MÃES E FILHAS
Texto: Ione Silva
Revisão: Nefer
Sheila era uma garota dócil aos 10 anos. Adorava animais, pássaros, perseguia borboletas quando as via. Um dia, em uma árvore no pátio da escola, no intervalo do recreio, viu um pássaro colorido pousado que nunca tinha visto e encantou-se com suas cores. Quando a ave alçou voo rápido, talvez pelo barulho infantil, ela o seguiu pelo corredor lateral da escola até próximo a uma sala que não era habitualmente frequentada por alunos. Como o pássaro desapareceu no horizonte, ela, tentando revê-lo, foi até o final do corredor desapontada pela perda.
Na volta, com a curiosidade infantil, resolveu investigar a sala que desconhecia. Havia muitas coisas lá dentro. Máquinas que ela nunca vira antes, coisas que não eram mais usadas dignas de museu cultural, diários escolares antigos, projetor de slides, aparelho para DVD e coisas que ocasionalmente professores utilizavam em algumas aulas.
Quando uma funcionária veio buscar algo para a diretora surpreendeu-a ainda “descobrindo” a sala. Foi levada para sua classe pela funcionária que retornou à sala para buscar o projetor para a diretora. No entanto, o objeto não foi encontrado. Várias pessoas vieram para procurar em todos os cantos e nada de ser encontrado. A suspeita de que Sheila havia levado o aparelho foi quase imediata.
Levaram-na para a diretoria e mesmo ela afirmando que aquela fora a primeira vez que vira a tal sala e não havia pego ou visto o projetor, não acreditaram, pensaram ser contumaz e que talvez tivesse quebrado o aparelho e jogado nalgum lugar.
Chamaram seus pais, a mãe veio assim que conseguiu sair do trabalho, o pai só poderia chegar bem mais tarde.
A mãe ficou desapontada com ela achando que ela estava mentindo. Ela chorou, gritou, jurou que não vira o projetor, mas foi inútil, já que a funcionária a vira mexendo nas coisas pela sala quando a encontrou.
Em casa à noite, depois de ouvir a história contada pela mãe, seu pai queria saber o que ela fizera com o projetor e ela continuava negando e começou a chorar novamente. Os pais decidiram que se responsabilizariam pela reposição do aparelho, mas ela ficaria de castigo para aprender a não mentir e sem presentes em datas comemorativas até que o valor equivalente do projetor fosse coberto pelo dos presentes. O casal de irmãos não soube de nada, eram pequenos gêmeos de 4 anos.
Ela ficou revoltada, não queria mais ir para a escola que a condenara, mas os pais disseram que fazia parte de seu crescimento aguentar as consequências de seus atos.
No dia seguinte, muitas crianças sabiam do fato, o que se tornou um inferno para Sheila. Só tinha sossego enquanto havia algum professor por perto, no mais era chamada de ladra, de criminosa, sempre ofendida principalmente pelos maiores. Foi-se fechando em uma armadura composta de raiva, indignação e amargura.
Dois dias depois do acontecido, sentada em um canto enquanto a criançada lanchava, uma loirinha miúda, de cabelos curtos e meigos, de olhos cor de mel aproximou-se e sentou-se ao seu lado.
– Oi. Liga não, são crianças bobas que não sabem o que dizem. Fica tão triste não!
– Estão me acusando de coisa que não fiz e me dá raiva, queria matar eles.
– Minha avó me ensinou que a verdade sempre aparece, então é só esperar. Tenho visto você sozinha, quieta e não gosto disto, então vou te fazer companhia todos os dias.
– Tô cansada de aguentar desaforo, vou começar a dar uns socos nestes bocudos. Vou pra aula.
E foi. E também começou a distribuir socos em uns três bocudos no dia seguinte. Os pais foram novamente chamados sendo aconselhados a levá-la para ser cuidada por profissionais, antes que tudo ficasse mais sério. Prometeram procurar psicólogo na semana seguinte. Em casa falaram muito bravos com ela que se voltasse a acontecer brigas na escola iriam colocá-la em colégio interno (não que eles conhecessem algum, era uma ameaça para assustá-la).
E acabou-se uma semana infernal para Sheila sempre com a presença no recreio da loirinha sentada a seu lado e apoiando-a, mas a segunda feira veio logo em seguida e ela mais revoltada em aguentar a escola.
A secretária que estivera de licença médica também voltou na segunda feira. Ao ver crianças xingando Sheila foi inteirar-se sobre o que tinha acontecido e ficou estarrecida, afinal, ela havia mandado o projetor para o conserto, avisara a vice-diretora que trabalhava à tarde (a diretora só pela manhã) que o conserto duraria 15 dias.
No dia que ocorreu o fato a diretora saíra mais cedo e não encontrou com a vice, logo o pessoal da tarde nem sabia do ocorrido, pura falta de comunicação. A própria secretária entrou em contato com os pais de Sheila tentando explicar o inexplicável ocorrido, tentando desculpas para não prejudicar a dirigente da escola. Foi também até a sala de aula de Sheila e explicou a falha para a professora e alunos, depois fez questão de, na hora do recreio, avisar pelos alto-falantes do pátio que ninguém tinha furtado o projetor e que fora levado dias antes do ocorrido para o conserto.
Sheila olhava para todos com olhos fuzilantes até que a loirinha se aproximou.
– Viu! Não disse que a verdade sempre aparece, para você não dar atenção?
– Você foi a única que acreditou no que eu disse, por quê?
– Não sei! Você parecia sincera, não parecia que tava mentindo.
– Então você só sentiu que eu disse a verdade?
– É! Minha avó diz que chama instinto e diz que sou percep… ah que sei quando as pessoas estão mentindo, que eu sinto.
– Você fala muito com sua avó, né?
– Ah, é que minha mãe morreu quando eu era pequena e eu vivo com meu pai e com minha avó.
– Nem meus pais acreditaram em mim.
– Então eles não te conhecem direito ou não acreditam no que te ensinaram. Tchau que vou encontrar minha mãe.
Sheila ficou pensando que aquela loirinha era bem estranha. Se a conhecesse antes de tudo acontecer teria gostado de fazer amizade com ela.
Quando chegou em casa a mãe veio abraçá-la toda sorridente.
– Desculpa, filha, devia ter acreditado em você.
– Devia mesmo, mas não acreditou! Nunca vou te desculpar por isto, nem o papai.
Daquele dia em diante Sheila era outra pessoa. A docilidade foi embora, passou a estudar com afinco, quis aprender inglês e alemão, fazer luta marcial, sorrir quase nunca, competitiva em tudo, como se tivesse que provar algo o tempo todo. Também deixou de abraçar e beijar os pais. Só dava atenção aos irmãos em casa, mesmo assim por pouco tempo.
Quanto à loirinha vi-a de vez em quando pela escola, nunca parada muito tempo. Acenavam uma para outra, mas no ano seguinte não se viram mais.
Cresceu rápido desafiando-se. Depois do inglês e alemão, aos dezessete ao conseguir entrar na faculdade de Administração, começou a aprender chinês. Ao término da primeira faculdade falava então alemão, inglês e chinês, embora falasse pouco em meio social, mas já tinha garantido trabalho há dois anos. Namorou sem consequência ou grande envolvimento emocional até os 23 anos quando resolveu focar na próxima área de Ciência Política. Não queria se candidatar a nada, mas sim se inteirar das práticas e relações que moldam a vida pública enquanto cidade, cidadania, direitos; entender de que forma uma comunidade se torna autossuficiente, controlando os meios de violência, financiando as atividades de seus habitantes, etc… Talvez mais meios de argumentações nas disputas coloquiais, ou para garantir melhores posições onde trabalhasse.
Querendo saber sem precisar de traduções e entender os originais, passou a aprender árabe. Não tinha vontade de visitar os países mais fechados, mas sim tentar compreender as questões culturais e se tivesse que participar de alguma transação da firma, não queria ser enganada por má tradução.
Aos 26 anos casou-se porque achava interessante o rapaz de 32 anos, pequeno empresário, empreendedor e a única filha resultante do casamento, nasceu ao término da segunda faculdade. Aos 28 anos, com uma filha recém-nascida, já com a vida econômica definida e futuro planejado, divorciou-se sem nenhum remorso ou lágrimas. A criança ficou com guarda compartilhada pelos avós, porque os pais trabalhavam feito loucos, focados ele em se tornar grande empresário, ela para ser a melhor em tudo que tocasse.
Viajava muito, era muito solicitada pela capacidade, inteligência, rápida em soluções. Enfim, a mulher perfeita para se tornar CEO de qualquer firma que quisesse.
Quando a filha Viviane completou 7 anos, teve um problema de saúde e Sheila pensou que deveria se dedicar um pouco mais em ser uma mãe melhor do que a que ela tivera. Enérgica e exigente, sem grandes gestos afetivos, mas conseguia demonstrar amor pela criança. Passou a viajar menos, resolver o que podia por vídeo conferência, sem perder a lucidez e espaço no trabalho.
Viviane aos 15 anos e querendo mais liberdade, mas não era fácil conseguir benefícios sem algo em troca com a mãe, pediu ajuda para os avós. Embora os argumentos fossem bons, só conseguiu um horário mais dilatado, mas se mentisse uma vez só, nunca mais teria liberdade para sair com amigos. Resignou-se e aceitou as condições.
Em uma festa de aniversário em que Viviane foi convidada, adolescentes se sentindo o máximo, bebida alcoólica, a melhor amiga dela Debora, viu-se cercada por três garotos que não conheciam, mas eram amigos do irmão da aniversariante. Tentando se livrar dos garotos gritou e Viviane correu em seu auxílio. A confusão foi grande, os garotos as agrediram, Debora teve a roupa rasgada e os demais convidados tiveram que intervir segurando os garotos embriagados, sendo o irmão da aniversariante o primeiro a ajuda-las.
Viviane ligou chorando para a mãe ir buscá-las. A dona da festa brigou com o irmão por ter trazido os garotos e os expulsou da casa.
Sheila veio o mais rápido que pode. Ficou revoltada com a aparência das jovens, levou-as ao hospital mais próximo para verificar se não tinham nenhum ferimento que poderia ocasionar algo mais tarde. Felizmente eram superficiais e o que mais doía era a vergonha. Sheila convenceu-as que não tinham culpa, mas aproveitou para mostrar à filha porquê não gostava de saídas para noitadas com amigos. Quis chamar a polícia, mas conseguiram convencer que tinha sido briga de moleques que não conheciam e que tinham sido atingidas por acidente, por estarem próximas ao local da briga.
Debora queria ir para a casa de Viviane para a mãe não saber do ocorrido, pelo menos naquela noite, Sheila não concordou já que haveria sinais como pequenos hematomas no dia seguinte e se dispôs a acompanhá-la até sua casa e conversar com sua mãe. Não achava justo a mãe de Debora ficar de fora.
Debora ligou para a mãe avisando que seria levada para casa por Viviane e a mãe. Sheila estacionou próximo à entrada do prédio e todas entraram na portaria com Debora disfarçando para que o porteiro não visse o vestido rasgado ou algum hematoma.
Paola abriu a porta do apartamento e teve um choque com o estado da filha Debora.
– Meu Deus! Que aconteceu com você, filha? Você não foi só em um aniversário de Danielle? Quem te trouxe? Oi, Viviane.
– Fui, mãe, mas aconteceu um incidente na festa.– Débora respondeu. — Rapazes, amigos do irmão dela. Viviane me ajudou e chamou a mãe dela para nos buscar.
