Líberiz

Capítulo 9 – Despertar Real

Cécis perguntou, ainda tentando controlar o riso. Uma raiva tomou o corpo de Fira. Além de ter exposto sua alma, estava completamente nua diante da outra. Sacou a adaga da bainha presa em sua perna e era ela quem naquele momento tornava Cécis cativa.

– E você? O que fazia com um punhal preso na cintura? Pelo visto não somos tão diferentes, princesa. Não pense que na outra noite não percebi um punhal escondido dentro de uma almofada na cama.

– É. Não somos tão diferentes. – Cécis voltou a gargalhar. – Havia outro camuflado nos bordados do dossel e não era meu. Eu também descobri onde estava escondido o seu. 

O riso da princesa ganhava o ar mais forte, não se importando com a lâmina desferida na direção da garganta.

— Pelos deuses, Cécis, pare de rir! – Abanou a cabeça. – Que situação ridícula…   

 Fira abaixou a mão com a adaga, juntando-se com a princesa nas risadas. Por fim, jogou-a também na direção da mesa. O clima de sedução havia se desfeito e Fira se curvou para desatar a bainha do punhal presa na perna. 

Cécis a olhou naquela posição e o riso diminuiu, até nenhum som sair mais de sua garganta. Engoliu a saliva que se acumulara na boca, ao pensar em ter a duquesa, exatamente, daquele jeito. Desfez-se rapidamente de seu casaco, jogando-o longe, antes que Fira terminasse sua tarefa. Segurou os quadris por trás, colando seu ventre nos glúteos da outra. A duquesa ensaiou se levantar, mas a princesa colocou a mão nas costas dela, impedindo-a.

– Fica assim para mim…

Fira virou a cabeça para trás, vendo o rosto de Cécis transfigurado em desejo, deixando escapar o ar através dos dentes que mordiam os lábios.

— Eu fico, mas tira a sua roupa. Deixa sentir você se esfregando em mim. – Falou com a voz abafada.

Cécis se apressou em se despir, enquanto Fira se posicionava, apoiando os braços da beirada da cama. A princesa nua segurou de novo os quadris de Fira, pressionando o sexo de encontro a carne de tez aveludada.

– Issss. 

O som das duas bocas buscando o ar tomou o quarto. Fira se empinou, para sentir a intimidade da outra mais forte. A princesa sentia a umidade molhar entre os corpos.

— Mexe, Fira, mexe gostoso!

Cécis pediu rouca, sentindo o descontrole da excitação. Começou a arranhar de leve as costas da duquesa, vendo-a mover e apertar-se contra ela. A dor prazerosa aumentava à medida que se esfregavam e sem conseguir se segurar, Fira suplicou.

— Bota, Rogan! Entra em mim!

O gemido delicioso que Fira escutou, escapando dos lábios da princesa, se somou a sensação de ter sua intimidade sendo acariciada, deixando-a insana. Cécis, deslizou os dedos através de toda a fenda, para molhá-los, antes de introduzir na abertura, preenchendo Fira completamente. A princesa parou por segundos, sentindo ser engolida pelas entranhas da amante. Conteve-se, a custo, para não os empurrar sem medidas. Era louco o que sentia. Talvez esta vontade fosse por ter a mulher dominadora cedendo ao prazer com ela. Tinha somente a certeza de que as sensações cresciam galopantes. 

Fira movia a pelve, empurrando com ímpeto de encontro aos dedos que a preenchiam. Se entregou sem reservas e pedia mais, cada vez mais, levando Cécis a um estado de desatino. Retirou os dois dedos e acrescentou um terceiro, empurrando com vontade. Fira gemeu e em alguns movimentos, contraiu em espasmos prendendo os dedos dentro de si, para logo depois relaxar. A princesa se extasiou ao sentir o gozo de Fira molhando a sua mão. A duquesa jogou-se na cama sem energias. Cécis de pé, ainda excitada, sentia o corpo tremer. “Eu quero essa mulher!” Pensou ao olhar Fira estirada na cama, lassa, pela intensidade do que haviam feito.

