Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar
11º Caso: Morte em Dixon Hall
Texto: Táttah Nascimento
Revisão: Carolina Bivard e Nefer
Ilustração: Táttah Nascimento
Oi, gente!
Tudo bem com vocês?
Carol Bivard me desafiou a escrever um caso de Evernood e Blindwar. Espero estar a altura de uma história tão legal. O texto terá duas partes.
Espero que se divirtam e curtam a leitura!
Beijos!
Táttah Nascimento.
Elizabeth Evernood bocejou discretamente. Ela não conseguiu dormir na noite passada. Rolou e rolou entre os lençóis sem conseguir alcançar o sono, e culpava Margareth Blindwar por isso, pois, na tarde anterior, tiveram uma pequena discussão. Foi algo bobo, que não merecia ser recordado, mas não lhe saía da cabeça.
A senhora Dayse estava muito empenhada em arrumar um pretendente para a filha, razão pela qual andava empolgada com a visita do jovem Carlo Ricci, filho de um importante industrial italiano com quem o senhor Blindwar mantinha uma amizade estreita. Não seria problema algum para Evernood, se a namorada não estivesse tão animada com a chegada iminente do rapaz, a quem tinha conhecido em sua viagem à Toscana, há alguns anos. Jovem com quem tinha mantido um contato tímido, porém constante.
— Carlo é um homem maravilhoso, Beth. Vai gostar dele — disse Margareth, servindo-se de outra fatia de torta, após a saborosa refeição preparada pela senhora Blister.
Nos últimos dias, tornou-se raro conseguir um tempo a sós com a namorada. A Crimes Graves andava às voltas com o roubo de um famoso joalheiro. A pressão do prefeito e de outras figuras importantes da sociedade estava sobrecarregando o departamento e Greendwish. E a situação piorou quando o joalheiro ofereceu uma pequena fortuna em recompensa para qualquer informação que pudesse levar à captura dos ladrões e recuperação das jóias.
Evernood assistiu seus movimentos com pensamentos daninhos bailando na cabeça. Vê-la tão empolgada com um homem, fazia Elizabeth não gostar dele de imediato. Não que ela fosse dada aos ciúmes, pelo contrário. Sempre se considerou muito tranquila nesse quesito. Mas estava descobrindo, aos poucos, um medo quase irracional de perder a namorada.
Não era boba, contudo. Sabia que Meg estava exagerando um pouco, apenas para se divertir às suas custas e poder se vingar das várias vezes em que caçoou dos seus ciúmes e até atiçou ele.
Do outro lado daquela moeda, Elizabeth Evernood não estava vendo graça alguma.
— Tenho certeza que sim — forçou um sorriso, ao passo que Blindwar enfiou outro pedaço de torta na boca, apenas para disfarçar seu próprio sorriso. Estava se divertindo com aquele jogo, pois, verdade fosse dita, Elizabeth ficava linda enciumada. — Como anda o caso da Joalheria Hughes?
— Cansativo — ela pousou o garfo no prato e usou o guardanapo. — Hughes nos colocou em uma situação delicada quando ofereceu aquela recompensa. A todo momento chegam informações e somos obrigados a averiguá-las. Como deve saber, estamos correndo em círculos com isso.
— Uma perda de tempo, tenho certeza. Enquanto isso, as pistas verdadeiras esfriam.
Blindwar concordou, enchendo as bochechas de ar.
— Bom, pelo menos isso me permitiu almoçar com você hoje. Precisei investigar uma pista aqui perto.
— Pelo que fico imensamente grata — Elizabeth sorriu alegremente. Estava com saudades. Infelizmente, o departamento não pediu sua consultoria naquele caso.
— E você, como anda o caso da sobrinha desaparecida da senhora Thompson?
— Já resolvido. A garota se encantou com um rapaz humilde, que prestava serviços à propriedade da tia. Decidiram fugir para o interior. Casaram-se há três dias. Obviamente, a senhora Thompson não ficou nada feliz com isso, todavia está aliviada por saber que a garota continua viva. — Ela suspirou devagar, os dedos correndo pelo tampo da mesa suavemente. — Para mim, esta é a pior situação que se pode imaginar em relação a um ente querido: não saber o que lhe aconteceu, se está vivo ou morto.