– Desculpe! Por favor, entrem, entrem.
– Acho melhor a gente ir embora, já é tarde, você até está de pijama e teu marido deve estar esperando e pode achar ruim fazermos barulho. – Sheila afirmou.
– Mariana, minha filha mais nova está dormindo e não acorda nem com escola de samba e marido não tem, então entrem e me contem tudinho. Eu sou Paola. Sentem-se. Querem alguma coisa?
– Não, grata! Eu sou Sheila. Humm… você não me é totalmente estranha!
– Estudou no Colégio Rui Barbosa? Projetor de slides?
– A loirinha que acreditou em mim! Nossa, nunca mais te vi! Nem consegui te agradecer.
Abraçaram-se.
– Minha mãe dava aulas lá e eu, de vez em quando passava um tempo com ela antes do meu horário, estudava à tarde.
– Ah, foi por isso então!
– Pois é. Agora meninas, contem direitinho tudo que aconteceu.
Contaram detalhadamente e responderam todas as perguntas das mães.
– Por favor mãe, não faça nada. – Débora pediu. – Os caras nem eram convidados da aniversariante e sim do irmão dela. Tanto ela quanto o irmão ficaram bem chateados e se os pais deles souberem nunca mais vão deixar eles fazerem festa lá.
– Onde eles estavam deixando filhos adolescentes fazerem festa em casa sem presença de um adulto?
– Os pais são médicos e estavam ainda no hospital, estavam chegando quando você foi nos buscar, mãe. – Explicou Viviane. — É o casal naquele carro que estava entrando na garagem.
– Acho que tua mãe tem todo direito de fazer alguma coisa, Debora! — Sheila afirmou.
– Você não conhece minha mãe, ela conhece tudo sobre leis e tudo tem mais peso quando se trata das filhas. — Disse Débora. — Não acho que seria justo com Danielle e duvido que o irmão desse os nomes dos amigos que ele convidou. Bando de moleques, mais velhos que a gente, mas uns nojentos bêbados!
– Desculpe, filha, mas vou falar com os pais de Danielle, sim, quem sabe a próxima vez que resolverem dar uma festa ou façam quando os pais estiverem em casa, ou reduzam a lista de convidados. Pode ser perigoso este tipo de amigos até mesmo para os filhos deles. Não vou entrar com processo ou brigar com eles já que o pior foi impedido, mas sim conversar e preveni-los quanto às amizades do filho. Agora vá tomar banho quente, amanhã a gente conversa mais sobre como você está.
– Bom, tudo resolvido, está na nossa hora. — Disse Sheila. — Ainda bem que amanhã é sábado, podemos dormir até mais tarde. Foi um prazer revê-la, Paola. Tenha uma boa noite.
– Agradeço imensamente a ajuda e espero que possamos nos encontrar para contar as aventuras desde o colégio.
– Com certeza!
As garotas se despediram. Assim que as visitas saíram.
– Amiga de infância, mãe? Que coincidência!
– Apenas conhecida, filha, quem sabe venhamos nos tornar amigas, agora vai para o banho e cama, a menos que queira conversar um pouco.
– Estou cansada, mãe, deixa a conversa para amanhã, se precisar te chamo.
No carro.
– Quem diria que encontrou uma amiga de infância, hein, mãe?
– Eu não tenho amigos de infância, filha! Ela é apenas uma conhecida de infância.
Paola conversou com os pais da amiga da filha que ficaram revoltados com a atitude do filho por ter convidado tais pessoas para a festa da irmã. Prometeram que não ficaria sem punição. Paola, que apenas queria que os pais se prevenissem sobre tais amigos, não se preocupou mais com o caso, já que a filha estava bem.
Um mês depois, houve uma reunião de pais e mestres na escola das meninas.
– Olá, Sheila, importa-se se eu me sentar aqui do teu lado?
– Claro que não! Viviane está bem? Debora garante que está, mas jovens não têm percepção de certas coisas.
– Realmente não, mas ela está bem sim. Viviane tem ajudado bastante. As duas se dão muito bem. E você, como está? Trabalha em que?
– Nossa! Continua tão rápida quanto como era de criança!
– Desculpe! Realmente continuo, mas gostaria de saber mesmo de você, tudo que aconteceu na tua vida desde aquela época.
– Seria muita coisa, não acha? – Sheila respondeu, sorrindo.
– Não sei! Foi você quem fez tudo até então! Mas, se for muita coisa vai contando devagar a cada encontro.
– Quer dizer que pretende me conhecer agora?
– Você é mãe da melhor amiga da minha filha, então, claro que quero conhecê-la.
A reunião teve início, mas Paola estava decidida a conhecer Sheila e não deixaria que ela escapasse pela tangente. Se bem que ela andava com uma ideia a respeito das filhas delas e precisava chegar de mansinho para não criar um ambiente desagradável.
– Debora, como vamos fazer este trabalho de História? A professora não quer, como ela disse, tudo mastigado tirado da internet. Quer resultado de pesquisa ou, pelo menos, um texto trabalhado.
– A gente podia pedir ajuda pra minha mãe. Ela adora História, pensou até em fazer Arqueologia quando jovem.
– Sério!? E ela ia querer ajudar?
– Acho que sim, vou perguntar e de qualquer forma amanhã começamos.
– Tá! Vou avisar minha mãe que vou pra tua casa. Depois só me diz a hora.
Chegando em casa.
– Oi, mãe! Tá cansadona?
– O normal, por que?
– Amanhã vamos começar um trabalho de História que a professora quer pesquisado e escrito com ideias a respeito, sem ser copiado da internet e, ela vai saber se fomos nós que fizemos ou copiamos, porque ela pode gostar de história, mas é bem atualizada no virtual, seria bom se não fosse. Daí a gente queria tua ajuda.
– A gente quem?
– Eu e Viviane!
– Claro, quem mais seria, né! Vão fazer de manhã ou depois da escola? Só posso depois das dezessete e trinta.
– Então, vou avisar Vivi.
Na outra casa.
– Oi, mãe! Tudo bem?
– Está sim, alguma novidade? Já jantou?
– Não, estava te esperando.
– Só vou tomar um banho rápido e já venho.
Acompanhou a mãe até o banheiro.
– Amanhã preciso ir pra casa da Débora pra fazer trabalho de História e vai ser depois das aulas.
– A mãe dela não vai se incomodar?
– Ela vai ajudar e está acostumada com a gente se reunindo lá pra fazer trabalhos de escola.
– Então, tá bom, se ficar muito tarde me avisa e passo lá pra te pegar.
Na noite seguinte, por volta das 18h30min.
– Já lancharam, barriguinha cheia, vamos começar. — Paola chamou. — Qual é o assunto? O que ela exigiu?
– Ela quer escrita livre sobre progresso de cidades e locais diferentes, o que as levou ao crescimento, coisas assim. – Debora explicou.
– Nada como bons livros para boas pesquisas sem imprimir da internet, né? — Paola brincou. — Gostei desta professora!
Riram. Foram para o escritório, Paola apanhou alguns livros, olhou índices e mostrou às meninas os tópicos relativos, fazendo comentários e dando sua opinião de como deveriam proceder. Deu todas as dicas para um bom texto e saiu do escritório. E levou os celulares das duas para que se concentrassem.
Depois de dez minutos, voltou silenciosamente até a porta e observou as adolescentes. Elas liam, comentavam, anotavam, se olhavam e sorriam afetuosamente, tudo de mãos dadas. Paola sorriu, tendo a confirmação do que pensava e a certeza de que precisa mesmo conversar com Sheila, antes de conversar com as meninas.
Sheila ligou para saber se deveria buscar a filha, mas Paola atendeu e disse que a levaria assim que terminassem parte do trabalho. E assim foi feito. Por volta das 22h15min chegaram e entrou com Viviane, tendo deixado Debora cuidando de Mariana.
Mesmo não sendo alguém sociável, Sheila percebeu que Paola queria falar algo, então mandou Viviane para o banho e sentou-se para saber do que se tratava.
– Parece que você está um pouco mais inquieta do que me lembrava! Aconteceu alguma coisa?
– Pra dizer a verdade sim, precisamos conversar seriamente. Você pode marcar dia e hora que esteja disponível, a gente vai a algum lugar, ou as meninas saem e a gente conversa.
– Tá me deixando preocupada! Alguma coisa com elas? Por que não podemos conversar agora?
– Não sei a que horas acordam aqui, eu tenho que estar no trabalho às 8h00, amanhã; e as crianças estão só em casa.
– Amanhã é sexta, você tem trabalho no sábado? Pode ser amanhã à noite, as meninas vão para o cinema, shopping, algum lugar que a gente possa estar por perto.
– Tá ótimo! Até amanhã, então. Dê um beijo em Viviane por mim.
Assim que Viviane saiu do banho, Sheila perguntou a ela se estava tudo bem.
– Tá sim, mãe. Paola nos deu umas dicas da hora e acho que o trabalho vai ficar digno de um A+! Ah, mãe, amanhã tem um filme em pré estreia que eu queria muito ver e a Debora também, mas como é tarde, a gente pensou em dormir na casa da Marcia que mora perto do cinema, ela até já tem os ingressos que comprou pela internet. Posso ir?
– Comprou ingresso antes de falar comigo?
– A Marcia sabia que a gente quer muito ver o filme e comprou para cinco. Nem pagamos ainda e, com certeza, se a gente não for tem fila querendo os ingressos. Por favor, deixa, mãe. Acho que se você deixar, Paola deixa a Debora ir também.
– E pra quem são os outros dois ingressos?
– Você conhece os pais da Marcia, eles querem ver o filme também. Pode ligar pra confirmar.
– Vou ligar pra Paola pra saber se ela vai deixar a Debora ir. Vai dormir que te aviso daqui a pouco.
Viviane foi e Sheila ligou para Paola falando sobre a ida ao cinema e o dormir fora das duas. Seria um jeito de poderem conversar com tranquilidade, mas ainda tinha Mariana.
– Não se preocupe com Mariana, ela dorme fácil e acorda difícil. Mas, acho que vou pedir pra minha mãe ficar com ela pra não termos surpresa, durante a conversa. Prefere algum lugar em particular ou pode vir aqui em casa? Ou prefere na sua?
– Façamos assim, levo Viviane até aí, deixo as duas no cinema ou na casa da Marcia, dependendo da hora que quiserem ir e depois vou pra tua casa.
Tudo planejado, avisado e resolvido. A avó de Mariana ficou feliz em passar o fim de semana com a neta mais nova e até pediu para que a outra neta e a mãe delas fossem almoçar com ela no domingo.
No dia seguinte, tudo correu certinho. Sheila levou as meninas para a casa de Marcia, falou com os pais dela, velhos conhecidos, e foi pra casa de Paola.
– Prontinho, sou toda ouvidos para o que você tem a me dizer.
– Melhor ser mais que ouvidos. Olha só, acho que as meninas ficam bastante juntas; já saímos, quando você viaja. Às vezes, ela já dormiu aqui com permissão da avó e costumo observar sempre. Bom, devido a algumas atitudes delas, me causou uma dúvida e resolvi observar mais ainda e acho que minha impressão foi real: elas estão namorando.
– O quê?! Como assim!? Meninos da escola?
– Não. Entre elas, Viviane está namorando a Debora e vice-versa.
– Você está brincando!!
