48.
— Você sabe como se meter em encrenca, pirralha.
Lenór sentou na beirada da cama e o corpo inteiro reclamou da dor proveniente do desgaste físico dos combates que enfrentou. Sentiu-se tonta, pois havia perdido muito sangue. Ergueu a túnica, observando as novas cicatrizes no abdômen. Após o embate final, ela deitou na relva e perdeu os sentidos. Acordou algumas vezes enquanto passava por uma sessão curativa, mas a dor da cura era tamanha que voltou a desfalecer.
Pensando bem, era um milagre ainda estar viva. Ela encarou Virnan, que estava aboletada na janela como se fosse a dona do lugar. Estar em sua presença após tanto tempo sem se falarem, parecia um sonho estranhamente incômodo e reconfortante.
— Não me chame de pirralha. Há anos que cresci e fiquei mais alta do que você — respondeu, sentindo a garganta arranhar. Virnan sorriu de lado, daquele jeitinho irritantemente sarcástico que somente ela era capaz de fazer. E isso inundou a mente de Lenór com lembranças.
Virou-se e observou Vanieli dormindo, profundamente. Ali perto, a gatinha Aneirin estava enroscada sobre a almofada de uma das cadeiras junto à lareira, sem chamas àquela hora do dia. Observando a forma carinhosa com a qual fitou a esposa, Virnan contou:
— Ela só se deixou cuidar quando todos os seus ferimentos foram tratados. Provavelmente, dormirá até amanhã, devido ao desgaste mágico. É uma moça impressionante — foi até a mesa, encheu um copo com água e o levou para a comandante, que tomou o líquido avidamente. — Me alegra que você tenha encontrado alguém para chamar de lar.
Ela sentou uma mão sobre a cabeça de Lenór e fez um carinho suave, que a deixou desconfortável e feliz ao mesmo tempo. Era como se aquele simples gesto tirasse um peso enorme dos ombros da comandante.
A tarde se aproximava do seu fim e a luminosidade que invadia o quarto tocava as duas mulheres carinhosamente. Através da janela, ainda era possível ver um pouco da fumaça gerada pelas chamas do círculo de Melina. Lenór ergueu o rosto e encarou os olhos de Virnan, que eram de um tom verde cristalino, quase transparentes.
— Achei que se voltássemos a nos ver, você ainda iria me odiar por tudo que falei e fiz quando tentou me impedir de fazer os testes.
Virnan sorriu, suave.
— Parece que você não cresceu tanto assim. Por favor, sou eu quem tira as pessoas do sério. O que me disse, nem de longe, chega perto dos piores insultos que já recebi.
Lenór fitou as suas espadas, que repousavam sobre a mesa, havia um suspiro preso na sua garganta. Quando decidiu fazer os testes para se tornar uma palatin, Virnan estava em Barafor e, assim como Mardus, tentou demovê-la da ideia. No auge da sua rebeldia, Lenór acreditou que a mulher que a ensinou a lutar não confiava em suas capacidades e que se arrependia de ter compartilhado o seu conhecimento.
— Eu fui rude e muito idiota — falou.
— É verdade — concordou, ainda fazendo carinho nos cabelos dela. — Contudo, naquela época, não fiz muito para desfazer as impressões erradas que lhe dei.
A mão de Virnan escorregou até o seu rosto, onde os dedos repetiram o carinho dos cabelos e se afastaram completamente.
— Nunca duvidei de você. Apenas temi que se machucasse mais, porque não é sábio ir para um combate imersa em ódio. Sim, isso pode acontecer, mas você era jovem demais para cercear esse sentimento e se apartar dele em uma arena. Mataria alguém ou acabaria se matando.
— Hoje eu compreendo isso e sou grata por tentar me parar naquele dia. No fim, acabei descarregando toda a minha raiva em você e, quando fui para a arena, consegui ser objetiva.
— Você foi fantástica e me deixou orgulhosa.
Lenór enrijeceu a postura e depois relaxou.
— Achei…
— Achou errado, pirralha. Não perderia isso por nada.
