Amores de Sofia

17. DESCOBERTAS E AFETOS

Se alguém lhe dissesse algum dia que receberia a visita de Flora Holanda, Sofia não acreditaria. Ficou tão chocada que não respondeu absolutamente nada. Permaneceu parada por de trás da mesa, quase anestesiada.

– Sofia, por favor, vocês precisam conversar, é uma conversa importante. Não seja deselegante, a Dra. Flora realmente precisa falar com você, acho que essa conversa foi adiada demais.

– Eu não posso imaginar o que nós duas temos para conversar e, também, não quero e nem posso imaginar como você a conhece com esse grau de intimidade, já que acho que saiu para se encontrar com ela, Carlão.

– Nossa conversa será depois, mas, primeiro, você precisa ouvi-la. Dra, por gentileza, pode entrar. Vocês gostariam de beber alguma coisa?

Flora esperou o sinal de Sofia, não queria ser mais invasiva do que já estava sendo, depois do balançar de cabeça, entrou e permaneceu de pé.

– A senhora gostaria de beber alguma coisa?

– A mesma coisa que você for beber, por favor.

Sofia não costumava beber durante a semana, às vezes, no final do expediente uma taça de vinho, ou um chopp, mas abriria uma exceção naquele momento, sabia que vinha chumbo grosso e que, talvez, uma história do passado pudesse explicar várias mágoas.

– Por favor, Carlão traga uma garrafa de vinho tinto e alguma coisa para comermos, se a gente conseguir. Pode sentar, Dra.

Sofia fez questão de manter uma distância, por isso usou a formalidade do título. Carlão voltou em menos de cinco minutos, serviu tudo e pediu licença, deixando as duas e uma tensão no ar que tinha visto poucas vezes na vida.

– Antes de mais nada, eu quero me desculpar pela invasão no seu ambiente de trabalho.

– Acho que a senhora deveria se desculpar por outras questões, mas não é mais necessário o pedido de desculpas, até mesmo porque a pessoa que deveria ouvir isso da sua boca não está mais aqui.

A menina era afiada e atrevida, uma bela mulher, lembrava muito Ida, entendia porque sua filha tinha se apaixonado antes de conhecê-la, além disso, corajosa.

– Sofia, eu não sei nem por onde devo começar, o que eu tenho para falar para você nunca sairia da minha boca, talvez o que você escute hoje, justifique muitas coisas que você nunca entendeu, esse peso do passado precisa ser tirado de cima de mim. Existe uma outra pessoa que também ouvirá a mesma história, apenas o meu filho mais velho a conhece por completo, isso mexerá com a percepção que Marina terá sobre mim, sobre o pai e sobre os avôs. Isso tudo que será dito aqui, não é para amenizar o que foi feito, é para que você compreenda o motivo, a razão. Marina está lutando pelo seu amor, eu sei que você sabe que ela é minha filha, não sabia, mas depois do almoço na casa de Dom, descobriu tudo. Marina é excepcional, minha filha é uma mulher incrível, justa, honesta e saiu de um relacionamento bem problemático anteriormente, ela se apaixonou por você desde o primeiro dia que a viu aqui no Aquarela, eu gostaria muito que ela não fosse penalizada por um erro que cometi, por isso vim aqui remexer numa história que tirou o amor da minha vida.

– Dra. Flora, eu não vejo como a senhora poderia justificar o abandono, aliás o nome o qual a senhora chama tudo isso – ERRO – para mim merece outra nomeclatura, eu conversei com minha mãe, ela me disse que havia muito amor na relação de vocês duas, que minha tia Ida era apaixonada pela senhora desde o momento em que vocês se encontraram no colégio, quando tudo parecia ter sido acertado, ocorreu o abandono, então não sei como isso é possível de explicação.

– Por favor, me chame somente de Flora, eu amo a sua tia, Sofia, ela foi e é meu grande amor, nunca deixou de ser, por favor apenas escute, depois você pode tirar suas próprias conclusões.

