DAKOTA

14. Novos amores, velhos inimigos

Rachel e os médicos tinham razão. Dakota precisava daqueles dias longe de toda a agitação que os problemas de Isabella trouxeram. Entretanto, era impossível não pensar neles várias vezes por dia. Nesse ponto, a presença de Isadora oferecia o refresco que a sua saúde física e mental necessitavam. E à medida que os dias passavam, seu olhar para ela se tornava mais carinhoso.

— Essa vista é linda — Isadora falou, os olhos fixos no sol que encontrava o mar, projetando os mais belos tons de laranja de que se recordava.

Estavam no terraço do apartamento, onde trocaram a água salgada do mar pela da piscina. Um último mergulho antes do jantar, Isadora dissera, arrancando um sorriso de Dakota. Aqueles dias em sua companhia deixaram claro que ela adorava estar na água e a pele naturalmente morena, agora exibia o bronzeado dos vários dias à beira da piscina e caminhadas na praia.

Com o corpo molhado, ela se juntou a Dakota, encostada ao parapeito. A expressão em seu rosto era quase sonhadora e a outra afastou o olhar do horizonte para admirá-la sem reservas e, por fim, afirmar:

— Sim, é realmente linda.

Assim que notou que era dela que falava, Isadora corou violentamente. Suas mãos se encontraram sobre o apoio e ela sorriu, tímida, antes de beijar o queixo de Dakota. O coração palpitava de um jeito bobo e alegre.

— Eu vou tomar um banho rápido e já volto para preparar o nosso jantar.

— Não precisa ter esse trabalho, podemos pedir algo.

— Faço questão, Dakota.

— Se é assim, quem sou eu para negar a uma mulher o prazer de me alimentar.

Riu jocosa, enquanto Isadora a chamava de boba. Um suspiro profundo escapuliu dos seus lábios, enquanto ela se afastava. Assistiu a chegada do anoitecer por alguns minutos, antes de decidir que merecia uma boa dose de uísque, puro e sem gelo.

Havia um bom sortimento de bebidas na casa e ela apreciava o sabor forte daquela. Rachel costumava mexer consigo por causa disso, dizendo que deveria gostar de cachaça em vez de uísque, já que cresceu em uma fazenda de cana-de-açúcar.

Separou os ingredientes para Isadora preparar a macarronada que prometeu e escolheu o vinho que combinaria com a refeição, na pequena adega climatizada. Então, encostou-se à pia da cozinha, de onde tinha uma visão direta do corredor que levava aos quartos. Os pensamentos afundaram nas lembranças do beijo na praia e na sugestão que veio a seguir.

Sorriu.

— Estou muito ferrada! — deu voz aos pensamentos. — O problema é que eu tô gostando muito disso.

Isadora era doce em tantos sentidos que chegou à conclusão de que se meteu numa encrenca danada ao seguir em frente com aquele relacionamento, se é que poderia definir assim. Terminou a bebida, colocou o copo na pia e rumou para o seu quarto, a fim de também tomar um banho. Acabou parada diante do quarto de Isadora, encarando a madeira com pensamentos nada inocentes a rondar a mente. Quase um minuto se passou até decidir entrar sem se dar o luxo de se anunciar.

O som do chuveiro ligado a atraiu como um imã. Com toda a certeza estava cometendo um erro, porém sabia que Isadora também desejava cometê-lo. Escorou-se no batente da porta do banheiro até ser notada. E quando isso aconteceu, foi fácil interpretar o consentimento no olhar dela. Mesmo assim, perguntou:

— Posso me juntar a você?

Manteve o olhar fixo no dela, embora desejasse continuar apreciando o corpo moreno e molhado. Silenciosa e com um sorriso tímido no canto da boca, Isadora empurrou a porta corrediça para o lado, afastando qualquer dúvida que estivesse rondando seus pensamentos. Sentiu o descompasso no peito, tomada por uma alegria incomum.