A agonia do prazer corria através dos músculos da princesa. O corpo inteiro contraído e ela só pensava que queria mais. Nunca em sua vida, apesar de sempre procurar prazer em camas diversas, sentiu tamanho ardor. Havia divagado e quando percebeu, Fira não estava mais deitada e sim, sentada olhando para ela. No rosto, não havia nenhum sorriso irônico, no entanto, um olhar indecifrável vagueava pelo semblante de lady Líberiz. 

— Você confia em mim, Cécis?

A princesa escutou a pergunta e não quis questionar sobre o que Fira queria em resposta. Foi sincera.

— Não, mas quero confiar.

A duquesa, ainda séria, lhe falou:

— Então se deita aqui. 

A princesa foi até a cama e se deitou, esperando paciente Fira se levantar e pegar algo no que sobrou de seu vestido. A duquesa retornou com duas fitas de linho e se deitou por cima de Cécis. Aproximou os lábios dos ouvidos da princesa.

— Não é uma questão de domínio e sim, de confiança e prazer.

Afastou-se para mirar o rosto da outra. 

Cécis sabia que não era uma verdade absoluta o que Fira dizia. Existia o prazer e a confiança sim, mas as duas eram dadas a dominação. Isto excitava ambas e ela estava ciente disto. Assentiu com um leve menear de cabeça, permitindo que Fira fizesse o que intencionava.

Encaixada sobre a princesa, Fira amarrou seus punhos no espaldar de madeira da cama. Abaixou o rosto e a mirou. Percebeu apreensão nos olhos da outra e isto a incomodou. – “Ela tem medo de mim.” – Pensou.  

Em outras épocas, Fira não se importaria. Fazia o que tinha que ser feito, mas ela… ah, a princesa não. “Será que não percebe a diferença?”  A duquesa poderia desejar muito que Cécis soubesse que ela não lhe faria mal algum, mas não falaria. Isto já estava além do que permitia a régia conduta que sempre adotara. 

Beijou, levemente, os lábios da princesa. Eram doces e Fira começava a nutrir um pequeno vício do sabor deles. Achava que o beijo era algo íntimo e que nele, poderia descobrir não só os desejos, mas a verdade dos sentimentos. 

Já havia beijado bocas gostosas e não era o que se saboreava nelas, mas sim, a verdade que o corpo falava através das sensações do beijo. Sentir o sexo pulsar, qualquer desejo poderia exortar, no entanto, sentir o coração comprimir em dúvidas, ansiedade, insegurança e paradoxalmente a certeza de que estaria no caminho certo, só um beijo mostraria.

Beijou novamente, com mais intensidade. Percebeu o corpo, sob o seu, se mover e acomodar mais confortável. Entremeou suas pernas nas dela. Desprendeu-se da boca à custo e foi depositando beijos miúdos sobre a pele do rosto, pescoço e colo. Escutou a respiração começar a descompassar. Seguiu até os mamilos rosados e sorriu ao vê-los eriçados. Segurou entre os dentes um dos bicos, burilando com a ponta da língua. Riscou os dentes através da copa do seio.

— Ah! Isss..

O gemido e a tentativa da princesa malograr o desejo a fez sorrir. O sexo de Fira se contraiu. Inspirou para continuar a deliciosa exploração. Abarcou com os lábios o seio intumescido e o sugou com vontade, apertando-o também entre as mãos.

— Ah! Está gostoso, Fira…

A duquesa regressou a boca da princesa tomando-a num beijo guloso, esfregando seu corpo sobre ela. Gemeu quando a princesa chupou sua língua, avidamente, e tomou o beijo, envolvendo o músculo macio da outra, da mesma forma. 

Desprendeu-se mirando os olhos de Cécis. Viu o desejo nas pupilas dilatadas, desceu outra vez, até o pescoço e deixou que sua língua fizesse caminhos aguados até os seios novamente. Desceu uma de suas mãos, tateando o abdômen e ventre, em carinhos sutis. A outra mão apertava um dos seios e a boca chupava, entre sucções fortes e outras delicadas, o outro mamilo. Queria fazer Cécis a sentir em vários lugares, mas não algo desarvorado e voraz. Queria que ela tivesse sensações diferentes das que costumava ter em outras camas.