A namorada balançou a cabeça, concordando. O relógio no corredor anunciou as 14h e ela se pôs de pé.
— Preciso ir — falou triste. O sentimento se refletiu no rosto de Elizabeth.
— Talvez você possa retornar para o jantar — disse ela. — Quem sabe, passar a noite?
Um sorrisinho malicioso se espalhou por seus lábios, provocando um palpitar intenso no peito da senhorita Blindwar. Ela adoraria passar a noite entre os braços de Beth, no entanto, foi obrigada a rejeitar o convite:
— Infelizmente, minha mãe me fez prometer que estaria em casa para o jantar. Depois, irei retornar ao departamento. Esta noite, faremos diligências em alguns pontos de receptação de itens roubados.
— Ah. Tudo bem — Evernood deu de ombros, enquanto ouviam o som da campainha e, logo em seguida, os passos suaves de Edwin pelo corredor. — Podemos programar algo para o domingo. Você ainda terá folga, não é?
— Sim! — Meg sorriu e estalou um beijo rápido nos lábios dela, aproveitando-se da ligeira privacidade que a sala de jantar oferecia. Segundos depois, Edwin cruzou a porta, trazendo consigo uma correspondência.
Elizabeth leu o conteúdo da carta com um arquear de sobrancelhas, Meg acompanhou o gesto apaixonadamente. Adorava quando ela fazia isso. Ao terminar a leitura, Evernood entregou a mensagem para a namorada, que a leu em voz alta:
Cara Senhorita Evernood,
Adoraria recebê-la em Dixon Hall esta noite e, se possível, durante o fim de semana. A casa está cheia de antigos e queridos amigos que, assim como eu, apreciariam conhecer uma mulher à frente de seu tempo. Por favor, venha nos divertir com suas extraordinárias aventuras.
Também gostaria de ter sua consultoria em um assunto extremamente delicado. Fique à vontade para trazer um acompanhante. E, se me permite a sugestão, sei de sua amizade com Margareth Blindwar, acho que ela seria de grande ajuda na consultoria que pretendo lhe fazer.
Fico muito grata pela discrição de ambas.
Agatha Dixon
— Você a conhece, Meg?
Blindwar confirmou com um balançar de cabeça, tirando os olhos do papel para dizer:
— Me admira você não conhecer.
— Por quê?
— Ela é sobrinha de um membro importante do parlamento, August Dixon. Frequentamos o mesmo colégio para damas. Ela e a irmã gêmea, Lilian, foram minhas colegas de classe, mas não éramos íntimas.
O modo pausado com o qual falou, chamou a atenção da senhorita Evernood.
— Você parece, não sei, reticente? Alguma coisa que eu deva saber sobre Agatha Dixon?
Margareth sorriu.
— Não é nada, Beth. Por um momento, me deixei arrastar pelas lembranças de meus tempos na escola. Tudo que precisa saber sobre Agatha é que ela nunca foi uma mulher previsível. Não nos vemos há anos, contudo, estou certa que ela não mudou seu jeito de ser.
— Hm, quanto tempo faz?
— Acho que nosso último encontro foi no casamento de Lilian, há uns cinco anos, mais ou menos — fez uma pausa, deixando à vista uma expressão consternada. — Coitada, o marido morreu de gripe há três anos. A encontrei umas duas vezes depois disso. Lembro que achei que ela havia se tornado uma criatura bem solitária e triste. Minha mãe a convidou para jantar conosco algumas vezes, mas ela nunca aceitou. Agatha, por outro lado, fugiu do casamento o máximo que pôde e, quando o pai faleceu, usou a herança para viajar pelo mundo. Não sabia que ela tinha retornado ao país.
Enquanto falava, seus olhos percorriam a mensagem que segurava.
— O que acha sobre a última parte do bilhete? — Evernood perguntou.
— Que ela parece ansiosa por ajuda, mas não quis expressar isso abertamente. — Coçou a bochecha, pensativa. Não pensava em Agatha Dixon há muito tempo.
— E pelo pouco que foi dito, parece ser um caso de polícia — supôs Elizabeth.
