Por quinze segundos

Por Quinze Segundos

POR QUINZE SEGUNDOS

Mais uma vez chegava correndo à estação a fim de pegar o metrô e prosseguir para o curso de alemão que fazia e estava quase terminando, a fim de realizar seu sonho de trabalhar com direito internacional, ou no Itamaraty, aprenderia qualquer idioma que exigissem pra isso. Xingava mentalmente o chefe que a atrasara pela… sabe-se lá quantas vezes. Quando chegou à plataforma, o metrô fechou as portas e partiu. Por míseros quinze segundos perdeu, de novo a composição. Teve vontade de jogar a mochila e bolsa no chão, pisotear em cima e estrangular o chefe, mas tudo que fez foi olhar para os vagões que continuavam seu caminho.

Na janela mais próxima um olhar. Calmo, que parecia compreender sua momentânea raiva, com um quase sorriso. Teve vontade de estar ao lado e poder encarar aquele olhar de perto. É, chegaria mais uma vez, atrasada na escola.

No dia seguinte, faltando cinco minutos para que saísse do escritório, o chefe a chamou e mandou que providenciasse um documento que ele precisava para o jantar com um cliente. PQP! Ele teve o dia todo pra pedir, mas tinha que pedir agora e para ela. Será que ele não percebia que tinha mais gente que trabalhava ali? Ou procurasse ele mesmo! Fizera faculdade de Direito pra servir de estafeta? Será que eram só os processos que ela trabalhava que ele precisava sempre na última hora?

Como não tinha outro jeito foi direto para a pasta do cliente que o chefe mencionara e, em poucos minutos, encontrou o malfadado documento. Entregou ao chefe e saiu disparada em direção ao elevador, onde já havia fila para descer. “17º andar, aí meu Deus, não dá pra descer a pé.”

Mais um dia que perdia o metrô que passava às 18h10, então mais um dia que chegaria atrasada. Tentou correr um pouco mais rápido, mas, na mesma janela do dia anterior, só pode ver os mesmos olhos em sua retina.

Pelo menos já aprendera a pedir desculpas, em alemão, para a professora.

Na quarta-feira, arrumou tudo, levantou-se em silêncio, quase em câmera lenta, estendeu a mão para abrir a porta de saída e ouviu seu nome saindo do aparelho sobre sua mesa. Correr, fingir que não ouviu e se arriscar a perder o emprego? Ou ir ver o que aquele ##**++¨¨ queria? Decidiu-se pela segunda opção.

Não acreditou quando o chefe disse para ela lembrá-lo sobre uma reunião no dia seguinte e que ela deixasse toda documentação pra ele. O cretino não poderia ter dito isto antes? Não poderia deixar para a manhã seguinte?

Saiu em disparada, tentando apanhar o metrô em tempo hábil para chegar antes do início da aula. Estava no último degrau da escada rolante, desviando das pessoas que não tinham pressa quando ouviu o som para fechamento das portas do veículo. Quase sem fôlego, viu uma mão acenando para que continuasse a correr. Alguém segurava a porta e a composição não partira.

Correu mais um pouco, se sentindo prestes a desmaiar por falta de ar e, antes que os guardas chegassem para fechar a porta, a pessoa que a segurava soltou-a e a composição partiu, desta vez com ela dentro pela primeira vez na semana. Olhou para agradecer. A mulher do olhar pela janela que parecia ter uns quilinhos acima do peso, mas bem divididos, a perfeita fofinha. Um sorriso e – Ah meu Deus! Ela tem covinhas quando sorri!

– Desta vez você chega no horário onde precisa ir.

– Ah é! Grata por segurar a porta pra mim. Tenho chegado, há vários dias, atrasada no curso de alemão, nem dou mais motivos de atraso, só peço desculpas. Hoje, graças a você, vou chegar em cima da hora.

À Paolla parecia que aquela mulher não era totalmente estranha, mas não se lembrava onde a vira antes.

Vagou um banco e ambas se sentaram lado a lado.

– Como você está, Paolla? Já conseguiu realizar teu sonho de ser adida de embaixada?

Paolla fez uma cara de espanto e a outra mulher começou a rir, e a mostrar as covinhas que tanto chamaram a atenção dela.

– Não se lembra de mim, não é?

– Desculpe! Sei que já te vi antes, mas não faço a menor ideia de quando e onde.

– Você namorou um cara chamado Heitor, há um tempão. É meu irmão.

– Mas você era novinha, uma criança quando o namorei! E ainda se lembra de mim?

– Você é só três anos mais… nasceu três anos antes de mim.

– Se lembra de todas as ex de teu irmão?

– Claro que não!  Apenas de algumas.

– E ainda se lembra do que eu queria ser? Nossa! Que memória fantástica!

– Que nada, você é a única que conheci na vida que queria isto, como comentou com meu irmão comigo por perto, guardei.

– Você se formou?

– Sou veterinária. Quando venho por este lado é para atender a um cliente com muita grana e muita frescura, mas os cães da família são legais!

– Desço na próxima estação. Foi bom te reencontrar…

– Eduarda.

Sorriram como despedida e Paolla desceu.

Correu para a escola, onde chegou em cima da hora, como era o previsto, apanhando o metro daquele horário. Por cerca de um mês não encontrou mais Eduarda no metrô. O seu chefe deu uma folguinha nos horários de sua saída do trabalho e esteve chegando no horário pro seu curso que findara. Estava pronta para prestar o concurso dos seus sonhos.

*

Naquele dia, chegou sem correria na plataforma para apanhar o metrô, já que iria pra casa e teve uma surpresa. Eduarda estava sentada em um dos bancos e, assim que Paolla apareceu, levantou e se aproximou para cumprimenta-la.

– Boa noite! Terminou teu curso de alemão?

– Oi! Terminei, sim. Foi visitar teu cliente com cães legais?

– Fui sim. Que bom que não me esqueceu de novo. O que vai fazer agora?

– Pretendo prestar concurso para o Instituto Rio Branco e tentar ser diplomata.

– Muito bom, que consiga realizar teu grande sonho, mas eu quis dizer agora. O que vai fazer agora, esta noite?

– Ahhh! Nada demais.

– Não quer ir jantar comigo? Só pra saber como vai tua vida, não se preocupe. Conheço um lugar de ótima comida caseira, sem frescura. Quer dizer, se você gostar deste tipo de comida nada gourmet. – Riu.

O riso era cristalino e franco, Paolla adorou o som. Sem saber bem o porquê também aceitou o convite, de repente queria mesmo conhecer um pouco mais aquela mulher.

Pegaram o próximo metrô e foram conversando sobre músicas e cantores favoritos. O local que Eduarda a levou não era nas áreas badaladas, o restaurante era bem tranquilo, limpíssimo, mas não vazio. Parecia que os frequentadores eram aqueles tipos de veganos, de místicos, de espiritualistas, ou pessoal meio esquisito ao ver de Paolla.

– Espero que não se importe em se alimentar sem carne de animais.

– Ah, não sei! Francamente nunca tentei conhecer pratos que não tivessem carne, além do arroz, feijão e macarrão, claro.

– Aqui tem muita variedade de pratos, experimente alguns e, se quiser, pode perguntar o que contém cada prato que, se eu não souber te explicar, a Nayana ali – apontou para uma bela mulher de sari perto do caixa – te explica. Cuidado com os que têm pimenta, são bem “quentes”.

– Acho que vou pegar o que você for comer, sem me arriscar. Só me diz o que tem pimenta que não sou chegada.

– Não vou pegar nada apimentado, pode deixar. E não se preocupe com proteína, porque aqui tem muitos pratos cheios dela.

– Tá bom!

Foi seguindo Eduarda e colocando as mesmas coisas que ela em seu prato. Sentaram-se à mesa e começaram a comer. Paolla ficou surpreendida com os sabores e acabou seu receio com o local.

– Se você quiser alguma bebida, aqui tem várias, mas as da casa são chás, que é o que vou beber depois de comer, mas você pode pedir o que quiser.

– Não costumo beber enquanto como, mas vou experimentar o chá com você.

– Vou tomar o de jasmim, que é um bom digestivo; não sei se você gosta, mas pode experimentar no meu copo e se preferir outro, é só pedir. E aí, além de fazer cursos de idiomas, trabalhar em advocacia, o que mais tem feito?

– Mais nada! Mal tenho tempo para sair com alguns amigos, nos finais de semana.

– Não se casou?

– Não, ainda à procura do par perfeito. – Riu.

– Se fica de curso para o trabalho e casa, vai ser difícil encontrar, né?! Pensei que já estaria casada com algum advogado riquinho e famoso.

– Estes já estão caçados. -Mais uma vez riu- E você, o que mais faz além de cuidar de cães de ricaços chatos, com animais legais?

– Curto a vida. Sonho com meu primeiro amor platônico e namoro tentando esquecer este amor. Mas a vida é divertida e curta demais para ficar empacada em um sonho que não posso realizar, não é?

– Posso saber qual seria este sonho?

– Pode sim, mas não hoje. Um dia te falo.

A curiosidade de Paolla foi a mil, mas percebeu que sobre aquele assunto nada mais ouviria naquela noite.

Falaram sobre a profissão de cada uma, sobre o que pretendiam fazer no futuro e Paolla percebeu que era muito fácil falar com aquela mulher. Só não falaram do pessoal, do emocional, de resto conversaram bastante.

Depois de jantarem, subiram para o andar superior do restaurante, onde havia danças indianas, do ventre e, se alguém quisesse cantar, era só pegar um instrumento e ir para o palco. Paolla adorou o lugar.

– Nossa, adorei aqui!

– Já sabe o caminho agora e, se quiser companhia de vez em quando, é só chamar. Meu celular para você anotar os seus endereços.

Apanhou o celular e colocou seu número e o WhatsApp.

Quando Eduarda falou em irem embora foi que percebeu que já era quase três da manhã. Parecia que passar o tempo com aquela mulher era bem agradável e isto a preocupou.