– Não estou, não. Por isso, quis conversar com você. Embora hoje em dia pareça ser mais fácil, mais aceitável, é só aparência. É complicado, é difícil e elas vão precisar de orientação, de apoio, de certeza de que não seja uma fase com alguém com quem sempre conviveu.
– Sempre conviveu? Não é de agora do ensino médio?
– Não! Estão juntas desde o fundamental. Conheço sua mãe e os pais do seu ex faz tempo. Só não conhecia você! – – Paola riu.
– É…
– Sheila! Você está bem?
– Hã! Sim, eu estou bem, só… aqui pensando. Não quero que minha filha seja atormentada por gente imbecil.
– Eu também não quero isto pra ninguém, muito menos pra minha filha, mas se ela tiver que passar por isto só posso apoiá-la e amá-la. Que mais podemos fazer?
– Não sei! Acho que sempre tive tudo planejado para o futuro e, de repente, aconteceu algo que nem imaginava e estou meio perdida.
– Não sabemos nem o que está acontecendo com elas, se é fase, se é mistura de sentimentos por quem se convive desde sempre, se é paixão passageira, vamos devagar. Eu mesma já tive algumas paixões na vida e, como todas as paixões, por maior que fossem, passaram. Já tive paixão por algum esporte, por animais, por algumas pessoas. Amor é diferente, exige maturidade. Amo minhas filhas, amo minha família da qual eu vim, de resto, tudo o mais são passageiros. Precisamos descobrir, ou melhor, ajudá-las a descobrir o que realmente estão sentindo agora.
– Só não quero falhar com ela como meus pais falharam comigo.
– Vamos ter que conversar francamente com elas e, acredito, de preferência juntas.
– Como você consegue ficar tão calma diante disto?
– É o melhor a se fazer. De que adiantaria me estressar, gritar e perder a calma e não conseguir conversar e, sim, recriminar, julgar?
– Você tem razão, mas não me sinto tão confiante pra me manter calma. Tem algum plano de como vamos conversar com elas, de como entrar no assunto?
– Acho que de forma é aguardar elas virem conversar conosco. Gostaria de continuar observando e estar prevenida caso ocorra alguma coisa com elas, com colegas ironizando ou atacando as duas.
– Tem certeza de que estão emocionalmente envolvidas, que não foi só um momento entre amigas?
– Está com medo, né?
– Pela primeira vez, na minha vida estou apavorada! Podem sofrer muito pelas escolhas, ou a falta de opções de escolhas!
Paola aproximou-se e segurou as duas mãos de Sheila.
– Faz parte de coisas de mães ficarem apavoradas pelos filhos e faz parte de coisas de filhos derrubarem os mais fortes dos pais. Relaxa, a gente consegue sair desta e ajudar as duas, você vai ver. E agora, que tal irmos a algum lugar jantar?
– Acho que nem estou com fome, mas vamos lá.
Foram a um lugar próximo, jantaram, conversando sobre formas de se aproximarem mais das filhas dando abertura para que elas se abrissem. A primeira chance seria no domingo na casa de Sheila. Despediram-se ao término do jantar.
No dia seguinte.
– Bom dia, filha! O filme foi bom?
– Oi, mãe, foi ótimo! Não quis abusar e nem tomei café na casa da Marcia. Você já comeu?
– Já sim, mas come alguma coisa que, às 13h00, Paola e Debora vêm almoçar aqui.
– Sério!? Que bom! Já é onze, vou só tomar um iogurte então.
Para Sheila, habituada a atacar tudo rápido e de frente, estava sendo uma tortura não perguntar direto para a filha sobre sua relação com Debora, mas conseguiu aguentar.
Às 12h45min, Paola e Debora chegaram. Observaram a alegria das jovens ao se encontrarem e enquanto Paola sorria, Sheila quase se mordia.
Entraram, conversaram banalidades e sentaram-se para almoçar. Acabou surgindo o assunto da malfadada festa.
– Como você está se sentindo, Debora? — Perguntou Sheila.
– Ah, estou bem. Sabia que Vivi foi a primeira a chegar para me socorrer.
Sheila quase engasgou.
– Ahhh, foi, é?!
– Claro, eu jamais deixaria alguém machucar você! – Viviane afirmou.
Paola socorreu.
– Perfeita atitude de amiga do peito. Que bom serem amigas a este ponto, não é, Sheila?
– Claro, claro!
– Mãe, a gente pode comer a sobremesa no meu quarto? — Viviane perguntou. — Quero mostrar uma coisa pra Deb.
Sheila olhou para Paola que permanecia com ar sarcástico e concordou. Assim que as duas saíram, Sheila se levantou.
– Para de ficar me olhando com esta cara! – Sheila implicou.
– Parece que você vai explodir! – Paola riu.
– Estou quase. Eu não vou aguentar.
– Vai, sim! Se não quer perder tua filha, vai aguentar. Ela pode achar que você a está vigiando por não confiar nela. Mostra que você é digna de confiança que uma hora ela chega em você e fala o que precisar e quiser falar. Quando estiver com dificuldade pra fazer isto me procura que te ajudo.
– E você fica na maior tranquilidade! E ainda ri de mim.
– Acalme-se, sente-se e vamos conversar sobre tudo o que você fez, desde que nos perdemos de vista. Lembra que eu queria saber?
– Agora? Com um problemão deste e você quer que eu conte minha vida!?
– Exatamente isto! Quem sabe relaxa um pouco. Vai, senta aí e me conta um resumo.
Sentiu que não havia o que discutir, então sentou-se e fez um resumo de sua vida.
– Você é poliglota! Caramba, chinês e árabe? Idiomas muito difíceis, não são?
– Acho que sempre tive facilidade para idiomas e números.
– Muito bom, estou admirada! Está na hora de irmos pra casa. Vamos conversando durante a semana. Pode chamar as meninas, por favor?
As meninas demoraram um pouco pra virem. Sheila já fez menção de entrar no quarto, mas Paola segurou-a.
– Dê tempo, vai com calma!
Suspirou fundo e esperou.
– Hei, mãe, vamos lanchar? Tô com fome.
– Ah, claro, já passa das cinco. Vamos arrumar alguma coisa, ou querem pedir pizza ou hambúrguer pra vocês?
– Hoje é domingo, podemos pedir hambúrguer pra todo mundo. – Paola sugeriu.
Pediram. Por volta das 20h00, Paola e Debora foram embora. Viviane foi preparar tudo para a segunda e Sheila ficou conversando com ela mesma.
“Você é uma adulta que sabe que tudo tem seu tempo, pelo amor de Deus, se controla e espera. Para! Não vai falar nada com tua filha! Vai tirar de letra. Se aquele chaveirinho loiro consegue, você também.”
Depois de meia hora com este “diálogo”, também foi providenciar o que precisaria para a manhã seguinte.
Não teve uma boa noite de sono, pensando nas coisas que a chaveirinho tinha dito.
– Madura a baixinha! Continua falante, mas acho que tem razão. Preciso parar de falar tanto comigo!
Paola acabou incluindo Sheila e Viviane nos passeios com as filhas. Sheila acabou por permitir que Paola atravessasse o muro que ela impunha às pessoas. E as férias chegaram e as duas mães estariam ocupadas, nos respectivos trabalhos, para alegria dos avós. Por insistência das jovens, viajariam todos juntos.
Na primeira sexta das férias das meninas, Sheila chegou em casa estafada, tirou os sapatos, ligou a tv e se jogou no sofá. O interfone tocou.
– Não acredito!
Foi atender irritada.
– Alô!
– Boa noite, a senhora Paola está aqui querendo subir.
– Pode deixar entrar, obrigada!
– Olá! Surpresa. Já jantou? Gosta de comida indiana?
– Oi! Que aconteceu? O que são essas sacolas?
– Estou livre depois do plantão de trabalho, a casa está vazia e silenciosa e resolvi te fazer uma visita. As sacolas é a comida! Ainda não me respondeu se já jantou. Você tem um vinho branco por aí?
– Hã, tenho! Não jantei ainda, acabei de chegar.
– Huumm trabalha elegantemente trajada, hein! Eu cheguei em casa, tomei um prolongado banho, saí, comprei o jantar pra duas e vim. Não quer tomar banho pra ajudar com o cansaço, enquanto eu arrumo tudo pra gente comer? Isto é, se não se importar que eu mexa na tua cozinha arrumadinha.
– Tá! À vontade. Vou para o banheiro. – Sheila saiu e ficou pensando: “será que estou fedendo pra ela me mandar tomar banho? Nem liga pra ver se estou em casa, a fim de receber visita, que desaforada esta baixinha! E lá estou eu conversando comigo de novo”.
Tomou banho e voltou. Estava tudo arrumado na mesa de jantar.
– Desculpe vir sem avisar, mas fim de semana corrido, sem vontade cozinhar só para uma pessoa, pensei em dividir com você. Ficou chateada? Ou podemos jantar?
– Não, tudo bem! Vamos jantar.
– Você pretende fazer algo esta noite?
– Não, por que?
– Pra eu não te atrapalhar. Vai que tem algum compromisso, algum encontro.
– Normalmente, se não saio com Viviane, fico em casa, não gosto de sair em fim de semana à noite.
– Eu até gosto, mas depois das filhas raramente o faço. Que tipo de filme você gosta?
E o jantar foi assim bombardeado de perguntas, sem dar chance de Sheila pensar em respostas adequadas e sem perceber respondia com verdades.
Por volta das duas da madrugada:
– Acho que vou pra casa agora, já atrapalhei demais teu descanso né!
– Não, imagina. Está muito tarde, não quer dormir no quarto de Viviane?
Pensou por uns três segundos.
– Posso? Não vou atrapalhar?
– Pode, claro.
– Acho que vou aceitar.
– Tem escova para os dentes na gaveta do banheiro, pode pegar.
Foi cada uma para um quarto. Sheila se preparou, colocou um pijama curto e quando ia deitar, Paola apareceu na porta do quarto vestida com um conjunto de lingerie azul bebê, com aquele ar maroto.
– Desculpe, mas eu queria mais uma coisa quando vim te ver.
– O que seria?
Aproximou-se até ficar bem na frente de Sheila e disse:
– Não estranhe, mas eu preciso fazer isso.
Segurou o rosto de Sheila, fazendo-a abaixar a cabeça e tomou-lhe os lábios com verdadeiro tesão. A princípio, Sheila se assustou, mas estranhamente pra ela, não fugiu, não empurrou e, de certa forma, curtiu.
– Precisava saber teu gosto e é bem parecido com o que imaginei!
– Você não bate bem, impossível! Por que fez isso?
– Isso é só o princípio do que eu quero de você, menina. Quer que eu vá embora?
– Ah… Por que você só diz e faz coisas que eu não entendo, que me assustam?
– Sabe que nunca esqueci da tua carinha naquele canto da escola, magoada, tristinha, raivosa?
– Por isto que me beijou?
– Beijei porque tive vontade, tesão, mas gostaria que tivesse sido correspondido, quem sabe no próximo.
Sheila estava completamente desconcertada com aquela mulher, principalmente porque não conseguia mandá-la embora, porque não conseguia raciocinar direito perto dela.
– Como existe o risco de você me mandar embora daqui a pouco, acho que vou me arriscar com o próximo agora.
E se arriscou. E desta vez houve a correspondência não planejada ao beijo.
– Droga! O que está acontecendo?
– Nada demais, despertei teu tesão e vou aproveitar.
– O quê?
A baixinha era rápida não só nas decisões, mas também nas ações. De repente, Sheila se viu nua na própria cama, a outra jogando o conjunto que vestia para o lado e vindo sobre ela.
