Líberiz

Capítulo 15 – Desjejum na Corte do Rei

A duquesa Fira Líberiz conseguiu chegar à ala dos quartos, depois de despistar diversos convidados. Estranhava a quantidade de guardas espalhados pelos corredores. Chegou ao quarto destinado à ela e entrou, fechando a porta atrás de si. Passou o ferrolho para não ter surpresas durante a noite. Vasculhou todo o ambiente, pois não sentia segurança em dormir no palácio; afinal, a única pessoa que não faria nada contra ela, já tinha se recolhido há tempos. 

Começou a tirar o vestido para colocar a bata de dormir. Abaixou-se para desprender a cinta-liga e sacou a adaga, se voltando para um vulto que vira no bruxulear da vela.

— Por onde entrou?

Os olhos de Fira luziam.

— É um segredo, mas devo dizer que quem escolheu o quarto fui eu. Você deve imaginar por quê.

— E eu posso lhe dizer, com certeza, que hoje você estava espetacularmente bonita, mas gosto mais quando você se veste assim. 

Fira apontou a adaga em direção à princesa, mostrando as calças que ela vestia e abriu um grande sorriso.

Cécis se aproximou, sem se importar com a falsa ameaça, afastou a adaga, segurou a cintura da duquesa, arrebatando um beijo. Fira retribuiu com a mesma paixão com que era beijada e sentia o corpo inflamar-se de desejo. Como eu senti falta dessa boca!  Fira pensou e, também, lembrava do que Divinay havia falado. Será que nunca mais terei um bom sexo com alguém depois de você, Cécis?

Os corpos se comprimiam e as mãos tateavam, ávidas, cada porção de pele. A princesa tentava sem muito sucesso abrir os botões do vestido nas costas da duquesa.

— Merda! E ainda me perguntam por que odeio vestidos! – Exclamou Cécis, impaciente. 

Fira riu, conduzindo a princesa em direção a cama. Jogou-se sobre o colchão, fazendo Cécis cair sobre ela. Pegou a mão da princesa, mostrando o caminho por baixo do vestido, alojando-a entre as coxas. 

— Aqui! 

Cécis moveu os dedos para afastar a roupa íntima e sentiu o calor do sexo de Fira em contato com a mão. A duquesa tinha a intimidade molhada, fazendo a princesa sentir uma contração aguda no ventre.

— Isss… Que delícia, Fira! 

Penetrou-a sem sutileza. Fira gemeu desmedida. Sentia os dedos da princesa mexerem dentro dela, num compasso perfeito e delicioso. Fechou os olhos percebendo a pele arrepiar pelos beijos que eram depositados em seu pescoço, sensualmente. A boca quente e a língua experiente da princesa, faziam a duquesa maldizer o vestido que ainda cobria o corpo. Queria a boca de Cécis engolindo seus seios e apagando o fogo que a queimava.

— Ah, Fira! Estava louca para te sentir de novo… Goza para mim, vai…

A princesa atormentava-a com as palavras e as ações. Esfregava o corpo de encontro ao dela, enquanto penetrava cadenciada, no ritmo do movimento dos quadris de Fira. O líquido viscoso escorria pelos dedos de Cécis na medida que a excitação da duquesa alcançava escalas absurdas e ela não suportou. Quando o orgasmo chegou, levou a mão até a boca para que o grito não saísse alto. 

Antes mesmo de relaxar, viu que Cécis se levantava e tirava a calça. Se deitou, encostando-se no travesseiro e puxou Fira pela mão pedindo:

— Vem! Eu tô desesperada, Fira. Preciso da sua boca em mim.

Afastou as coxas, mostrando a intimidade úmida de frente para Fira. A Grã-duquesa olhou a princesa, oferecendo-se despudoradamente e um novo espasmo tomou o corpo da nobre pela excitação. A razão já havia abandonado os pensamentos de Fira, desde que sentira a princesa lhe tomar com voracidade.