*

Paolla continuou a estudar com afinco para o concurso do Instituto Rio Branco e, por cerca de vinte dias, não mais se encontraram. Em uma sexta feira, recebeu o telefonema de uma amiga convidando-a para a noitada e resolveu que tinha que se distrair um pouco e aceitou. Iriam a um teatro ver uma peça que a amiga queria muito assistir e depois decidiriam o que fazer.

Depois da peça, da qual gostaram muito, acharam que tinha valido a pena a saída, resolveram entre jantar e pizza, o jantar ganhou por insistência de Paolla e foram para um restaurante que conheciam nas proximidades. Sentaram-se à uma das mesas e começaram a verificar o cardápio do dia, ou da noite, porque Daniela, a amiga, achava que era da noite, mas Paolla batia na tecla do dia ter 24 horas, enfim, tudo era motivo pra discussão amigável.

– Boa noite, Paolla!

– Eduarda!! Como vai, menina? Não quer se juntar a nós?

– Ah, não! Estava passando quando a vi e só vim dizer um oi, já que faz tempo que não te encontro. Amiga? – Perguntou, apontando para Daniela.

– Ah, desculpe! Daniela, Eduarda e vice-versa.

Cumprimentaram-se. Eduarda pediu desculpas por interrompê-las e se despediu em seguida.

– Você ficou bem contente em ver a garota. – Daniela observou. – Quem é, hein?

– Que nada! É uma antiga conhecida, irmã do meu primeiro namoradinho, antes d’eu resolver transar com o Roberto pra ter certeza de não querer me casar com nenhum homem.

– Ela me pareceu bem interessante!

– Isto ela é! Mas nem sei se é hétero.

– Quando descobrir me conta, porque se você não quiser nada com ela, tô na fila!

– Deixa de ser galinha! Depois, ela me contou que tem um grande amor na vida; platônico, mas existe.

– Se é platônico deixa de lado e convence a chegar mais perto da realidade, oh coisinha fofa!

– Ela é bem fofinha mesmo, né! Parece tão macia e quando sorri tem covinhas adoráveis e tem cheiro de canela.

– Que ar mais sonhador falando na garota é esse, menina!? Caramba, quem não te conhece, teu fanatismo por estudo e trabalho, querendo realizar um sonho que nem sabe se é realmente bom ou não, diria que você está apaixonada.

– Gosto dela, é uma pessoa legal, só isso.

Depois do jantar foram a uma boate gay, dançaram até altas horas, sem se envolver com ninguém, estavam apenas a fim de se divertirem sem mais nenhum enrosco.

Faltando dois dias para a data do concurso, Paolla recebeu uma mensagem de Eduarda, desejando boa sorte nas provas. Tal delicadeza tocou fundo em Paolla.

Embora não tenha sido fácil, Paolla tinha certeza de ter ido bem quando entregou as folhas. Saiu contente, esperançosa nos resultados.

– Oi, aceita uma carona?

– Eduarda! O que você está fazendo aqui!?

– Vim te buscar pra comemorar. Tenho certeza que foi bem.

– Também acho que fui. Vamos comemorar porque não sei como irei na segunda fase, então vamos aproveitar, né!

– É isso aí. Aonde você quer ir?

– Como você está convidando, pode escolher, estou em suas mãos.

– Duvido muito!

Eduarda riu com gosto e Paolla acompanhou o riso, mas uma pulga grudou na orelha, não tinha certeza de ter entendido bem o que provocou o riso, ou se havia algo por trás da frase.

Desta vez, foi levada a um galpão com várias mesas e um palco, onde havia roda de samba; o que ela jamais imaginara que Eduarda gostasse depois do local do almoço. Mas também havia muita comida de muitos tipos pra gostos diferentes.

Outra coisa que não imaginara a respeito de Eduarda, foi que sambasse daquela forma. Parecia passista de escola de samba! Não havia dúvida, aquela garota a surpreendia toda vez que se encontravam. Havia revezamento de pequenos grupos de música, e como ninguém é de ferro, também se revezavam os sambistas, aos pares, sozinhos, grupinhos com passinhos ensaiados.

– Menina! Que fôlego você tem! Se eu tentasse dançar o tanto que você dançou, amanhã não andaria.

– Que nada! Só estou dando um descanso e depois vou dançar com você.

– O que? Samba!? Nem pensar. Eu não sei, até em dança acompanhada eu sou dura, não tenho molejo, e você é de causar inveja.

– Então, dona Paolla, já passou da hora de aprender. Depois de dançar um pouco, a gente come e se hidrata. Vamos ficar por aqui até a hora que você quiser, ou até fechar. Ou tem algo a fazer amanhã cedo, em pleno domingo?

– Tenho não. Adorei aqui, mas sinto desapontá-la com a ideia d’eu dançar samba.

– Vem.

Paolla foi puxada com delicadeza da cadeira por Eduarda que se colocou ao lado, segurando sua mão e foi explicando o que ela deveria fazer. Depois de dez minutos, pareceu-lhe que tinha algum futuro sambando e, em meia hora, seguia Eduarda nos passos mais básicos com segurança. Sentiu-se vitoriosa.

Comeram, beberam, sambaram, cantaram junto as músicas que conheciam, Eduarda bem mais que Paolla, riram muito. E de repente, já dava pra perceber o sol nascendo. Paolla, mais uma vez ficou pasma de como não sentia o tempo na companhia daquela garota!

Perto das seis da manhã foi deixada por Eduarda na calçada do prédio onde morava. Cansada, feliz e um pouquinho preocupada, recordando a menina que estava sempre por perto nos oito meses que namorara Heitor.

Por volta das onze, foi acordada pelo toque incessante do celular. Daniela.

–  Oi! Por que está me acordando?

– Te acordando!? É você mesma, Paolla? A mulher que acorda religiosamente as 06h30min., faz exercícios, vai pro trabalho e mesmo domingo e feriado segue a rotina, com raras exceções?

– Cheguei em casa às seis da manhã hoje.

– O queeee!? Foi uma prova de resistência? Não sabia que faziam isto para futuros diplomatas!

– Não! Quando terminei a prova, Eduarda estava me esperando e saímos. Quando vi já era de manhã.

– Gente, tô mais que pasma! O que andaram fazendo desde ontem à tarde, hein?

– Estávamos em público, não fizemos nada demais, oh mente poluída.

– Aposto que não porque você não quisesse.

– Nem pensei em nada deste tipo, te juro. Mas por que você ligou?

– Ah é! Churrasco na casa da Amanda, passo aí daqui meia hora. E no caminho me conta tudinho o que vocês fizeram por mais de doze horas juntas.

Nem teve tempo de dizer que estava cansada e não queria ir, então foi se arrumar.

No caminho:

– Vai, me conta tudo.

– Não há nada além do que já contei!

– Não aceito isto, você só me disse que ela estava te esperando na saída da prova, o que mais? Pra onde foram? Fizeram o que a noite toda?

– Fomos a um lugar que eu não conhecia e não sei aonde fica. É um galpão grande, com mesas e um palco, onde tocam alguns grupos de samba, tem comida variada e bebida para cada gosto. Foi muito divertido.

– Parece que ela só vai a lugares que tenham música ao vivo! Será que ela toca alguma coisa, algum instrumento?

– Não sei, mas posso perguntar e depois te conto.

– Ah, querendo desculpa para se encontrar com ela de novo hein! Você nem gosta de muvuca, passou parte da tarde e a noite quase toda só ouvindo samba, comendo e bebendo? Que esbórnia! Conhecendo como te conheço teve algo mais, você não ficaria tanto tempo vendo um monte de gente e, ainda por cima, se divertindo com isto.

– Ela me ensinou a sambar.

– O QUE!?

– Não grita! Estamos no mesmo carro.

– Acho que não entendi direito. Ela te ensinou o quê?

– Entendeu sim, ela me ensinou a sambar.

– Você sempre reclamou de ser dura demais, de não ter ritmo nem pra bolero! Como ela conseguiu esta façanha?

– Com muita paciência.

– Pois eu faço questão de ver o resultado deste ensinamento lá no churrasco.

– Não! Nem pensar. Não vou me expor pra você ficar tirando o sarro depois.

– Ahhh quer dizer que só dança pra ela, é?

– Ela me ensinou, todos viram que eu não sabia nada e ninguém me conhecia, nem olhava com desaprovação.

– E no churrasco vai ter umas nove pessoas, as quais você conhece, e duvido que alguém faria alguma coisa pra te magoar. Vai sambar e pronto! Nem que eu tenha que te fechar em um quarto.

Realmente Paolla conhecia todos ali presente que, por sinal, estranharam sua presença. Depois de muito papo e convencer todos que viera quase obrigada por Daniela, chegou a hora da amiga colocar samba no som. Chegou perto dela, estendeu a mão.

– Vamos dançar. Quero ver se o molho tá solto.

– Que molho?

Daniela respondeu rindo: – Do remelexo, do samba no pé.

Não teve jeito, foi. Aplicou o que aprendera na noite anterior e mostrou que prestara atenção à lição. Depois de três músicas Daniela se convenceu.

– Agora eu acredito! Aprendeu direitinho mesmo, preciso ver tua professora sambar, deve ser muito boa.

– Ela é incrível sambando, parece passista de escola de samba.

– Preciso ver isto.

Os amigos se aproximaram parabenizando impressionados, já que nunca tinham visto ela dançar nada. Vir ao churrasco já era uma surpresa, dançar então.

Paolla admitiu ter sido bom se encontrar com alguns conhecidos. Aquele fim de semana seria inesquecível.

Na quinta-feira à tarde, recebeu de Eduarda uma mensagem pelo WhatsApp, convidando-a para um filme na sexta-feira. Nem pensou duas vezes e respondeu que sim.

Terminou tudo que tinha que fazer no trabalho e ligou para Eduarda avisando que estaria à espera. Logo que se encontraram, ocorreu à Paolla uma curiosidade.

