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À flor da pele – Conclusão
Jenny nunca foi tão envolvida com o trabalho como naqueles dias. Passara um mês desde que Carlos havia ido embora, até as fechaduras da casa ela trocou, para não correr o risco de deparar-se com ele. Mas, a verdade é que ela já não sentia tanta raiva dele, ainda que seu orgulho estivesse ferido, a raiva já não era mais um escudo. Ela apenas começava a admitir o que antes recusava a aceitar, nunca amou o Carlos.
Já Sophie, depois de ter saído frustrada daquele quarto de hotel, e encarar a realidade de que, por mais que tentasse, Jenny estava impregnada na sua mente, passou quase toda a sexta-feira andando de um lado para o outro. A cena era até engraçada, Sophie com cabelos bagunçados, olhos de quem não havia dormido, caminhando avidamente de um lado a outro no apartamento e James, a seguindo, achando que a sua humana, estava brincando com ele.
Eu, particularmente, acredito que a vida não gosta de histórias mal resolvidas. Da mesma forma, acredito que quando Eros nos atinge com sua flecha, podemos tentar fugir, manter distância física e até mesmo geométrica. Olhe, quantas pessoas mudam de Estado e até mesmo país, em uma tentativa de esquecer alguém, mas de que adianta tais medidas, se o sentimento do qual estamos fugindo, está acontecendo dentro de nós?!
Sophie começava a acreditar que estava ficando louca, e não era metaforicamente falando, pois ela cogitou mesmo a possibilidade de ter desenvolvido alguma espécie de obsessão, já que não conseguia esquecer a Jenny, já que a via em outros rostos. Decidiu que precisava dar um basta naquela situação, sentia certa raiva, pois não imaginava que a mulher que ela encontrou no parque fosse mais uma dessas pessoas que só aparecem quando estão precisando de ajuda e depois somem.
Tinha algumas verdades para falar, e iria fazer aquilo; falar tudo que acreditava ser necessário, depois iria embora e nunca mais pensaria ou encontraria novamente aquela mulher. Desceu até a garagem, entrou no carro e saiu…
Não demorou para chegar, por sorte, não foi parada em alguma blitz ou pega por algum radar, já que nunca havia dirigido em alta velocidade como naquele começo de noite. Mas, Jenny não estava em casa, Sophie não se importou, iria ter aquela conversa, mesmo que precisasse passar a noite ali, andou de um lado para o outro, voltou para o carro e pensou em voltar para casa, sim, ela estava confusa. Desceu do carro, caminhou até a casa e sentou em um dos degraus da escada e ficou esperando, enquanto preparava um discurso imaginário.
Jenny havia ficado presa no trabalho, algo relacionado a forma como os vendedores estavam abordando os clientes, ao que parecia, eles precisavam inovar ou pelo menos melhorar. Enquanto Jenny sugeria novos métodos, mal imaginava que alguém lhe esperava em casa.
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Passadas algumas poucas horas, Sophie viu alguém estacionar, Jenny saiu do carro e se despedira.
– É bom saber que você está viva, Jenny!
– Sophie, eu…
– Sabe, eu preparei um discurso, mas observando você sair do carro e andando até a mim como quem teme, eu desisti de te dizer as coisas que vim preparada para falar.
– Não, por favor, pode falar. Seja o que for, apesar de já imaginar, mereço ouvir.
– Acredite, melhor não. __ deu de ombros, pronta para ir embora, mas olhou outra vez para Jenny. – Sabe, não pensei que você fosse mais uma dessas pessoas que só buscam as outras quando precisam e depois de tudo resolvido simplesmente desaparecem.
– Desculpa, eu não sabia se deveria…
– Realmente, Jenny. Você não tem dever algum comigo.
– Devo… devo sim, você foi a pessoa que mais me ajudou, sendo que nos vimos apenas duas vezes. E, agi de forma errada contigo, e eu não sou assim, estou me sentindo muito envergonhada por isso.
– Por que você não retornou as ligações? Ou mandou uma mensagem? Há um mês te deixei aqui, em uma situação delicada. Eu me preocupei com você, não sabia o que havia acontecido contigo.