Toda a história foi despejada no colo de Sofia, Flora contou absolutamente tudo, desde o primeiro encontro até a despedida, relatou as viagens, os sonhos compartilhados, o intenso amor, os planos futuros, o clima de tensão na época, os namoros de mentira entre os amigos para não levantar suspeita, as ameaças que sofreu em relação a manter o amor de Ida, o perigo que ela corria caso Flora teimasse em ficar com ela, como foi para Paris, a contratação de Carlão, as notícias que tinha de Ida, a descoberta de Dom, a surra que o filho deu no pai. Sofia não acreditava no que estava ouvindo, um grossa lágrima caiu no seu rosto, jamais imaginaria que o motivo do abandono fosse para proteger a tia. Flora também já chorava, vomitou tudo no colo de Sofia, que já estava em pé, rente à janela segurando a taça de vinho.

– Você nunca mais a procurou? Quando as coisas melhoraram, por que você não a procurou?

– Eu procurei, fui inclusive na inauguração do galpão de artes da sua tia, mas ela não me deu espaço. Depois eu a procurei na galeria, após a inauguração, mas ela nunca quis conversar, nunca deixou eu chegar perto novamente. Quando soube que ela estava doente, eu liguei insistentemente, cheguei a ir ao apartamento dela, mas sua mão não autorizou a minha subida, no dia da morte dela, eu passei 48 horas trancada em um quarto de hotel chorando, eu não sabia mais o que fazer para ter acesso a ela.

Sofia teve um acesso de raiva e apertou tanto a taça de vinho que ela quebrou na sua mão, quando Flora percebeu o sangue escorria, o corte parecia ser profundo, ela nem sequer sentia dor. Flora se levantou e foi em direção a ela, retirou os cacos de vidro e foi profundamente abraçada. Ouviu um choro dolorido, cru, sentido de ambas as partes, Flora compreendeu ali que, naquele abraço, tinha recebido o perdão de Sofia, se não o perdão, a compreensão. Ficaram dentro do abraço uns cinco minutos, até Sofia se acalmar e voltar a si.

– Meu bem, Sofia, nós precisamos ir a um hospital, sua mão precisará de pontos.

– Minha tia me disse uma vez que você era incrível, foi num breve momento em que dividimos uma garrafa de champanhe, ela me disse que você era uma mulher forte, corajosa e muito bonita. Mas que, infelizmente, tinha a abandonado. Eu estou com tanto ódio, Flora, estou com ódio do pai da Marina, do seu pai, estou com ódio de todo mundo, vocês mereciam viver esse amor, ninguém poderia ter tirado isso de vocês, ninguém, ninguém.

– Nós vivemos esse amor, mas o nosso tempo foi tirado de nós duas. Nós vamos cuidar da sua mão e depois eu deixo você em casa, tudo bem?

Flora ligou para o motorista do escritório, pediu urgência, Carlão subiu e viu Sofia sentada com a mão ensanguentada enrolada no lenço de Flora, tomou um susto.

– Sofia, o que houve?

– Ela machucou a mão com a taça de vinho, eu já chamei meu motorista, vou levá-la para o hospital depois eu a deixo em casa, você consegue dar conta de tudo aqui, não consegue?

– Claro, nossa equipe é maravilhosa. Sofia, como você se sente?

– Carlão, minha tia sofreu tanto por um abandono que realmente não existiu, Flora também sofreu tanto, eu não sei o que pensar estou sentindo muitas coisas, e minha mão está latejando.

Flora levou Sofia para uma clínica particular, a empresária fez alguns exames para verificar se não havia dano a nenhum nervo e precisou levar 11 pontos, o corte foi profundo. Não poderia dirigir, teria que ficar com o curativo pelo menos cinco dias , um remédio para dor foi receitado e as duas saíram em direção ao apartamento de Sofia. Foi dentro do carro de Flora que percebeu que Marina tinha ligado, elas não tinham combinado nada específico, Sofia sentiu uma saudade quente no coração da sua gerente de TI, jamais viveria o que sua tia viveu e resolveu ligar. Flora sorriu, o coração acalmou.

– Oi, meu bem, está tudo bem?

– Oi, Marina, aconteceu um pequeno acidente com minha mão e eu precisei levar uns pontos, estou bem agora e indo para casa, você ainda está em reunião?

Marina ainda sofria com o fuso horário, algumas reuniões ocorriam fora do expediente no horário do Brasil, então, ela acabava ficando até um pouco mais tarde no escritório. Naquela tarde, tinha recebido Simone para a apresentação do projeto da feira, tudo foi perfeito e Marina tinha trazido para Pegasus mais um contrato de robustez financeira.

