mas, ela a amava. Ela a amava acima de qualquer coisa no mundo. Não queria deixá-la tão alterada, talvez magoada. A verdade mesmo é que, pela primeira vez, parecia que a sua Fabi estava se esvaindo por entre os seus dedos e isso era muito mais do que ela podia suportar.
Fabiana saiu do banheiro alguns minutos depois ainda amuada. Liz falou com cuidado:
– Olha, Fabi, eu não quis te aborrecer. Só quis lembrá-la de que os rapazes podem se transformar em uns tremendos babacas quando menos se espera. Lembra do Alvin?
– Você sempre tem que me lembrar desse episódio. Eu era uma garota inocente que não sabia nada da vida, Liz.
– Você ainda é uma garota inocente, Fabi.
– Não sou, não, Liz. Já estou bem crescidinha. Você é que não me deixa crescer.
– Eu? Mas… – Liz sentiu um punhal entrando no peito. – É claro que eu deixo você crescer. Eu quero que você cresça.
– Não, não quer. Você quer que eu viva sempre dependente da sua força, da sua energia. Eu tenho a minha própria força, Liz.
– Eu sei, minha querida, eu sempre soube – Liz falou com carinho, mas depois completou com mal disfarçada tristeza. – Eu nunca quis que você se tornasse dependente de mim. Eu sempre pensei que estivesse ajudando…
– Mas você ajudou. Ajuda. Eu… – Fabiana tentou consertar, consciente de que exagerara um pouco.
– Creio que tenho andado me excedendo na minha ânsia em proteger a minha melhor amiga.
– Não, tudo bem, Liz. Não foi isso que eu quis dizer. Eu só queria que…
Liz a interrompeu com um gesto.
– Não. Você está certa, Fabiana. Eu interfiro demais. Isso não voltará a acontecer.
Liz caminhou calada, por sua vez, para o banheiro. Era o único lugar com alguma privacidade dentro do minúsculo apartamento.
– Fabiana? – Fabi repetiu baixinho, desacostumada de ouvir o seu próprio nome e não o apelido vindo da boca da amiga.
Debaixo do chuveiro, uma loirinha mais magoada do que poderia admitir chorava abafando os soluços com a mão.
A história do Alvin 1987
– Pois é, Fabiana. A festa é neste sábado. Vê se não falta, héim?
– Tá…- Fabi respondeu sem acreditar que um dos caras mais populares do colégio a convidara para uma festa. Seguiu para a sala de aula segurando o papel com o endereço sem entender muito bem o motivo de tudo aquilo.
– Você é a nova celebridade da escola, sua tonta.
– Mas, por que, Liz? Eu não mudei nada.
– É, nadinha mesmo. Você apenas se transformou de patinho feio em Cinderela. Nada demais.
– Eu?
– Ai, minha Santa “Xerupita”. Não, a Irmã Maria.
– Mas, eu sou a mesma pessoa, Liz.
– Eu sei, meu bem, eu sei. Só que agora as pessoas se deram conta de que você é muito bonita e isso costuma ser um achado, amiga. Além do mais, nós vamos juntas para a festa.
– Não sei se a minha mãe vai deixar.
– Deixa a sua mãe comigo.
– Como?
– Só deixa – Liz deu aquela risada baixa e maquiavélica que às vezes amedrontava Fabiana.
De alguma forma, Liz deu um jeito para que Coriolano, o garoto presidente do clube bíblico, ligasse para D. Eulália convocando Fabiana para uma reunião da Comunidade Bíblica Jovem. Algo sobre ela ajudar a definir os parâmetros para o próximo encontro de jovens. O certo é que Fabi conseguiu a noite de sábado livre. Pelo menos até às onze horas.
– Como você conseguiu que o Coriolano ligasse para minha mãe?
– Segredo de profissão.
– Que profissão? O que você fez?
– Prometi algo.
– O que?
– Um beijo.
Fabi sentiu a pulsação acelerar.
– Um beijo…onde? Como? Que absurdo!
– Calma, Fabi – Liz falou rindo. – Eu não disse que vou dá-lo. Depois, aquele carola deve se contentar com uma piscadela e a promessa de um convite para o piquenique anual. É um bolha!
– Liz!
– Relaxe. Vamos.
Chegaram animadas à festa, dançaram e riram muito juntas. Lá pelas dez da noite, Roberto Alvin chamou Fabiana pra conversar. Liz olhou de longe a amiga sair para o jardim com o gostosão da escola. Tentou não ir correndo atrás.