A princesa, por sua vez, não sabia se gostava de estar presa, mas também não se furtou do prazer que a tomava. Tudo era muito diferente. Como uma servidão consentida e ao mesmo tempo, uma vontade de interagir, que não era permitida pelas amarras das mãos. “Merda! Eu quero tocar você, Fira! Ah! Me faz gozar logo! Acaba com a minha aflição”! Eram pensamentos jogados, que disparavam na mente, em cada ato da duquesa sobre seu corpo.

Fira resvalou a mão sobre o púbis da princesa, parando ali num carinho displicente. Algumas vezes seguia até a virilha provocando com o tato e retornava ao púbis, atiçando os pelos.

— Ah!

Cécis gemeu, elevando o tronco, num espasmo pela provocação próxima a intimidade. Fira queria escutar a princesa lhe pedir para que a tomasse. Esse era o desejo dela. Liberando os seios, desceu mais e lambeu as partes internas da coxa da princesa. Sentiu no paladar o gosto do que o próprio gozo havia provocado em Cécis. A umidade ainda estava presente nas pernas.

— Issss. Delícia, Rogan! Isso tudo foi por mim? – Perguntou rouca.

— Ah! Merda, Fira! Me chupa!

A princesa falou descarada na agonia das provocações. Tracionou as mãos com força. Ao escutá-la, Fira sorriu excitada. Passou a língua plana em toda a extensão da vagina, escutando o grito da outra. Estimulou-a ali, entre uma carícia leve com a língua, entremeadas a fortes estocadas. Se afastou por momentos, soprando suave sobre o bulbo sensível. 

A princesa se debateu, empurrando os quadris de encontro a boca de Fira. Outro sorriso surgiu nos lábios que tomavam completamente a intimidade de Cécis. Resvalou devagar a língua cobrindo todo o sexo, antes de subir pelo corpo cativo, em beijos miúdos. Chegou ao rosto e beijou a boca da princesa novamente, roçando o sexo dela com a mão. Abafou o forte gemido com os lábios, sentindo o umedecer em si mesma.

—  Espera mais um pouco. Você quer gozar na minha boca?  

Fira perguntou com um tom de desejo na voz, levando a princesa a urrar em agonia, outra vez. Acariciou com uma das mãos os braços de Cécis, até chegar aos punhos presos e alisou a pele para tentar fazer com que a princesa, parasse de se debater. Não queria que se machucasse, na tentativa de se libertar. 

Outra vez desceu uma das mãos e cinzelou o clitóris enrijecido com a ponta do dedo. A duquesa também não suportaria muito tempo. A excitação de ambas aumentava vertiginosamente.  Fira tomou uma decisão. Desceu se alojando entre as coxas de Cécis e deslizou a língua entre as dobras. Lambeu toda a extensão para depois, burilar o clitóris. 

Cécis não notara que as mãos não estavam mais presas, tamanha a insanidade. Passou a gemer e pedir para Fira a lamber, agarrada fortemente ao espaldar da cama. “Aí! Mais forte, vai!” Palavras e frases que saiam sem controle. De repente, baixou seu braço em um reflexo. Não se questionou como a duquesa a soltara. Não importava. Apenas segurou a cabeça de Fira e ordenou com desespero:

— Me chupa gostoso, Fira! Agora, vai!

Gritou o nome de Fira num orgasmo alucinado. 

Minutos mais tarde, elas se encontravam num abraço aconchegado na cama. Embora a experiência tenha sido gratificante, o sexo maravilhoso e, muito melhor do que talvez esperassem, sentiam-se perdidas. A princesa pensava que a outra mulher tinha tudo para não confiar nela e a permitiu fazer o que queria e, Fira, por sua vez, não distanciava desses pensamentos. Ao contrário do que imaginaram, a experiência as confundiu. 

Sim. Para as duas havia sido uma experiência. Testavam-se todo o tempo e queriam ver onde pisavam. O problema é que não achavam uma razão no resultado. O que afinal acontecia entre elas? O que era aquilo que as deixou vulneráveis e ao mesmo tempo, tão satisfeitas que não conseguiam achar um ponto de equilíbrio? O que as fazia se arriscar tão fácil, dando consentimentos absurdos, diante da confiança débil que existia entre as duas? O quê?”  Esta era a questão de ambas.