Lenór engoliu o nó que se formou na garganta e voltou a fitar as espadas. Depois da briga que tiveram, ela as encontrou sobre sua cama. Pensou em jogá-las fora, mas apesar da raiva, não se sentiu capaz.
— Foram boas companheiras — falou. Virnan também fitou as espadas. — Voltruf disse que pertenceram à sua mãe. Por que me deu algo tão precioso?
— Você prefere a estranha verdade ou a mentira bonitinha?
— A verdade, sempre.
— Eu me afeiçoei a você de uma forma inesperada, como se fosse uma irmãzinha caçula, admiravelmente forte, determinada, boa e gentil, cujo sofrimento eu compreendia. Não que eu tenha passado pelo mesmo, porém, a vida me trouxe um profundo conhecimento da dor, seus variados tipos e prisões.
Virnan achou o momento curioso, pois imaginou que a primeira coisa sobre a qual conversaram seria o seu aparecimento e auxílio inesperado na batalha. Uniu as mãos nas costas, com uma ruguinha soberba no canto da boca. Estava orgulhosa da mulher que Lenór se tornou, embora conseguisse enxergar, na forma como ela a fitava naquele momento, um pouco da menina triste e sofrida que foi.
— Eu gostava de te ver sorrir — continuou. — Desejei que você pudesse fazer isso sempre, sem ter medo de nada. E a maneira que encontrei para realizar esse desejo foi te dando algo que eu realmente considero precioso: o manibut. Uma técnica milenar, criada pelos meus ancestrais, e que a minha mãe me ensinou todos os dias, desde os meus 3 até os 20 anos. Espadas se perdem, enferrujam ou quebram. Conhecimento e momentos agradáveis ficam gravados em nós e nos acompanham até o fim dos nossos dias.
Ela fez uma pausa ligeira, inspirando devagar.
— Lenór, naquela época eu acreditava que era a última da minha raça e estava certa de que não teria um futuro, tampouco alguém para quem deixar o meu conhecimento. Planejei te ensinar poucos movimentos, algo que te ajudasse a aliviar a dor na perna e pudesse permitir se defender em um momento de necessidade. Mas você se mostrou tão talentosa, extraordinariamente observadora, que não resisti a ensinar quase tudo que sabia. Em poucos meses, você aprendeu o que levei anos para dominar. E se realmente se dedicasse, poderia até me superar. Por isso, te dei as espadas. Porque, quando minha mãe as deu para mim, disse que as passasse adiante quando encontrasse alguém que me fizesse sentir orgulho de ser uma mestra.
Ela mostrou um sorriso largo e terno, antes de ser surpreendida quando Lenór ficou de pé e a abraçou tão forte quanto sua condição permitia.
— Você ainda é uma menina, Lenór Azuti — Virnan acusou, rindo baixinho entre os braços dela.
Lamentou o afastamento de anos, porém, suas experiências lhe ensinaram a dar espaço ao aprendizado e amadurecimento alheio. Nem por isso, deixou de acompanhar os passos da jovem pupila enquanto ela morava em Barafor.
— Perto de você, com toda a certeza, ainda sou. Pois, pelo que me disseram, você é uma anciã. Está bem conservada, hein? — Lenór a soltou.
— Devo ficar com ciúmes? — perguntou o pássaro vermelho que pousou no parapeito da janela, antes de assumir a forma humana. Lyla sentou na abertura, balançando as pernas com ar risonho.
Lenór a fitou sem surpresa, já acostumada a testemunhar as transformações de Voltruf. Virnan riu, apresentando as duas mulheres e a comandante tentou não ficar muito confusa com o fato das duas serem irmãs e de Lyla, assim como Voltruf, ser um espírito.
E no meio das apresentações ela recordou um sonho estranho, mas logo espantou a lembrança com um balançar de cabeça. Fitou Vanieli, que ressonava baixinho agarrada ao seu travesseiro, e decidiu que era hora de se inteirar do que aconteceu enquanto esteve inconsciente.
— Como está Melina? — perguntou.