— De fato — Blindwar concordou, devolvendo o bilhete. — Engraçado, achei que a letra dela fosse mais delicada. Recordo bem que era a mais bonita da turma. Enfim, não poderei acompanhá-la, Beth. Você sabe.
— Sim, claro. Você está ocupada com o caso Hughes. — Voltou-se para o mordomo e amigo. — Edwin, o mensageiro já foi?
— Não, senhorita. Ele está no vestíbulo, aguardando uma resposta.
Evernood escreveu outro bilhete, aceitando o convite e informando o horário de sua chegada.
— Manterei você informada, Meg. Se for mesmo um caso que exija a atenção da polícia, ligarei assim que me inteirar dos detalhes.
— Ótimo! Agora, preciso mesmo ir ou Greendwish vai comer meu fígado.
***
Elizabeth retribuiu o sorriso da mulher à sua frente, admirando a pele rosada, os cabelos negros perfeitamente presos em um coque severo e os olhos de um cinza escuro. Pelo pouco que a namorada lhe contou e pelas vestes sóbrias e negras, soube que estava na presença de Lilian Davies, antes mesmo dela se apresentar.
— É um prazer, senhora Davies.
Evernood notou que ela tinha os olhos ligeiramente inchados e vermelhos, como se tivesse chorado.
— Está tudo bem? — indagou.
— Oh, sim! — a detetive não sentiu muita firmeza na afirmação, tampouco na explicação seguinte: — Perdoe-me. Não consegui dormir bem, na noite passada, e cometi o desatino de caminhar um pouco pelos jardins, acabei ficando resfriada.
— Oh, não se preocupe. Também gosto de uma caminhada noturna para atrair o sono — mostrou-se compreensiva. Todavia, não deixou de notar que a mulher parecia nervosa, como se desejasse lhe contar algo, mas não pudesse. A impressão foi acentuada quando ela olhou para o mordomo, que aguardava junto à porta. A presença do homem, claramente, a incomodava.
— Por favor, me acompanhe, os outros estão na sala. — Lilian Davies sorriu trêmulo, fungou e levou um lenço ao nariz, onde as iniciais “A. D.” estavam delicadamente bordadas.
Ela apontou para a direção de onde vinham os sons de risos e falatório, que quebravam o silêncio mórbido do corredor em que se encontravam.
— O senhor Wilson irá levar sua valise até o quarto — mal terminou de falar e o mordomo, que aguardava junto à porta, se dirigiu para as escadas com a bagagem em questão. — Depois, ele irá acomodar seu motorista no alojamento dos criados.
— Obrigada — Elizabeth a seguiu com passos lentos.
Lilian parou no meio do corredor, lançando olhares para as extremidades deste. Satisfeita com a ausência de outras pessoas, disse em tom baixo:
— Espero que não se importe em fingir uma certa intimidade com Agatha e eu. Os outros não devem saber que está aqui por questões profissionais. Pelo menos, por enquanto.
— Não vejo problema nisso. Tentarei ser o mais discreta possível — sorriu.
Lilian respirou fundo, grata.
— Após o jantar, voltaremos a conversar.
Houve um pequeno alvoroço quando elas entraram na sala, pois a senhorita Evernood conhecia a maioria das pessoas ali.
— Elizabeth! Que surpresa! Não sabia que viria nos fazer companhia — disse Emily Waters. Além dela, estavam presentes os irmãos Peter e Thomas White, Jane Walker e Charles Wood, todos seus conhecidos.
A detetive cumprimentou-os alegremente.
— Até hoje, não tinha certeza se poderia vir. A senhorita Dixon me convidou há alguns dias, porém, só pude confirmar minha presença esta tarde — optou por uma pequena mentira, o que pareceu agradar a senhora Davies, que lhe enviou um pequeno meneio de cabeça.
— Então, estava trabalhando em um caso novo? — perguntou Peter, sorridente. — Algo escandaloso? Pode nos contar?
— Sabe que não, Peter. Talvez comentar sobre os que se tornaram conhecidos do público, através dos jornais e polícia, mas não posso falar sobre os casos particulares. Meus clientes confiam no meu sigilo.