***

Fira acordou na manhã seguinte, assustada, por ter sucumbido ao sono e olhou para o lado. A princesa dormia. Não se moveu, observando-a, abandonada no sono. Céus! Como pude dormir aqui no quarto dela? Se ela quisesse, poderia ter me matado facilmente. 

Estes pensamentos invadiram a mente que se assombrava com essa possibilidade. Desde criança aprendera que não poderia abrir a guarda. Ao menor deslize, uma pessoa com más intensões, poderia ceifar sua vida, sem qualquer arrependimento. Fira vivia pela segurança. Não era alguém do povo, ou uma desconhecida que poderia ter a tranquilidade de dormir aconchegada a alguém. 

–  “ Minha filha, você é a minha herdeira. Na história da nossa família existem muitas questões que fazem de nós um foco. Muitos nos querem mal, mas infelizmente, não temos certeza de quem nos quer bem, e dificilmente teremos. Por isso, reis e rainhas dormem em quartos separados, mesmo quando se amam.

— O senhor e minha mãe dormiam em quartos separados?

— No início, sim. Ela sempre teve seu quarto e eu o meu, mas depois de um tempo, passamos a compartilhar a mesma cama até o amanhecer. 

 — Me previne dos perigos, mas não tomou os mesmos cuidados para si.

— Eu amei sua mãe com a suavidade, bondade e força que ela trazia consigo. Realmente deixei o cuidado de lado, mas quando o fiz, assumi que queria deixar as preocupações e viver o que poderia ter de melhor dos sentimentos por ela. Se acaso estivesse enganado e não acordasse no dia seguinte, eu teria morrido feliz, pois não saberia. Nunca acordaria daquele sonho. Você tomaria essa decisão por qualquer um que dormisse com você?”

A lembrança da conversa que teve tempos atrás com seu pai lhe assustava. Ela não percebeu quando resvalou para o sono e pelo visto, nem a princesa. Não pretendia dormir no quarto de Cécis e pressentia que a outra, também não tinha essa intenção. O fato, puro e simples, é que as duas se descuidaram. O questionamento dos “por quês”, permanecia em sua mente desde a noite anterior. 

Estendeu a mão para retirar uma mecha de cabelo dos olhos da princesa, cuja cabeça pousava despreocupada no travesseiro. Não queria acordá-la. Queria admirar a beleza dela, sem que precisasse disfarçar. Foi cuidadosa e não fez movimentos bruscos. Reparou no corpo nu, abandonado sobre os lençóis. Fira havia se fartado e satisfeito seus desejos, naquele belo corpo. Abismava-se com os sentidos com que seu corpo respondia a uma simples contemplação. 

Fez os contornos da princesa com o olhar e não se conteve. Queria sentir no tato a tez daquela pele que a atiçava. Estendeu a mão, tentando acariciá-la de leve. Não teve sucesso. Mesmo ao toque mais sutil, Cécis reagiu, acordando num susto e se colocando numa posição de prontidão em cima da cama.

Apesar de não deixar o som sair através dos lábios, a duquesa abriu um sorriso tão grande, que fez Cécis olhá-la com uma expressão confusa.  Naquela hora, Fira teve a certeza de que a princesa não dormira a seu lado porque tinha confiança. Havia também sucumbido ao sono sem querer. O sorriso da duquesa se dava pela ironia da situação. Nenhuma das duas confiava realmente na outra, e ao mesmo tempo, não conseguiam explicar por que abriram a guarda tão facilmente na noite anterior. Luxúria desmedida? Apreensão pela situação toda, ou cumplicidade pelos planos que traçaram? 

— Bom dia, princesa!

Cumprimentou Fira, tentando malograr o riso irônico.

Cécis passou a mão pela nuca, tentando relaxar do susto que levou. Estava sonhando com a mãe, quando sentiu a presença de alguém a seu lado. Não. Não era verdade. Não sentira a presença de ninguém a seu lado, e sim, um toque em seu rosto. Mas como? Não durmo tão pesado assim?  

 — Está acordada há muito tempo?