— Ficará bem — Virnan garantiu. — Marie está cuidando dela enquanto conversamos. O veneno de uma sombra faz um belo estrago em nossos corpos. Falo por experiência própria.
Claudicando até a mesa, Lenór colocou mais água no copo e tomou. Sentia-se muito cansada, mas também, havia uma agradável sensação correndo em suas veias. Expôs isso para as duas mulheres.
— É a magia de Tamar. Não sei como ela consegue, mas sempre deixa a sensação de que ainda está em nós.
— Me recorda a magia de Vanieli.
— Provavelmente, porque elas possuem o elemento água em comum.
Lenór aceitou a explicação, cansada demais para pensar a respeito. Porém, precisava obter algumas respostas.
Paciente, Virnan contou que durante os meses que passou no Castelo do Abismo, Melina manteve contato com as companheiras de círculo, informando-as sobre os estranhos acontecimentos que envolviam o lugar. A grã-mestra fez um relato rico sobre a visita até o fundo do abismo e as criaturas que o habitavam, deixando claro que ela e Voltruf concordavam que eram espíritos atormentados.
— Não deveria acontecer, mas algumas almas mágicas são tão poderosas que resistem a atmosfera de Inamia, o mundo espiritual. Lá, espíritos humanos e semelhantes, passam por uma transformação e, aos poucos, se desconectam de quem foram. Eles retornam para o renascimento aqui, em Domodo, ou partem para outros mundos. Também existem os espíritos naturais, como a sua pequena amiga ali.
Virnan apontou para Aneirin. A gatinha parecia estar dormindo, no entanto, suas orelhas se mexiam a todo instante, revelando que estava muito atenta ao diálogo. Havia cortes profundos no corpo dela, mas que aparentavam ficar menores com o passar dos minutos.
— Os naturais não costumam interagir com as pessoas. Claro, existem exceções e, por isso, acho essa gatinha tão interessante. Retomando, esses espíritos atormentados estão sempre em busca de recuperar a vida que perderam ou acorrentados a lembranças confusas. O véu que conecta os mundos fica mais fraco em noites de lua cheia e é provável que isso seja o motivo da aparição deles aqui nessas noites. Contudo, ao amanhecer, a atração de Inamia sobrepõe sua vontade e eles são obrigados a retornar para lá.
Virnan fez uma pausa longa enquanto Lenór tentava absorver essas informações. A comandante esticou o braço e, dessa vez, ignorou a moringa de água. Ela pegou ânfora com vinho e despejou uma quantidade generosa no seu copo. Fez o mesmo para Virnan, divertindo-se com a careta que ela fez ao provar a bebida. Atenta às impressões da irmã, Lyla dispensou o vinho com um gesto.
— Eu sei, esse vinho é tão ruim que já cogitei ter a minha própria plantação de uvas aqui. Apesar da proximidade com o deserto, o clima da região é bastante propício para isso. Acho que ficaria rica — Lenór riu.
— Teria gosto em lhe enviar alguns dos magos fazendeiros de Flyn para ajudá-la. Isso aqui é um atentado ao paladar.
Lenór gargalhou com a observação.
— Aliás, você precisa provar o nosso vinho. Se o de Barafor é uma delícia, o de Flyn é divino.
— Convencida.
— Nesse ponto eu posso ser — Virnan empurrou a bebida para longe.
— Eu entendi a coisa com os espíritos, mas e as tais Sombras?
— A resposta exige uma explicação mais profunda e não quero jogar toda essa porcaria sobre você neste momento. Entenda que as Sombras são como parasitas que se alimentam de caos e sofrimento. É provável que nunca tivessem cruzado o véu entre os mundos se uma batalha não estivesse ocorrendo aqui. Pelo que me contaram, antes da nossa chegada a situação era, no mínimo, aterrorizante.
Lenór terminou sua bebida e tornou a olhar para a esposa. Suspirou profundamente.
— Se há uma passagem para esse mundo espiritual no fundo do abismo, eles podem voltar.
— Sim — Virnan concordou.
— Há uma maneira de fechá-la?