Entrou no box e o sorriso de Isadora cresceu diferente e provocante. Divertiu-se quando ela a ajudou a tirar o biquíni e depois fez questão de lavar seus cabelos e ensaboar o corpo, devagar, carinhosa e muito provocadora. O sabonete tornou-se uma desculpa atrevida para conhecer seu corpo, vez ou outra resvalando em partes sensíveis atiçando sua libido.

Enquanto as mãos dela percorriam sua pele, Dakota fechou os olhos, imergindo na suavidade dos lábios dela colados nos seus. As línguas tocando-se em um bailar cadenciado e sem pressa. Beijá-la estava se tornando uma de suas coisas favoritas. E quando Isadora encostou o corpo ao seu, sentiu a pele arrepiar por inteiro, ao passo que uma pequena contração no ventre exigiu algo mais.

Como se compartilhasse seus pensamentos, Isadora beijou seu pescoço. Escorregou as mãos da sua cintura até as nádegas. Apertou com força. O som do chuveiro não conseguiu abafar o pequeno gemido de prazer dela, revelando para Dakota que ela desejava fazer isso há algum tempo. E foi a sua vez de gemer, quando Isadora abocanhou um mamilo, a língua circundando e massageando o biquinho de um jeito que a fez imaginar como seria em outras partes.

A timidez de Isadora a abandonou completamente. Ela só conseguia pensar em todas as coisas que desejava fazer com Dakota e que, se ela tivesse entrado naquele banheiro minutos antes, a teria flagrado no ato de se satisfazer enquanto recordava o beijo que trocaram na praia.

Dakota a puxou para outro beijo, desta vez mais intenso e voraz, quase desesperado. E Isadora segurou a mão dela e guiou-a até sua intimidade, arfando de prazer com o toque gentil dos dedos longos.

— Que tal irmos para um lugar menos molhado? — Dakota perguntou, a própria excitação crescendo e tomando conta dos sentidos. Ela afastou a mão, que Isadora sustentava entre as pernas, gemendo forte a cada carinho.

— Não sei se aguento chegar lá — Isadora confessou, mordiscando o lábio de ansiedade. E deixou-se ser empurrada contra a parede, enquanto a beijava loucamente. A mão de Dakota voltou a se abrigar entre as suas pernas e ela sentiu-se incendiar por dentro, gemendo e dizendo: — Por favor, não para.

Dakota se ajoelhou e, refletido nos olhos dela, Isadora reconheceu seu próprio desejo. Descansou uma perna sobre o ombro tatuado, oferecendo para ela uma completa visão do sexo pulsante e úmido. Dakota salivou ao sentir o perfume que exalava. Beijou a parte interna da coxa dela e deslizou a língua pelos grandes lábios, inebriada pelo desejo. E quando finalmente abocanhou o clitóris rosado e rijo, sentiu seu próprio sexo pulsar de ansiedade. Isadora gemia cada vez mais alto, no vai vem gostoso da pélvis contra seus lábios, ela também se tocava, ávida por alcançar o clímax.

O espelho sobre a pia ofereceu a Isadora a excitante visão do ato que praticavam e o orgasmo a atingiu, arrebatador. Gemeu o nome de Dakota anunciando o gozo e levando a companheira ao seu próprio ápice.

Ela segurou a cabeça de Dakota, junto ao ventre, a respiração entrecortada, os pensamentos nublados. Quando a afastou carinhosamente, chegou a lamentar o fato de ter gozado rápido e deslizou pelos azulejos do banheiro, ainda entregue ao êxtase. Riu, quando encontrou a mesma satisfação no olhar da outra.

— Você é a pior convalescente do mundo, Dakota.

— Tem certeza de que quer reclamar depois disso?

— Definitivamente, não — mordiscou o lábio inferior. Ofegante, ficou de pé e a trouxe junto, grudando-se ao corpo e boca dela outra vez. Havia algo naquela mulher que a fazia desistir de qualquer bom senso. — Na verdade, ainda não estou satisfeita.

Risonha, fechou o chuveiro. Dakota estava prestes a descobrir que a sua timidez tinha limites e não era bem-vinda na cama.