O lado de fora estava um pouco frio e Fabiana estremeceu ante a mudança brusca de temperatura. Roberto se aproximou.
– Está com frio, Fabiana? Você quer que eu te aqueça? – Roberto falou se aproximando da menina.
– O que foi, Alvin? – Fabi perguntou um pouco nervosa. – O que você queria me dizer?
O garoto ficou um tempo calado olhando para ela e depois segurou o ombro de Fabiana que tentou se afastar um pouco, mas foi contida pela firmeza das mãos do rapaz.
– Eu queria dizer que demorei a perceber o quanto você é linda e queria reparar o erro agora mesmo.
Fabiana não teve tempo de responder. Roberto a beijou na boca de súbito. De início, Fabi se assustou e quis afastá-lo, mas ao se deparar com o primeiro beijo com um garoto na sua vida e justamente com o cara mais bonito do colégio, pensou que isso deveria ser o sonho de qualquer garota na cidade e tentou corresponder da melhor forma que conseguiu. O menino se empolgou com a falta de resistência da menina e passou os braços por sua cintura espalhando as mãos por suas costas com mais força e ousadia. Isso era agradável, apesar do beijo entusiasmado demais, molhado demais. Roberto começou a passear as mãos pela cintura da morena se aproximando da altura das nádegas e roçando de lado a ponta do quadril. Fabiana se enrijeceu, mas à falta de saber se as coisas eram mesmo desse jeito com os rapazes, não se afastou. Encorajado, Roberto retirou uma das mãos das costas de Fabiana e avançando rapidamente por baixo da saia meteu-a por entre as pernas da menina. Fabiana retrocedeu imediatamente.
– Não! – gritou, surpresa.
– Deixa, vai… Você também quer, não é?- suplicou o garoto, empurrando Fabiana contra a pilastra da varanda, agarrando-a com mais ânimo e circulando os dedos com mais força contra a calcinha enquanto a menina tentava se desvencilhar.
– Não, não – a morena pediu meneando a cabeça, tentando se livrar da boca ávida do rapaz.
– Deixa de manha, gata. Você vai gostar. Eu prometo.
– Tire as mãos dela, Alvin! – Fabi escutou a voz conhecida com enorme alívio. – Ou eu arranco agora mesmo as suas bolas e as enfio no seu nariz.
– Vá embora, Beverly Hills. Ninguém te chamou aqui – Roberto Alvin falou voltando o rosto afogueado para a pequena loira.
– Vou te mostrar quem foi chamada aqui.
Avançando veloz e determinada, Liz acertou um direto na boca do rapaz com tal fúria que o lábio se abriu imediatamente e ele se ajoelhou com a mão tampando a boca, totalmente etado. Não contente, Liz puxou Alvin para trás pelos cabelos, enfiou dois dedos em suas narinas e o empurrou rapidamente de bruços sobre o chão postando-se sentada nas costas do rapaz enquanto tracionava-lhe a cabeça pelo nariz para trás e para cima parecendo querer arrancar-lhe a pele da face deste modo pouco piedoso ¹. Roberto amoleceu com um gemido sem esboçar a menor resistência. Fabiana teve que gritar para que ela soltasse o rapaz que chorava como uma criança.
– Liz! Liz! Pelo amor de Deus, larga o Alvin – pediu puxando a loirinha cega de raiva pelo braço.
Liz deixou o garoto no chão com dificuldade e olhou para Fabiana.
– Você está bem?
– Estou bem, sim. Vamos embora – Fabiana rogou com veemência.
Depois, quando já estavam na rua á caminho de casa, Fabi perguntou intrigada:
– Onde você aprendeu a fazer aquilo? Você deixou um cara com o dobro do seu tamanho no chão.
– Simples. Viva com seis irmãos mais velhos cruéis e violentos que você aprende a se virar para não apanhar mais do que normalmente apanha do seu pai.
Fabiana abraçou a melhor amiga com carinho e seguiram caminhando sem palavra.
Ninguém jamais soube do que aconteceu. A música alta tampou todo o incidente e Alvin, que nunca contaria aos amigos que fora humilhado por uma garota de 1,60m, disse que caíra de bêbado com a boca na escada. Liz ainda passou algumas semanas preocupada com algum tipo de retaliação, especialmente com Fabiana, mas isso nunca ocorreu. Roberto Alvin nunca mais falou com Fabiana ou Liz.
¹ Cena do golpe clássico de Katina Choovanski, a Katchoo, personagem da estória em quadrinhos imperdível e maravilhosa de Terry Miller, “Estranhos no Paraíso”.