— Acredito que é possível, mas é preciso que entenda que, mesmo que isso aconteça, somente os espíritos atormentados seriam barrados. Sombras podem caminhar livremente entre os mundos. Mas ainda é cedo para ficar pensando nessas coisas. Concentre-se em se recuperar.
A comandante ficou de pé e se encaminhou para o baú aos pés da cama.
— Farei isso depois. Ainda sou a responsável por este lugar e preciso voltar à ativa. Sua presença aqui deve estar causando uma grande confusão. E ainda tem as questões com Zaidar…
Rindo, Virnan descansou o queixo na mão.
— Causar discórdia é a minha especialidade.
***
“Quando foi que isso aconteceu?”
Voltruf desviou o olhar do horizonte para encarar o rosto curioso de Marie. A voz dela era rouca e firme e invadiu seus pensamentos suavemente. Marie não moveu os lábios, pois não era necessário. A ligação mágica que possuíam permitia que se comunicassem dessa maneira. Isso era bastante confortável para a mestra ordenada, visto que a natureza da sua magia a privava de usar a voz diante de outras pessoas, exceto, espíritos. Também podia fazê-lo em rituais, onde sua magia estivesse em harmonia com suas irmãs de círculo ou quando alguma delas estava usando um círculo mágico de proteção. Ela também desenvolveu uma técnica que lhe permitia conversar com alguém, se estivesse tocando essa pessoa.
— Isso o quê? — Voltruf perguntou, se fazendo de desentendida.
Marie se aproximou dela e sentou ao seu lado. Ali perto, alguns soldados faziam a vigilância, vez ou outra lançando olhares curiosos para elas. Estavam em um dos corredores abertos do castelo, cuja vista dava para o deserto. Marie se encontrava magicamente desgastada após oferecer cuidados curativos para Melina. O sofrimento da grã-mestra, que também era sua tia, a atormentou durante todo o processo. Contudo, mais surpreendentes, foram os intensos sentimentos que o seu laço mágico com Voltruf lhe enviou.
“Somos íntimas demais para você começar a ficar na defensiva. Mas se não quer falar a respeito, tudo bem”.
O laço levou para ela a sensação de desconcerto que envolvia Voltruf.
— Eu não sei quando começou, só aconteceu. Passamos muito tempo juntas nos últimos anos e a minha admiração se tornou algo diferente e ela também se sente assim.
Essa parte surpreendeu Marie e Voltruf notou que foi de forma positiva.
“Então, você e a minha tia estão juntas?”
— Não demos um nome para o que temos, mas estamos compartilhando algo, sim. E eu preciso admitir que é mais intenso do que imaginei que poderia ser.
Se sentiu aliviada de contar como se sentia. Por algum tempo, tentou imaginar como seria falar disso para Marie. Esses momentos sempre vinham acompanhados de um terrível desconforto e uma inibição que nunca lhe pertenceu.
“E quando a Virnan?”, a mestra quis saber.
Seu amor por Virnan nunca foi segredo para ela, que o aceitava com respeito e carinho, visto que a história entre Voltruf e sua esposa começou muitos séculos antes de se conhecerem.
— Ela ainda está aqui — Voltruf colocou a mão sobre o coração e completou: — ao lado de Melina.
A emoção da mestra vibrou através do laço e Voltruf se surpreendeu quando ela a abraçou forte.
“Estou feliz pelas duas e pelo fato de que aprendemos a cortar nossa conexão durante as relações. Seria muito incômodo sentir o que você sente ao ficar com a minha tia”.
Voltruf deu uma gargalhada alta e Marie teria adorado poder compartilhar o riso com ela da mesma maneira, porém se obrigou a dar apenas um sorriso contido.
— Céus! Que bagunça isso seria, além de muito desconfortável. Obrigada, Marie. Por um tempo, eu temi a sua reação.
“Minha tia… não, minha mãe é a mulher mais incrível que já conheci e tudo o que desejo para ela é que seja feliz. Da mesma forma, é o que desejo para você”.
— Obrigada.
Voltruf aceitou a mão que ela lhe ofereceu.