***

Dakota sorriu, observando Isadora ressonar entre os lençóis. Com cuidado, para não acordá-la, saiu da cama, se vestiu e deixou o quarto. Não se importou com a quantidade de luzes acesas pela casa, pois notou a jaqueta de Rachel sobre o sofá.

Na cozinha, saciou a sede que a tomava, pensando em procurar a amiga e descobrir as novidades sobre o caso de Isabella. No entanto, a mente só desejava pensar em Isadora.

— Também tenho sede. Ficaria grata se você pudesse me servir um copo d’água.

Dakota sentiu um arrepio percorrendo a espinha. Aquela voz era a personificação de um pesadelo e, ainda de costas para a porta, viu o reflexo da dona dela na janela. Girou sobre os calcanhares e atirou o copo na visitante indesejada. Enquanto ela desviava dele, que se espatifou na parede do corredor, Dakota pegou uma das facas no faqueiro sobre o balcão e correu até ela.

A mulher não esboçou reação quando foi pressionada contra a parede. Dakota encostou a lâmina da faca na garganta dela, que limitou-se a sorrir de um jeito estranho e diferente do qual ela se recordava.

— Quando me contaram da sua “trágica” morte, quase soltei fogos de alegria. Mas parece que nem o inferno te quis!

— Bom, você pode resolver isso agora. Por favor, seja rápida — a outra disse, tranquila e ciente de que ela não iria adiante.

Dakota forçou a lâmina contra a pele dela, causando um pequeno corte. Uma gota de sangue escorreu pelo metal, porém ela não foi além disso. Então, a mulher riu baixinho e escorregou o dedo pela lâmina até afastá-la do seu pescoço. Com raiva, Dakota recuou e jogou a faca sobre a mesa.

— Devia ter imaginado que era de você que Rackie estava falando, quando disse que aquele pendrive continha imagens de alguém que ela apreciava. — Todavia, apesar do que falou, não tinha como imaginar aquilo. — Sempre achei a história da sua “morte” muito suspeita. E vejam só!

A mulher deu de ombros para o que disse e se agachou para recolher os cacos do copo. Dakota a fitou de esguelha, desejando ser tão cruel e fria quanto ela. Se assim fosse, aquela faca teria atravessado a garganta dela no segundo em que a colocou contra a parede.

— Onde está Rackie? — quis saber, passando a mão pelo rosto. A amiga tinha muito para lhe explicar.

— No terraço, em uma ligação — ela respondeu baixinho. Ficou de pé e foi descartar os cacos na lixeira. Então, sem cerimônias, pegou um copo limpo e encheu com água. Parecia muito à vontade, como se o sangue que escorria pelo pescoço e era absorvido pela camiseta, nada significasse.

Nem por um instante, os olhos de Dakota deixaram sua figura.

— Em que buraco você esteve enfiada todos esses anos? — perguntou, estranhando a aparência dela.

Com efeito, sua beleza ainda era gritante e não aparentava ter envelhecido um único dia desde a última vez em que se viram. A pele pálida deu lugar a um bronzeado delicado e os belos olhos azuis, agora, escondiam-se por trás de lentes de grau sem aro. No entanto, a mudança mais expressiva eram os cabelos, que um dia foram longos até a cintura, e agora ostentavam um corte pixie de franja lateral e nuca livre.

A viu sorver a água com calma e notou a aliança dourada na mão que segurava o copo. Aquilo sim, era uma surpresa. E como esperado, ela desprezou sua pergunta, tomando um tempo para avaliá-la de volta.

— Gostei do seu visual — ela disse, o olhar preso às tatuagens no braço de Dakota. Por fim, colocou o copo na pia e tirou uma toalha de papel do suporte ao lado. Enxugou o sangue no pescoço com um ligeiro arquear de lábios

— Acho que devo agradecer a você por isso — Dakota foi sarcástica e a viu sorrir de novo, enquanto respondia em um tom jocoso e, ao mesmo tempo, provocador:

— Disponha! Mas não precisa me agradecer por salvar sua vida. Apenas dirija com mais cuidado.