— Você é uma estraga prazeres, Evernood — Thomas White balançou a cabeça, com fingida consternação. — Mas me conformo com detalhes sobre aquele caso maluco dos ossos na margem do rio ou ainda…
— Deixe a senhorita Evernood se acomodar, Tom. Teremos tempo para interrogá-la sobre suas aventuras policiais — Emily Waters o interrompeu, delicada.
Evernood riu graciosamente, apertando a mão de um rapaz moreno e atraente, que se apresentou:
— Jimmy Baker, primo de Agatha e Lilian — ele mostrou um sorriso charmoso e curvou-se, cavalheiresco, para beijar a mão dela.
— Não se deixe enganar por esse sorriso, Elizabeth. Jimmy é um Dom Juan — Jane avisou.
O rapaz fez uma careta de falsa indignação, arrancando risos dos amigos.
— Alex Johnson — disse o outro rapaz que Elizabeth não conhecia. Ele tinha os cabelos e olhos claros e exibia um belo bronzeado. — Sou noivo de Agatha. E falando nela, não a vimos o dia todo. Onde ela está, Lilian?
A mulher se empertigou, passando o lenço no nariz. Os olhos ficaram ligeiramente úmidos, mas logo deu de ombros, com um sorriso sem graça.
— Como se eu conseguisse dar conta de todos os passos dela. É bom se preparar, porque Agatha é um espírito livre.
— O homem está apaixonado, Lilian. Você não vai conseguir assustá-lo — Charles Wood brincou, arrancando algumas risadas dos amigos — todavia, a detetive Evernood percebeu um discreto tom de desdém em sua fala.
— Muito bem, — Lilian disse de forma jovial — ela tinha alguns assuntos para resolver na cidade, com o antigo advogado do nosso pai. Chegou há pouco. Deve se juntar a nós em breve.
Ela cobriu a boca e nariz com o lenço.
— Melhor tomar alguma coisa para esse resfriado, Lilian — recomendou Jane Walker.
— Sim… vou pedir uma xícara de chá para a senhora Cox. Bem-vinda, senhorita Evernood. A deixarei sob os cuidados desses adoráveis desordeiros — ela sorriu e, desta vez, a detetive achou o gesto forçado. — Com licença.
Com o fim das apresentações, Evernood aceitou uma taça de brandy para abrir o apetite para a refeição que logo se iniciaria. E quando o relógio anunciou a hora do jantar, dez minutos depois, Agatha Dixon tomou seu lugar à mesa, mas Lilian não voltou a se juntar a eles. Agatha disse aos convidados, que ela não estava se sentindo bem e que pedia desculpas.
O jantar transcorreu tranquilamente. A senhorita Dixon era uma pessoa alegre, que esbanjava simpatia. Entretanto, Elizabeth Evernood teve a impressão de que ela se esforçava para parecer distante dos amigos. Após a refeição, foram para a sala de estar e o mordomo, Sr. Wilson, juntamente com a governanta, Srta. Jones, distribuíram algumas bebidas e a conversa continuou animada.
— Iremos fazer o piquenique amanhã? — Jane perguntou.
— Sim! Já está tudo preparado — Agatha garantiu.
— Ah! Mal posso esperar pela caçada. O que você preparou desta vez, Agatha? — Thomas White quis saber.
A anfitriã sorriu de lado, dando uma piscadela marota.
— Amanhã, Tom. Você não vai conseguir arrancar nada de mim esta noite.
— Você não se cansa disso? — Peter perguntou ao irmão, enquanto pendurava um cigarro nos lábios. — Ela nunca diz o que planejou, mas você insiste em perguntar todas as vezes!
— Vai que um dia ela resolve contar — Tom retrucou.
— Eu, com certeza, quero a senhorita Evernood na minha equipe — Emily declarou.
— Isso não é muito justo, — queixou-se Charles — ela é uma detetive.
— Com medo da concorrência, Charlie?
— Do que se trata? — Evernood tomou um gole do seu uísque, ao passo que lhe explicavam que Agatha Dixon e irmã costumavam preparar os melhores piqueniques e caçadas ao tesouro. Os prêmios para os vencedores, normalmente, eram simbólicos. O importante era a diversão. — Parece divertido. Prometo me esforçar.