 Não questionou. Queria sentir o gosto de Cécis. Segurou os quadris da princesa e puxou-os em direção a boca, abarcando o sexo da princesa, rudemente.  Deslizou a língua entre as dobras e sugou o clitóris, sentindo que crescia entre os lábios com as carícias da língua.

Cécis agarrou os cabelos castanhos e fartos, empurrando mais a boca na intimidade latejante. O sangue pulsava através do corpo que fervia de desejo. No momento em que Fira empurrou, mais uma vez, a ponta da língua enrijecida de encontro ao clitóris, Cécis desabou, derramando seu orgasmo. A duquesa se deleitou com o gosto que não saia de sua mente. Era como se mais ninguém tivesse aquele sabor. Só a princesa lhe dava o que o corpo dela pedia.

Deitou ao lado da princesa e ainda arfava pelo próprio orgasmo e pelo gozo que proporcionou à Cécis. O calor a sufocava e ela mesma odiou aquele vestido. Riu diante da constatação.

— O que foi? – Perguntou Cécis sem entender. 

Fira elevou o dorso, sentando-se de costas para Cécis e pediu:

— Desabotoa esta porcaria que está me sufocando e me irritando!

A princesa gargalhou e se dispôs a abrir os inúmeros botões que fechavam a veste de Fira nas costas.

 — Shhh! Você quer que venham bater na porta para ver o que está acontecendo aqui dentro? – Ralhou Fira.

— Minha cara Lady Líberiz, acho que minha gargalhada não foi mais alta que nossos gritos. Eu falei que estes vestidos são uma merda, quando a gente quer tirá-los.

Depois de desabotoados, Fira retirou as mangas, desmanchou o penteado, soltando os cabelos e desabou novamente na cama, deixando o dorso nu. Ficou mirando o teto do dossel da cama, dispersa.

— Você é maluca! Não podem nos ver juntas. Seu pai, ou até mesmo outras pessoas do palácio, devem saber como entrar nesse quarto, assim como você fez.

Novamente, Cécis riu. A felicidade tinha um motivo: agora sabia que a “indiferente Lady Líberiz”, não conseguia ser tão fria com ela como queria fazer acreditar.

— Você me diverte, Fira. Por que não pensou nisso, antes de fazer um sexo alucinado comigo?

Fira bufou.

— Muito simples. Eu queria fazer um sexo alucinado com você. Principalmente depois que te vi hoje. – Sorriu. – Isso não tira o fato de que, se formos vistas juntas estaremos em apuros. Eu não tinha conhecimento de nenhuma passagem para o seu quarto, assim que ficaria quieta aqui até amanhã. Ao contrário, você que veio atrás de mim.

Cécis sorriu e se virou para o lado de Fira, apoiando o cotovelo na cama e descansando a cabeça na mão. Estava feliz de ter a duquesa ali, depois de semanas infernais naquele palácio.

— Este quarto aqui é contíguo ao meu. Não acredito que alguém saiba dessa passagem, pois a descobri há, mais ou menos, um ano e isso porque sou impaciente e vivo fuçando as coisas. A abertura estava emperrada e o cubículo através do qual passei, estava cheio de aranhas e muito sujo.

— Agrr!

— Tem medo de aranhas? – Cécis perguntou risonha.

— Depende de quais. Dos bichos que fazem teias, eu tenho. 

Cécis riu com gosto. Pela primeira vez, viu Fira se render a uma brincadeira despretensiosa. Olhou o rosto bronzeado pelo sol. Os cabelos castanhos e volumosos, jogados displicentes sobre o lençol. Fira tinha os olhos grandes e ligeiramente repuxados e, o verde da íris, casava perfeitamente com a cor da pele e dos cabelos. Como pode ser tão bonita?   Cécis estendeu a mão e segurou uma mecha dos cabelos sedosos entre os dedos, apreciando a textura.

— E aí, gostou da recepção que meu pai proporcionou?