A princesa perguntou, disfarçando como se não ligasse, mas a verdade é que seu coração disparara. A duquesa gargalhou, diante da pergunta e da reação perturbada da outra. Provavelmente se Cécis acordasse antes dela e lhe tocasse, teria a mesma atitude. Diante dos questionamentos que se fez anteriormente, e até mesmo por causa deles, se divertiu com a reação de Cécis.

— Tempo suficiente para lhe matar se eu quisesse. – Instruiu um sorriso cínico. – Relaxa. Você precisa de mim, tanto quanto eu de você. 

— Planos são modificados, Fira. Vimos isto acontecer durante estes dias. – Sacudiu a cabeça. – Estamos trilhando caminhos perigosos e você sabe disso. De qualquer forma, fico feliz que não seja somente eu a percorrê-lo. Já é um começo para nós. 

A princesa saiu da cama com o rosto crispado, se encaminhando para a sala de banho. Fira a olhou e suspirou. Tinha noção do que a outra estaria sentindo. O que perturbava ambas, era essa empatia que se formou. Levantou-se e foi de encontro e Cécis na outra sala. Chegou no portal e viu a princesa de pé diante da banheira, trazendo em seu rosto desolação.

— Hoje à tarde já poderá caminhar livremente pelo castelo. Se aquiete. Arranje alguma coisa para me vestir que eu peço o desjejum e, que troquem a água do banho. 

Cécis arrumou uma calça de montaria e uma camisa branca. Fira saiu do quarto e a princesa foi até a mesa desarrumada do jantar. Pegou o punhal que Fira jogara ali. Era simples e não tinha um designer rebuscado. Também não tinha pedras preciosas encrustadas, como costumava ver nos punhais que nobres ostentavam. Entretanto, o topo da empunhadura tinha um símbolo. 

Espremeu os olhos para tentar enxergar. Em traços muito delicados, dentro daquele minúsculo círculo do topo da empunhadura, Cécis pode ver um leão esmagando a cabeça de uma cobra, com uma de suas patas. Suspirou novamente. Alcaméria e todos os seus ducados tinham na bandeira um símbolo comum que era a serpente. 

Vestiu-se para esperar as serviçais e algum tempo depois, Fira retornava com algumas meninas que limparam a mesa, deixando o desjejum, enquanto outras trocavam a água do banho. A princesa conseguia alcançar a maior parte das atitudes de lady Líberiz, mas incrivelmente outras ficavam ocultas. 

Viu Fira caminhar até a janela e abri-la, deixando a luz do dia entrar. Caminhava com leveza e despreocupação, como se o quarto pertencesse a ela. Este tipo de atitude confundia Cécis. As serviçais saíram e a duquesa se voltou para a princesa.

— Penso que, já que dormimos juntas, poderíamos tomar o desjejum juntas também. Precisamos definir algumas coisas e deverei acompanhar Divinay até que possa deixá-la em algum lugar. 

Ao escutá-la falar que acompanharia a nova aliada, Cécis fechou o cenho e se sentou à mesa. Lady Líberiz percebeu a contrariedade dos gestos da princesa.

— O que foi, Cécis? Não me diga que não gostou desse plano? Acho que passamos da hora de retornar nas nossas ideias.

— Não sei se gostei ou não. É bom pensar que não precisarei sumir e assumir outra identidade, mas não sei se quero depositar minha vida na mão de uma estranha. 

— Você não estará sozinha. Acha que deixaria tudo por conta dela? Não sou tão irresponsável. Eu mesma levarei alguns homens e vigiaremos de longe a ação do grupo Rélia.

— Eu discordo de você. Se o grupo perceber que a carruagem está sob vigia, nosso plano irá por água à baixo. Não quero ninguém conosco, além dos homens que nos escoltarão. 

— Desconfia de minhas intenções?

Infelizmente Cécis desconfiava. Não tinha certeza de mais nada.

— Apenas sentirei se algum dos nossos homens morrer nesta investida. – Mentiu.

Fira fechou os olhos, brevemente, deixando um sorriso leve em seu rosto. Achava incrível que a princesa tivesse este tipo de escrúpulos, afinal, soldados ganhavam seus soldos para arriscar a vida. Era uma contingência do trabalho de um soldado. 