Ficou apavorada, pensou que estava catatônica, mas quando aquele corpo quente encostou na sua pele, gemeu e as mãos automaticamente criaram vida em toques, afagos, espremidas e quando tocou nos seios da loirinha parecia que não era ela que estava ali. Nunca antes tinha se deitado com uma mulher, mas, naquele momento, queria muito aquela que ali estava.
Paola parecia contorcionista, uma cobra envolvendo totalmente Sheila até se colocar entre suas pernas e abocanhar o clitóris sugando-o para, em seguida, usar apenas a língua de forma mirabolante, suave, macia, dura, com força, rápida, lenta, descendo, subindo, ficando, até Sheila gozar como nunca. Um breve descanso para assimilação.
– O que… o que aconteceu?
– Já esteve com uma mulher, antes de hoje?
– Não, nunca! Como foi acontecer o que aconteceu aqui?
– Vontades satisfeitas e, pra quem nunca esteve com uma mulher, teve uma ótima performance!
– Peraí! – Sheila sentou-se na cama. — Você inventou esse lance entre as meninas pra se aproximar de mim?
– NÃO!! Tinha sempre tua imagem comigo, como já te disse antes e quando te reencontrei despertou algo forte em mim. O lance das meninas é bem real, jamais usaria qualquer pessoa para atingir um objetivo, principalmente minha filha. Não vou negar que este fato ajudou a dar uma aceleradinha na aproximação, mas por preocupação mesmo, não por tesão.
– Olha, eu continuo sem entender o que se passou, foi ótimo, mas não sou lésbica, então se tiver alguma intenção de algo, esquece.
– Não vou esquecer, não. Tenho intenções com você, sim, e não sou lésbica. Já te disse que tive algumas paixões na vida.
– Isso quer dizer que teve relacionamentos com mulheres?
– Além de meu ex-marido, pai das minhas filhas, tive mais dois namorados e duas namoradas. Não deram certo, assim como o casamento, mas valeram à pena, senão pela felicidade, por aprendizado. Como também já te disse amo minhas filhas e minha família, mas aquela pessoa especial pra vida toda, ainda não tinha encontrado.
– Não tinha? Está querendo dizer que agora encontrou?
– Não sei ainda, mas sempre há a possibilidade.
– Nem saberia fazer algo que fizesse você gozar!
– Pois fez, quando se entregou, se soltou e gozou maravilhosamente. O resto, aprende-se com o tempo e juntas é mais fácil.
– Você é bem descarada e convencida, não?!
– Não, se fosse diria este tipo de coisa pra qualquer pessoa e estou dizendo só pra você. Estou sendo sincera e você pode me mandar embora a hora que desejar. Ou dizer que quer que eu jamais te procure, não gostaria que fizesse tal coisa, mas respeitaria.
– Tenho uma vida, o trabalho é importante e preciso manter um padrão recomendável, não posso me envolver com uma mulher!
– Nossa! Que coisa mais arcaica e idiota de se dizer! Será que errei tanto assim a teu respeito? Acho que não. Você é muito inteligente, não está acostumada a seguir sentimentos e emoções e, está se sentindo frágil por eu estar aqui e você ter permitido que chegássemos neste ponto. Estou errada?
– Não sei! Talvez esteja certa, mas…
– Vem, vamos dormir que já está quase amanhecendo. Quando acordar descansada é mais fácil pensar com clareza e calma.
Deitou e Paola encostou-se nela, acariciando suavemente, logo dormiram. Por volta das 10h30min.
– Meu Deus!
– Que foi, Sheila!? — Paola respondeu, ainda meio dormindo.
– As meninas!
– O que tem as meninas? Aconteceu alguma coisa?
– Se elas descobrem o que aconteceu aqui esta noite…
– Ave, que susto!
– Você não está pensando sobre isto?
– Não! Nem sabia que aconteceria como aconteceu, tinha pensado em me chegar devagarinho, sem te assustar, mas ainda nem resolvemos sobre elas! Ainda não tinha pensado nada sobre isto.
– Então acabou, foi primeira e última vez e não se fala mais disto!
– Não concordo! Eu quero continuar, não sei até onde ou até quando, ou como falar com as meninas ainda. Somos adultas, maduras, pensaremos em alguma forma. Agora se acalme, você não era tão estressada!
– Eu não sou estressada, apenas estão acontecendo coisas que nunca aconteceram na minha vida e não sei o que fazer! Não é algo que se planeje, que se meça as alternativas, que se faça plano b.
– Mas é algo que se administra!
– Você está de brincadeira, né!? Como se administra este tipo de coisa?
– É emocional, Sheila, a administração é diferente do que você está habituada, mas não é o fim do mundo.
– Bom, já que estamos acordadas, vamos tomar café, estou com fome.
– Não sei como você pensa no estômago, nestas horas, mas tudo bem, vamos lá. Vou arrumando as coisas se você quiser tomar banho.
Paola foi para o banho, Sheila colocou um robe e foi pra cozinha. Assim que Paola chegou à cozinha, Sheila foi tomar banho.
– Não demoro, só vou tomar uma chuveirada rapidinho, se estiver com muita fome pode ir comendo.
– Dá pra te esperar.
Esperou. Foi rápido.
– Prontinho, espero que tenha o que você gosta de comer pela manhã, se quiser outra coisa posso providenciar.
– Está ótimo, não se preocupe. Me conta uma coisa, você amou teu ex-marido?
– Humm… não! A gente se dava bem, trabalhamos no mesmo ramo, conversávamos bastante, trocávamos ideias e resolvemos nos casar para que os colegas parassem de querer namorados pra gente.
– E como foi este casamento!?
– A gente conversava bastante sobre o trabalho um do outro, transava de vez em quando e depois que Vivi nasceu, para não ficarmos prejudicados no trabalho, nos separamos com guarda partilhada, pensando em dividir o tempo com a criança ao invés de ficarmos os dois, ao mesmo tempo, parados.
– Ah!! E como foi o divórcio?
– Estávamos um dia conversando como proceder com a criança e resolvemos que seria o melhor. Entramos com a papelada, ninguém devia nada pra ninguém, Viviane, nossa herdeira única até então, e pronto. Os avós ajudaram por bom tempo na criação dela, até que resolvi trabalhar mais tempo em casa para cuidar mais da minha filha.
– Você passeava com ela, saiam juntas pra cinema ou coisa parecida?
– Não! Ajudava com lições e trabalhos escolares, levava para médicos, coisas assim. Os avós sempre gostaram de passear e cuidar dela.
– Então, não tem o hábito das coisas lúdicas com tua filha?
Silêncio. Paola aguardou pacientemente.
– Acho que não!
– Precisamos modificar isto antes que seja tarde demais.
– Está me achando uma péssima mãe, não é? Ah, meu Deus, será que fiz com minha filha algo de muito ruim, algo que a tenha afetado?
– Calma! Você a ama, todo mundo sabe disto, pode até ser um pouco rígida e a prende um pouco, apenas não é uma pessoa muito expansiva, mas vou te ajudar com isso, acredite. A menos que você não queira ou não deixe.
Paola esperou Sheila ficar mais tranquila, antes de ir pra casa.
As férias de meio de ano são mais curtas. Tinham apenas duas semanas sem as filhas presentes. Então noite sim, dia não Paola vinha. Nem sempre iam pra cama, às vezes conversavam muito, tentando se conhecer intimamente, saber os gostos, as preferências, indo jantar, a teatro, a cinema. Depois de dez dias assim:
– Paola, por que você vem noite sim noite não, ao invés de toda noite, ou de ficar aqui durante as férias?
– Primeiro, porque tenho vindo sem convite; aguardado, mas nunca pronunciado. Você, até hoje, não disse se quer que continuemos, se tem interesse em mim, se gosta de mim, é o tipo de coisa que não precisa dizer a toda hora, mas, quando nada, uma vez na vida seria bom. Depois, gostaria de ter a reciprocidade de receber tua visita na minha casa. Venho porque tenho necessidade de você e quero usufruir tua companhia até você a negar. Porque não sei, se ao término das férias das meninas, você vai continuar me aceitando. Estou me preparando pra sofrer a desilusão, não sei se você tem esta fortaleza toda que mostrou ao longo da vida, ou se é covarde e vai fugir de algo que poderia ser maravilhoso!
– Além do meu trabalho, da pressão social, eu tenho uma filha, lembra!
– Eu também trabalho, faço parte da sociedade e tenho duas filhas, lembra? Pensando bem, acho que vou pra casa, quando se decidir, se me quiser, me avisa.
– Não! Espera, vamos conversar.
– Acho que já conversamos o bastante nestes dias todos. Boa noite.
Passou a mão pelo rosto de Sheila e com o olhar triste foi embora.
Aquela foi a primeira noite que Sheila soube o que é sentir falta de alguém a ponto de perder o sono. Sentir falta da voz, do carinho, da ternura, da cumplicidade, do sexo quente e prazeroso. Relembrava constantemente momentos de aconchego, de quando fez Paola gozar em suas mãos e boca, da delicia que sentiu naquele momento. Chorou algumas vezes, mas nada fez.
As meninas voltaram, a vida foi se desenrolando normalmente como antes. Quase ao término do ano letivo, Viviane já havia conseguido as médias e estudava arduamente para as primeiras etapas dos exames que poderiam colocá-la em uma faculdade que escolhesse. Sheila havia ficado mais calada ainda do que o costumeiro. Então, uma noite ao chegar em casa e entrar no seu quarto.
– Oi, mãe! Está muito cansada?
– Cansada eu estou, mas aconteceu algo?
– Não, não aconteceu nada de novo, é que… bom…
– Fala logo filha, tá me deixando preocupada. O que foi?
– Precisamos conversar sobre uma coisa, não precisa se preocupar que não aconteceu nada demais.
– Então aconteceu alguma coisa.
– Você sabe que conheço a Debora desde criança, né? E…
– E… vai, Vivi, desembucha. O que tem a Debora?
– Então, aquele dia da festa que ela foi agredida, eu fui a primeira a intervir porque estava perto e…
– Aqueles moleques reapareceram?
– Não, mãe! É que é difícil de falar porque não sei o que você pensa a respeito. Nunca conversamos sobre isto.
– Isto o que, Vivi?
– Sobre homossexualidade.
– Ah, isso! Quer saber o que penso sobre isto?
– Gostaria, sim.
– Algum motivo especial?
– Não, só pra saber mesmo. Se você é contra.
– Bom, acho normal. Não existe nada que possa proibir amar alguém por algum motivo. Não gosto é de promiscuidade, troca troca de parceiros, mas se existe amor que não seja forçado, imposto, é válido. Não tem porque eu ser contra ou a favor. Existe, é tão válido quanto o amor hétero e pronto! Era só isso?
– Tá!
– Tá, o quê? E o que Debora tem a ver com esta conversa?
– Nada, mãe, que coisa!
– Você disse que precisava conversar comigo sobre homossexualidade, falou da festa lá detrás, que foi a primeira a socorrê-la. Qual a ligação? Os meninos a atacaram por preconceito, ela é gay? Cuidado, filha, as pessoas são muito maldosas, podem ferir profundamente.
– Não, mãe, não é nada demais. Esquece, vou comer algo e voltar estudar mais um pouco, antes de dormir.
E saiu do quarto.