Depois disso, o noivo da senhorita Dixon sentou ao piano dedilhando as teclas suavemente, enquanto o primo dela, Jimmy, começou a cantar. Os outros fizeram coro, exceto a senhorita Dixon, que fez um gesto discreto para Elizabeth, que a seguiu até o jardim.
Lá fora, longe dos amigos e da música, Agatha Dixon deixou a máscara de alegria cair e, assim como sua irmã fez mais cedo, no corredor, ela observou o local, certificando-se de que estavam sozinhas ali.
— Sinto muito por todo esse segredo, Srta. Evernood. Mas não tive escolha. Não sabia o que fazer — ela desatou a chorar, assustando Elizabeth.
— Do que se trata?
Agatha Dixon levou um lenço ao nariz e a detetive o reconheceu como sendo o mesmo que a irmã dela usava quando chegou à residência.
— Assassinato — Dixon respondeu.
— De quem?
— O meu, Lilian Davies.
***
Passava um pouco das dez da noite, quando Margareth Blindwar deixou-se afundar na cadeira diante da sua mesa de trabalho. Ela soltou um gemido cansado, que Dashwood repetiu ao esfregar os olhos.
As diligências nos conhecidos pontos de receptação de itens roubados não renderam frutos. Pelo menos, não em relação ao caso da joalheria Hughes. Agora, a Crimes Graves tinha alguns prisioneiros, vários itens roubados recuperados, uma pilha de relatórios para serem feitos, dezenas de denúncias para serem investigadas e nada de relevante sobre o caso que estava tirando o sossego da sua equipe.
— Acho que está na hora de cogitarmos a possibilidade de que o ladrão tenha saído da cidade com seu espólio. — Reynolds resmungou.
— Você quer ser o herói que vai dizer isso para o Greendwish? — Dashwood perguntou.
Reynolds fez uma pequena careta.
— Estou cansado, não louco — retrucou. — Vamos trabalhar! Mas amanhã, com uma mente clara após uma noite decente de descanso.
— Concordo — disse Blindwar, já ficando de pé. — Vamos falar com o comissário sobre a nossa falta de competência e depois ir para casa.
Os outros dois ainda riam, quando o telefone sobre a mesa dela tocou. Margareth demorou alguns instantes, antes de atender, lamentando ter demorado tanto para deixar o departamento. Precisava dormir.
— Crimes Graves, detetive Blindwar.
Ouviu um chiado na linha, antes da voz de Elizabeth a alcançar:
— Meg, preciso de você em Dixon Hall.
***
Greendwish olhou em volta, girando devagar sobre os calcanhares até a vista parar sobre o corpo debruçado na mesa.
— Comece de novo, por favor, Sra. Davies — ele pediu, tentando compreender aquela situação.
A mulher, que ainda se trajava como a irmã gêmea, olhou para o corpo de Agatha Dixon e soluçou. Greendwish capturou o olhar de repreensão de Elizabeth Evernood. Embora tivesse usado um “por favor”, seu tom foi ríspido.
— No fim da manhã de hoje, encontrei minha irmã do jeito que estão vendo — ela chorou.
— Chegou a movê-la?
Lilian negou com um balanço de cabeça.
— Quando a toquei, ela estava fria como a neve, então só consegui chorar — uma lágrima acompanhou a última palavra. — Nem sei quanto tempo fiquei aqui…
— Tem certeza disso, Lilian? — Margareth Blindwar questionou. — Ela estava mesmo fria?
— Sim.
A detetive da polícia cruzou o olhar com o chefe. Os dias estavam bem frios naquela época do ano. Considerando a hora em que Lilian disse ter encontrado a irmã, a morte ocorreu durante a noite passada ou, nas primeiras horas da manhã.
— Tem alguma ideia do motivo da sua irmã ter vindo até aqui?
— Agatha adorava plantas, passava muito tempo aqui. Principalmente, quando queria ficar sozinha ou não conseguia dormir. Também gostava de ler aqui — apontou para o livro escancarado sobre a mesa.
— Todos conheciam esse hábito? — a senhorita Evernood quis saber.
— Sim.
Percebendo a emoção que a tomava, pois não tirava os olhos do corpo da irmã morta, a detetive Blindwar perguntou:
— Existe outro lugar onde possamos conversar, Lilian?