Cécis perguntou relaxada, já que Fira a olhara com uma expressão interrogativa diante do gesto. Não queria parar de senti-la e fez a pergunta para que a duquesa se distraísse e deixasse que ela continuasse na apreciação. 

— Me surpreendeu… Na verdade, você me surpreendeu. O que a levou a me enviar aquela mensagem e agir como agiu na recepção? É evidente que percebi que seu pai quer me abafar e trazer Cárcera de volta ao convívio da corte, mas…

— Você tem sua forma de atuar e saber das coisas, e eu tenho a minha. Descobri que meu pai me quer morta. – Cécis riu sem ânimo.

— Explica, pois não faz sentido, visto que fomos nós que planejamos tudo.

A duquesa expressou consternação. Sabia que Deomaz era um grande canalha e inescrupuloso, mas tramar a morte da própria filha?

— Sim, mas ele não sabe deste fato. Quando supostamente fui sequestrada, ele armou com Cárcera para interceptar qualquer tipo de negociação de resgate e me matar. Evidente que pareceria uma fatalidade feita no meio das negociações. O problema é que ninguém aparecia para fazer o pedido de resgate. Quando o Rélia me salvou e fui conduzida de volta pelas autoridades do condado de Verome e os soldados de Líberiz, eles não puderam atuar.

— Deuses, Cécis! Você não pode ficar aqui. Eles podem…

— Eles não farão nada comigo aqui dentro. Pelo menos, é o que eu acho. Eu teria que sair dos domínios do palácio, para que algo me acontecesse, sem que fique mal para meu pai. Entende agora por que enviei aquele convite e agi na recepção daquele jeito? – A princesa suspirou desanimada. – Desde que voltei e soube do que estava acontecendo, não coloco os pés para fora do palácio. Eu tinha que falar com você. Na última noite que fizemos amor no castelo de pedras, você me perguntou se eu confiava em você. Eu te respondo com uma outra pergunta: em quem eu devo confiar, Fira?

— Em ninguém. Esta é minha resposta.

Fira a olhou fixamente, demonstrando que até mesmo nela, a princesa não poderia confiar. Cécis riu irônica e contrariada, mas assentiu com a cabeça.

— Porém, eu posso afirmar que poderemos ser sócias, novamente. Depois que tudo terminar, ou da forma como terminar, saberemos em quem confiar. Ou, pelo menos, estaremos dispostas a deixar de lado a nossa segurança pessoal por alguém, Cécis.

— Entendo. Não é uma condição da qual eu goste, mas aceito.

— Você não tem opções, e eu também não. Queria sair daqui amanhã de manhã cedo, mas pelo visto, não poderei.

— E por quê?

— Porque Cárcera me abordou hoje na recepção e me fez uma ameaça e, posso dizer que não foi nem um pouco velada. Vim com uma pequena escolta, mas se voltar para Líberiz com apenas meia dúzia de soldados, posso não chegar inteira ao meu ducado.

— Quer enviar uma mensagem para que um contingente maior venha lhe buscar?

— Tem ideia melhor? Você me convidaria para passar o dia na corte e logo cedo, envio uma mensagem através do meu capitão. Talvez amanhã eles consigam chegar para me escoltar.

— Isso chamaria muito a atenção.

— Não tanto quanto seu pai trazendo Cárcera para dentro do palácio, numa recepção em sua homenagem. Devo confessar que achei muita ousadia dele. 

— Muito descaramento, você quer dizer. É tão audacioso que nem se importa mais que as pessoas comentem os atos dele.

— Politicamente isto o enfraquece.

— Acredita mesmo que faça alguma diferença, Fira? Ninguém o derrubará. Para colocar quem? Se esquece que ele não tem um filho herdeiro para assumir?

— Não. – Fira se virou para encarar o rosto de Cécis. – Mas tem uma filha linda e inteligente. – Sorriu e beijou de leve os lábios da princesa. – Enquanto seu pai estiver no trono, a sua vida estará em perigo constante. Entende isso, Cécis?