– Eu estou um pouco preocupada agora, Sofia, você está com quem? Porque o Carlão está no Aquarela, eu liguei para o bar, porque seu celular não respondia.

Sofia olhou para Flora pedindo permissão, imediatamente, ela acenou com a cabeça indicando que a companhia podia ser revelada.

– Eu estou com sua mãe. Ela me levou para a clínica e me ajudou com esse pequeno acidente e agora está fazendo mais um gentileza me levando em casa.

– Minha mãe? Minha mãe estava no seu bar?

– Marina, porque você não termina sua reunião e vai até o meu apartamento, estou precisando de você.

Sofia nunca tinha dito isso para Marina, tinha sido a primeira vez, e ela derreteu, esqueceu até que a mãe estava no carro, nem imaginou em questionar mais nada, neste momento, Flora pegou o telefone da mão de Sofia.

– Oi, meu amor, não trabalhe muito, por favor, você não precisa desse dinheiro todo, nós já conversamos sobre isso em Paris, desligue esse computador que sua namorada está precisando de cuidados.

– Ela não é minha namorada, mãe, nem conversamos sobre isso.

– Ela AINDA não é sua namorada, meu amor, isso é só uma questão de tempo, aliás aproveitem bem o tempo de vocês. Vou enviar uma receita e, por gentileza, passe numa farmácia e compre esses medicamentos. Acabei de enviar uma mensagem para aquele restaurante de massas que nós amamos e encomendei um jantar para nós três, estamos esperando você, não demore.

O telefone foi desligado e Flora perguntou:

– Fiz mal em convidá-la e me convidar para jantarmos?

– De jeito nenhum, você realmente é muito bonita.

Aquele elogio saiu de forma despretensiosa e Flora riu. Sofia era mais parecida com Ida do que imaginava, tinha aquele olhar doce e feroz do seu amor, tinha sido muito bem educada.

– Muito obrigada, Sofia, você me lembra muito ela, sei que ela deve ter contribuído muito para a sua criação, Carlão me disse algumas coisas, o bar ter ficado para você foi uma insistência da sua tia, mas o galpão ela liberou para você vender. Você não gosta de arte?

– Eu amo arte, mas estava machucada demais, aquele lugar era a paixão da minha tia, ela passava mais tempo por lá do que no bar antes de morrer, quando coloquei à venda, por um preço acima de mercado, vendi rapidamente, aumentei o preço com a desculpa de que ninguém compraria, mas foi vendido em menos de 24 horas, a pessoa que comprou parecia amar mesmo arte.

– Amar a sua tia. Eu a amava, fui eu quem comprei o galpão, ele é meu, somente meu, já que não teremos mais segredos, estou compartilhando com você isso.

– Alguém sabe que aquele galpão é seu?

– Apenas o Dom e agora você.

Flora foi abraçada novamente e correspondeu, ter Sofia nos braços era quase uma segunda chance, quase. Dispensou o motorista, disse que voltaria de táxi, agradeceu e desceu segurando Sofia num apego, num amor, num alívio que não imaginou que sentiria. Subiram apoiadas, física e emocionalmente, sua tia ficaria feliz com aquele encontro, perdoaria Flora com certeza, tentaria recuperar o tempo perdido, voaria no pescoço daquela mulher forte, elegante, educada e nobre, Flora era nobre, foi o adjetivo mais fiel que Sofia pensou para Flora. Entraram e a primeira coisa que Flora viu foram as fotos. Havia fotos de Ida por todos os lados, foi inevitável  não chorar.

Sofia voltou banhada e com o curativo um pouco molhado, começou a explicar as fotos para Flora, a advogada estava encantada, o coração cheio, era como se pudesse acompanhar os bons momentos da vida de Ida, de repente a campanhia tocou, Sofia achou estranho o não anunciamento, talvez fosse Marina, quando abriu a porta, uma surpresa inesperada.

– Simone!?

– Carlão disse que você se machucou, passei aqui para saber se está precisando de alguma coisa.

Quando entrou no apartamento, ficou surpresa, nunca imaginou que encontraria Flora sentada , segurando um álbum de fotografias de Ida.

– Sofia, o que ela está fazendo aqui?