Embora contrariado, Greendwish foi compreensivo o suficiente para não criticar a subordinada por interromper o interrogatório. E seguiu a senhora Davies até a saída da estufa, atravessando o corredor atapetado de pedrinhas. O local mais parecia uma pequena floresta, visto a grande variedade de plantas que abrigava. No exterior, fizeram caminho pela lateral da casa até entrarem em um escritório pela porta que se comunicava diretamente com o jardim.
Lá dentro, o calor aconchegante da lareira acesa trouxe alívio para o grupo. Lilian sentou na poltrona mais próxima do fogo, restou a Greendwish, Blindwar e Elizabeth Evernood dividirem-se entre a poltrona restante e o sofá. Às costas deles, estava uma escrivaninha e prateleiras abarrotadas de livros.
— Senhora Davies, — disse o comissário, desta vez, mais comedido — nos ajude a entender. Por que chamou pela senhorita Evernood em vez da polícia?
Ela suspirou profundamente. Olhou para a detetive Evernood e recebeu um gesto de incentivo. Apertou o lenço entre as mãos. Havia algum tempo, os amigos e hóspedes tinham se recolhido, alheios ao crime que ocorreu na estufa e, também, a presença da polícia na propriedade. Nem mesmo os criados estavam cientes, visto que, a pedido de Evernood, o comissário, a detetive Blindwar, e a equipe forense estacionaram seus veículos fora da propriedade e fizeram o resto do caminho a pé.
— Eu precisava de alguém em quem pudesse confiar para me orientar diante da circunstância. É verdade que nunca nos vimos antes desta noite, mas tenho acompanhado suas contribuições à justiça pelos jornais. As dela e as de Margareth. Na verdade, quando pedi que a senhorita Evernood viesse até aqui, sugeri que trouxesse a detetive Blindwar junto.
— É verdade, senhor — Blindwar confirmou, e esclareceu em seguida: —, mas como tínhamos que fazer as diligências do caso Hughes, não foi possível vir.
A senhora Davies apertou o lenço entre as mãos pequenas e delicadas.
— Pode não parecer a escolha mais sábia, Comissário. Tenho plena consciência de que minha atitude pode ser encarada como calculista e duvidosa. Mas, naquele momento, tudo o que me passou pela cabeça foi que eu precisava da ajuda de alguém que pudesse me escutar antes de fazer qualquer julgamento.
— Nosso trabalho é investigar, senhora. Não fazemos julgamentos.
— Não se ofenda, Comissário, mas eu precisava de uma pessoa capaz de compreender minha situação, porque no instante em que morreu, Agatha era eu.
Greendwish girou o chapéu entre as mãos, confuso. Coube a Srta. Evernood esclarecer:
— Lilian e Agatha, às vezes, trocavam de lugar, Greendwish. E, não sei se você reparou, mas Agatha estava usando as roupas de Lilian. Roupas negras, que evidenciam a viuvez dela.
— Por que faziam isso? — ele perguntou para Lilian Davies.
— Ah… sempre fizemos. Quando criança, era divertido enganar os adultos. Na adolescência, era um jeito de podermos fazer as coisas que desejávamos sem sofrer represálias dos nossos pais. — Ela fez uma pausa, pensativa. — Não fazíamos isso há anos. Desde que me casei, para ser exata. Mas depois que Agatha retornou de viagem, disse que se sentia incomodada com o fato de eu ter de me resguardar após a morte de Antony.
— O que quer dizer?
— Ora, Greendwish, Lilian é uma viúva! A sociedade espera que ela se mantenha fiel a memória do seu marido, use trajes negros e evite reuniões animadas. Pelo menos, por alguns anos. — Elizabeth Evernood bufou. — Se fosse um homem, incentivariam a sair e procurar uma nova esposa.
— Ah… — ele balançou a cabeça.
— Comissário, minha irmã só queria que eu me divertisse um pouco, sem que por isso tivesse de receber olhares atravessados ou ouvir coisas desagradáveis, principalmente, dos meus sogros. — Ela baixou a cabeça. — Eles são boas pessoas, mas a morte de Antony deixou-os arrasados. Quando retornou do exterior, Agatha foi me visitar e testemunhou uma discussão, por isso, me trouxe com ela para Dixon Hall.