Dakota voltou a pegar a faca, impulsionada por memórias desagradáveis. Recordou uma intensa perseguição, uma troca de tiros furiosa e, por fim, sua quase morte quando perdeu o controle do carro e capotou. E aquele acidente poderia ter sido o seu fim, se aquela mulher e a sua acompanhante não tivessem desistido da fuga e retornado para resgatá-la do carro em chamas.

— Um dia… — falou, colocando a faca na pia.

A outra fitou-a nos olhos e, após um ligeiro suspiro, declarou:

— Espero que esse dia nunca chegue.

— Com medo?

— Não — caminhou em direção ao corredor. — Apenas não quero ter que te matar.

Trincando os dentes, Dakota a seguiu de perto, tentando não pensar muito no que ela disse. E embora fosse muito confiante em suas próprias habilidades, a cruel verdade era que, se as duas lutassem para valer, existia uma grande chance de sair perdedora. O feito que alcançou na cozinha, ao encurralá-la contra a parede com uma faca na garganta, só foi assim porque ela permitiu. Afinal, Carla Maciel era hábil demais para se deixar prender dessa forma tão facilmente.

Quando cruzaram a porta de vidro que levava ao exterior do apartamento, Rachel estava encerrando uma ligação. Ela parecia chateada ao colocar o celular sobre a mesa, cujo guarda-sol fechado refletia as luzes no interior da piscina.

— Ah, você está aí! Por um momento, achei que tivesse ido embora.

— Fui tomar um copo d’água e encontrei sua cunhada na cozinha.

Rachel franziu o cenho, notando a presença de Dakota atrás dela. Olhou para as duas mulheres com bastante atenção. Reparou no corte no pescoço da visitante, mas não havia outros ferimentos nela ou em Dakota.

— Ex-cunhada. Caso você ainda não saiba disso, ela caiu em si e deu um pé na bunda de Graziella — contou. — Aliás, Grazi agora se identifica como Giovanni e continua mimado e propenso a me causar um infarto antes que eu chegue aos 40.

A sua óbvia irritação deixou claro que a pessoa com quem acabara de falar ao telefone era Gio.

— Mas que bom que vocês não se mataram. Isso merece um brinde! — deu um risinho sarcástico.

Dakota revirou os olhos para ela, porém falou:

— Preciso mesmo de uma dose generosa de uísque ou qualquer outra coisa que me ajude a tragar essa visita indigesta! — Ciente que Rachel preferia vodca, olhou para Carla.

— Nada para mim — disse ela.

— Pelo visto, a “morte” ainda não te ensinou a beber — Rachel ironizou.

— Já volto — Dakota avisou. — Enquanto isso, Rackie, vá pensando em uma boa desculpa para esse demônio loiro estar aqui.

Carla sorriu, divertida com a contrariedade dela.

— Não seja desagradável com alguém a quem pretende pedir um favor, Dakota — a amiga ralhou.

— Os favores são todos seus, Rackie. Não faço pactos com o diabo.

Minutos depois, as três ocupavam a mesa ao lado da piscina, agraciadas com o som das ondas quebrando na praia do outro lado da avenida. O vento marítimo levava para elas o cheiro da água salgada e refrescava a madrugada quente e abafada.

— O que ela faz aqui, Rackie?

— Veio pegar isto — enfiou a mão no bolso da calça e colocou o pendrive sobre a mesa.

Carla segurou o dispositivo, escondendo-o na mão fechada. Vinte minutos atrás, as duas se encontraram diante do edifício e, enquanto estavam no elevador, Rachel tinha dado uma rápida explanação do que estava se passando com Isabella.

— Precisamos de alguém que conheça o caminho das pedras, Carla. Não posso acionar os contatos da minha família sem deixar rastros e envolvê-la nessa confusão. Mas você…

— …estou te devendo —  ela bateu o pendrive na mesa, devagar.

— Há sempre uma primeira vez para tudo — Rachel não escondeu sua satisfação.