– Boa noite para você também, Simone, é um quase prazer revê-la.

Antes que pudesse fechar a porta, Marina chegou e encontrou um clima estranho, viu Sofia banhada e com um conjunto branco de malha, bem à vontade.

– Oi, meu bem, como você está? Trouxe nosso jantar e seus remédios.

– Obrigada, Marina, porque você não entra, preciso trocar o curativo , eu molhei no banho.

Flora se levantou para falar com a filha, tinha uma aparência cansada, o dia tinha sido intenso, com a presença de Simone, repensou o jantar e resolveu se despedir.

– Meu bem, conheci sua futura namorada hoje, tínhamos algumas coisas para conversar, mas isso ficará para um outro momento, você me disse que amanhã só trabalhará até a hora do almoço não é isso? Por que não passa no escritório para almoçar comigo e com o Dom? Precisamos conversar, pode ser?

– Estou começando a ficar preocupada com isso tudo, mãe, o que está acontecendo?

Neste momento até Simone olhou para Flora e Sofia, as duas se olharam e foi Sofia quem resolveu responder:

– Marina, eu estou tão cansada, com tanta fome, amanhã vocês conversam, você pode ser aquela mulher incrível que me mima o tempo todo, hoje, realmente, eu estou precisando.

– Lá vem o golpe, Marina, eu disse pra você se impor com a Sofia, mas pelo visto, basta ela falar manso que você se dissolve, meu deus, porque as pessoas não me escutam, eu sempre tenho razão.

– E modéstia. Flora emendou e todas acabaram rindo.

– Tudo bem, meu bem, vamos fazer essa troca, mãe amanhã eu passo lá para almoçar com vocês, tudo bem?

Flora abraçou a filha e lhe deu um beijo, disse que a amava e depois segurou o rosto de Sofia e disse num sussurro: “Obrigada!”

– Vou descer e pedir meu táxi, aproveitem a massa, ela é divina.

Vendo que sobraria e que tudo estava bem, mas sem os detalhes que queria saber, Simone achou por bem também se despedir.

– Meninas, aproveitem a companhia, depois conversamos, Sofia. Marina, eu sei que já disse isso antes, mas gostaria de repetir agora, você foi brilhante, obrigada pela indicação, se Sofia não segurar você, podemos conversar.

Simone sentiu uma almofada sendo jogada em sua direção e todas riram.

– Vou descer junto com a Dra. Flora, boa noite e fiquem bem.

No hall, enquanto esperavam o elevador, Simone fez o convite surpreendente:

– Nós podemos jantar e conversar se você quiser, Dra. Tivemos um começo difícil, mas acho que precisamos colocar alguns pontos nos Is.

– Acredito que não seria uma boa companhia hoje, Simone, não depois de tudo que tive que conversar com a Sofia, estou cansada.

– Eu sei, é visível que a Dra. está cansada, mas também deve estar com fome, além do mais, eu sou uma boa ouvinte e tenho uma reserva em um restaurante que tenho certeza que conhece e que adora, dado o bom gosto que eu sei que a Dra. tem.

– Por favor, pare de me chamar de Dra., Simone, nós não estamos no escritório, tudo bem, eu aceito o convite.

Simone sorriu, quem sabe Flora lhe contasse tudo. As duas seguiram em direção ao restaurante que Flora já identificou no caminho, amava aquele restaurante, eles tinham um aquário enorme e os próprios clientes escolhiam os frutos do mar que iriam acabar nos pratos.

Durante o caminho, conversaram sobre negócios, sobre possibilidades, foi bom para Flora, Simone tinha uma visão de mercado incrível, Dom tinha razão, esse contrato traria bons negócios para os dois lados.

– Com quem você viria jantar, Simone?

– Com uma amiga, mas já desmarquei, não se preocupe que não a deixei no vácuo.

– Uma amiga?

– Apenas uma amiga, Flora. Além do mais, acho que você estava precisando desse jantar e da minha companhia mais do que ela. Flora gargalhou, Simone era realmente muito modesta.

– Fiquei até sem palavras, Simone, com a sua boa ação.

– De nada, Dra.

O restaurante era fabuloso mesmo, optaram por ir direto ao jantar, Simone estava dirigindo e Flora não queria mais beber, bastava por aquele dia. Conversas amenas permeavam a mesa, até que Flora sucumbiu a curiosidade e perguntou:

– Como vocês se conheceram? Você e Ida?