— O que foi dito nessa discussão? — a detetive Blindwar perguntou.
— Nada que possa ser relevante para explicar o que aconteceu com Agatha.
— Qualquer detalhe, por mais insignificante que seja, pode nos ajudar a descobrir o culpado, Lilian — Margareth soou firme, porém empática.
Como se fosse possível, o rosto da Sra. Davies ficou ainda mais triste. Ela levou a ponta do lenço aos olhos.
— Na ocasião, minha sogra chegou a me acusar de ser a responsável pela morte do meu marido.
— Achei que ele tivesse morrido de gripe — Greendwish comentou, assistindo a mulher apertar as mãos nervosamente.
— Foi o que aconteceu. Mas tudo começou após o resfriado que pegou por ter atendido meu desejo de caminhar pela propriedade. O dia estava ensolarado, mas o tempo mudou rápido e fomos pegos por uma chuva forte.
A detetive particular resolveu tomar a frente, após receber uma olhada significativa da namorada.
— Voltemos ao que aconteceu aqui, Sra. Davies. Se entendi bem, você acha que alguém na casa foi o responsável?
— Sim.
— Não há possibilidade de sua irmã ter tido um mal súbito ou uma doença preexistente que a senhora nao tinha conhecimento?
— Agatha era um poço de saúde, Srta. Evernood. Teria me contado se estivesse doente.
— E por que acha que você era o verdadeiro alvo? — foi a vez de Blindwar perguntar.
A mulher fitou o chão por um momento, contando:
— Agatha não tomava chá, Margareth.
— Como assim?
— Ela preferia leite, chocolate, café… — balançou os ombros, mais lágrimas escorrendo pelo rosto.
Agora, Elizabeth Evernood sabia que a história do resfriado foi um artifício utilizado para justificar os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar e, assim, escapar de possíveis questionamentos por parte dos hóspedes.
— Ela tomava qualquer bebida que pudesse ser aquecida, mas nunca chá. Só percebi isso quando deixei a estufa para pedir ajuda. Como no momento em que morreu Agatha estava fingindo ser eu, certamente, tomou o chá para manter o disfarce.
— E a senhora chegou a pedir ajuda? — o comissário a fitou como se fosse uma ave de rapina a caça da sua próxima refeição.
— Não. Quando pensei na xícara de chá, resolvi trancar a estufa e escrever para a Srta. Evernood.
— Havia alguém por perto nesse momento?
— O Sr. Evans, o jardineiro, estava removendo as folhas secas do chafariz. Ele certamente teria alertado a casa inteira se tivesse encontrado Agatha ou visto algo estranho. É um pouco fofoqueiro.
— Alguém mais?
— Não, que eu tenha notado. Porém, não tenho certeza. Estava muito abalada para prestar atenção.
— Compreendo. — Greendwish coçou a testa. — Bem, se o chá foi mesmo a causa da morte da Srta. Dixon, qualquer um poderia tê-lo oferecido. Somente a autópsia poderá nos confirmar.
— Mas, se foi esse o caso, poderia ter sido um dos criados? — a detetive Blindwar sugeriu.
— Talvez — Lilian arreou os ombros, fitando o fogo por um instante antes de continuar: — Contudo, só vi uma xícara na mesa.
Greendwish olhou para a sua subordinada e ela confirmou a informação após dar uma conferida rápida em suas anotações.
— O Sr. Wilson, o mordomo, sempre leva o bule. A srta Jones, a governanta, também, exceto, se lhe pedir apenas uma xícara. A Sra. Cox, a cozinheira, está nesta casa desde que éramos crianças e nunca a vi sair daquela cozinha para nada, além de ir para os seus próprios aposentos ou visitar os parentes em seus dias de folga. Ela só me serviria chá, se eu fosse até a cozinha pedir e ficasse aguardando.
— Quem são os amigos que estão na casa? — o comissário prosseguiu, enquanto a detetive Blindwar retomava as anotações.
A Sra. Davies contou, e o chapéu de Greendwish começou a mudar de forma à medida que o homem o apertava. A casa estava recheada de gente rica e importante. Uma dor de cabeça para qualquer investigação decente.