“Ah, meu Deus, será que está chegando a hora dela me contar? Debora vai contar para Paola também? Como devo agir? Paola disse que enfrentaríamos juntas, que me ajudaria, mas foi embora. A única pessoa que não duvidou de mim. A pessoa que me faz falta demais. Não, ela não foi embora, eu a mandei ir e eu não a chamei de volta”.
Mesmo com a angústia sufocando-a, Sheila continuava na rotina pré-determinada, sem amigos com quem pudesse conversar, só como sempre se sentira durante toda sua vida antes de Paola. Descobriu-se medrosa quanto a uma recusa e este medo, acima de tudo, impediu que ela fizesse o que o coração mandava e o corpo pedia. Desculpava-se dizendo a si mesma que a sociedade não aceitava, que havia muito preconceito, que tinha a filha, mas a realidade era medo de Paola dizer que, como ela a deixou ir, não se interessava mais, procuraria outra pessoa.
– Mãe! Hei, mãe, o que você tem?
– Hã! Oi, filha, que foi?
– Te chamei várias vezes e você está não sei onde.
– Desculpe, pode falar estou ouvindo agora.
– O que está acontecendo com você, mãe? Desde que voltei da viagem com meus avós, tô te achando diferente. Tá mais calada ainda do que já era, mais pensativa, fica aérea. Tá doente?
– Não! – Sheila sorri. – Só cansada.
– Vai ter reunião na escola amanhã, no final da tarde, e você não entregou e nem assinou o aviso informando.
– Aiii, esqueci mesmo, pega ali pra mim que assino pra você entregar amanhã.
– Mãe, você não é de esquecer nada e está muito nova pro alemão que nem teus pais têm, então algo está acontecendo. Não quer conversar?
– Nossa, quando foi que você amadureceu tanto assim, filha!? Estou bem, não se preocupe e irei à reunião amanhã.
– Tá bom, mas qualquer coisa me avisa. Quer que eu chame a Paola pra conversar com você? Vocês se dão bem.
– NÃO! Não Vivi, não se preocupe.
No dia seguinte, a tal reunião. Sheila entrou na sala, sentou-se em um lugar de canto, como sempre evitando as outras pessoas e aguardou. Não demorou nem dez minutos de depois de sua chegada e a reunião começou. Paola chegou depois dela, viu-a e respeitou seu isolamento. Ao final, Sheila esperou as pessoas que estavam na frente saírem, permanecendo sentada sem olhar pra ninguém, até diminuir o fluxo e só então se encaminhou para a saída. Quando alcançou a fileira onde Paola se sentara:
– Boa noite, Sheila, como você está?
– Ahh, boa noite, Paola! Estou bem e você?
– Levando a vida. Até qualquer dia, ou a próxima reunião.
– Eu queria… eu precisava…. Até então!
E saiu rápido. Paola sorriu, suspirou, se levantou e saiu devagar.
Três dias depois da reunião.
– Mãe, você se importa se a Debora vier dormir aqui amanhã? Temos um trabalho pra fazer e sempre fazemos na casa dela, fica até chato.
– Claro, por que não poderia!?
– Sei lá, você nunca foi sociável, quando encontrou Paola parecia que isto mudaria, mas, de repente, parece que você passou a detestá-la!
– Detestá-la?! Eu?
– É mãe, você! Pensei que continuaríamos a sair juntas, passear, até as próximas férias, eu e Debora, planejamos nós cinco viajando juntas, mas você não quer nem ouvir falar na mãe dela, assim do nada. Acho que foi depois daquele papo sobre homossexualidade. Foi isso, mãe, ficou chocada? Já falei que não era sobre Debora.
– Não, filha, nada a ver sobre a conversa, apenas estou trabalhando muito. Sinto muito não ser a mãe que você gostaria, não te dar o que você sonha e…
Começou a chorar, tentou segurar, mas não conseguiu, as lágrimas vieram com força total.
– Mãeeee!!!!! O que foi?
Correu e abraçou-a assustada.
– Mãe, me conta o que aconteceu, por favor!
– Nada. Nada, filha – Sheila disse entre soluços – logo passa.
Desfez o abraço e correu para o banheiro de seu quarto, deixando a filha apavorada. Entrou embaixo do chuveiro e deixou as lágrimas descerem com a água. Nem soube quanto tempo ficou lá. Quando saiu.
– Boa noite.
Agora o susto foi dela.
– Paola!!! O que… como!?
– Pode pensar que não tenho por que estar aqui, mas você tem uma filha que está apavorada, acreditando que a mãe desmoronou, sabendo que você não confia nos teus pais e que eu sou a única pessoa que se aproximou de uma amizade, então ela ligou e implorou que eu viesse ajudá-la. Até pediu que eu trouxesse as meninas pra dormirem aqui e eu não ter preocupação com elas, durante a noite! Madura a Viviane, não acha?
– Não sei o que dizer, acho que ela exagerou, só isso!
– Verdade? Ela me ligou assim que você entrou naquele banheiro, eu vim o mais rápido que pude, em uns quinze minutos aproximadamente, já faz uns dez que estou aqui esperando você sair, então não deve ter sido exagero da parte dela. Não sei se você notou, mas está nua, coloca um pijama e pega o secador pra que seque teu cabelo. Sem discussão, por favor.
Sheila caiu em si, apanhou e vestiu um pijama e trouxe o secador. Sentou-se e Paola começou a secar seu cabelo. Não sabia o que pensar, se deveria falar por causa do barulho do secador. O que aquela chaveirinho tinha que a deixava tão sem ação? Tão sem controle? Paola terminou o que fazia, desligou o secador, virou a cadeira que Sheila estava sentada e a trouxe para perto da cama. Sentou-se na cama encarando Sheila.
– Presta atenção. Está na hora de algo que aconteceu lá na tua infância deixar de influenciar teu comportamento, tua confiança, deixa tuas emoções tomarem a frente de vez em quando. Abraça mais tua filha, confie em alguém e se quebrar a cara com este alguém arranje outra pessoa. Pra crescer, às vezes, precisamos quebrar a cara. A felicidade não depende de outra pessoa na vida da gente, mas é quase impossível ser feliz sendo só o tempo todo. Não se permitindo amar, sofrer, chorar, rir, viver. Abrace mais, sorria mais, abra mais brechas no teu escudo, por favor. Mesmo que não permita a minha entrada na tua vida, saiba que eu te amo e faria o possível para que confiasse em mim, para que viesse a gostar de mim. Se possível, encontre alguém.
Sheila recomeçou a chorar, subiu na cama, deitou-se no colo de Paola que acariciou mansamente sua cabeça. Foi relaxando e meia hora depois dormiu. Paola esperou que o sono aprofundasse e só então ajeitou-a na cama, cobriu-a e saiu sem fazer barulho. Foi até o quarto onde Viviane e Debora estavam. Ainda sem dormir.
– Como ela está, Paola?
– Só ela pode fazer o que precisa para ficar bem, Vivi! Conversei com ela, está dormindo agora.
– Acho que não dorme bem faz um tempinho.
– Deixe-a dormir até quando acordar sozinha. Eu preciso ir que amanhã trabalho pela manhã. Você fica, Dedé?
– Se não se importar gostaria de ficar, mãe.
– Tá bom, até amanhã, então. Tentem dormir e não fiquem fazendo fofoca, amanhã já têm trabalho pra fazer, podem começar pela manhã, né? Vou pedir pra minha mãe vir buscar Mariana, logo cedo. Beijos, meninas.
Quando Sheila acordou as meninas estavam na cozinha tomando café, com exceção de Mariana que a avó já havia levado.
– Bom dia, meninas!
– Oi, Sheila! Dormiu bem?
– Bom dia, mãe. Você está bem?
– Sim, meninas, dormi e estou bem e com fome também.
Sentou-se à mesa e tomou café com a filha e a amiga dela. Logo elas se levantaram e foram começar a preparação para o trabalho para que, à noite, fosse mais fácil e rápido fazê-lo.
Sheila foi para o trabalho e, à noite, quando chegou em casa por volta das 18h15min, Viviane a esperava.
– Oi, filha, Debora ainda não chegou?
– Não, ela vem daqui a pouco, então vou aproveitar que estamos só nós para esclarecer umas coisas. Mãe, você me ama?
– O quê!? De onde… claro que te amo!
– Sempre imaginei que sim, mesmo não sendo muito expansiva e sempre quase fria, sempre contou tudo pra mim, mas, mãe, o que vem acontecendo não é normal, mesmo sendo você! O que está acontecendo, mãe? Qual é o grande problema que te derrubou e você não quer falar pra mim?
– É… é pessoal, filha, não se preocupe que logo passa.
– Acho que não, mãe. Por que não quis que eu chamasse Paola pra conversar? É algo que a envolve?
– Filha, por favor, esquece isto.
– É algo de relacionamento? Está namorando alguém?
– Não, filha, não estou. Não quero amar ninguém, além de você.
As lágrimas já estavam a ponto de brotarem.
– Tá vendo? Você diz que não é nada, mas só de falar em amor e relacionamento você já está se segurando pra não chorar!
– Amor é bobagem e só traz complicações, não quero ele na minha vida! Chega, filha.
– Será este o apoio que vou ter quando te contar que estou amando alguém, mãe?
– O quê!? Você sempre terá meu apoio! Você está namorando?
A campainha tocou e Viviane foi atender. Debora chegou e, com ela, Paola.
– Boa noite. — Paola cumprimentou. — Só vim ver se você está bem, não vou ficar me intrometendo, não.
– Não! Por favor, Paola fique. — Viviane pediu. — Estou muito preocupada com minha mãe e ela não está se abrindo comigo. Talvez você consiga ajuda-la. Mesmo que ela diga que não precisa, por favor, insista.
– Vivi, para com isso menina! — Sheila rogou. — Paola tem a vida dela, talvez tenha algo a fazer.
– Tenho não. — Paola responde. — Já que você insiste, Vivi, ficarei e conversaremos bastante já que amanhã ninguém trabalha, ou tem escola, não temos hora pra dormir, né?
– Então, vamos começar o trabalho enquanto conversam, ou preparam algo pra gente jantar e depois que terminarmos conversamos as quatro. Que tal? — Sugere Débora.
– Ah, é! — Paola concorda. — Precisamos jantar, vão querer que a gente peça algo?
– Eu prefiro que você faça algo, mãe. — Débora pede. — Já faz uma semana que não como tua comida.
– Posso escolher o que fazer? – Paola pergunta.
– Claro! — Débora fala. — Isto é, se Sheila não se importar.
– Não, pode mexer à vontade na cozinha.
As meninas saíram para o quarto de Viviane.
– Parece que acabou de chegar do trabalho. Não vai me ajudar na cozinha?
– Posso tomar banho antes?
– Pode! Adoro cheiro de sabonete.
Riu indo para a cozinha; e Sheila desconcertada foi para seu quarto.
Embora estivesse na sua casa, quando voltou se sentia um tanto intimidada com a presença da “chaveirinho”. O cheiro de temperos impregnava agradavelmente o ar.
– Precisa de ajuda ainda?
– Se quiser preparar a salada. Tua cozinha está bem provida de tudo, muito bom.
– Tenho uma ajudante que deixa sempre tudo à mão. Ela costuma fazer o almoço também, durante a semana, mas deixa mantimentos para tudo que eu resolva fazer nos finais de semana.
– Não a perca, ela é boa! Talvez eu a roube de você.
– Nem tente!