– Eduarda, você me perguntou sobre minha vida, conversamos muito, mas nunca me perguntou se eu e teu irmão, em plena adolescência, não fizemos nada demais. Teu irmão contou algo pra você?

– Talvez eu tenha achado que seria pessoal demais. A gente conversou muito sobre trabalho, profissão, sonhos profissionais, mas pouca coisa de pessoal, não é?

– É mesmo! Vamos lá, o que você gostaria de saber a meu respeito?

– Com quem você transou pela primeira vez? E quando? Foi paixão, gostava muito dele, ou foi coisa de momento?

– Nossa! Vamos por parte. Quem disse que não foi com teu irmão?

– Depois do cinema, eu respondo, mas tenho certeza que não foi com ele.

– Tá bom, vou esperar. Foi com um garoto que conheci em uma festa de conhecidos, tomei um pouco de vinho e topei o convite pra saber como era. Não tinha paixão, ele só era bonito e tinha lábia, e eu curiosidade. Não foi nada bom.

– Que pena! Encontrou um amor na vida?

– Hum, não. Tive namoros, de algumas pessoas gostei um pouco mais que de outras, mas foi só. E você? Não teve mais nenhuma paixão, um amor menos platônico?

– Só namoros, muito tesão, umas duas paixonites, mas nada suplantou o meu amor que penso ter sido o primeiro e que será sempre o único. Olha, já passa das oito e te confesso que estou com fome. Podemos deixar o cinema para outro dia, irmos jantar em algum lugar aqui do shopping e depois eu esclareço porque tenho a certeza que não transou com meu irmão?

– Claro! Assim temos opções variadas, cada uma escolhe o que mais gosta.

– Você não tem carro, não é?

– Não, priorizei estudos para me preparar pro concurso, nem sei dirigir. Quem sabe você me ensina?

– Por que não?!

A curiosidade de Paolla estava à flor da pele, no aguardo da resposta sobre Heitor, mas se segurou. Sentaram-se na praça de alimentação olhando à volta, escolhendo o que e onde cada uma pediria o jantar.

Eduarda resolveu ir ao banheiro. Paolla ficou “guardando” a mesa. Enquanto Eduarda estava ausente, Paolla ficou pensando que ela parecia ser alguém muito fofa, imaginando que será que ela pensaria se soubesse que depois de acabar o namoro com Heitor, namorou outro rapaz com quem foi para cama só pra ter certeza que não era homem que queria?

Eduarda voltou.

Escolheram, comeram com tranquilidade, comentando as notícias, os transeuntes. Após comerem, Eduarda a convidou para apanharem o carro no estacionamento.

– Vamos a outro lugar?

– Vamos, sim. Não é muito longe.

Cerca de trinta e cinco minutos depois de deixarem o shopping, chegaram a uma boate GLS. Paolla gelou, mais por medo do que Eduarda estaria levando-a lá, porque conhecia muitos lugares como aquele.

Entraram, Paolla sem saber como agir, o que estava acontecendo. O local já começava a encher e Eduarda apanhou uma mesa para elas.

– O que estamos fazendo aqui?

– Espera e vai obter resposta, não se preocupe.

Um dos garçons se aproximou, reconheceu Eduarda, beijou-a na face.

– Menina, está acompanhada hoje?

– Oi, Jeny, é uma amiga. Viemos ver o show, será que vai ser muito tarde hoje?

– Não, imagina, serão em duas partes. Às 23h30min. será o primeiro.

– Beleza então, já são dez e meia. Traz um vinho pra mim, por favor. E Paolla, esta é Jeny, um amigo querido. Vai querer beber alguma coisa agora?

Paolla pediu apenas agua. Quando o garçom se afastou

– Viemos ver que show?

– Tá curiosa, né! Que tal a gente dançar um pouco, enquanto não dá a hora?

– Você frequenta aqui?

– Não, venho de vez em quando pra ver o show, é legal. Aqui é mais para meninos.

Como Eduarda havia se levantado, Paolla a acompanhou e foram dançar. À Paolla, parecia que qualquer dança com aquela mulher era fácil, ela, a durona de molejo, conseguia acompanhar solta o ritmo. Voltaram para a mesa e se prepararam para ver o tal show.

As drags eram profissionais. De repente, a estrela do show apontou para Eduarda e jogou um beijo que foi correspondido e mais um belo sorriso. Paolla se assustou.

– Eduarda, é o Heitor!!??

– Ele não está maravilhoso?

– Ele é gay? Por isso que você tinha certeza… agora entendi!

– Gostando do show?

– Muito! Mas jamais imaginei que Heitor se tornaria uma artista transformista. Como isto aconteceu? E a família?

– Ele sempre gostou disto, desde pequeno. Embora eu fosse cinco anos mais nova, me lembro dele brincando comigo, vestindo roupas de nossa mãe e de minha irmã. Quando chegou a adolescência, a coisa pesou na escola e ele tinha que se mostrar mais macho, para não apanhar dos que se diziam homens, sabe como é. Foi aí que te achou legal e resolveu te namorar pra ver se poderia ir adiante, mas não teve jeito. Depois que se separaram, ele se assumiu de vez. A família já tinha percebido, não tem ninguém preconceituoso e deu força pra ele fazer o que gosta.

– Nem me lembro quem terminou, acho que foi ele que voltou a me tratar como conhecida no colégio e só. Ninguém brigou, não discutimos, foi assim no automático, esquisito pensando bem. Acho que, um mês depois, comecei a namorar o Anderson e acabamos perdendo o contato, ele estava dois anos à minha frente; final de ano foi pra faculdade e foi isso.

Terminou a primeira parte do show, aplaudiram e Eduarda pediu licença para ir conversar com o irmão. Nos bastidores se abraçaram e foram para um balcão de onde tinham visão geral do lugar e dificilmente seriam vistos.

– Você olha pra ela como se fosse a única mulher no mundo!

– E tem outra? Pra mim, ela é a única.

– Não conseguiu tirá-la do coração, maninha? Até hoje? Já se foram quase vinte anos!

– Tentei, juro. Mas parece que vai ser pra sempre mesmo, foi só vê-la na plataforma do metrô que voltou com tudo.

– Já falou com ela a respeito?

– Claro que não! Vai que ela nunca mais queira falar comigo.

– Jamais vai saber se não falar. Anda, vamos lá conversar com minha ex. – Heitor convidou, rindo.

– Por favor, não fala nada.

Passando por vários cumprimentos no caminho, chegaram à mesa onde Paolla esperava Eduarda.

– Paolla, menina, como você está? Bonita até demais, não há dúvida!

– Oi, Heitor! Você está ótimo, uma beleza de performance, gostei demais.

– Sem julgamento?

– Quem sou eu pra julgar alguém? Fora de tribunal, é claro.

Riram.

– Então, é advogada?

Todos se sentaram e Heitor foi fazendo perguntas à Paolla, querendo saber tudo sobre ela desde que se separaram.

– Vou ter que me preparar para o próximo show, vão ficar pra ver?

– Se Eduarda não se importar, eu gostaria de ficar.

– Ótimo então, quando terminar me troco e a gente continua a conversa. Só mais uma coisa, você está com alguém agora no coração?

– Não, não tenho ninguém.

Jogou beijos para elas e foi se aprontar.

– Eduarda, você disse que eu era uma das poucas namoradas de teu irmão que você se lembrava, mas, na realidade eu fui a única, né? Os outros foram namorados?

– Viu! Não tinha como te esquecer.

– Mesmo assim, muito tempo para se lembrar de alguém, né? O que foi que te chamou tanto a atenção para não me esquecer?

– Acho que o que planejava ser foi uma das coisas. Outra foram teus seios, achava-os lindos e eu era meio desprovida deles – riu. – Se bem que, até hoje, não tenho muita coisa, são pequenos. E você sempre foi educada, agradável.

– Obrigada! É bom ser lembrada.

– Talvez para quem é, nem tanto para quem lembra.

– Esta eu não entendi!

E as luzes mudaram e o show começou. Música, dança, uma verdadeira festa.

Ao término:

– Eduarda, pode me explicar…

– Me dá um minutinho que vou cumprimentar o marido de Heitor e já volto.

Foi conversar com um rapaz que estava servindo no balcão do bar e lá ficou até Heitor aparecer com roupas comuns. Ele beijou o marido e foram juntos para a mesa onde estava Paolla. Logo depois o marido de Heitor se juntou a eles e todos se esbaldaram em conversas, muita dança e divertimento.

Quando resolveram ir embora, Paolla quis pagar seu consumo e soube que a boate pertencia a Heitor, que a família o ajudara a montar. Eduarda falou com o irmão sem que os demais ouvissem, e de repente ele se dispôs a levar Paolla para casa dela. Mesmo ela insistindo que poderia pegar um táxi, ele fez questão.

No caminho:

– Paolla, deixa eu te perguntar uma coisa. Você é hétero? Continua procurando um príncipe?

– Jamais quis um príncipe! E não, não sou hétero.

– Que maravilha! E o que acha de Eduarda?

– Adorável. Gosto muito dela.

– Então só vou dizer uma coisa: não a magoe, por favor.

– Eu não pretendo magoar ninguém, muito menos Eduarda! Mas, por que você está me dizendo isto?

– Se eu disser, ela me mata. Foi muito bom te rever e saber que está bem. Até qualquer dia, te cuida, beijos.

Despediram-se, e Paolla ficou mais encucada ainda, querendo que o que estavam subentendido nas frases que ouvira, fosse o que que queria acreditar. Mas, tinha que dormir um pouco.

Depois de dormir e almoçar, resolveu conversar com Daniela. Contou tudo que tinha acontecido e as duas frases que tinham lhe dito e que ela ficara sem entender.

– Tenho a impressão que Eduarda está a fim de você, por isto o irmão pediu para você não magoá-la.

– Ela não dá a entender nada disto não, acho que é por amizade.