Apesar de achar uma tolice se preocupar com isso, também despertava em Fira uma terna curiosidade. Começava a gostar desse tipo de preocupação que Cécis demonstrava, sutilmente, através de palavras que deixava escapar. Ela não consegue matar uma mosca, a não ser que a vida dela esteja em perigo.

— Está bem. Faremos do seu jeito, mas colocarei espiões esperando o grupo Rélia na aldeia em que ela deverá deixar você e a advertirei disso.  Se não chegarem lá com você, ela saberá que a caçarei e a seu grupo.

Cécis meneou a cabeça em concordância. Colocou uma uva na boca, reparando Fira comer também.

— Está séria e calada. Assustei você tanto assim, quando a acordei?

A princesa pegou o punhal que trazia pousado na cadeira entre as pernas e colocou na mesa, em frente a Fira. Deixou o cabo voltado para ela.

— Seu punhal é interessante. Simples para uma nobre.

Falou displicente.

Fira estendeu a mão para pegá-lo, mas não desviou o olhar da princesa. Algo incomodava Cécis. Mesmo sabendo que o que ocorrera entre elas, incomodava-a também, não via motivo para aquele cenho pesado. Tentou imaginar o que se passava na cabeça da princesa.

— Foi de minha mãe. Alguns anos atrás meu pai me presenteou com ele e, desde então, o carrego.

— Então sua mãe também não gostava de ostentar?

— Eu não sei. Não a conheci.

A conversa já começava a irritar Fira, pois não conseguia alcançar o que Cécis insinuava. 

— Possivelmente, pois meu pai falou que o reino de Dotcha não era muito rico.

A princesa continuou a comer e se manteve calada durante um tempo, causando certo desconforto entre elas.

— Então o símbolo da empunhadura era do reino de Dotcha?

Diante da pergunta da princesa, Fira conseguiu compreender o mau-humor repentino e, talvez, o que a outra presumia. A duquesa não sabia se ria ou se deixava a preocupação lhe tomar. Preferiu não provocar mais ainda, o temperamento de Cécis. Já tinha observado que a princesa não era dada a especulações sem fundamento e não pretendia passar os dias, que antecederiam o desfecho dos planos delas, em pé de guerra.

— Na verdade, este símbolo não é de Dotcha propriamente dito, e sim, do Conselho legal de lá. Dotcha tinha uma estrutura interessante. Eles tinham dois Conselhos. Um para cuidar das questões políticas e comerciais e outro para cuidar das questões de segurança e justiça. Minha mãe fazia parte do Conselho de segurança e justiça e este símbolo era deste Conselho.

Cécis achou interessante o que Fira contou sobre o reino extinto. Pensou que se em Alcaméria houvesse algo parecido, talvez as arbitrariedades que o pai fazia não acontecessem. Ele, provavelmente, não conseguiria passar por cima de dois Conselhos. 

— Me desculpa. Acho que fui muito agressiva, mas convenhamos que este símbolo deixa a cabeça da gente com muitas ideias do significado.

— Eu entendo. Você não foi rude. A verdade é que eu não sei exatamente o que este símbolo significa, somente que era de um Conselho em Dotcha. Mas… Por que acha que eu deveria ter um punhal adornado se a serventia dele é para me defender?

— Eu não acho, mas a maioria dos nobres sim.

 — Muitas pessoas se denunciam pelas coisas que ostentam. Se eu quisesse matar alguém e não fosse feliz no meu intento, esta pessoa poderia me reconhecer, só pela arma com que eu tentei matá-la. Este símbolo que tem na empunhadura é tão pequeno que ninguém consegue ver o que é. Só se fizer como você, pegando-o na mão para avaliar.

Fira falou, rindo cinicamente, depois que compreendeu o que Cécis pensara. Apenas achava estranha a situação delas. Cécis se apressou em explicar. Estava confusa, mas não estragaria os planos. Não havia mais tempo para arrependimentos.   

— Eu não peguei para avaliar nada. Peguei da mesa, antes que viessem limpá-la, só me chamou atenção pela simplicidade. – A princesa se exasperou. – Aí, que merda! Será que a gente sempre irá pensar no que uma ou outra poderá fazer?