Foi pegar tudo para a salada, colocou tudo sobre a mesa, fechou a geladeira e se virou, caindo direto nos braços de Paola. Não teve tempo de protestar, porque Paola a puxou beijando-a e deixando-a sem fôlego. Soltou-a.
– Você gosta de molho madeira?
– Hã!?
– Perguntei se gosta de molho madeira.
– Gosto. Paola, as meninas estão aqui em casa!
– Eu sei! E…
– Não faça mais isto! E se uma delas ver?!
– Eu disse que gosto do cheiro de sabonete e o teu é tão gostoso que tampou o cheiro de alho frito. — Paola brincou, rindo. — A propósito, não lavo louça, tá.
Cantarolando continuou a cozinhar arroz, bife ao molho madeira e purê de batata baroa (mandioquinha). Sheila se encarregou da salada em silêncio, temendo algum “ataque” novamente, toda vez que havia aproximação. Sheila arrumou a mesa e chamou as meninas.
O jantar transcorreu bem, todas conversando coisas tolas, sem importância. Quando terminaram, arrumaram tudo na pia e as meninas lavariam tudo, então as mães iam saindo para a sala.
– Mãe, Paola! — Viviane chama. — Podem se sentar um pouquinho, por favor?
As duas se entreolharam e voltaram a sentar.
– Que foi meninas, vão querer dicas, ajuda para o trabalho? – Paola indaga.
– É sempre bom, mãe, mas agora queremos dicas, ajuda, apoio, como quiser chamar, mas para a vida. – Explica Débora.
– Eita que a coisa é séria! – Brinca Paola.
– É sim, muito séria. – Viviane confirma. – Não sei como vão encarar isto, mas nós estamos apaixonadas.
– Não queremos ferir ninguém mãe, mas a gente se ama. – Débora fala.
– Como você pensava, Paola! Ah, meu Deus! – Sheila fala aflita.
– Por isso que, há vários dias, você está neste estado, mãe?! — Pergunta Viviane. — Paola comentou que suspeitava pra você e você desmoronou?
– Não, filha! Não é por isto. Na verdade, eu pensei que ela estava exagerando ou brincando comigo, agora que vocês se abriram não sei o que pensar, estou preocupada com as repercussões pra vocês duas. Não vai ser fácil, eu sei, mas estaremos aqui pra vocês. Têm certeza que não é uma fase, né?
– Temos sim. — Afirma Débora. — Tentamos ficar separadas, tentamos namorar garotos, mas não funcionou. Sinto muito se isto magoa vocês, mas, por mais que a gente tenha tentado, não deu.
– É, nossas meninas cresceram. — Diz Paola. — Vamos apoiar vocês, mas atentem que estão prestes a fazer dezesseis anos, então são jovens demais para terem certeza de tudo e pode ser que daqui a um tempo se apaixonem por outras pessoas, não importa o gênero. Só quero que, se isto vier a acontecer, façam o possível para manter uma amizade franca. Sejam sempre honestas uma com a outra, não mintam jamais e vale pras mães aqui presentes, também. Nada de mentiras, nada de guardar mágoas. Foi muito difícil contar pra gente?
– Principalmente pra minha mãe, é difícil saber como e se ela vai aceitar determinadas coisas. – Explica Viviane.
– Ô filha! Por que não aceitaria algo que te deixa feliz? — Sheila responde. — Não sendo drogas, é claro. Mas atentem que, além do que Paola falou, vocês têm todo futuro pela frente, então estudos continua coisa séria, profissão para que nunca dependam de ninguém porque não vamos estar por perto eternamente.
– Credo, mãe! Fala disto não. E não vai mesmo me dizer o por quê do seu problema? – Viviane pergunta.
– Não é hora agora, menina! Não escaparam da louça, não.
– Mãe, como você desconfiou sobre nós? – Questiona Débora.
– Lembra que tenho olho clínico para as pessoas? — Paola responde. – E já namorei mulheres, então sei como funciona a paquera, a diferença quando é entre pessoas de sexo diferente.
– Sério!? Você namorou mulheres? – Surpreende-se Viviane.
– Apenas duas, até hoje, mas devo confessar que sou apaixonada por uma agora. Só não estamos juntas porque ela não me quer.
– Você está falando sério, mãe? Já namorou mulher e está apaixonada por uma que não quer você? – Pergunta Débora.
– Juro que é a mais pura verdade!
– Por que ela não te quer? É hétero convicta? – Quer saber Viviane.
– Não, apenas nos conhecemos de longa data, quando a reencontrei percebi que sempre a amei, que as pessoas que passaram por minha vida foram ilusões à espera dela, mas ela tem muitos medos de uma relação assim.
– Ela é casada? – Indaga Débora.
– Não, só cheia de medos e inseguranças que não sabia que tinha.
Sheila, completamente exaurida, deixou-as e foi pro seu quarto.
– Minha mãe sabe desta história? – Pergunta Viviane.
– Sabe sim, Vivi.
– Ela conhece a pessoa que você ama? — Débora questiona.
– Conhece muito bem! Bom, tá na minha hora, meninas, vou pra casa.
– Não! — Viviane reclama. — Você prometeu que ficaria, minha mãe precisa de você.
– Precisar é uma coisa, querer é outra. Como vê, ela até nos deixou, isto não demonstra que ela não tem interesse no que eu dizia?
– Você disse que ela sabe tua história e até conhece a pessoa que você ama, talvez ela tenha só ido ao banheiro. – Supõe Viviane.
– Então, pergunte a ela se quer que eu fique, se a resposta for afirmativa ficarei.
Viviane saiu correndo pra falar com a mãe. Encontrou-a deitada na cama, olhando fixo para o teto.
– Mãe, tá tudo bem?
– Oi, filha, está sim, só estou cansada.
– Paola está querendo ir embora, acha que você não a quer aqui com você. Eu disse que é porque você já sabia do que ela falava e que seria muito bom pra você se ela ficasse. Por favor, mãe, você está precisando, ontem até conseguiu dormir com ela aqui.
– É importante pra você que ela fique não é?
– É mais importante que você fique bem, mãe. Não tem ninguém com quem conversar e ela te conhece desde a infância, alguma confiança ela deve gerar, é uma pessoa muito legal.
– Eu sei que ela é, filha, tá bom, diz pra ela ficar.
– Aproveita que amanhã ninguém precisa acordar cedo e conversa tudo que puder com ela, se abra de vez, por favor, mãe.
– Para de se preocupar comigo, menina! Vamos conversar a noite toda, tá bom?
Beijou Viviane que voltou à cozinha pra dar a notícia.
Enquanto as meninas cuidaram da louça, Paola permaneceu conversando com elas, fazendo-as rir, aliviando qualquer resquício de preocupação que pudesse ter existido com o namoro delas. Ao terminarem, foram para a sala, ligaram a tv jurando que seria só por pouco tempo e logo iriam fazer o trabalho da escola. Sheila juntou-se a elas, logo depois.
Encontraram um filme que estava começando e as meninas se esticaram nos sofás, aproveitando os colos disponíveis das mães.
– Não sei, não, mas acho que tem gente querendo nos enrolar e fazer um trabalho só amanhã! – Paola brinca.
– Concordo plenamente. – Sheila fala. — Quando eu levantar, lá pelas seis da manhã, vou acordá-las pra fazerem o trabalho inteirinho.
– Ah, não, mãe! — Viviane suplica. — A gente jura que, assim que nós levantarmos e tomarmos banho e café, pegamos o trabalho e terminamos antes do almoço. Podem acreditar.
Riram e concordaram, afinal era raro esses momentos.
Por volta da meia noite e meia, tinha duas adolescentes não se aguentando de sono e foram mandadas pra cama. Do jeito que estavam era para dormirem mesmo.
Ficaram as duas adultas evitando se olharem.
– Quer que eu durma aqui no sofá, ou quer conversar um pouco? – Indaga Paola.
– Precisamos conversar, mas de jeito nenhum você pode ficar aqui no sofá. — Sheila sorri. – Minha filha me mataria se isso acontecesse.
– Hum, então é só por isto que vou para o teu quarto e, provavelmente, dormirei no chão!?
– Não seja boba! Vamos para o quarto pra conversarmos à vontade, sem perigo de alguém levantar e nos ouvir.
Sheila entrou na frente, deixou Paola entrar e trancou a porta do quarto. Ao se virar foi agarrada, fortemente.
– Pode ser minha última chance de amar você por inteiro, então me desculpe, mas não vou deixar você fugir sem te demonstrar o tesão que meu amor por você provoca. Amanhã, antes de eu ir embora, a gente conversa, se ainda quiser.
E beijou-a com sofreguidão. Sheila tentou resistir, mas não conseguindo, entregou-se por completo. E revidou cada carinho, cada toque, cada beijo. Tocou e foi tocada no corpo inteiro, descobrindo que tinha muitos pontos erógenos no corpo feminino. Desta vez foi diferente da outra, houve mais entrega de ambas as partes e, quando Paola introduziu com delicadeza, dois dedos em sua vagina que pulsava como nunca, quase desfaleceu, mas reagiu em um rebolado que nem sabia ser capaz e quis fazer a mesma coisa com Paola. Gemidos, palavras desconexas, dança única, cada uma querendo dar mais prazer a outra do que obter para si.
O quarto de Viviane ficava do outro lado do corredor e Sheila agradeceu por isto quando finalmente voltaram à realidade. Então não sabia como agir, se poderia fazer o que tinha vontade naquele momento, apenas se aconchegar à Paola e ficar ali imóvel.
– Está tudo bem? – Paola pergunta.
– Posso deitar no seu ombro?
– Por favor!
Deitou e dois minutos depois dormiu como há muito não fazia.
Acordaram com um barulho vindo da cozinha e viram já ser quase onze horas. Sheila quase pulou da cama, colocou o pijama e foi pra cozinha ver o que estava acontecendo.
– Oi, Sheila, bom dia! — Débora fala. — Só vim buscar agua e derrubei, sem querer, a leiteira. Ainda bem que estava vazia!
– Faz tempo que se levantaram?
– Ah, faz sim, prometemos fazer o trabalho, lembra?
– Tomaram café?
– Já sim, levantamos às 07h00.
– Oi, filha! — Paola cumprimenta. — Estou gostando de ver a responsabilidade!
– Bom dia, mãe, já tô voltando pro quarto. Conversaram bastante e foram dormir tardão? Você sempre levanta mais cedo que isso.
– Vamos tomar café e conversar, ontem não deu pra dizer tudo que precisávamos.
– O que vai fazer de almoço?
– Não estamos em casa, mocinha! — Sorri Paola. — Nem sei onde vamos almoçar.
– Sheila!?
– Oi!
– Onde vamos almoçar?
– Hã! Por que não aqui mesmo?
– Viu, mãe, resolvido. Faz um estrogonofe?
– Sheila?
– Quê?
– Não ouviu o pedido? Vamos fazer estrogonofe?
– Ah, podemos. Vou até fazer uma sobremesa.
– Obaaa! Vou avisar Viviane, Ciao.
– Já pensou em que sobremesa vai fazer?
– Hummm, do que vocês gostam?
– Doce ela gosta de quase tudo. Que tal um pudim de leite condensado? Sabe fazer?
– Tudo bem, tenho curso sobre sobremesas, sei fazer centenas de doces e pães!
– Sério!? Eu fiz gastronomia, mas gosto e faço bem pratos salgados. Até na cozinha nos complementamos, tá vendo!