“Que tal vermos como ela está?”
— Eu gostaria muito disso — sorriu.
De mãos dadas, elas iniciaram o retorno para os aposentos onde a grã-mestra se encontrava em repouso. Porém, ao passar em um dos corredores, Voltruf notou a presença de Yahira diante da porta do quarto de Aisen.
— O que ainda faz aqui? — perguntou para ela.
A outra a fitou com apatia.
— Bom, ninguém me mandou embora ainda e eu quero falar com Aisen antes de disso. Mas ela… — estreitou o olhar brevemente — ainda não acordou e o curandeiro do castelo não está muito otimista sobre isso.
Escorregou o corpo pela parede até se agachar e esconder o rosto entre as mãos. Sem o punhal sombrio, seus pensamentos e sentimentos eram uma torrente confusa, mas sem o ódio e raiva costumeiros.
— Nunca irei me perdoar pelo que fiz. E agora nem sei se era o que realmente desejava ou se estava apenas sob a influência daquele punhal maldito.
— Ah… você queria sim. Talvez não com intensidade, mas desejou fazer o que fez. O punhal apenas amplificou esse sentimento e afastou qualquer pensamento que pudesse fazê-la recuar.
Yahira mordeu o lábio inferior.
— Ela vai morrer por minha causa e jamais irá renascer — falou baixinho, fitando o chão com olhar úmido.
Voltruf quase teve pena dela, quase. Contudo, respeitava e admirava Aisen, também se preocupava com seu destino. Conhecia Amani e o poder excepcional dos dons dela e lamentava que não tivesse tido a capacidade de curar Aisen completamente.
Seu olhar saltou de Yahira para a porta e, por fim, para a mulher ao seu lado. Perguntou:
— Marie, você poderia me fazer um favor?
***
Mardus estava cansado e muito irritado.
Quando o frenesi da vitória diminuiu, as responsabilidades o obrigaram a se reunir com os líderes dos clãs, que não estavam gravemente feridos, e os comandantes zaidarnianos que se abrigaram na cidadela. Os soldados inimigos não estavam dispostos a continuar a contenda após tudo que testemunharam e descobriram sobre o falecido rei Dakar.
Depois, Lorde Kanor direcionou o assunto para as criaturas do abismo e a presença da Rainha de Flyn no reino. E como se falar sobre ela a atraísse, Virnan e Lenór se juntaram à reunião. Taniel foi o primeiro a tentar se manifestar e a comandante tratou de cortar sua fala:
— Nos poupe das suas teorias absurdas de conspiração e seja grato por ainda estar respirando.
Mardus sorriu de lado, satisfeito pela interrupção. Ainda não tivera a oportunidade de conversar com a rainha florinae e, certamente, cumprimentá-la com um abraço caloroso causou surpresa entre os presentes. Com Lenór como ligação, os dois estreitaram laços e se tornaram amigos em Barafor.
— É bom revê-la, Vivi.
— Vivi? — disse mestra Fantin, entrando no recinto. Ela deu um sorriso escarninho e provocador para Virnan.
— Oh, nem pense nisso, Fantin! Eu perdi uma aposta para o Mardus. Só por isso, ele tem permissão para me chamar assim.
— Estou ansiosa para ouvir essa história.
Os homens presentes, assim como Lenór, tomaram um instante para admirar a beleza da mestra. Fantin era o tipo de mulher que arrastava olhares e gerava suspiros apaixonados em qualquer lugar que fosse. Entretanto, o que tinha de bela, tinha de áspera no modo de falar e agir. A comandante não recordava muito dela ou das outras mulheres que acompanhavam Virnan. Afinal, passou apenas três dias na Ilha Vitta, quando fugiu de Cardasin. Tão logo descansaram da longa viagem marítima, Virnan e o guardião Millan a levaram para Barafor.
— Isso não vai acontecer! — descartou Virnan, ao que Mardus respondeu:
— Me dê um bom vinho e conto tudo para você — ele riu, então voltou à seriedade e explicou que a grã-mestra Melina o deixara ciente de que tinha convocado suas companheiras. Algo que ele foi muito enfático ao expressar sua gratidão. E apesar dos receios e preconceitos, todos foram obrigados a concordar que a chegada daquelas mulheres salvou milhares de vidas.