Normalmente, era ela quem devia os favores para aquela mulher. E a verdade era que nunca se importou com isso, pois Carla jamais lhe pediu absurdos, tampouco exigiu que fosse contra seus valores. No geral, ela queria informação e Rachel até achava irônico terem seus papéis invertidos naquele momento.

Por mais de uma década, Carla trabalhou no mundo do crime e, quando finalmente conseguiu sair dele, foi preciso forjar a própria morte para se proteger e as pessoas que amava. Ela evitava exposições desnecessárias e levava uma vida tranquila, contudo estava sempre atenta ao que acontecia no submundo que deixou. Tinha uma vasta rede de informantes, os quais não faziam ideia de para quem trabalhavam, pois todos os contatos e pagamentos eram feitos on-line.

Um sorriso singular moldou os lábios de Rachel, o que fez Dakota arquear uma sobrancelha, pois ela nunca conseguiria entender a admiração que a amiga nutria pela ex-criminosa. Carla inspirou fundo, olhando para o horizonte escuro e Dakota a imitou, desejando voltar para o calor dos braços de Isadora.

— Há alguns meses, me envolvi em uma confusão por causa de uma fotografia — a ex-criminosa contou, trazendo a atenção de volta para a mesa. — Não vou entrar em detalhes. É suficiente saberem que, embora não fôssemos o foco principal dessa foto, eu, minha esposa e filho, estávamos nela.

— Não me diga, você matou o fotógrafo desavisado! — Dakota açoitou, quase revirando os olhos, para depois tomar outro gole da sua bebida. Estava verdadeiramente surpresa em descobrir que alguém como ela conseguiu constituir uma família.

— Na atual situação, acho injusto que você me julgue por tentar proteger a minha família. Afinal, está tentando fazer o mesmo pela sua filha. E só para esclarecer, a fotógrafa está viva e gozando de plena saúde.

Dakota pensou numa resposta adequada, mas acabou por desistir. Era inútil discutir com alguém que sempre iria parecer vil aos seus olhos. E nesse ponto era preciso reconhecer que nunca esteve disposta a enxergá-la de outra forma.

— Não haveria nada de mais nessa foto, se os homens que ela perseguia não fossem criminosos. Um dos quais já esteve ao meu serviço. O outro homem é o sujeito que atentou contra Isabella. Eu não fazia ideia da relação de vocês, só queria me livrar de um problema. Então, o rastreei, capturei, interroguei e o resto vocês podem imaginar.

— Quem era ele?

— Seu nome era Dimas qualquer coisa. Um rosto relativamente novo no crime organizado. Mas se você me acha desprezível, Dakota, ficará satisfeita em saber que ele era muito mais. Eu nunca estuprei, nem trafiquei mulheres, crianças e orgãos. Esteja certa de que nunca senti prazer em matar, mas esse homem teve o que merecia e não vou perder meu sono por isso.

Dakota e Rachel travaram os maxilares ao imaginarem o que poderia ter acontecido com Isabella, se o vizinho não tivesse invadido o apartamento e assustado o bandido.

— Que o inferno o receba “carinhosamente” — Rachel brindou a isso, depois perguntou: — E para quem ele trabalhava?

— Até onde consegui apurar, ele se chama Pedro Rangel, mas não acredito que seja a pessoa que vocês procuram.

— Por quê?

Carla inspirou fundo, fitando Dakota nos olhos. Ela parecia estar calculando as consequências do que diria.

— Acho que ele é apenas o “rosto” da organização, uma marionete simpática e bem relacionada. É extravagante, arruaceiro e, definitivamente, não é esperto o suficiente para montar um esquema nos moldes do que vocês me falaram. Alguém como ele funciona bem como pau-mandado, não como chefe. E se ainda está vivo, é porque não tem ideia de quem sou.

— Como pode ter certeza?

— Passei metade de uma noite conversando com ele em uma boate. Acredite, ele é um parvo.

Diante disso, não havia como duvidar do que ela afirmou. Qualquer bandido que estivesse no topo de uma organização criminosa do país, conhecia Carla Maciel. Mesmo que houvesse uma dúvida razoável de que fosse uma sósia, teria iniciado um tiroteio. Afinal, a cabeça dela ainda valia milhões no mundo do crime.