— Algum deles tem problemas com você? — a detetive Blindwar ergueu o olhar do caderninho para observar melhor as reações da ex-colega de escola.
Lilian encolheu os ombros.
— Acho que não. Com exceção de Jane Walker, não via os outros há mais de um ano. E o Sr. Johnson, noivo da minha irmã, conheci há poucos dias. Ele é americano.
— E com a sua irmã? — Evernood perguntou, dessa vez.
— Discussões bobas, mas nada que justifique assassinato.
Satisfeito, Greendwish balançou a cabeça, agradeceu a ela e pediu licença. Foi para os jardins com as duas detetives a tiracolo.
— Que bela confusão! — resmungou ele, buscando um fósforo no bolso para acender o cigarro pendurado nos lábios. Antes de encostar a chama no fumo, perguntou: — O que me diz, Evernood?
— Voce é a autoridade policial aqui — ela devolveu. — Pode chamar sua equipe, revistar a casa inteira, interrogar a todos… Creio que a esta altura os álibis já estão bem construídos. No entanto…
Ele bufou, soltando a fumaça do cigarro pelas narinas.
— Eu não vou gostar do que vem depois disso, vou?
Ela sorriu de lado e continuou o que dizia, apontando para si e Margareth:
— No entanto, se você “nos” permitir atuar neste fim de semana, talvez possamos descobrir o assassino sem alarde da imprensa ou os pais poderosos desses jovens fazendo pressão sobre o departamento.
— Eu não gostei mesmo — ele soltou. — E como seria isso?
A detetive particular cruzou os braços para se aquecer um pouco.
— Eu tenho uma teoria diferente da que a Sra. Davies nos ofereceu. Acho que alguém pode ter descoberto a brincadeirinha das irmãs e decidiu se aproveitar disso para se livrar de uma delas.
— Acha que o verdadeiro alvo era Agatha, Beth?
— Sim, Meg. E também acredito que a pessoa que a matou usou desse artifício para despistar a polícia.
— Faz mais sentido do que alguém querer matar Lilian — a detetive da polícia concordou. — Pelo o que ela nos disse, anda afastada da maioria dos seus conhecidos. Não consigo imaginar alguém desejando a sua morte. Agatha, por outro lado, sempre foi imprevisível. Fazia inimigos com a mesma rapidez e facilidade com que fazia amigos. Sempre adorou uma boa discussão e não se deixava ser passada para trás.
— Então, Greendwish, o que nos diz? — Evernood olhou para o comissário.
— Não gosto mesmo da ideia — ele jogou o resto do cigarro no chão e esfregou as mãos geladas. — Mas se o que diz tiver mesmo acontecido, essa pessoa pode estar bem intrigada com o motivo da Sra. Davies continuar fingindo ser a irmã.
— Ele ou ela pode estar nervoso — a detetive Blindwar supôs.
— Sim, Meg. Essa pessoa pode cometer um erro ou acreditar que o seu plano falhou e que Agatha permanece viva, então decidir tentar outra vez.
O comissário olhou para o caminho que levava para a estufa. Evernood tinha razão, o que só piorava a situação em que estavam.
— Eu vou me arrepender disso — falou ele. — Façam o que precisarem, conversem com todos e sejam discretas. Mas vocês só têm o fim de semana. Depois disso, iremos atuar de acordo com os protocolos. — Voltou a olhar para o caminho que levava ao corpo de Agatha Dixon. — Felizmente, essa estufa fica um pouco distante da casa, irei providenciar a remoção do corpo sem alarde e informar o comissário geral.
Boa noite,Tattah! Como vai?
O capítulo está muito bem construido. Carol escolheu bem para representá-la!
EU imaginava meio o que poderia ter passado, mas, nunca se sabe numa estória de suspense policial RS.
Gostei do começo tb. Nada muito forçado, bem natural. Escrita parecida com a de Carol. Amo essa série, então fiquei feliz com o resultado.Muito!
Desculpe meu atrevimiento ao que disse no começo… ….espero que esteja bem com isso
Cuide-se,
até a parte II
PS: Muito ansiosa….
finalmente consegui comentar…:)
Amo esse casal e suas investigações!
Estava com saudades.
Ansiosa pela segunda parte, Tattah.
E sim, você está a altura dessa história tão legal.