– Você quer mesmo falar sobre Ida?

– É o que eu mais quero fazer, falar sobre o meu grande amor.

– Bem, vamos lá, Ciço , meu irmão, tinha saído da nossa cidade no interior do Ceará com um dinheiro e com a promessa de que mandaria me pegar, nós sempre fomos muito unidos. Conseguiu comprar um pedaço de terra próximo a São Paulo e começou uma produção de queijo artesanal. Na época, Ida estava à procura de produtores locais para fornecerem mantimentos para um restaurante, que era a ideia original dela, depois surgiu a ideia do bar com comida de chefe e que deu muito certo como você pôde observar. Quando Ciço se estabeleceu, ele mandou me pegar, na época eu tinha 19 anos, queria estudar, tinha muitos sonhos e sabia que não gostava de homens já, mas nunca tinha vivido nada com nenhuma mulher, eu vim e prestei vestibular para administração na USP, não passei de primeira, o ensino no interior era muito fraco, mas Ciço me matriculou num cursinho, eu morava a semana na capital e dividia um apartamento com outra duas meninas, aos finais de semana, eu voltava para a fazenda e ajudava meu irmão. Ele sempre falou muito de Ida, mas nós nunca cruzamos na fazenda, me formei e imediatamente me matriculei numa pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, eu queria fazer mais dinheiro, eu já tinha namorado uma das meninas do apartamento, Ciço sempre soube, e numa dessas minhas idas para a fazenda conheci Ida, fiquei fascinada, nos tornamos amigas, antes de qualquer coisa, depois de dois anos de convivência, decidimos viajar para uma cidadizinha próxima para conhecer um produtor de cogumelos super falado na região, ela queria comprar o produto e eu queria ir para cama com ela, então foi isso que aconteceu, passamos um final de semana leve, ela parecia bem, e, então, aconteceu. Você quer que eu pare?

– Não, pode continuar, acho que hoje todas as lágrimas que não deixei cair por ter abandonado Ida, começaram a sair de mim, fora de tempo, mas começaram, nunca é tarde para recomeçar, mesmo que meu amor não esteja mais aqui. Por favor, continue.

– A cama foi maravilhosa, Ida era uma mulher inatingível para mim, acho que ela ter cedido foi quase um milagre, depois disso, ela foi clara e me disse que nós não tínhamos futuro, que tinha sido tudo maravilhoso que eu era maravilhosa, mas nosso caso terminaria ali, depois que entrássemos no carro, mas que ela gostaria que continuássemos amigas. Eu fiquei frustrada, nunca tinha levado um fora, mas o de Ida foi delicado demais. Uns três anos depois, quando ela tinha ido passar uns dias na fazenda, nós conversamos e seu nome apareceu pela primeira vez. Ela contou a história de vocês, tinha uma voz dolorida, cheia de saudade, chorou, disse que não ia entender nunca o que você tinha feito e que ainda a amava, que ia morrer amando você, que você tinha sido o grande amor da vida dela, levantou-se, me deu um beijo no rosto e foi dormir. Naquele dia, eu entendi de quem era a cama, o coração e a vida de Ida, tudo isso era seu. O que realmente aconteceu, Flora?

Flora chorava, de forma comedida, mas chorava, ouviu tudo com atenção, no peito um aperto que durava pelo menos mais de 30 anos, pensou delicadamente o que poderia falar para Simone, resolveu vomitar tudo novamente, talvez o peso se dissipasse mais.

– Eu estou tão cansada dessa luta, dessa vã tentativa de seguir minha vida sem a Ida que, em alguns momentos, pensei besteira, mas existem meus filhos e minha neta, eles não merecem sofrer por minha causa, né?

Flora olhou bem para Simone, não tinha reparado nela durante a noite toda, era uma mulher belíssima, forte, estava vestida de forma simples mas elegante, tinha uns olhos vivos , repletos de vida, devia ter uns 10 ou 15 anos a menos que Flora, tinha um ar de afago e foi por isso que a advogada resolveu falar e, assim como fez mais cedo, despejou tudo no colo de Simone, todos os detalhes, o que precisou fazer, o que passou, o casamento forçado, o sexo como obrigação, as ameaças, a saudade do seu grande amor, as tentativas em manter contato quando voltou ao Brasil, o impedimento de Maria Lúcia, mãe de Sofia, as visitas ao túmulo, tudo contado, detalhado, cuspido.