— Sim. E o pior é que parece que estou falando do pai de alguém muito distante. Não sabe o quanto tenho me segurado para não jogar tudo que sei na cara dele. 

Fira a encarou séria. Compreendia a situação da princesa e se penalizava, mas não poderia deixar que ela se desesperasse.

— Escute com atenção, Cécis. Se você quer viver e colocar o reino nos eixos, vai ter que tomar uma decisão. Terá que assumir o trono.

— Você fala como se fosse fácil. 

— Não, não é. Mas você tem que ter certeza se quer encarar isso ou não. Líberiz tem problemas com o ducado de Cárcera, desde que ele foi instituído, todavia são problemas de Líberiz que eu encararia para resolver. Agora, o que está me falando, é que seu pai trama contra a sua vida e independente de Cárcera ser o eleito dele ou não, isso é traição. Está fazendo o mesmo, como quando ele tramou contra a sua mãe e a sua madrasta. Todos sabem e ninguém prova.

Cécis se jogou nos travesseiros novamente, olhando para cima. Sabia que a situação dela pioraria cada vez mais.

— Se vamos fazer isso, então façamos direito. Amanhã você passará a manhã comigo na sala de costura, conversando alegremente com as damas da corte. 

— O quê?

Cécis gargalhou diante do espanto no rosto de Fira. 

— Fira, acha que consegui ficar viva durante estas semanas, por quê? Além de não sair do palácio, me envolvi nessas atividades para ficar, constantemente, cercada de pessoas que não sabem um décimo do que acontece. São filhas de nobres que não podem ser tocadas. Quem você acha que conseguiria se infiltrar numa sala cheia de mulheres e fazer algo contra mim?

— É, mas vamos ter que agir rápido, pois isso não funcionará eternamente.

— Se conseguir pensar em algo, eu agradeço. Para qualquer lado que eu olhe, não consigo achar uma saída.

— Maldita hora que eu convenci você a retornar! – Esbravejou Fira, em arrependimento.

— Não podíamos imaginar o quanto o rei Deomaz é cínico e desprendido de sentimentos pela família. – Cécis respondeu, desgostosa.

— Tudo bem. Primeiro, temos que fazer você ter mais liberdade, sem precisar se preocupar com a sua vida. 

 — E como faremos?

— Ainda não sei, mas vou pensar em algo. O problema será nos comunicarmos. 

— Isso eu dou um jeito. Como eu disse, também tenho meus segredos, Fira. Bom, eu sei que amanhã de manhã meu pai promoverá um desjejum para os nobres que permanecerem aqui na corte.

— Será realmente interessante ver Cárcera à mesa comigo e com os outros duques…

— Acha?

— É lógico que não. Aquele homem me dá nojo. – Respondeu Fira.

Cécis se virou para a duquesa, olhando para o corpo parcialmente descoberto, com um leve sorriso no rosto.

— Fira, eu sei que temos que dormir, pois amanhã o dia será tenso, mas com você desse jeito, não me dá ânimo de voltar para o meu quarto.

Cécis terminou a frase, beijando a duquesa que deixou se envolver, apreciando a carícia que as mãos da princesa dispensavam aos seios. Sentiu a língua dançar na boca e deixou todos os pensamentos prudentes de lado, aproveitando ao máximo, o resto de tempo que elas teriam juntas.

***

Na manhã seguinte, um serviçal bateu na porta da duquesa para avisar que o desjejum seria servido dali a meia hora. Fira agradeceu e retornou para perto da janela, pensativa. Cécis havia saído do quarto dela quase ao amanhecer. Passaram longas horas entre conversas e afagos, que acabava culminando num sexo maravilhoso. Quando se lembrava dos momentos, despertava outra vez o corpo numa excitação inexplicável. Eu tenho que controlar isso.