Saiu da mesa irritada, se dirigindo à sala de banho. Fira a olhou consternada, deixando a colher do creme de aveia que comia, dentro da tigela. Suspirou. A realidade era aquela. Nenhuma das duas abaixaria a guarda. Não tinham essa opção. 

Compreendeu por que Cécis vivia entre tabernas e festas do povo. Um leve aperto comprimiu o peito da duquesa. Não podia condená-la pelas escolhas que fizera, porém não se sentia mais tão confortável, ao pensar naqueles lugares que ela frequentava. Levantou-se e saiu do quarto sem alarde.

Um tempo mais tarde, Fira a procurou. Queria avisar que levariam Divinay dentro de uma carruagem, com um capuz na cabeça, para que ela não identificasse o local onde esteve presa. Deu também a rebelde, um elixir de ervas sedativas para desnorteá-la e para que não marcasse a direção e o tempo de viagem. Bateu na porta do quarto de Cécis.

— Entre. 

Assim que entrou, a duquesa viu a princesa de pé, olhando através da janela as árvores que cercavam o castelo. Reparou que a princesa estava vestida com esmero. Calças de montaria bem cortadas e camisa branca com bordados nas barras.

— Vai a algum lugar?

Fira não conseguiu conter a curiosidade.  

 — Que eu saiba, você que vai a algum lugar. Por que pergunta?

A princesa respondeu sem se virar. A voz estava seca e não conseguiu disfarçar.

— Cécis…

— Agora eu que lhe pergunto; quantas vezes vou ter que dizer para não me chamar assim aqui?

 O temperamento beligerante de lady Líberiz começou a aflorar. Tinha paciência e frieza para encarar muitas situações, mas não tinha culpa sobre as cargas da vida que a princesa trazia. Não era culpada pela forma com que tinham que encarar suas responsabilidades.

— Não se preocupe, lady Dotcha, estarei aqui quando retornar. Fique tranquila que, em breve, nosso plano se concretiza, me livrando de um casamento absurdo e livrando você de uma dor de cabeça com o ducado de Cárcera.

A princesa arrematou, tentando parar aquela conversa.

— Por que está agindo assim?

Fira tentou argumentar, sabendo que a princesa se sentia frustrada desde cedo. Não era dada a ser babá de ninguém e muito menos colocar razões na cabeça das pessoas, como os velhos ou os sábios, no entanto, apreciava a companhia daquela mulher de cabelos curtos e rebeldes.

— Não é nada, milady. – A princesa se voltou para ela. – Apenas tentando colocar as coisas nos lugares que devem estar. Temos um acordo e relações políticas. Temos também que colocar nossos planos em andamento, então, acredito que seja melhor que as coisas sejam postas neste patamar.

Fira assentiu. Não gostou do jeito que Cécis pontuou, mas não podia retrucar. O fato era que a princesa tentava se proteger, principalmente depois do que aconteceu entre elas na noite anterior. Estavam perdendo as rédeas do que sabiam ser o certo para o funcionamento de tudo, e Cécis resolveu colocar um ponto final. 

Lady Liberiz saiu do quarto, determinada a definir aquela situação o mais rápido possível. Sentia uma angústia forte e entendeu que era hora de retomar a mão de suas ações, também. Quanto antes Cécis estivesse segura em Alcaméria, mais cedo retornaria a Líberiz, e ao comando do ducado, com tranquilidade. Bastava tirar Cárcera de seu encalço. Não era esse o plano desde o início? – Falou para si.



Notas:

Mais um capítulo! Espero que estejam gostando das peripécias de lady Fira e da princesa Cécis.

Um bom Domingo a tod@s e uma ótima semana!

Beijus




O que achou deste história?

13 Respostas para Capítulo 9 – Despertar Real

  1. 100or! Carol anda super inspirada nas cenas Hot!! Ai ai ai ui ui, fogooo!

    Cecis com ciúmes e Fira nem percebe. Vontade de dar um “sacode” nela. Duas mulheres que ainda não perceberam que não é apenas atração sexual que as une, mas sim amor.