— O cabeça dessa organização é alguém discreto e ardiloso. E acredito que possa ter algum nível de exposição na política, mundo dos negócios ou mídia.

— Por quê?

— Porque alguém que almeja alcançar poder no mundo do crime, quer que seus inimigos conheçam seu rosto. Quer ser temido ante a simples menção ao seu nome — foi Rachel a responder.

Elas ficaram em silêncio por um tempo. Dakota terminou sua bebida e foi buscar outra dose, afundada em pensamentos ruins. Enquanto esteve ausente, Rachel suavizou as expressões, apreciando o silêncio que compartilhava com Carla. Por fim, recostou-se na cadeira e tomou a vodca no copo de uma só vez.

— Seja cuidadosa, Rachel. Não quero que se machuque.

Ela a fitou de esguelha, uma ruguinha discreta a deformar os lábios em um pequeno sorriso.

— Essa “aposentadoria” te deixou meio mole, não é? Sua preocupação comigo é tocante.

Por sua vez, Carla sorriu mais abertamente e expulsou o ar pelo nariz. Esticou o braço sobre a mesa e pegou o celular dela, digitou um número e o devolveu.

— Digamos, apenas, que existem poucas pessoas no mundo que eu gosto de verdade — se colocou de pé. — Quando precisar falar comigo novamente, apenas ligue.

Verdadeiramente surpresa por se encontrar em tão seleta lista, Rachel também ficou de pé. Salvou o número na memória do celular e voltou a largá-lo sobre a mesa. Conseguir contatá-la foi realmente difícil, pois tudo que tinha era um endereço de e-mail, para o qual enviou uma dezena de mensagens, que eram automaticamente devolvidas. Contudo, quase uma semana depois, recebeu a resposta.

— Você irá atender?

— Só saberá se ligar — respondeu com um charmoso piscar de olho, ao mesmo tempo em que segurava a mão que ela lhe ofereceu.

Dakota encontrou-as assim, quando retornou com a bebida. E quando Carla lhes deu as costas e partiu, sem mais nada dizer, comentou:

— Gostaria mesmo de saber o motivo de você gostar tanto dessa criatura das sombras — andou até o parapeito do terraço.

A amiga enfiou as mãos no cabelo, bagunçando-os levemente. Juntou-se a ela, aspirando o ar puro da madrugada com a satisfação da pequena vitória que alcançaram com as informações que receberam.

— Como eu poderia não gostar da mulher que salvou a sua vida, quando ela poderia, simplesmente, ter sido a assassina sem alma que as pessoas enxergavam?

Dakota a fitou, emudecida. Não sabia mesmo como responder.

— Carla Maciel está muito longe de ser uma santa, mas ela tem princípios. E você não faz ideia do quanto essa mulher já fez por nós. Quem você acha que nos ajudou naquele triste episódio de resgate na Polônia? Ou naquela confusão em Londres?

O uísque queimou a garganta de Dakota, quando ela tomou um gole farto, empurrando o nó que se formou nela. Apertou o copo com tanta força, que a mão tremeu. Quase uma década se passou, desde que um conceituado empresário contratou os serviços da Bellator para proteger sua noiva. Dakota assumiu esse trabalho pessoalmente. E quando ela descobriu que a protegida, na verdade, era uma vítima de tráfico humano, pediu ajuda para Rachel. Juntas, elas criaram um plano para levar o homem às autoridades e libertar a mulher sem comprometer a Bellator. No entanto, as coisas não saíram como desejavam.

Ele descobriu o que estavam fazendo e planejou se livrar do incômodo que causaram com um atentado à bomba, que não as vitimou porque Rachel recebeu uma ligação minutos antes de entrarem no veículo. Até aquele momento, Dakota acreditava que a providência divina as salvou.

— Dak, a quem você acredita que eu recorri quando as loucuras de Grazi te colocaram na mira daquele traficante peruano? Com certeza, não foi ao meu pai. Por ele, as duas estariam mortas.