Na hora marcada, se dirigiu ao salão para se juntar aos nobres. Foi direcionada para seu lugar à grande mesa. Os nobres iam chegando e quando já estavam quase todos à mesa, o rei, a rainha e todas as filhas vieram se sentar. Para alívio das duas, Cárcera mandara avisar que não poderia estar no evento, pois fora chamado para retornar ao ducado. 

Incrivelmente, todos relaxaram em alívio e este fato não passou despercebido por Fira. Ela começou a reparar nos nobres que estavam presentes e em como se comportavam, no entanto eram as atitudes de Cécis que chamavam a atenção dela. Era incrível como a princesa conseguia mudar o comportamento na frente do pai. Fira sabia que era necessário, diante de tudo que estava acontecendo. Uma ira a tomou por dentro, por saber que aquela situação causava um profundo sofrimento na filha do rei. Deomaz iniciou o desjejum e logo todos comiam e conversavam.

Alguns minutos se passaram e as conversas giravam em torno da política e economia do reino e ducados. Uma ou outra hora, alguém puxava um assunto mais descontraído e, num dado momento, Cécis se dirigiu ao pai.

— Senhor, meu pai…. 

Chamou-o delicada e demonstrando respeito e timidez. 

— Sim, minha filha, pode falar. – Respondeu o rei e, embora aparentasse tranquilidade, Fira percebia que apertava os talheres nas mãos. Sinal claro de apreensão.

— Eu queria fazer um pedido. Não tenho me sentido bem, já alguns dias, o senhor deve ter notado. Não tenho saído muito de meu quarto… e procurei o curandeiro real. Eu tenho estado nervosa e, quando sozinha, tenho chorado sem motivo.

— Cécis, acho que aqui não é o melhor lugar e nem a melhor hora para discutir sobre sua saúde.

— É que eu queria aproveitar a presença de Lady Fira. É importante, pois ontem fui agradecê-la pelos préstimos de seus súditos ao me libertarem. Em dado momento, me falou algo que me fez pensar…

O que demônios, Cécis está fazendo? Fira pensou tensa, pelo que a princesa falaria.

— Falei-lhe que não precisava me agradecer, princesa.

Fira comentou, querendo que Cécis voltasse à razão e interrompesse aquela conversa.

— Sim, – Cécis olhou Fira com uma expressão firme – mas disse-me também que eu precisava olhar as minhas obrigações, enquanto princesa herdeira. Que não poderia negar o que eu sou e que deveria assumir meus deveres, perante o reino. Pensei muito sobre isso, milady, e acho que tem razão.

Cécis colocou a mão no peito, olhando para baixo, arfando ligeiramente, como se, de repente, estivesse se sentindo mal. Voltou a falar. 

— Eu sei quais são os meus deveres perante o reino. Devo me casar e dar um herdeiro para a nossa linhagem.

Fira baixou os talheres no prato. Eu não acredito que ela vai fazer isso!  Tentava a custo conter uma expressão de perplexidade. Viu Cécis se voltar para o pai, que trazia no rosto uma expressão de espanto.

— Então pensei, meu pai, que devo assumir minhas responsabilidades.

O rei não conseguiu se conter, mudando a expressão para a de felicidade eufórica.

— Se é isso que quer, então chamarei o duque Ivanir Cárcera de volta.

— Não, meu pai! Meu pedido é exatamente o contrário. Sei que é de sua vontade e o duque é uma excelente opção, mas gostaria de pedir que me deixe viajar para me recuperar primeiro. Por isso, quis lhe falar sobre minha saúde. O nosso curandeiro disse que tudo que me aconteceu, foi um choque muito grande e que, se eu me afastar da corte para um local mais calmo, em… em poucos meses, poderia dar andamento ao casamento.

— Poucos meses?!

O rei quase gritou, mas olhou os duques à mesa, acompanhados de suas esposas e filhos, e engoliu a frase. Todos o olhavam com ar de julgamento, afinal, a filha acabara de sofrer uma barbárie e estava expondo que aceitava as condições impostas a ela. Só pedira um tempo para se recuperar. O rei se aprumou.