    Beijo Carol,

    • Ah!
      Acredito que, o que imaginei ter sob o vestido de Fira talvez ainda não exista nesse reino. kkk

      • Ah, Fabi! Acho que existia sim. kkkkk
        Mas não achei conveniente colocar. kkkkk Como falei com a Lai, dildos (consolos) já existiam antes da “Era de Ferro” e na idade média, eram feitos em madeira ou costurado em couro com enchimento de estopa ou retalhos de pano.
        Só achei um pouco demais colocar por agora. rsrsr
        Brigadão, Fabi!
        Um beijão pra você e uma boa semana!

  2. Oieee, Bi!!!
    Eu achando que Lady ia ter um brinquedinho, mas amei mais o punho!
    Que viadagem sem tamanho dessas duas…quer dizer, de Cécis. Toda essa irritacao comecou pq Lady Fira ia levar Divanay e logo dps a confusao de emocoes dentro dela, lógico que ela ia dar um passo atrás e Fira n é dada a joguinhos e mt paciente….porém, mas controlada que a outra. Vamos ver se ela aguenta. Lady sabe ser fria qndo quer, mas n acho que elas tenham escolha…logo vao se engatunhar de novo kkkkkkk
    Nem sei pq ainda a princesinha sensível me agrada kkkkkkkk. Fira é minha ídola!! Forte em todos os quisitos. Bem, ela foi mt amada pelo pai, entao tem um emocional melhor e Cécis, n teve isso, perdeu a mae nova e sem falar que a mae era submisa e um pai dominador, sem coracao….se tornou assim….
    Amando a estória!!!!!!!!!!!
    Beijao, Bi!!! Fique bem , vc e sua esposa!!!!!

    • Oi, Lailicha!
      Brinquedinho?!!! Que mente a sua, Lailicha! kkkk
      Embora os “brinquedinhos” datem de antes da “Era do Ferro”, não achei que casaria com o momento. rsrs O punhal era mais certo. kkkk
      Sabe que na idade média os consolos eram entalhados em madeira ou costurados em couro com enchimento de estopa ou retalhos de pano? Isso mesmo. Já existiam. rs O ser humano sempre foi “safadenho”. rs
      A princesa sensível te agrada porque ela também é uma mulher de posição, só que como você disse, a confusão do momento é horrível para as duas e para Cécis ainda é pior.
      Brigadão pelo carinho, Lailicha!
      Beijão grande pra você e mocita!

  3. E o medo da paixão assombra as gatas ariscas, foi uma noite bem reveladora, existiu desconfiança, receio, mas tbm muita entrega.
    Se fartaram, se lambuzaram a noite inteira e o dia chegou como uma difícil realidade 😉

    Boa noite Carol, quanto a resposta do comentário é normal a gente ficar indignada com cada notícia que temos, desabafar, reclamar faz aliviar um pouco, e adoro ter essa troca, não te conheço pessoalmente e, é nessa troca que acabamos conhecendo um pouquinho o outro.
    Tenha uma semana de muita paz 😘😘
    Me desculpe se estendo demais meus comentários

    • Oi Blackrose!
      Pois é. As duas são mulheres de posição e fortes, mas com personalidades distintas e visão distinta da vida que as cerca. Do jeito que estão enroladas nas tramoias, não conseguem enxergar muito futuro para elas.
      É… as vezes fico irritada com as notícias que vejo hoje em dia.
      Mas tudo bem, é bola pra frente e pensar, sempre, que as coisas irão melhorar, não é verdade?
      Um beijão, Blackrose e boa semana para você!

  4. Carol, eu devo estar muito desligada mesmo, confesso que não me liguei que Rogan era a princesa. Como assim?!

    E as duas nitidamente apaixonadas e lutando contra isso e contra as consequências que um relacionamento entre as duas vão trazer. E eu?! Bem, eu vou adorando e ficando mais esperta nas pegadinhas que ainda possam surgir! haha

    Bjão!

    • Oxe! Está distraída mesmo. rsrs
      Tudo bem Pregui?
      As duas estão numa situação bem complicada em meio a tramas e esquemas. As vezes fica difícil enxergar sentimentos quando estamos numa turbulência de situações. Vamos ver no que isso vai dar, né?
      Valeu Pregui!
      Um beijão pra você e boa semana!

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