Sheila foi apanhar o material para fazer o pudim e ficou em silêncio. Paola começou a fazer sua parte no preparo para o almoço. Depois do barulho do liquidificador, o pudim pronto para ir ao forno e tudo preparado para o estrogonofe, sentaram-se.
– Você disse que conversaríamos hoje, quer começar?
– Não sei o que dizer, Paola!
– Não quer me dar motivos para que não exista nossa relação?
– Você já conhece todos!
– Nenhum que tenha me convencido, mas não vou mais mendigar teu amor, ou menosprezar o meu. Depois do almoço, irei embora e não vou voltar a menos que você me peça.
Paola se levantou e foi preparar o almoço.
Terminado o almoço que transcorrera com as adolescentes falando muito sobre muitas coisas enquanto as mães mal conversaram, Paola se despediu.
– Bom, tudo resolvido, trabalho feito, barriga cheia, vamos embora, Debora, que ainda tenho que passar na tua avó e pegar Mariana. Grata por tudo gente e até um dia. — Paola se despede.
Beijou carinhosamente Viviane no rosto, olhou com tristeza para Sheila e saiu. Debora se despediu e foi logo em seguida.
– Aconteceu alguma coisa mãe? Vocês brigaram? – Pergunta Viviane.
– Não! Por que brigaríamos?
– Esta saída de repente e da forma que Paola se despediu foi estranha!
– Ela só estava com pressa e saudade da filha.
E começou a dar um jeito na cozinha pondo fim à conversa antes que se traísse.
– Mãe, Sheila disse algo que te feriu de alguma forma? – Indaga Débora.
– Por que está dizendo isso?
– Foi uma despedida estranha!
– Foi da forma que ela deseja. O trabalho foi difícil de terminar?
Debora entendeu que a mãe não falaria mais nada e desistiu de tentar descobrir o que acontecera.
O namoro de Debora e Viviane continuou sem maiores problemas. As mães as ouviam, davam apoio, preferiam que ficassem próximas que se arriscassem frente a machões idiotas. As poucas vezes que queriam ir a algum lugar à noite, uma das mães as levava e a outra as buscava. Continuaram a revezar a casa que dormiam, mas, a cada dia aumentava a curiosidade quanto quem seria o amor da mãe de Debora e qual seria o problema que fizera com que Sheila se fechasse mais que o normal que já era demasiado.
Como a escola exigia muito, estudo para ENEM, PISM e as coisas normais para se aprontarem para faculdade tomava muito tempo demais para pararem e pensar.
Sheila, como de hábito quando tinha algum problema, jogara-se totalmente no trabalho. Enquanto os lucros da empresa e seu sucesso aumentavam, sua infelicidade acompanhava a progressão. Tentava ao máximo participar da vida da filha e, à noite, chorava ou sonhava e xingava a chaveirinho por ocupar tanto espaço nela, na sua mente, no seu coração, nos seus desejos, na sua covardia, nos seus medos de perder o controle por emoções.
Enfim chegou o fim do ano letivo e Viviane e Debora puderam pensar em outras coisas, além de estudos e notas.
– Sabe que não me esqueci até hoje do último dia que eu e mamãe fomos juntas na tua casa? – Débora fala.
– Eu também não, foi muito esquisito. O olhar que tua mãe deu pra minha foi triste, de despedida mesmo.
– Também achei. Nenhum abraço, nenhuma palavra, como se estivessem se segurando pra não dizer o que não devessem.
– Exato! E mamãe, logo que vocês saíram, disfarçou e foi arrumar a cozinha, mas parecia estar segurando o choro e olha que aquela lá chorar é difícil.
– Quando minha mãe começou a falar que ama uma mulher, na noite anterior e tua mãe saiu, também foi esquisito.
– É, ela disse que mamãe sabia de tudo e não queria ouvir, mas que amiga sai enquanto se fala de algo tão importante? E aquele papo de ser uma amiga da infância que ela reencontrou e que esta pessoa tinha medo de relação…
– Elas se conheceram na infância, não foi? Tua mãe só pensa em trabalho…
– Não confia em ninguém desde que houve o caso em que foi acusada de roubo…
– O olhar foi de tristeza mesmo porque tua mãe não…
– Minha mãe é o amor da tua!!??
– Meu Deus! Que babado fortíssimo!
– Agora entendo o porquê de ela ter ficado trancada como ficou! Acho que não é só ela que é o amor da tua mãe, não, o inverso é verdadeiro.
– Precisamos agir, né?
– Claro! Não sei como, mas precisamos uni-las, colocar algo na cabeça da dona Sheila.
– Nem que seja na chantagem a gente vai unir estas duas, mas dona Sheila é o lado mais difícil!
– Muito difícil! Precisamos de ajuda e já sei a quem pedir.
– Precisamos confirmar antes que o amor é recíproco e verdadeiro. Como faríamos?
Pensaram um pouco e Viviane se animou.
– Já sei! A Mariana não faz aniversário este mês?
– É, dia 16.
– Que tal a gente combinar de passarmos juntas o dia; vamos ao shopping, almoçamos, tem coisas que ela gosta de brincar, podemos ver um filme e a gente observa as duas.
– Perfeito! Vou convencer Mariana primeiro, depois minha mãe e você vai tentando falar com dona Sheila.
Convencer uma garota de dez anos a passar o dia no shopping fazendo o que ela quiser é fácil. Depois, foi só dizer pra mãe que Mariana queria isto pra festejar seus onze anos e pronto. Agora faltava a dona Sheila, a difícil.
– Mãe, dia 16 agora, a Mariana faz onze aninhos e vamos festejar almoçando e passando a tarde no shopping. Eu e a Debora gostaríamos muito que você nos fizesse companhia.
– A mãe dela não vai estar lá!?
– Vai, mas queríamos que você também estivesse. Desde que contamos sobre nosso relacionamento, nunca mais saímos juntas. Você tem preconceito quanto a isto, mãe? Ficou magoada, chateada, não aceita?
A isca foi jogada.
– Não, filha! Nada disto, apenas trabalho demais.
– Mais um motivo pra você tirar um dia pra relaxar. E a gente compra o presente que ela escolher lá no shopping mesmo.
– Tá bom, eu vou.
Foram dias angustiantes para Sheila até a chegada do dia 16. Marcaram de encontrarem-se no estacionamento do shopping.
Chegaram, estacionaram e a família já as aguardava na portaria de acesso aos elevadores e lojas. Paola ficou alegremente surpresa.
– Sheila!! Não sabia que viria! – Paola fala.
– Fui convidada e não te avisaram? Olá, como vão?
Abraçou e beijou a face de cada uma delas. Viviane e Debora, prestando disfarçada atenção.
Escolheram o local, o que comer, almoçaram com tranquilidade e olhares trocados sorrateiramente, mas sempre sob cerrada e imperceptível vigilância.
Foram a algumas lojas para Mariana escolher seus presentes, depois ela foi brincar e Paola ora brincava junto, ou mantinha-se atenta ao que a menina fazia. E Sheila observava sem se aperceber, mal tirando os olhos da “chaveirinho”, às vezes quando mãe e filha riam, ela sorria ternamente. E, óbvio, as meninas tiveram a certeza que precisavam para criar um plano e fazê-las se aproximarem.
– Vamos ao banheiro, tá, mãe. – Viviane avisa.
– Tudo bem!
– Você viu como dona Sheila olhava pra minha mãe!? — Débora fala. — Se aquilo não é estar apaixonada, eu não sei o que possa ser.
– Eu vi, menina! Vamos conversar com os gêmeos, meus tios, pra ver se eles têm alguma ideia. Elas precisam ser felizes e eu acho que quem não está aceitando este amor, esta necessidade é minha mãe, dona Sheila.
Viviane ligou para o tio dali mesmo, estava com pressa. Depois dos cumprimentos.
– Precisamos da tua ajuda tio, imagine que mamãe é louca por alguém, mas o fato deste alguém ser uma mulher, está impedindo que ela vá em frente com o relacionamento. Tem medo, acho, de perder o controle. E você sabe como ela é supercontrolada o tempo todo, né?
– Oooo e como sei! Me conta toda história, faz uma síntese pra mim.
Tentou resumir ao máximo toda a história.
– Huumm, vou pensar em algo e depois te ligo, pode deixar que a gente vai achar um jeito.
Logo depois voltaram para encontrar as mães. Mariana continuava brincando, aproveitando ao máximo.
– Nunca perguntei em que área você advoga, se criminal, tributária. – Sheila pergunta.
– Eu não advogo! – Responde Paola.
– Debora disse quando nos reencontramos que você sabe tudo sobre leis, achei que fosse advogada!
– Já fui, quando me formei. Mas, prestei concursos e passei em um que queria muito e me tornei juíza.
– Juíza!!?? Caramba! Tem que manter uma vida super regrada, não é! A moralidade, os preconceitos…
– Basta ser discreta com minha vida pessoal! Não vou cair de porre na rua, não vou ser promíscua, não vou atacar alguém que trabalhe comigo, este tipo de coisa. Não vivemos mais no século XV, sabia? Agora é que você vai querer mais distância ainda de mim?
A tristeza estava impregnada na última frase. Sheila desconversou.
– Juíza criminal?
– Já trabalhei um pouco nesta área, mas faz anos que sou da vara de família. Às vezes, também pode ser perigosa, mas é preferível à criminal.
– Oi, coroas, podemos ver um filme? – Débora brinca.
Paola deu um tapa leve na perna da filha.
– Tá ficando atrevida demais, hein, menina!
Passaram uma agradável tarde, foram ao cinema, lancharam e se despediram.
– Tá contente por ter visto Sheila, mãe? – Indaga Débora.
– Sempre fico contente enquanto eu a vejo, só não gosto quando deixo de vê-la, filha. — Paola responde, sorrindo ao volante. — Quando descobriu?
– Sou tua filha, foi só acabarmos de nos focar o tempo todo nos estudos que começamos a pensar e perceber.
– Quer dizer que as duas sabem? E o encontro de hoje foi armação?
– Sim, para as duas perguntas. Saiba que não vamos sossegar enquanto não as vermos felizes e juntas. Sabemos que o problema é dona Sheila, que diz não pra você e depois chora, todos os dias, morrendo de vontade de estar com você.
– Como sabem disto? Duvido que ela tenha comentado com alguém.
– Claro que não! Mas Viviane a conhece há dezesseis anos, a convivência com alguém toda disciplinada faz notar qualquer deslize e quando ela começou a notar, passou a vigiar, escutar na porta um pouquinho, essas coisas.
– Não se incomodam, filha?
– Com o amor de vocês? Claro que não, mãe!
No outro carro.
– Como foi rever Paola, mãe? – Viviane questiona.
– Hã! Ah… normal.
– Fazia tempo que você não a via.
– Fazia sim. – Responde Sheila, suspirando.
– Saudades?
– Sim. Quero dizer, é alguém com quem saímos, uma amiga, não é?
– Não vai mesmo admitir, né, mãe!?
– Admitir o quê?
– Que ela te faz muita falta.
– Que te deu hoje, menina? Tem algum plano para agora à noite? Vai querer jantar ainda?
– Não, nenhum plano e já lanchamos. Acho que vou dormir cedo e amanhã vou sair com minha namorada, vamos almoçar fora.
Não se falou mais nada. Viviane sabia que Sheila se trancaria e que só desabafaria sob o chuveiro ou na cama.
No dia seguinte, Viviane e Debora se encontraram com os gêmeos Vanessa e Vitor, irmãos de Sheila. Abraçaram-se e entraram no restaurante que haviam marcado.