– Por amizade que ela segurou a porta do metrô, tá. Mas te convidar pra jantar, pra sair, te ensinar a dançar, te levar onde o irmão trabalha, por amizade? Acho que não! Eu iria a fundo pra saber o que ela sente e o que quer.

– Foi só por quinze segundos que ela segurou a porta do metrô, coisa rápida que talvez fizesse por qualquer pessoa. Mas, para tirar qualquer dúvida, vou chamá-la pra almoçar, em casa, neste sábado.

Antes que mudasse de ideia ligou, deu ocupado. Então mandou uma mensagem gravada no WhatsApp. Depois de dois minutos, recebeu a resposta com uma carinha de coração, agradecendo e aceitando o convite.

No sábado, Paolla se levantou preocupada se não estaria exagerando, dando muita importância ao que Daniela havia dito, em como começar o assunto, mas foi cuidar de preparar tudo e não desistiu do almoço.

Quando Eduarda chegou, às 13h00 em ponto, Paolla abriu a porta e, assim que a convidada entrou e ela fechou a porta:

– Eduarda, preciso te perguntar uma coisa, ou vou ficar doida tentando descobrir. Por que segurou a porta do metrô para que eu entrasse e tem me convidado pra sair?

– Tenho te convidado pra sair para que você me conheça um pouco e que eu possa saber mais de você, pra ter certeza que é como imaginava que seria a ex de meu irmão. Quanto a ter segurado a porta é porque eu sabia que era você, que eu já a conhecia e que seria a terceira vez que perderia o metrô por quinze segundos.

– Por que devemos nos conhecer melhor?

– Você ainda não percebeu?

– Posso ter alguma dúvida.

-Ah, advogados, tudo tem que estar sempre claro! Procurei por muito tempo, mas parece que você não tinha muita rede social, acabei te encontrando procurando nomes de advogados. – Eduarda suspirou. – Sabia que já tinha te visto na estação de metrô e não me aproximei? Tive medo. Até que vi perder duas vezes seguidas por alguns segundos, resolvi segurar a porta e me aproximar.  Você é a minha primeira crush, a minha primeira paixão, meu primeiro amor que nunca consegui esquecer ou tirar do coração.

Olhavam-se profundamente; e a declaração tão franca de Eduarda derreteu Paolla de forma inigualável, sentiu-se feliz. Abraçaram-se e o primeiro beijo foi uma explosão e o sofá foi o primeiro ninho de amor realizado para elas. Foi manso, foi saudoso, como se ambas esperassem aquele momento, aquilo acontecer, com leveza da certeza de sentimentos.

E Paolla descobriu-se totalmente apaixonada por aquela mulher que tinha nos braços. Cada toque era delicado, demorado, prazeroso, como se tivessem a vida toda para completar aquele ritual de entrega mútua, de doação e troca, de prazer inimaginável.

A vida continuou mais bela. A família de Eduarda recebeu com carinho Paolla em seu seio. Embora continuasse trabalhando no escritório de advocacia, com o chefe que não conhecia horários muito bem e esperando como ficaria o seu futuro com relação à diplomacia, Paolla se divertia; era feliz.

Eduarda conheceu a irmã de Paolla e a mãe, mas o pai, que não admitia a orientação sexual da filha, continuou distante. Já a família de Eduarda recebeu Paolla de braços abertos e até brincavam sobre o fato de ter sido namorada de Heitor e a paixão infantil da irmã dele.

O resultado do concurso foi mais que satisfatório e, dois meses depois, foi chamada para fazer o curso de quinze meses no Instituto Rio Branco. O primeiro problema seria a distância de Eduarda, o segundo era o chefe que não queria ficar sem ela no escritório.

Eduarda a apoiava totalmente, então Paolla conseguiu convencer o chefe de que se não fosse o que ela pensava voltaria para o escritório. Quase não vinha pra casa porque o curso não era fácil e queria passar com louvor. Sempre que possível Eduarda vinha até ela, o que lhe dava fôlego para continuar atrás da realização de seu sonho.

Conseguiu seu intento e voltou pra casa. Agora tinham que planejar o que fariam dependendo pra onde poderia ser enviada.

Verificaram o necessário para que Eduarda pudesse clinicar na sua profissão nos EUA e também pela Europa. A faculdade que Eduarda fizera era credenciada, mas para validar seu diploma, fora do Brasil, era uma via sacra de provas e burocracia, além de taxas, claro. E cada lugar diferente do outro, mas não era impossível.

Duas semanas depois do término do curso, antes que fosse chamada, em uma noite de amor, Eduarda descobriu uma pequena bolinha no seio esquerdo de Paolla. Não quis alarmar, e embora Paolla ainda não tivesse 40 anos, idade mais propícia, pediu para que ele fosse ao médico verificar, fazia tempo que não ia, só estudava demais pra cursos e preparação para concurso. A notícia depois dos exames não foi nada boa. Estava maior do que se percebia e não era benigno.

Eduarda, havendo a hipótese de mastectomia, além estar sempre atenta à medicações, consultou psicólogo, oncologista, Google acadêmico, enfim, tudo que pudesse para se preparar para o pior, enquanto aguardava esperançosa o melhor.

Mais exames, biopsia, depois a quimio… e, finalmente, um seio extirpado. De repente, o mundo de Paolla desmoronou.

A família foi avisada e, quando no hospital, o pai veio junto com o restante da família visitá-la. Os pais de Eduarda também vieram. Todos na recepção, aguardando permissão para entrar no quarto, quando o pai resolveu dar sua opinião, olhando atravessado para Eduarda.

– Esta doença deve ter sido castigo por esta putaria em andar com desavergonhadas!

Eduarda, de imediato se levantou com a intenção de se aproximar dele, mas o pai a segurou pelo braço e a fez sentar. Ele se levantou e chegou até onde estava o pai de Paolla.

– Não quer conversar lá fora?

Colocando a mão no ombro de Francisco, fazendo ligeira pressão, convenceu-o a irem para fora. Pararam logo que ultrapassaram a porta na entrada do hospital.

– Eu não o conheço o senhor, mas conheci sua filha, conheço bem a minha filha, sei que se amam e as respeito por isto. Nada, jamais vai fazer eu deixar de amar minha filha. O senhor já descartou a sua, não precisaria ter vindo até aqui em um momento tão crucial na vida dela e de todos que a amam, para dizer asneiras e ofender pessoa de bem. Faça um favor, não só a sua filha, mas de todas as pessoas decentes e inteligentes que aqui estão e vá embora, ou não diga nem uma palavra mais.

Francisco olhou para os lados, certificando-se que estavam sozinhos, que ninguém mais ouvira o que fora dito, olhou para o pai de Paolla, o senhor Adriano e se retirou.

Os médicos informaram que fizeram o possível para que o problema das dores e disfunção do ombro devido à mastectomia, e que poderia se fazer a reconstrução da mama após 4 ou 6 meses.

Ainda no hospital começou a fisioterapia, como terapia importante para ajudar as mulheres com câncer de mama a superarem suas incapacidades, como linfedema, tecido cicatricial, alteração na sensibilidade e a dor. Os fatores que contribuem para os problemas preexistentes, são lesões de grandes e pequenos nervos, a extensão da dissecção linfática, desenervação de músculos, entre outros. O tratamento precoce possibilita prevenir, minimizar ou corrigir as limitações de amplitude de movimento começam com o curativo cirúrgico.

Uma das primeiras atitudes de Paolla ao sair do hospital, seria acabar tudo com Eduarda, sentia-se incompleta. Se lembrava que Eduarda tinha dito que, quando a conheceu se encantou com os seios dela. Isto a matava por dentro, não queria forçar alguém a ficar com ela, não podia.

Eduarda entrou no quarto do hospital em que Paolla estava e uma enfermeira se preparava para fazer o curativo.

– Pode deixar que eu faço o curativo.

A enfermeira assentiu e saiu do quarto.

– Não! Chame a enfermeira de volta, eu não quero que você veja o local da cirurgia.

– Desculpe, mas eu já vi e vou fazer o curativo.

– Não, eu quero que você saia daqui agora! E da minha vida também. Não quero piedade de ninguém.

– Piedade! – um longo suspiro – O te amar por mais de vinte anos, te procurar, te conquistar, te apoiar, foi o que? Vem me falar em piedade agora? E querer que eu demonstre uma pequenez que não é minha? Se você não me amasse eu não estaria com você, mesmo você sendo o único amor da minha vida. Então cala a boca e se acostume a me suportar. Vou contratar alguém da enfermagem para ficar com você durante o tempo de meu trabalho.

Paolla sentia-se mortificada, enquanto Eduarda fazia com delicadeza o curativo. Sentiu-se acolhida, mas ainda com medo.

Após a alta do hospital, a mãe de Paolla decidiu que tomaria conta dela durante o dia, não precisaria contratar ninguém. O pai não apareceu mais no hospital, nem na residência. Toda tarde quando chegava do trabalho, Eduarda dava banho e fazia o curativo em Paolla, assistida pela mãe, que só ia embora quando tinha certeza de não ser mais necessária.

Eduarda chegava do trabalho, se banhava e cuidava de Paolla, quase sem pronunciar uma palavra, apenas o que tinha que ser dito. Depois de tudo feito, cuidava do jantar em silêncio, via tv ou ia para o computador e, finalmente dormir no quarto de hóspede.

Daniela veio visitar Paolla e esta desabou nos braços da amiga.

– Ela não fala comigo, é como se eu fosse uma paciente que ela tem que cuidar e só.

– Não aconteceu nada pra ela agir assim? Você não disse nada que a tenha magoado, porque ela é uma fofa docinha normalmente. Fala com ela, ou age como se não se importasse e também fica calada?

– Bom, eu fico chateada e não falo nada.

Daniela ficou até a chegada de Eduarda; e quando ela veio cuidar de Paolla:

– Eduarda, você está brava, com raiva de alguma coisa?

– Estou sim, com raiva e tremendamente magoada.

– Por que, menina? Que aconteceu? Quem te ferrou assim?