Simone chorou e esticou a mão para segurar a mão de Flora. Ela estava tão sentida com a história toda, com todo o sofrimento causado pelas duas, pela violência que Flora sofreu com o casamento, por tudo.

– Flora, eu lamento tanto o que aconteceu, eu realmente não sei o que dizer a você neste momento. Mas, eu queria que soubesse que eu lamento de verdade, e estou aqui para o que você precisar.

– Eu agradeço, mas estou verdadeiramente cansada, precisando me desligar um pouco, amanhã terei uma conversa difícil com Marina, não é justo ela ser impedida de viver uma história de amor, não imagino como será a reação dela, porque em cheque o pais e os avôs serão marginalizados e vilanizados, mas eu não posso mais me calar, uma hora tudo isso virá à tona.

– Flora, você é a maior vítima dessa história horrenda,não se prive mais de viver, você precisa cuspir tudo isso, Ida morreu, ninguém pode mudar isso, se ela estivesse aqui, ela seria a primeira a querer que você voltasse a ser feliz, está na hora de continuar, de continuar de mãos dadas com todas as pessoas que você ama e com todas as pessoas que amam Ida, é hora de seguir. Por que você não vai conhecer a fazenda amanhã? Eu tenho um compromisso com uma amiga na hora do almoço e depois passo no escritório para pegar você, peço pra Bené preparar um chalé, teremos uma feira numa cidade vizinha, você devia se permitir.

– A mesma cidade que você foi com a Ida?

– A mesma cidade.

– Eu não sei como a Marina vai reagir, Simone, talvez eu tenha que ficar para apagar o fogo, não sei se seria uma boa essa ausência.

– Deixe o fogo queimar, está na hora, pense na proposta, se você decidir ir é só me avisar, devo deixar SP por volta das 15 horas e retorno na terça pela manhã, temos uma reunião marcada, se decidir ir é só me ligar.

– Obrigada por tudo, você foi maravilhosa.

– Eu sempre sou, Dra. Flora , sempre sou, com o tempo, você vai perceber isso.

Flora sorriu, Simone pagou o jantar depois de muita insistência, foi mais rápida em pegar a conta e sacar o cartão, deixou a advogada em casa e foi em direção ao hotel em que estava hospedada, era um cinco estrelas, aliás, era sua segunda casa.

A história revelada por Flora deu a Simone uma nova percepção de tudo, toda a compreensão de um amor que foi impedido de continuar por causa de pessoas sem nenhum tipo de escrúpulos, sentiu um aperto no coração, pelo sofrimento de ambas. Flora era realmente uma mulher incrível e ir dormir pensando nela não estava nos planos de Simone, não estava mesmo.



Notas:

Oi, meninas, espero que estejam gostando da história, estamos indo para a última parte, teremos mais algumas reviravoltas, mas acho que tudo dará certo.

beijos




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2 Respostas para 17. DESCOBERTAS E AFETOS

  1. Boa tarde Mia !!!!!

    Que bom que Sofia, se permitiu ouvir o que Flora tinha para lhe falar, “olha o dialogo ai”….

    Muito triste o que Flora e Ida passaram, como tem gente infeliz, ainda no mundo, que não podem deixar que quem se ama, viva livre e feliz, como o amor que escolher…….

    Tomara que não demore a vir o pedido de namoro e o mais importante, que seja aceito, e que tanto Marina quanto Sofia, possam viver esse lindo amor livre de qualquer amarra.

    Realmente o adjetivo dado a Flora que ela era nobre, tem muito haver mesmo, com tudo que ela passou e como vive o presente.

    Simone, será que vai se deixar envolver por Flora, e Flora será que vai se dar mais uma chance……acho que ambas poderiam de permitir uma chance para amor…..

    Autora, não demore a voltar a nos presentar com sua escrita, a historia esta linda, volte logo….

    • Oi Branca, que bom que tem gostado da história, um novo capítulo já vou enviado, nossa história trará bons momentos e algumas reviravoltas, tomara que continue por aqui.
      Beijos

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