— É… acho que poderemos fazer dessa forma, minha filha. Podemos esperar um pouco. Vamos ver um lugar calmo para você se recuperar.

— Eu gostaria de passar esta temporada em Líberiz, meu pai. – Virou-se para a Fira. – Quer dizer, se a duquesa puder me acolher em seu castelo. Sei que não lhe falei nada, milady, e não gostaria de impor minha presença… – Olhou para Fira com um olhar tímido. – Acredito que o senhor meu pai, não se oporá, afinal, seus conselhos me trouxeram à razão.

Todos olharam para Fira que, pela primeira vez em sua vida, se encontrava sem palavras diante de tantas pessoas. A ação de Cécis a pegou de surpresa. Apesar de sempre conseguir agir em situações adversas, desta vez, não sabia o que pensar.

— Acredito que Lady Fira esteja exultante em recebê-la, princesa. 

Lorde Gerot se colocou, fixando o olhar na duquesa. Pela expressão do rosto dela, todos perceberam que a nobre ficou sem palavras e que havia sido pega de surpresa, realmente.  

— Sim, claro! Não há problema algum, princesa, e será um grande prazer recebê-la em meu ducado. 

Fira respondeu, saindo da catatonia, desconcertante. Os nobres olharam para o rei, esperando a sua posição. Durante meses, o rei transgrediu muitas normas e uma delas foi impor um casamento arranjado para a filha. Todos achavam vergonhoso, entretanto não se indisporiam com a coroa.  Diante da festa do dia anterior, em que o rei empurrou sobre todos a presença do homem que eles julgavam ser o algoz da princesa, esperavam que Deomaz tivesse algum sinal de hombridade. O rei limpou a garganta, pois também não esperava por essa atitude de Cécis, mas não poderia lhe negar um descanso diante dos nobres. Seria vexatório demais até para ele.

— Então, assim será feito.

Decretou o rei, que viu seus nobres relaxarem e sorrirem diante da decisão. O rei pensou que Cécis havia lhe dado a condição de se reconciliar com seus nobres, afinal. Sabia que sua imagem estava desgastada demais. Era um jogo perigoso deixar Cécis no castelo de Líberiz, mas parecia que a duquesa, pelas recomendações dadas à sua filha, também se dobrava aos jogos de poder. Deve ter entendido que não adianta vir de encontro às minhas decisões. Pensou arrogante.

— Obrigada, meu pai. – Cécis falou efusiva. – Assim que retornar, tenha certeza de que cumprirei os meus deveres de princesa herdeira.

— Eu não acredito! – Dólias que, até então estava calada, observando a tudo, esbravejou. 

Levantou-se, bruscamente, e saiu da sala, sem se importar com os olhares dispensados a ela. O rei ficou vermelho e envergonhado.

— Meninas… Nunca sabemos o que está por trás dos pensamentos delas.

Jogou a frase para descontrair os convidados e Fira prendeu a respiração, para não expressar o desprezo pelo que ele acabara de falar. A comida se tornou intragável, depois do comentário do rei que atribuía a reação da filha pelo fato dela ser mulher.

— Bom, então vou me apressar para enviar uma mensagem para meu exército. Pedirei um esquadrão para escoltar a princesa. Não queremos que mais um lunático pense em atentar contra a vida dela, não é mesmo? – Fira se pronunciou, preocupada em como retornaria a Líberiz e em segurança com Cécis.

— Muito bem pensado, milady. Nunca se sabe os perigos que encontramos pelas estradas. Aliás, vim para Alcaméria escoltado por um esquadrão do meu ducado. Como vou para além de Líberiz, me predisponho a acompanhá-las. – Arrematou, Gerot.

— Então, talvez não precise esperar pelo seu esquadrão, Lady Líberiz. Meu pai é um homem precavido e acho que ele teme a minha morte prematura, – Ranaz riu com gosto – pois me fez vir com dois esquadrões como escolta. Podemos acompanhá-las também. Assim terá a escolta de três esquadrões.