– Imagina alguém que é a tua vida, ignorar tudo o que você sente por ela e te mandar embora e no momento que mais precisa de alguém que a ama cuidando dela? Alguém que você daria a vida a qualquer momento, jogar no lixo tudo o que você tem de mais nobre. Você também não ficaria com raiva, magoada e ferida?

Daniela não soube o que responder e Paolla voltou a chorar.

– Desculpa, amor, falei sem pensar nisto, apenas não queria te prender a alguém, de certa forma, aleijada!

– Um pedaço de carne e músculos iriam diminuir o que sinto por você?

– Foi o que te chamou a atenção pra mim quando me conheceu, você me disse. Fiquei com medo que permanecesse porque eu precisaria de você.

– Meu Deus! Se acontecesse o contrário, você me abandonaria?

– Claro que não!

– Então achou que eu sou uma menina qualquer, sem nenhuma maturidade? Pensou que o que chamou a atenção de uma pré-adolescente seria o mesmo que fez a quase mulher se apaixonar e à mulher amar? Tesão é por corpo perfeito, amor é pela alma perfeita pra sua, simples assim. Não sei porque te amei e continuei e ainda te amo, mas não foi, com toda certeza, não foi só pelo seio lindo. Sou mais exigente que isto.

– Desculpa, amor, me perdoa.

– Nunca mais repita este tipo de coisa, por favor, dói demais!

Abraçaram-se e Daniela saiu do quarto. Já que estava por ali, resolveu fazer o jantar.

A recuperação psicológica, emocional, coisa rara, foi mais rápida que a física que veio a seu tempo.

Frequentando grupo de apoio, Paolla percebeu que há muita coisa que precisa de uma forcinha, um apoio para se resolver, não precisa ser a ONU. Resolveu continuar com a advocacia internacional, mas no escritório onde já trabalhava e de onde veio um apoio inesperado. Nem precisava trabalhar o tempo que trabalhava antes, mas não aceitou isto, continuou como sempre e, em breve tempo, o chefe que adorava pedir tudo a ela, deu-lhe a promoção desejada.

A cada noite de amor, quando Eduarda beijava a cicatriz em seu peito, sentia-se mais amada que nunca e pensava se queria fazer outra cirurgia para reconstrução da mama, ou se haveria risco, se era obrigatória. Afinal, não tinha mais pressa porque se sentia completamente inteira ao lado de Eduarda!

Por quinze segundos acabou conhecendo o amor. Por quinze meses teve um sonho realizado e descartado. Por quinze anos vezes quinze e mais, amaria viver ao lado daquela mulher.

Um dia de cada vez; para Paolla aprender a viver sem uma parte do corpo que, para toda mulher é de suma importância emocional e psicológica, mas com o amor de sua vida ao lado pode ser conseguido. Para Eduarda, entender que às vezes o que se diz na hora de dor e desespero pode ser esquecido e perdoado e que a compensação demonstrada em cada gesto, em cada olhar, em cada sorriso supera tudo.

 FIM.

.

POR QUINZE SEGUNDOS

Mais uma vez chegava correndo à estação a fim de pegar o metrô e prosseguir para o curso de alemão que fazia e estava quase terminando, a fim de realizar seu sonho de trabalhar com direito internacional, ou no Itamaraty, aprenderia qualquer idioma que exigissem pra isso. Xingava mentalmente o chefe que a atrasara pela… sabe-se lá quantas vezes. Quando chegou à plataforma o metrô fechou as portas e partiu. Por míseros quinze segundos perdeu, de novo a composição. Teve vontade de jogar a mochila e bolsa no chão, pisotear em cima e estrangular o chefe, mas tudo que fez foi olhar para os vagões que continuavam seu caminho.

Na janela mais próxima um olhar. Calmo, que parecia compreender sua momentânea raiva, com um quase sorriso. Teve vontade de estar ao lado e poder encarar aquele olhar de perto. É, chegaria mais uma vez, atrasada na escola.

No dia seguinte, faltando cinco minutos para que saísse do escritório, o chefe a chamou e mandou que providenciasse um documento que ele precisava para o jantar com um cliente. PQP! Ele teve o dia todo pra pedir, mas tinha que pedir agora e para ela. Será que ele não percebia que tinha mais gente que trabalhava ali? Ou procurasse ele mesmo! Fizera faculdade de Direito pra servir de estafeta? Será que eram só os processos que ela trabalhava que ele precisava sempre na última hora?

Como não tinha outro jeito foi direto para a pasta do cliente que o chefe mencionara e em poucos minutos encontrou o malfadado documento. Entregou ao chefe e saiu disparada em direção ao elevador, onde já havia fila para descer. 17º andar, aí meu Deus, não dá pra descer a pé.

Mais um dia que perdia o metrô que passava às 18h10, então mais um dia que chegaria atrasada. Tentou correr um pouco mais rápido, mas, na mesma janela do dia anterior, só pode ver os mesmos olhos em sua retina.

Pelo menos já aprendera a pedir desculpas em alemão para a professora.

Na quarta-feira, arrumou tudo, levantou-se em silêncio, quase em câmera lenta, estendeu a mão para abrir a porta de saída e ouviu seu nome saindo do aparelho sobre sua mesa. Correr, fingir que não ouviu e se arriscar a perder o emprego? Ou ir ver o que aquele ##**++¨¨ queria? Decidiu-se pela segunda opção.

Não acreditou quando o chefe disse para ela lembrá-lo sobre uma reunião no dia seguinte e que ela deixasse toda documentação pra ele. O cretino não poderia ter dito isto antes? Não poderia deixar para a manhã seguinte?

Saiu em disparada tentando apanhar o metrô em tempo hábil para chegar antes do início da aula. Estava no último degrau da escada rolante, desviando das pessoas que não tinham pressa quando ouviu o som para fechamento das portas do veículo. Quase sem fôlego, viu uma mão acenando para que continuasse a correr. Alguém segurava a porta e a composição não partira.

Correu mais um pouco se sentindo prestes a desmaiar por falta de ar e antes que os guardas chegassem para fechar a porta a pessoa que a segurava soltou-a e a composição partiu, desta vez com ela dentro pela primeira vez na semana. Olhou para agradecer. A mulher do olhar pela janela que parecia ter uns quilinhos acima do peso, mas bem divididos, a perfeita fofinha. Um sorriso e – Ah meu Deus! Ela tem covinhas quando sorri!

– Desta vez você chega no horário onde precisa ir.

– Ah é! Grata por segurar a porta pra mim. Tenho chegado há vários dias atrasada no curso de alemão, nem dou mais motivos de atraso, só peço desculpas. Hoje, graças a você, vou chegar em cima da hora.

À Paolla parecia que aquela mulher não era totalmente estranha, mas não se lembrava onde a vira antes.

Vagou um banco e ambas se sentaram lado a lado.

– Como você está Paolla? Já conseguiu realizar teu sonho de ser adida de embaixada?

Paolla fez uma cara de espanto e a outra mulher começou a rir, e a mostrar as covinhas que tanto chamaram a atenção dela.

– Não se lembra de mim, não é?

– Desculpe! Sei que já te vi antes, mas não faço a menor ideia de quando e onde.

– Você namorou um cara chamado Heitor há um tempão. É meu irmão.

– Mas você era novinha, uma criança quando o namorei! E ainda se lembra de mim?

– Você é só três anos mais… nasceu três anos antes de mim.

– Se lembra de todas as ex de teu irmão?

– Claro que não!  Apenas de algumas.

– E ainda se lembra do que eu queria ser? Nossa! Que memória fantástica!

– Que nada, você é a única que conheci na vida que queria isto, como comentou com meu irmão comigo por perto, guardei.

– Você se formou?

– Sou veterinária. Quando venho por este lado é para atender a um cliente com muita grana e muita frescura, mas os cães da família são legais!

– Desço na próxima estação. Foi bom te reencontrar…

– Eduarda.

Sorriram como despedida e Paolla desceu.

Correu para a escola, onde chegou em cima da hora, como era o previsto apanhando o metro daquele horário. Por cerca de um mês não encontrou mais Eduarda no metrô. O seu chefe deu uma folguinha nos horários de sua saída do trabalho e esteve chegando no horário pro seu curso que findara. Estava pronta para prestar o concurso dos seus sonhos.

Naquele dia chegou sem correria na plataforma para apanhar o metrô, já que iria pra casa e teve uma surpresa. Eduarda estava sentada em um dos bancos e assim que Paolla apareceu levantou e se aproximou para cumprimenta-la.

– Boa noite! Terminou teu curso de alemão?

– Oi! Terminei sim. Foi visitar teu cliente com cães legais?

– Fui sim. Que bom que não me esqueceu de novo. O que vai fazer agora?

– Pretendo prestar concurso para o Instituto Rio Branco e tentar ser diplomata.

– Muito bom, que consiga realizar teu grande sonho, mas eu quis dizer agora. O que vai fazer agora, esta noite?

– Ahhh! Nada demais.

– Não quer ir jantar comigo? Só pra saber como vai tua vida, não se preocupe. Conheço um lugar de ótima comida caseira, sem frescura, quer dizer, se você gostar deste tipo de comida nada gourmet. – riu.

O riso era cristalino e franco, Paolla adorou o som. Sem saber bem o porquê também aceitou o convite, de repente queria mesmo conhecer um pouco mais aquela mulher.

Pegaram o próximo metrô e foram conversando sobre músicas e cantores favoritos. O local que Eduarda a levou não era nas áreas badaladas, o restaurante era bem tranquilo, limpíssimo, mas não vazio. Parecia que os frequentadores eram aqueles tipos de veganos, de místicos, de espiritualistas, ou pessoal meio esquisito ao ver de Paolla.

– Espero que não se importe em se alimentar sem carne de animais.

– Ah não sei! Francamente nunca tentei conhecer pratos que não tivessem carne, além do arroz, feijão e macarrão, claro.