– Por favor, me entenda, eu não estava me sentindo à vontade para conversar, e a única coisa que estou fazendo nesse tempo é trabalhar. Eu me separei do Carlos…
A verdade, é que enquanto Jenny se lamentava e tentava pedir desculpas pela atitude que tivera, Sophie percebia que toda aquela fúria que sentia por não ter notícias daquela mulher, era saudade.
Saudade que começava a apaziguar só de ouvir o som daquela voz
Saudade que estava quase a empurrando para dar um abraço em Jenny.
Tomar consciência desse sentimento por alguém que mal conhecia, lhe assustou.
– Tudo bem Jenny, você tem o meu número e sabe onde moro, quando quiser… é bom saber que você está bem. __ agora vai embora Sophie, pare de ficar olhando nos olhos dela, vire as costas e vá embora, lembra do combinado? Falar o que precisava e esquecê-la.
– Não vai embora, Sophie!
Droga Jenny, não me peça isso! – Por quê?
– Ainda não quero conversar, mas gostaria que você ficasse.
Merda, desse jeito não consigo ficar com raiva de você, assim vai ser difícil fingir que você nunca existiu. – Por quê?
– Eu não sei! Mas, por favor… fica?
Ah, o destino nos prega cada peça!
Pensando bem, quantas e quantas vezes, achamos que aquilo que planejamos, que acertamos conosco em uma conversa mental, será exatamente o que vai acontecer. Ou ainda, quando estamos tão acostumados a alguma espécie de rotina, e acreditamos que nada será capaz de modificar aquilo e de repente, tudo que acreditávamos que seria de um jeito, acaba sendo de outro. E as vezes, essa é a melhor coisa que pode nos acontecer.
Sophie pensou em beijar Jenny ali mesmo, mas é claro que ela não teve coragem de tomar tal atitude. Balançou a cabeça para que aquele pensamento tentador desaparecesse, sorriu e abraçou Jenny, falando que podia ficar. E fora uma noite divertida, assistiram uns três filmes, acabaram com os últimos potinhos de sorvete. E Jenny, apesar de horas antes ter afirmado que ainda não se sentia bem para conversar, naquele momento falava pelos cotovelos, e com direito a piadinhas e brincadeiras bobas.
Naquela noite, não fora Jenny que dormiu no apartamento de Sophie, e sim a jovem que dormira no sofá da casa de Jenny. Cada uma jogada para um lado, com as pernas encaixadas como se montassem um quebra-cabeças.
Jenny acordou primeiro, com o som da televisão e com a claridade de alguns raios de sol invadindo a sala, se mexeu e acabou acordando Sophie. Não que essa fosse a sua intenção, já que segundos antes reparava na forma como a jovem dormia e até fazia beicinho.
Sophie levantou assustada, olhando para o relógio, levou as mãos aos cabelos castanhos e cacheados, dizendo que estava atrasada para um compromisso de trabalho, era um encontro com a Helena. A bem verdade, Sophie começava a se sentir mal por ocultar aquela informação tão importante sobre a sua vida, com certeza também precisaria resolver aquilo. Saiu catando as botas, depois as chaves do carro, bateu o dedinho do pé no sofá, a panturrilha na mesinha de centro, e Jenny sorriu enquanto pensava em como alguém podia ser tão desastrada quanto ela.
Sophie usou a pressa como desculpa, despediu-se com um abraço e um selinho. Obviamente Jenny acreditou que aquilo foi um ato sem pensar, algo automático, mas que a fez sorrir de canto de boca e até mesmo gostar. Sophie foi embora fechando a porta atrás de si com cuidado e sem coragem de olhar para trás e ver a reação de Jenny. Entrou no carro e saiu para o encontro com Helena.
Um encontro rápido.
Helena entregou o dinheiro e as informações que Sophie havia pedido sobre o seu “alvo”, ou seria vítima? Havia até uma foto da mulher, cujo nome “Jênnifer”, Sophie acreditou que já era perseguição mesmo, ou talvez, um aviso para que ela não fizesse aquilo, mas trato era trato, ela era uma mulher de palavra. Pegou o envelope, esquivou-se do beijo que Helena tentou lhe dar e foi embora.
Antes mesmo de chegar em casa, um de seus amigos ligou, não colegas de trabalho, mas um dos amigos de verdade, enfim, o Fernando que ligou para que se encontrassem no barzinho do Joe, outro amigo. Iria estar toda a “turma” e a banda Arqueiros da Rainha, iria tocar. Como dizer não?