– Agora vão nos contar os pormenores. – Fala Vitor.
Enquanto almoçavam tudo foi esclarecido e responderam a todas as perguntas que os tios fizeram. Ao término.
– Fala tua ideia pra elas, Vanessa. – Vitor pede.
– Pois é, meninas, estive pensando depois que Vítor me contou a falta de atitude de Sheila, coisa rara, mas é um assunto que ela nunca dominou, nunca estudou, nunca sentiu antes, então entendemos sua vacilação. Vocês não têm um barzinho legal que frequentam, que tenha uma pessoal gente boa, o dono ou dona camarada?
– Tem um lugar, sim. – Débora responde. — A Luzia é gente fina, as pessoas que frequentam não vivem bêbados ou aparentemente drogados. A gente vai pouco, porque sabe como as mães são e não ficamos até muito tarde, mas gostamos de lá mais que de outros lugares que já fomos.
– Qual a possibilidade da tal Luzia fazer uma noite para as mães de gays? — Vanessa pergunta. — Com músicas mais tranquilas, para as mães se conhecerem, tomarem uns drinks, alguma brincadeira e, tarãããã, as mães dançarem. Pode ser com os filhos ou com outras pessoas que estiverem por lá e quem sabe vocês fazem as duas dançarem juntinhas. Nada como a música e a dança pra derrubar barreiras.
As duas ficaram um momento sem palavras degustando a ideia.
– Amei! – Afirma Viviane.
– Adorei! – Concorda Débora.
– Basta convencer as duas a irem, reservem a mesa antes pra não ficarem separadas. – Explica Vanessa.
– Vamos falar com Luzia ainda hoje e depois contamos tudo pra vocês.
Despediram-se contentes.
Luzia concordou no ato. Até achou que poderia fazer a tal noite das mães de gays umas duas vezes, ou até mais no ano.
Em casa fizeram como o combinado, informaram sobre o evento e que já haviam reservado uma mesa para as quatro, o que as deixara feliz da vida.
– Não sei se posso ir! – Sheila respondeu.
– Então, serei a única a ir sem a mãe! Você não pode fazer isto comigo, ficamos tão empolgadas, tão feliz em poder dividir uma noite diferente, em um local onde podemos ser nós mesmas em público sem vocês ficarem preocupadas em casa!
Ameaçou chorar.
– Tá bom, eu vou. – Sheila responde, com um profundo suspiro.
Um abraço apertado e um sorriso enorme no rosto.
– Obrigada mãe!
– Quem inventou esta noite das mães? Não teria sido vocês, não, né? – Questiona Paola.
– Imagina, mãe! Só comentamos com a Luzia. – Débora responde sorrindo.
– Algo a ver comigo e Sheila?
– Talvez, mas gostaria que você simplesmente curtisse em nossa companhia, sem se importar com a atitude idiota da dona Sheila. Se alguém te paquerar deixa rolar um pouco, porque se dona Sheila não quer abrir os olhos para a pessoa maravilhosa que você é, a fila anda e você merece ser muito feliz.
– Ah, filha! Já disse que te amo hoje? Não sei se quero mais alguém na minha vida atualmente, mas agradeço, vem cá.
Debora sentou-se junto a mãe que a abraçou e ficaram assim por um tempo, apenas sentindo o respeito e o amor entre as duas.
E a tal noite chegou, com várias pessoas torcendo para tudo dar certo. Uma pessoa se preparando para conseguir fazer cara de paisagem tendo o amor da sua vida ao lado. Outra pessoa usando todos os artifícios para não agir com o coração, para calar os sentimentos e continuar com a razão que pensava ser correta.
Sheila fez o possível para chegar o mais tarde que pudesse, mas Viviane não deixou. Quando chegaram Paola e Debora já estavam à mesa. Cumprimento formal entre as duas mães e de namoradas entre as meninas.
Por volta da meia noite, a casa estava bem cheia e começaram as apresentações de músicas ao vivo com pessoas da noite que, embora muito bons artistas, ainda não eram conhecidos fora das casas noturnas.
Nos intervalos entre as apresentações a música para dançar rolava e não as mais barulhentas em respeito às mães, mas músicas dançantes, conhecidas e legais.
Paola teve vontade de dançar, ficou de pé próximo a mesa e se soltou. Enquanto Sheila se controlava para não lhe fazer companhia, outros olhares notaram a baixinha sexy e boa dançarina. Alguém fez gestos de longe convidando-a e ela sorrindo recusou o convite, mas sempre tem alguém mais ousada. Uma bela garota de uns vinte e poucos anos, atrevida, chegou e puxou-a encostando totalmente os corpos continuando o movimento dançante.
Aí foi demais! Sheila se levantou pronta para o combate, empurrou a garota, puxou Paola e beijou-lhe os lábios como quem busca a salvação em um naufrágio. A garota nem tentou discutir, apenas sorriu pediu desculpa e se afastou. Ao parar o beijo.
– Desculpe! – Sheila fala assustada.
– Não me lembro de ter dito alguma coisa que te fizesse pedir desculpas!
– É que… te agarrei e você estava dançando… talvez…
– Eu estava dançando e alguém me puxou sem convite ou aceitação e você me salvou.
– A desculpa foi pelo beijo.
– Motivo errado, porque eu adorei, pode até repetir já que continuamos abraçadas.
Sheila não tinha percebido onde e como estavam, assustou novamente e desfez o abraço. Ouviram duas vozes em uníssono.
– Que bonitinho!
Olharam e Viviane e Debora estavam com os cotovelos na mesa, os braços levantados e as mãos segurando as cabeças pelos queixos.
Sheila ficou roxa, Paola ria.
– Não se preocupem, ela vai tentar explicar alguma coisa. – Paola fala.
– Não há o que explicar, Paola, até que enfim ela deixou a emoção tomar a frente e fez algo que sempre quis fazer. – Replica Viviane.
– Agora que está tudo resolvido, quando vai ser o casamento? – Débora questiona.
– Filha, assim você vai assustá-la de novo e nada ainda está resolvido. Acho que foi só uma reação momentânea de ciúmes.
– Ah, não! — Viviane suplica. — Mãe, pelo amor de Deus, diga a verdade, diga que ela é a causa e a solução de seus problemas emocionais, antes que entre em depressão. Diga sim pra ela mãe, por favor. Nós sabemos que ela é alguém completamente confiável e que você a ama desde… sei lá eu quando!
– Ela é juíza, filha!
As três olharam espantadas para Sheila, sem entender o ponto que para ela era tão claro.
– Imagine se ficam sabendo sobre um relacionamento com uma mulher. Ela pode perder o cargo e eu não me perdoaria por isto.
– Sobre isso, eu já te disse que não tem problema, não vamos sair em jornais com bandeiras coloridas! – Paola replica.
– Aposto que mesmo que o chefão dos juízes ficasse sabendo, não poderia fazer nada, já que isto não é crime e minha mãe é concursada. — Esclarece Débora. — Quanto a você, duvido que pudesse interferir no seu trabalho, você é competente demais para te descartarem. E acho que as duas tem economias suficientes para trabalharem mais. Minha mãe sempre foi disciplinada com dinheiro.
– E vocês duas? — Sheila pergunta. — Aguentariam as chacotas, as piadinhas, os preconceituosos se alguém da escola ou das amizades descobrir?
– Mãe, o pessoal da escola e as amizades já sabem que nós duas namoramos, não tem porque saberem de nossas mães! Como Paola disse, não vamos colocar em jornais e, mesmo se alguém souber que se lixe. A gente quer ser feliz, mas também queremos nossas mães felizes e sabemos que não há como serem separadas. Vocês nos educaram para sermos responsáveis por nossas ações e escolhas, nossa escolha já foi feita e nos responsabilizamos por ela e também sabemos que quando houver necessidade temos um lugar pra voltar e braços para nos segurar, que vocês estarão lá, agora está na hora de você fazer suas escolhas, de se abrir pro amor. Pensa menos, mãe, sinta mais.
– Esta noite das mães, teria sido sugestão de vocês duas para nos colocar no mesmo lugar? — Sheila pergunta. — Parecem estarem empenhadas em nos unir.
– Conversamos com algumas pessoas que nos sugeriram, achamos uma boa ideia e conversamos com Luzia e ela topou na hora. — Viviane explica.
Sheila abaixou a cabeça com um meio sorriso no rosto.
– Os gêmeos!
Viviane e Debora se olharam e sorriram.
– Que gêmeos? — Indaga Paola.
– Os tios de Viviane, meus irmãos mais novos, um casal de gêmeos que, aposto, souberam da relação de nossas filhas antes de nós.
– Debora!? – Paola exclama.
– Ah, mãe, eles são legais, às vezes a gente conversa bastante com eles e, sim, eles nos deram a ideia desta noite para unirem vocês.
– Então, Sheila, parece que tem muita gente que torce por nós. — Paola fala. — O que me diz? Devo ir embora e nunca mais te ver, ou permanecer definitivamente na tua vida?
– Esta é uma noite de festa, então que tal a gente se divertir, dançar e amanhã a gente resolve tudo?
– Você está desconversando e esta é tua atitude para me deixar em suspenso e depois concordar com meus pedidos, já conheço isto mãe, vai diz logo que aceita, diz sim sem medo. — Fala Viviane.
– Hoje não quero nada além de namorar esta mulher. Debora, me dá tua permissão?
– Com certeza! Vem, amor, vamos dançar e deixar as duas curtir a noite.
Debora saiu puxando Viviane.
– É assim mesmo que você faz pra depois dar resposta afirmativa à tua filha?
– Nem sempre. É quando me dou um tempo para pensar sobre um assunto. Mas, hoje, neste assunto, é simplesmente porque quero dar a resposta a você, não pra família toda. Vamos dançar antes que essa criançada ou alguma mãe pilantra venha te tirar e eu tenha que partir a cara de alguém? Não ficaria bem na tua ficha de juíza, não é?
– Com certeza não. — Responde Paola, rindo. — Vamos dançar então, precisa controlar este ciúme.
– Preciso nada, mulher minha não é pra ninguém encostar.
– Esta é tua resposta? Sou tua mulher?
– É, embora eu tenha levado tempo e todas as desculpas do mundo pra negar, não adiantou. Quero você, preciso de você, amo você e não quero que você se vá nem por um dia mais, muito menos para sempre.
Abraçaram-se e o beijo veio naturalmente, com todo amor acumulado por tanto tempo.
– Iuuupiiii, deu certo!!
Separaram-se.
– O quê!?
– Paola, os gêmeos. — Sheila explica. — Vanessa e Vitor. Meninos, esta é Paola.
– Você é a mãe da Debora! Eu e meu irmão adoramos tua filha.
– Obrigada!
– Nós não resistimos esperar a notícia sobre a noite e viemos verificar se deu certo.
Os dois abraçaram juntos as duas, apertando felizes pelo resultado.
As meninas os viram e também vieram para a mesa. Comemoraram o encontro, conversaram, dançaram, vigiaram o que as meninas bebiam, enquanto Sheila e Paola dançavam abraçadas, namorando, se beijando até resolverem deixar as meninas com os tios e fugirem para casa para brindar a aceitação do amor, certas de que agora teriam problemas em conjunto para resolverem, mas seriam muito mais felizes que antes.
Fim.
Ione.
Parabéns, tenho me encantado por seus contos, são belos, intensos e contagiantes. Gratidão ❤️
olá amei a história e leve e contagiante
Parabéns