– Aqui tem muita variedade de pratos, experimente alguns e se quiser pode perguntar o que contém cada prato que se eu não souber te explicar a Nayana ali – apontou para uma bela mulher de sári perto do caixa – te explica. Cuidado com os que têm pimenta, são bem “quentes”.

– Acho que vou pegar o que você for comer sem me arriscar. Só me diz o que tem pimenta que não sou chegada.

– Não vou pegar nada apimentado, pode deixar. E não se preocupe com proteína, porque aqui tem muitos pratos cheios dela.

– Tá bom!

Foi seguindo Eduarda e colocando as mesmas coisas que ela em seu prato. Sentaram-se à mesa e começaram a comer. Paolla ficou surpreendida com os sabores e acabou seu receio com o local.

– Se você quiser alguma bebida aqui tem várias, mas as da casa são chás, que é o que vou beber depois de comer, mas você pode pedir o que quiser.

– Não costumo beber enquanto como, mas vou experimentar o chá com você.

– Vou tomar o de jasmim que é um bom digestivo, não sei se você gosta, mas pode experimentar no meu copo e se preferir outro, é só pedir. E aí, além de fazer cursos de idiomas, trabalhar em advocacia, o que mais tem feito?

– Mais nada! Mal tenho tempo para sair com alguns amigos nos finais de semana.

– Não se casou?

– Não, ainda à procura do par perfeito. – riu.

– Se fica de curso para o trabalho e casa, vai ser difícil encontrar né! Pensei que já estaria casada com algum advogado riquinho e famoso.

– Estes já estão caçados. -Mais uma vez riu- E você, o que mais faz além de cuidar de cães de ricaços chatos, com animais legais?

– Curto a vida. Sonho com meu primeiro amor platônico e namoro tentando esquecer este amor. Mas a vida é divertida e curta demais para ficar empacada em um sonho que não posso realizar, não é?

– Posso saber qual seria este sonho?

– Pode sim, mas não hoje. Um dia te falo.

A curiosidade de Paolla foi a mil, mas percebeu que sobre aquele assunto nada mais ouviria naquela noite.

Falaram sobre a profissão de cada uma, sobre o que pretendiam fazer no futuro e Paolla percebeu que era muito fácil falar com aquela mulher. Só não falaram do pessoal emocional, de resto conversaram bastante.

Depois de jantarem subiram para o andar superior do restaurante, onde havia danças indianas, do ventre e, se alguém quisesse cantar, era só pegar um instrumento e ir para o palco. Paolla adorou o lugar.

– Nossa, adorei aqui!

– Já sabe o caminho agora e se quiser companhia de vez em quando, é só chamar. Meu celular para você anotar os seus endereços.

Apanhou o celular e colocou seu número e o WhatsApp.

Quando Eduarda falou em irem embora foi que percebeu que já era quase três da manhã. Parecia que passar o tempo com aquela mulher era bem agradável e isto a preocupou.

Paolla continuou a estudar com afinco para o concurso do Instituto Rio Branco e por cerca de vinte dias não mais se encontraram. Em uma sexta feira recebeu o telefonema de uma amiga convidando-a para a noitada e resolveu que tinha que se distrair um pouco e aceitou. Iriam a um teatro ver uma peça que a amiga queria muito ver e depois decidiriam o que fazer.

Depois da peça, que gostaram muito acharam que tinha valido a pena a saída, resolveram entre jantar e pizza, o jantar ganhou por insistência de Paolla e foram para um restaurante que conheciam nas proximidades. Sentaram-se à uma das mesas e começaram a verificar o cardápio do dia, ou da noite, porque Daniela, a amiga, achava que era da noite, mas Paolla batia na tecla do dia ter 24 horas, enfim, tudo era motivo pra discussão amigável.

– Boa noite Paolla!

– Eduarda!! Como vai menina? Não quer se juntar a nós?

– Ah não! Estava passando quando a vi e só vim dizer um oi, já que faz tempo que não te encontro. Amiga? – apontando para Daniela.

– Ah, desculpe! Daniela, Eduarda e vice-versa.

Cumprimentaram-se, Eduarda pediu desculpas por interrompê-las e se despediu em seguida.

– (D). Você ficou bem contente em ver a garota. Quem é hein?

– Que nada! É uma antiga conhecida, irmã do meu primeiro namoradinho, antes d’eu resolver transar com o Roberto pra ter certeza de não querer me casar com nenhum homem.

– Ela me pareceu bem interessante!

– Isto ela é! Mas nem sei se é hetero.

– Quando descobrir me conta, porque se você não quiser nada com ela, tô na fila!

– Deixa de ser galinha! Depois, ela me contou que tem um grande amor na vida, platônico, mas existe.

– Se é platônico deixa de lado e convence a chegar mais perto da realidade, o coisinha fofa!

– Ela é bem fofinha mesmo né! Parece tão macia e quando sorri tem covinhas adoráveis e tem cheiro de canela.

– Que ar mais sonhador falando na garota é esse menina!? Caramba, quem não te conhece, teu fanatismo por estudo e trabalho, querendo realizar um sonho que nem sabe se é realmente bom ou não, diria que você está apaixonada.

– Gosto dela, é uma pessoa legal, só isso.

Depois do jantar foram a uma boate gay, dançaram até altas horas, sem se envolver com ninguém, estavam apenas a fim de se divertirem sem mais nenhum enrosco.

Faltando dois dias para a data do concurso, Paolla recebeu uma mensagem de Eduarda desejando boa sorte nas provas. Tal delicadeza tocou fundo em Paolla.

Embora não tenha sido fácil, Paolla tinha certeza de ter ido bem quando entregou as folhas. Saiu contente, esperançosa nos resultados.

– Oi, aceita uma carona?

– Eduarda! O que você está fazendo aqui!?

– Vim te buscar pra comemorar. Tenho certeza que foi bem.

– Também acho que fui. Vamos comemorar porque não sei como irei na segunda fase, então vamos aproveitar né!

– É isso aí. Aonde você quer ir?

– Como você está convidando, pode escolher, estou em suas mãos.

– Duvido muito!

Eduarda riu com gosto e Paolla acompanhou o riso, mas uma pulga grudou na orelha, não tinha certeza de ter entendido bem o que provocou o riso, ou se havia algo por trás da frase.

Desta vez foi levada a um galpão com várias mesas e um palco, onde havia roda de samba, o que ela jamais imaginara que Eduarda gostasse depois do local do almoço. Mas, também havia muita comida de muitos tipos pra gostos diferentes.

Outra coisa que não imaginara a respeito de Eduarda, foi que sambasse daquela forma. Parecia passista de escola de samba! Não havia dúvida, aquela garota a surpreendia toda vez que se encontravam. Havia revezamento de pequenos grupos de música, e como ninguém é de ferro, também se revezavam os sambistas, aos pares, sozinhos, grupinhos com passinhos ensaiados.

– Menina! Que fôlego você tem! Se eu tentasse dançar o tanto que você dançou, amanhã não andaria.

– Que nada! Só estou dando um descanso e depois vou dançar com você.

– O que? Samba!? Nem pensar. Eu não sei, até em dança acompanhada eu sou dura, não tenho molejo, e você é de causar inveja.

– Então dona Paolla, já passou da hora de aprender. Depois de dançar um pouco a gente come e se hidrata. Vamos ficar por aqui até a hora que você quiser, ou até fechar. Ou tem algo a fazer amanhã cedo, em pleno domingo?

– Tenho não. Adorei aqui, mas sinto desapontá-la com a ideia d’eu dançar samba.

– Vem.

Paolla foi puxada com delicadeza da cadeira por Eduarda que se colocou ao lado, segurando sua mão e foi explicando o que ela deveria fazer. Depois de dez minutos, pareceu-lhe que tinha algum futuro sambando e em meia hora, seguia Eduarda nos passos mais básicos com segurança. Sentiu-se vitoriosa.

Comeram, beberam, sambaram, cantaram junto as músicas que conheciam, Eduarda bem mais que Paolla, riram muito. E de repente, já dava pra perceber o sol nascendo. Paolla, mais uma vez ficou pasma de como não sentia o tempo na companhia daquela garota!

Perto das seis da manhã foi deixada por Eduarda na calçada do prédio onde morava. Cansada, feliz e um pouquinho preocupada, recordando a menina que estava sempre por perto nos oito meses que namorar Heitor.

Por volta das onze foi acordada pelo toque incessante do celular. Daniela.

–  Oi! Por que está me acordando?

– Te acordando!? É você mesma Paolla? A mulher que acorda religiosamente as 06h30min., faz exercícios, vai pro trabalho e mesmo domingo e feriado segue a rotina, com raras exceções?

– Cheguei em casa às seis da manhã hoje.

– O queeee!? Foi uma prova de resistência? Não sabia que faziam isto para futuros diplomatas!

– Não! Quando terminei a prova Eduarda estava me esperando e saímos. Quando vi já era de manhã.

– Gente, tô mais que pasma! O que andaram fazendo desde ontem à tarde hein?

– Estávamos em público, não fizemos nada demais, o mente poluída.

– Aposto que não porque você não quisesse.

– Nem pensei em nada deste tipo, te juro. Mas por que você ligou?

– Ah é! Churrasco na casa da Amanda, passo aí daqui meia hora. E no caminho me conta tudinho o que vocês fizeram por mais de doze horas juntas.

Nem teve tempo de dizer que estava cansada e não queria ir, então foi se arrumar. No caminho

– Vai, me conta tudo.

– Não há nada além do que já contei!

– Não aceito isto, você só me disse que ela estava te esperando na saída da prova, o que mais? Pra onde foram? Fizeram o que a noite toda?

– Fomos a um lugar que eu não conhecia e não sei aonde fica. É um galpão grande, com mesas e um palco, onde tocam alguns grupos de samba, tem comida variada e bebida para cada gosto. Foi muito divertido.

– Parece que ela só vai a lugares que tenham música ao vivo! Será que ela toca alguma coisa, algum instrumento?

– Não sei, mas posso perguntar e depois te conto.