O que está acontecendo no reino? Por que estes nobres vieram a uma festa na corte com tamanha escolta?      

Fira se sentia apreensiva com tudo que estava presenciando e escutando. Voltaria para Líberiz com a princesa, o que não era de todo mal, pensando friamente, e escoltada pelo exército de dois ducados. 

Gerot e Kendara eram ducados tranquilos e Líberiz sempre tivera boas relações com eles, mas a situação toda era intrigante. 

Fira se voltou para Cécis.

— Quando a princesa deseja viajar?

— Assim que a senhora e os nobres quiserem. Não quero impor as minhas vontades, como falei anteriormente. – Respondeu humildemente.

Cécis… Cécis… Não exagere para seu pai não desconfiar. Sua atitude está muito diferente de sua personalidade…  

— Conversarei com os nobres senhores e lhe comunico. Mas devo adiantar que precisarei retornar ao ducado o quanto antes, princesa. Deixei alguns assuntos pendentes em relação aos meus condados e são assuntos que preciso resolver com certa urgência. Não pretendia me demorar muito aqui na corte.

— Acredito que nós todos teremos que retornar, duquesa Líberiz. Se não se importarem, até à tarde gostaria de estar na estrada. – Respondeu Gerot.

— Por mim, quando quiserem, estarei à disposição. – Complementou Ranaz.

Fira se levantou, fazendo todos os nobres se levantarem em sinal de educação. Voltou-se para o rei.

— Peço licença à vossa Magestade. Tenho que tomar providências para a nossa partida.

— Permitido, Lady Líberiz.

Fira saiu do salão em direção ao quarto e a mente não parava de pensar no que acabara de acontecer. Estava agitada. De repente, foi abordada por Dólias, a segunda princesa na linha de sucessão. Depois de retomada do susto, fez uma reverência para a princesa.

— Dou-lhe um aviso, pois parece ter mais cabeça que minha irmã. Tome cuidado com os jogos que estão fazendo. Esse teatro de Cécis não se sustentará por muito tempo, milady.

Da mesma forma intempestiva que a princesa a abordou, deixou a duquesa no corredor, pasmada. Aquela história estava se tornando cada vez mais perigosa. Era a segunda ameaça que Fira sofria em menos de vinte e quatro horas. 

Não conseguia entender como Cécis elaborara aquele plano em tão pouco tempo.  A princesa deixara o quarto da duquesa por volta das quatro horas da manhã e ainda não eram dez horas. Entrou no quarto.

— Deuses! Em que estou me metendo? Levar Cécis para Líberiz pode ser bom para ela de imediato, mas seria bom para articularmos alguma coisa? – Parou olhando em volta. – Ser escoltada por exércitos de ducados que nem conheço profundamente? Que lealdade teriam para conosco? Tudo está saindo de mão… – Falava para si mesma.

Apressou-se para arrumar suas coisas. Teria que enviar um de seus homens com uma mensagem para Jonot. Seu exército teria que marchar para que se encontrasse com eles no meio do caminho. Era o mínimo que poderia fazer para garantir alguma segurança em meio ao que acontecia.

Uma hora mais tarde, Fira já tinha aprontado tudo e combinado com os duques e a princesa que sairiam antes mesmo do almoço. Eles deveriam pegar a estrada o mais cedo que pudessem. Lady Líberiz não queria dar tempo de ninguém articular nada contra elas. Escutou uma batida na porta e foi atender. 

— Vossa Alteza…

A princesa Caterina estava diante da porta e Fira fez uma reverência, deixando a porta livre para que ela entrasse.

— Então vai tirar minha irmã, mais uma vez, de mim?

— Desculpe-me, princesa, mas não sabia que sua irmã queria ir para Líberiz. Também fui pega de surpresa.

— É. Eu vi pela expressão de seu rosto. Minha irmã é intempestiva. Espero que vocês se deem bem, mas vim lhe dar um aviso: ela não é esse poço de inocência que está fazendo parecer. Tome cuidado para não cair em alguma artimanha dela. Certamente quem sairia prejudicada, não seria Cécis.