E antes da reunião prosseguir, outra pessoa se juntou ao grupo. O príncipe Ricksen, herdeiro de Zaidar, para o qual Lenór enviou o tenente Vick como guia e acompanhante, no intuito de retardar sua chegada ao Castelo até a batalha começar, sentou-se à mesa com expressão consternada.
O homem ainda estava tentando absorver tudo o que lhe contaram sobre a batalha e a morte do pai. Parecia em choque. Contudo, Lenór não se deixou enganar por sua encenação, assim como também não lhe escapou o olhar cúmplice que ele trocou com Mardus.
Quando o momento fosse adequado e estivessem a sós, ela questionaria o rei. Então, conformou-se em ocupar a cadeira diante do príncipe, entre Mardus e Virnan. Estavam no salão de refeições do castelo, que nunca pareceu tão pequeno quanto naquele momento.
Virnan logo tomou a palavra, expressando pesar pelas perdas de todos. Informou que antes de ser rainha ou uma guardiã da Ordem, fez um voto sagrado de proteger o mundo de criaturas como as que os atacaram na noite passada. Suas ações e as de suas minhas irmãs de círculo não eram políticas. Elas não tinham qualquer interesse sombrio em Cardasin ou Zaidar. E admitiu que ficaria muito satisfeita em tentar firmar laços diplomáticos com os dois reinos. Isso posto, informou que não pretendia abusar de sua hospitalidade e partiriam assim que Melina estivesse recuperada.
— E quanto ao abismo? — Lorde Arino perguntou. Dentre todos os lordes presentes, era o único que atirou os preconceitos fora e se permitiu curar completamente pelas mãos de mestra Fantin. Os outros ainda tentavam ostentar ares de resistência, mas diante do fato de o próprio rei ser um mago, essa atitude parecia birra de criança.
— Por enquanto, parece tranquilo — foi Fantin a contar.
E como ocorreu com Lenór, Virnan explicou o que se passava com a fenda.
— Não há nada que possamos fazer? — Taniel perguntou, humildemente. Naquele momento, reconhecia sua ignorância sobre as maravilhas e terrores do mundo em que viviam, além de sua incapacidade de poder lidar com elas.
— Talvez possamos fechar essa passagem entre os mundos, porém, precisamos que Melina se recupere primeiro — Fantin soprou a resposta, como se tivesse com ela entalada na garganta.
— Então, que assim seja! — Mardus apressou-se. — Acho que todos concordam que, quanto antes isso acontecer, melhor.
Envolta em pensamentos sombrios, Lenór bateu as pontas dos dedos na madeira da mesa.
— Eu gostaria que esperassem alguns dias para fazer isso.
— Por que, Lenór?
Ela direcionou o olhar para o rei, enquanto recordava seu encontro com Amani. Quando acordou no meio da batalha, não teve tempo para organizar suas lembranças do “sonho” que teve. Mas enquanto conversava com Virnan em seus aposentos, elas a assaltaram com impetuosidade e a medida que percorriam os corredores do castelo até aquele salão, elas se assentaram em seu ser como verdade.
— Porque tem alguém vindo para cá. Alguém cujo conhecimento é maior que o nosso e que pode nos ajudar.
Ela fitou os olhos sagazes de Virnan, cuja ruguinha soberba voltou a se alojar no canto da boca. O gesto lhe deu a certeza de que ela sabia de quem falava e que não se surpreenderia com o que diria a seguir:
— A minha mãe.
feliz por ter encontrado mais capítulos estava acompanhando no wallpad e muito triste por saber que faz tempo que não tem atualização
Nossa, estou hiper, mega feliz por dois capítulos quase seguidos, história boa a gente fica ansiosa pra lê novos capítulos.
Perfeito como sempre, erros nessas horas passam despercebidos.
O que valeu é o todo, e esse como disse tá a perfeito