– Ah querendo desculpa para se encontrar com ela de novo hein! Você nem gosta de muvuca, passou parte da tarde e a noite quase toda só ouvindo samba, comendo e bebendo? Que esbórnia! Conhecendo como te conheço teve algo mais, você não ficaria tanto tempo vendo um monte de gente e ainda por cima se divertindo com isto.

– Ela me ensinou a sambar.

– O QUE!?

– Não grita! Estamos no mesmo carro.

– Acho que não entendi direito. Ela te ensinou o que?

– Entendeu sim, ela me ensinou a sambar.

– Você sempre reclamou de ser dura demais, de não ter ritmo nem pra bolero! Como ela conseguiu esta façanha?

– Com muita paciência.

– Pois eu faço questão de ver o resultado deste ensinamento lá no churrasco.

– Não! Nem pensar. Não vou me expor pra você ficar tirando o sarro depois.

– Ahhh quer dizer que só dança pra ela é?

– Ela me ensinou, todos viram que eu não sabia nada e ninguém me conhecia, nem olhava om desaprovação.

– E no churrasco vai ter umas nove pessoas, as quais você conhece, e duvido que alguém faria alguma coisa pra te magoar. Vai sambar e pronto! Nem que eu tenha que te fechar em um quarto.

Realmente Paolla conhecia todos ali presente que por sinal, estranharam sua presença. Depois de muito papo e convencer todos que viera quase obrigada por Daniela, chegou a hora da amiga colocar samba no som. Chegou perto dela, estendeu a mão.

– Vamos dançar. Quero ver se o molho tá solto.

– Que molho?

Rindo – Do remelexo, do samba no pé.

Não teve jeito, foi. Aplicou o que aprendera na noite anterior e mostrou que prestara atenção à lição. Depois de três músicas Daniela se convenceu.

– Agora eu acredito! Aprendeu direitinho mesmo, preciso ver tua professora sambar, deve ser muito boa.

– Ela é incrível sambando, parece passista de escola de samba.

– Preciso ver isto.

Os amigos se aproximaram parabenizando impressionados, já que nunca tinham visto ela dançar nada. Vir ao churrasco já era uma surpresa, dançar então.

Paolla admitiu ter sido bom se encontrar com alguns conhecidos. Aquele fim de semana seria inesquecível.

Na quinta-feira à tarde, recebeu de Eduarda uma mensagem pelo WhatsApp, convidando-a para um filme na sexta-feira. Nem pensou duas vezes e respondeu que sim.

Terminou tudo que tinha que fazer no trabalho e ligou para Eduarda avisando que estaria à espera. Logo que se encontraram, ocorreu à Paolla uma curiosidade.

– Eduarda, você me perguntou sobre minha vida, conversamos muito, mas nunca me perguntou se eu e teu irmão, em plena adolescência, não fizemos nada demais. Teu irmão contou algo pra você?

– Talvez eu tenha achado que seria pessoal demais. A gente conversou muito sobre trabalho, profissão, sonhos profissionais, mas pouca coisa de pessoal, não é?

– É mesmo! Vamos lá, o que você gostaria de saber a meu respeito?

– Com quem você transou pela primeira vez? E quando? Foi paixão, gostava muito dele, ou foi coisa de momento?

– Nossa! Vamos por parte. Quem disse que não foi com teu irmão?

– Depois do cinema eu respondo, mas tenho certeza que não foi com ele.

– Tá bom, vou esperar. Foi com um garoto que conheci em uma festa de conhecidos, tomei um pouco de vinho e topei o convite pra saber como era. Não tinha paixão, ele só era bonito e tinha lábia e eu curiosidade. Não foi nada bom.

– Que pena! Encontrou um amor na vida?

– Hum, não. Tive namoros, de algumas pessoas gostei um pouco mais que de outras, mas foi só. E você? Não teve mais nenhuma paixão, um amor menos platônico?

– Só namoros, muito tesão, umas duas paixonites, mas nada suplantou o meu amor que penso ter sido o primeiro e que será sempre o único. Olha, já passa das oito e te confesso que estou com fome. Podemos deixar o cinema para outro dia, irmos jantar em algum lugar aqui do shopping e depois eu esclareço porque tenho a certeza que não transou com meu irmão?

– Claro! Assim temos opções variadas, cada uma escolhe o que mais gosta.

– Você não tem carro, não é?

– Não, priorizei estudos para me preparar pro concurso, nem sei dirigir. Quem sabe você me ensina?

– Por que não!

A curiosidade de Paolla estava à flor da pele no aguardo da resposta sobre Heitor, mas se segurou. Sentaram-se na praça de alimentação olhando à volta, escolhendo o que e onde cada uma pediria o jantar.

Eduarda resolveu ir ao banheiro. Paolla ficou “guardando” a mesa. Enquanto Eduarda estava ausente, Paolla ficou pensando que ela parecia ser alguém muito fofa, imaginando que será que ela pensaria se soubesse que depois de acabar o namoro com Heitor, namorou outro rapaz com quem foi para cama só pra ter certeza que não era homem que queria?

Eduarda voltou.

Escolheram, comeram com tranquilidade, comentando as notícias, os transeuntes. Após comerem Eduarda a convidou para apanharem o carro no estacionamento.

– Vamos a outro lugar?

– Vamos sim. Não é muito longe.

Cerca de trinta e cinco minutos depois de deixarem o shopping, chegaram a uma boate GLS. Paolla gelou, mais por medo do que Eduarda estaria levando-a lá, porque conhecia muitos lugares como aquele.

Entraram, Paolla sem saber como agir, o que estava acontecendo. O local já começava a encher e Eduarda apanhou uma mesa para elas.

– O que estamos fazendo aqui?

– Espera e vai obter resposta, não se preocupe.

Um dos garçons se aproximou, reconheceu Eduarda, beijou-a na face.

– Menina, está acompanhada hoje?

– Oi Jeny, é uma amiga. Viemos ver o show, será que vai ser muito tarde hoje?

– Não imagina, serão em duas partes. Às 23h30min. será o primeiro.

– Beleza então, já são dez e meia. Traz um vinho pra mim, por favor. E Paolla, esta é Jeny, um amigo querido. Vai querer beber alguma coisa agora?

Paolla pediu apenas agua. Quando o garçom se afastou

– Viemos ver que show?

– Tá curiosa né! Que tal a gente dançar um pouco enquanto não dá a hora?

– Você frequenta aqui?

– Não, venho de vez em quando pra ver o show, é legal. Aqui é mais para meninos.

Como Eduarda havia se levantado, Paolla a acompanhou e foram dançar. À Paolla parecia que qualquer dança com aquela mulher era fácil, ela, a durona de molejo, conseguia acompanhar solta o ritmo. Voltaram para a mesa e se prepararam para ver o tal show.

As drags eram profissionais. De repente a estrela do show apontou para Eduarda e jogou um beijo que foi correspondido e mais um belo sorriso. Paolla se assustou.

– Eduarda, é o Heitor!!??

– Ele não está maravilhoso?

– Ele é gay? Por isso que você tinha certeza… agora entendi!

– Gostando do show?

– Muito! Mas jamais imaginei que Heitor se tornaria uma artista transformista. Como isto aconteceu? E a família?

– Ele sempre gostou disto, desde pequeno. Embora eu fosse cinco anos mais nova me lembro dele brincando comigo, vestindo roupas de nossa mãe e de minha irmã. Quando chegou a adolescência a coisa pesou na escola e ele tinha que se mostrar mais macho, para não apanhar dos que se diziam homens, sabe como é. Foi aí que te achou legal e resolveu te namorar pra ver se poderia ir adiante, mas não teve jeito. Depois que se separaram ele se assumiu de vez. A família já tinha percebido, não tem ninguém preconceituoso e deu força pra ele fazer o que gosta.

– Nem me lembro quem terminou, acho que foi ele que voltou a me tratar como conhecida no colégio e só. Ninguém brigou, não discutimos, foi assim no automático, esquisito pensando bem. Acho que um mês depois comecei a namorar o Anderson e acabamos perdendo o contato, ele estava dois anos à minha frente, final de ano foi pra faculdade e foi isso.

Terminou a primeira parte do show, aplaudiram e Eduarda pediu licença para ir conversar com o irmão. Nos bastidores se abraçaram e foram para um balcão de onde tinham visão geral do lugar e dificilmente seriam vistos.

– Você olha pra ela como se fosse a única mulher no mundo!

– E tem outra? Pra mim ela é a única.

– Não conseguiu tirá-la do coração maninha? Até hoje? Já se foram quase vinte anos!

– Tentei, juro. Mas parece que vai ser pra sempre mesmo, foi só vê-la na plataforma do metrô que voltou com tudo.

– Já falou com ela a respeito?

– Claro que não! Vai que ela nunca mais queira falar comigo.

– Jamais vai saber se não falar. Anda, vamos lá conversar com minha ex – rindo.

– Por favor, não fala nada.

Passando por vários cumprimentos no caminho, chegaram à mesa onde Paolla esperava Eduarda.

– Paolla menina, como você está? Bonita até demais não há dúvida!

– Oi Heitor! Você está ótimo, uma beleza de performance, gostei demais.

– Sem julgamento?

– Quem sou eu pra julgar alguém? Fora de tribunal, é claro.

Riram.

– Então é advogada?

Todos se sentaram e Heitor foi fazendo perguntas à Paolla, querendo saber tudo sobre ela desde que se separaram.

– Vou ter que me preparar para o próximo show, vão ficar pra ver?

– Se Eduarda não se importar, eu gostaria de ficar.

– Ótimo então, quando terminar me troco e a gente continua a conversa. Só mais uma coisa, você está com alguém agora no coração?

– Não, não tenho ninguém.

Jogou beijos para elas e foi se aprontar.

– Eduarda, você disse que eu era uma das poucas namoradas de teu irmão que você se lembrava, mas, na realidade eu fui a única né? Os outros foram namorados?

– Viu! Não tinha como te esquecer.