O olhar de Caterina estava indecifrável e não falava como a garota impulsiva da noite anterior. Fira só meneou a cabeça em aquiescência. Caterina se voltou para a porta e saiu, sem nada falar mais.

— Que raios, afinal, está acontecendo?! – Esbravejou depois que a porta cerrou.

Colocou uma das mãos na cabeça, andando de um lado a outro. Não conseguia concatenar de forma lógica, a sucessão de eventos que estava vivendo desde que chegou a Alcaméria. Antes que pudesse se recuperar, escutou outra batida na porta.

— Pelos Deuses! Será que não posso ter calma para pensar? Quem mais virá me advertir de alguma coisa?! – Resmungou.

Abriu a porta e viu Cécis sorridente, acompanhada de sua guarda. Essa atuação da princesa começava irritar Fira Líberiz. Aprumou-se e fez uma reverência para dar passagem à princesa. A guarda se adiantou.

— Não seja rude com a minha futura anfitriã, Pátiz! – Ralhou Cécis, vendo que a guarda a acompanharia até dentro do quarto. — Não preciso de escolta para entrar no quarto da duquesa. Se ela quisesse me matar, teria feito nos domínios do ducado dela, não acha?

A guarda recuou, dando permissão para que Fira fechasse a porta.

— Deuses! Isto está me irritando! – Desabafou Cécis. – Agora essa mulher me segue por toda parte.

— Ela irá? – Perguntou Fira, ainda contrariada pelos últimos acontecimentos.

— Sim. Disso eu não consegui me livrar.

Fira a olhou desconfiada. Depois de tudo que ocorreu naquela manhã, pensava quais ideias passariam pela cabeça da princesa.

— Está pronta?

— Sim, já desceram com as minhas coisas, mas devo dizer que terei que comprar roupas novas, pois só estou levando vestidos. Me despedi de todos também.

— Conversaremos sobre tudo que está acontecendo, depois que chegarmos a Líberiz.

Fira se encaminhou em direção à porta, abrindo-a para dar passagem à princesa.  Seu semblante estava pesado, o que não passou despercebido por Cécis. Ela sabia que havia articulado tudo sem o consentimento da duquesa e, pelo que conhecia do temperamento dela, devia tê-la aborrecido infernalmente. No entanto, este era um preço que a princesa se arriscou a pagar.



Notas:

Olá, Pessoal!

Esse cap chegou um pouco atrasado, mas está bem interessante. Espero que curtam.

Um bom fim de semana a tod@s!




O que achou deste história?

4 Respostas para Capítulo 15 – Desjejum na Corte do Rei

  1. Não sei de qual delas tenho mais medo! Impulsividade pode por tudo a perder, mas esse amor tão grande também, se não bolarem o plano perfeito!

  2. oiê, amiga!
    espero poder conseguir enviar agora….
    Muito bom o capítulo,Cécis sempre aprontando pelas costas.. vamos ver como será de agora em.adiante …
    eu tentei MTS vezes postar! mas tá dando o mesmo erro…
    assim q n lembro MT o q ia comentar! partirei pro próximo capítulo!

  3. Cécis é cheia de artimanhas, a mulher é bem articuladas em suas ações, deixando todos desnorteados, até nossa Fira ficou surpresa e encurralada.
    Esperando ansiosa os novos rumo que a história vai tomar. Pq é cobra engolindo cobra.

    Bom final de semana Carol 😘

    • Oi, Blackrose!
      Esse cap demorou um pouco mais saiu.
      Então, a Cécis foi bem espertinha, mas também, vendo o próprio pai querendo pegar ela… E a Fira, essa ficou chocada! rsrsrs
      Semana que vem devo postar certinho.
      Brigadão pelo carinho de sempre, Blackrose!
      Um beijão pra ti e boa semana!

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