— Eu já entendi — ergueu a mão, chateada por nunca ter feito questão de perguntar aquelas coisas. — Que seja! Isso não muda o fato dela ser uma assassina. Há muito sangue naquelas mãos.

— Não vamos apelar para a hipocrisia, Dakota. Também temos sangue nas mãos. A diferença é que o que oferecemos é um serviço legal e se alguém acabar morto ao atacar um dos nossos clientes, é apenas consequência. — Colocou alguns fios de cabelo atrás da orelha. — Não estou defendendo ela, mas Carla é um produto do meio em que viveu.

— Se é assim, você deveria ser tão ruim quanto ela.

— Sabe que está cometendo um erro ao dizer essas coisas. Eu sou filha de um mafioso, mas cresci longe dos negócios dele. Passei minha juventude em colégios internos e só fui apresentada ao império criminoso da família Lorenzzo quando cheguei à idade adulta. Carla, por outro lado, cresceu nas ruas, fazendo o necessário para sobreviver.

— Como sabe disso?

— Samuel, claro.

Um risinho nasal escapuliu de Dakota. Samuel era muito curioso e tinha um jeito meio bobo, às vezes. Mas era tão cativante e atencioso, que conseguia extrair informações de qualquer pessoa. Ela mesma não resistiu a simpatia e tagarelice dele e contou sua vida inteira em meia hora de conversa.

Era tão diferente de Rachel, que o fato de terem se apaixonado chegava a ser uma surpresa. Sentia falta dele, assim como sentia saudade dos sorrisos que ele conseguia gerar na esposa. Desde que ele morreu, Rachel não era mais a mesma.

— As pessoas sempre são mais do que mostram, Dakota. Para ser bem sincera, até acho que vocês se parecem em algumas coisas. Ao menos, no quesito impetuosidade e vingança.

— Oi?! Não me compare àquela criatura!

Rachel jogou a cabeça para trás em uma risada gostosa.

— Não pense muito nisso — deu um tapinha carinhoso no braço dela. — Esse chupão no seu pescoço me diz que você tem coisas melhores para fazer no momento. Então, larga esse copo e volta para a gata na sua cama. Aproveite o resto da noite. Amanhã conversaremos sobre o que Carla nos contou e faremos planos. — Beijou o rosto da amiga, desejou boa noite e se foi com um suspiro pesado.

Ao se ver sozinha, Dakota fitou as tatuagens no braço, que ocultavam as cicatrizes das queimaduras sofridas no acidente que Rachel fez questão de recordar. Decidiu seguir o conselho, então depositou o copo na mesa e retornou para o quarto com passos suaves. Tinha planos para fazer e um nome para odiar, mas Rachel estava certa, isso podia esperar.

Quando entrou no quarto, Isadora a recebeu com um sorriso meio adormecido, que logo deu lugar a um beijo. E assim que ela ergueu sua camiseta, afugentando o sono com o desejo, Dakota esqueceu completamente a hora que passou longe dela.



Notas:

Acho que muita gente curtiu a participação especial. 😉
Não sei se vocês lembram, mas a Rachel também andou passeando por outra história: “Caçadora”, onde Carla pediu um favorzinho, rs.

Pra “variar”, desculpem pela demora.

Beijos e até o próximo. Prometo que não vai demorar tanto.




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2 Respostas para 14. Novos amores, velhos inimigos

  1. Querida autora, sempre que vejo uma nova história tua, sinto aquela ansiedade gostosa diante da certeza do prazer que será descobrir uma nova aventura criada por ti. Estou apaixonada pelas personagens, pela trama e feliz de lembrar da Carla Maciel. Não vejo a hora de ler o próximo capítulo. Beijos. 😘😘😘

    • Oiiii, Simone!

      Foi uma delícia ler teu comentário. Espero que esteja gostando de Dakota e que me desculpe os atrasos e ausências. Infelizmente, nem sempre é possível me dedicar à escrita da forma e tempo que gostaria.

      Até o próximo capítulo que, aliás, acabou de ser postado.

      Beijão!

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