– Mesmo assim, muito tempo para se lembrar de alguém né? O que foi que te chamou tanto a atenção para não me esquecer?

– Acho que o que planejava ser foi uma das coisas. Outra foram teus seios, achava-os lindos e eu era meio desprovida deles – riu. Se bem que até hoje não tenho muita coisa, são pequenos. E você sempre foi educada, agradável.

– Obrigada! É bom ser lembrada.

– Talvez para quem é, nem tanto para quem lembra.

– Esta eu não entendi!

E as luzes mudaram e o show começou. Música, dança, uma verdadeira festa. Ao término.

– Eduarda, pode me explicar…

– Me dá um minutinho que vou cumprimentar o marido de Heitor e já volto.

Foi conversar com um rapaz que estava servindo no balcão do bar e lá ficou até Heitor aparecer com roupas comuns. Ele beijou o marido e foram juntos para a mesa onde estava Paolla. Logo depois o marido de Heitor se juntou a eles e todos se esbaldaram em conversas, muita dança e divertimento.

Quando resolveram ir embora, Paolla quis pagar seu consumo e soube que a boate pertencia a Heitor, que a família o ajudara a montar. Eduarda falou com o irmão sem que os demais ouvissem, e de repente ele se dispôs a levar Paolla para casa dela. Mesmo ela insistindo que poderia pegar um taxi, ele fez questão. No caminho.

– Paolla, deixa eu te perguntar uma coisa. Você é hetero? Continua procurando um príncipe?

– Jamais quis um príncipe! E não, não sou hetero.

– Que maravilha! E o que acha de Eduarda?

– Adorável. Gosto muito dela.

– Então só vou dizer uma coisa, não a magoe, por favor.

– Eu não pretendo magoar ninguém, muito menos Eduarda! Mas, por que você está me dizendo isto?

– Se eu disser ela me mata. Foi muito bom te rever e saber que está bem. Até qualquer dia, te cuida, beijos.

Despediram-se e Paolla ficou mais encucada ainda, querendo que o que estavam subentendido nas frases que ouvira, fosse o que que queria acreditar. Mas, tinha que dormir um pouco.

Depois de dormir e almoçar, resolveu conversar com Daniela. Contou tudo que tinha acontecido e as duas frases que tinham lhe dito e que ela ficara sem entender.

– Tenho a impressão que Eduarda está a fim de você, por isto o irmão pediu para você não a magoar.

– Ela não dá a entender nada disto não, acho que é por amizade.

– Por amizade que ela segurou a porta do metrô, tá. Mas te convidar pra jantar, pra sair, te ensinar a dançar, te levar onde o irmão trabalha, por amizade? Acho que não! Eu iria a fundo pra saber o que ela sente e o que quer.

– Foi só por quinze segundos que ela segurou a porta do metrô, coisa rápida que talvez fizesse por qualquer pessoa. Mas, para tirar qualquer dúvida, vou chamar ela pra almoçar em casa neste sábado.

Antes que mudasse de ideia ligou, deu ocupado. Então mandou uma mensagem gravada no WhatsApp. Depois de dois minutos recebeu a resposta com uma carinha de coração, agradecendo e aceitando o convite.

No sábado Paolla se levantou preocupada se não estaria exagerando, dando muita importância ao que Daniela havia dito, em como começar o assunto, mas foi cuidar de preparar tudo e não desistiu do almoço.

Quando Eduarda chegou, às 13h00 em ponto, Paolla abriu a porta e assim que a convidada entrou e ela fechou a porta.

– Eduarda preciso te perguntar uma coisa, ou vou ficar doida tentando descobrir. Por que segurou a porta do metrô para que eu entrasse e tem me convidado pra sair?

– Tenho te convidado pra sair para que você me conheça um pouco e que eu possa saber mais de você, pra ter certeza que é como imaginava que seria a ex de meu irmão. Quanto a ter segurado a porta é porque eu sabia que era você, que eu já a conhecia e que seria a terceira vez que perderia o metrô por quinze segundos.

– Por que devemos nos conhecer melhor?

– Você ainda não percebeu?

– Posso ter alguma dúvida.

-Ah advogados, tudo tem que estar sempre claro.  Procurei por muito tempo, mas parece que você não tinha muita rede social, acabei encontrando procurando nomes de advogados. Sabia que já tinha te visto na estação de metrô e não me aproximei? Tive medo. Até que vi perder duas vezes seguidas por alguns segundos, resolvi segurar a porta e me aproximar.  Você é a minha primeira crush, a minha primeira paixão, meu primeiro amor que nunca consegui esquecer ou tirar do coração.

Olhavam-se profundamente e a declaração tão franca de Eduarda derreteu Paolla de forma inigualável, sentiu-se feliz. Abraçaram-se e o primeiro beijo foi uma explosão e o sofá foi o primeiro ninho de amor realizado para elas. Foi manso, foi saudoso, como se ambas esperassem aquele momento, aquilo acontecer, com leveza da certeza de sentimentos.

E Paolla descobriu-se totalmente apaixonada por aquela mulher que tinha nos braços. Cada toque era delicado, demorado, prazeroso, como se tivessem a vida toda para completar aquele ritual de entrega mútua, de doação e troca, de prazer inimaginável.

A vida continuou mais bela. A família de Eduarda recebeu com carinho Paolla em seu seio. Embora continuasse trabalhando no escritório de advocacia com o chefe que não conhecia horários muito bem e esperando como ficaria o seu futuro com relação à diplomacia, Paolla se divertia, era feliz.

Eduarda conheceu a irmã de Paolla e a mãe, mas o pai, que não admitia a orientação sexual da filha, continuou distante. Já a família de Eduarda recebeu Paolla de braços abertos e até brincavam sobre o fato de ter sido namorada de Heitor e a paixão infantil da irmã dele.

O resultado do concurso foi mais que satisfatório e dois meses depois foi chamada para fazer o curso de quinze meses no Instituto Rio Branco. O primeiro problema seria a distância de Eduarda, o segundo era o chefe que não queria ficar sem ela no escritório.

Eduarda a apoiava totalmente, então Paolla conseguiu convencer o chefe que se não fosse o que ela pensava voltaria para o escritório. Quase não vinha pra casa porque o curso não era fácil e queria passar com louvor. Sempre que possível Eduarda vinha até ela, o que lhe dava fôlego para continuar atrás da realização de seu sonho.

Conseguiu seu intento e voltou pra casa. Agora tinham que planejar o que fariam dependendo pra onde poderia ser enviada.

Verificaram o necessário para que Eduarda pudesse clinicar na sua profissão nos EUA e também pela Europa. A faculdade que Eduarda fizera era credenciada, mas para validar seu diploma fora do Brasil, era uma via sacra de provas e burocracia, além de taxas, claro. E cada lugar diferente do outro, mas não era impossível.

Duas semanas depois do término do curso, antes que fosse chamada, em uma noite de amor, Eduarda descobriu uma pequena bolinha no seio esquerdo de Paolla. Não quis alarmar, e embora Paolla ainda não tivesse 40 anos, idade mais propícia, pediu para que ele fosse ao médico verificar, fazia tempo que não ia, só estudava demais pra cursos e preparação para concurso. A notícia depois dos exames não foi nada boa. Estava maior do que se percebia e não era benigno.

Eduarda, havendo a hipótese de mastectomia, além estar sempre atenta à medicações, consultou psicólogo, oncologista, Google acadêmico, enfim, tudo que pudesses para se preparar para o pior, enquanto aguardava esperançosa o melhor.

 Mais exames, biopsia, depois a químio… e, finalmente, um seio extirpado. De repente o mundo de Paolla desmoronou.

A família foi avisada e quando no hospital o pai veio junto com o restante da família visita-la. Os pais de Eduarda também vieram. Todos na recepção, aguardando poderem entrar no quarto, quando o pai resolveu dar sua opinião olhando atravessado para Eduarda.

– Esta doença deve ter sido castigo por esta putaria em andar com desavergonhadas!

Eduarda, de imediato se levantou com a intenção de se aproximar dele, mas o pai a segurou pelo braço e a fez sentar. Ele se levantou e chegou até onde estava o pai de Paolla.

– Não quer conversar lá fora?

Colocando a mão no ombro de Francisco, fazendo ligeira pressão, convenceu-o a irem para fora. Pararam logo que ultrapassaram a porta na entrada do hospital.

– Eu não o conheço senhor, mas conheci sua filha, conheço bem a minha filha, sei que se amam e as respeito por isto. Nada, jamais vai fazer eu deixar de amar minha filha. O senhor já descartou a sua, não precisaria ter vindo até aqui em um momento tão crucial na vida dela e de todos que a amam, para dizer asneiras e ofender pessoa de bem. Faça um favor não só a sua filha, mas de todas as pessoas decentes e inteligentes que aqui estão e vá embora, ou não diga nem uma palavra mais.

Francisco olhou para os lados, certificando-se que estavam sozinhos, que ninguém mais ouvira o que fora dito, olhou para o pai de Paolla, o senhor Adriano e se retirou.

Os médicos informaram que fizeram o possível para que o problema das dores e disfunção do ombro devido à mastectomia, e que poderia se fazer a reconstrução da mama após 4 ou 6 meses.

Ainda no hospital começou a fisioterapia, como terapia importante para ajudar as mulheres com câncer de mama a superarem suas incapacidades, como linfedema, tecido cicatricial, alteração na sensibilidade e a dor. Os fatores que contribuem para os problemas preexistentes, são: a lesões de grandes e pequenos nervos, a extensão da dissecção linfática, desenervação de músculos, entre outros. O tratamento precoce possibilita prevenir, minimizar ou corrigir as limitações de amplitude de movimento começam com o curativo cirúrgico.

Uma das primeiras atitudes de Paolla ao sair do hospital, seria acabar tudo com Eduarda, sentia-se incompleta. Se lembrava que Eduarda tinha dito que quando a conheceu se encantou com os seios dela. Isto a matava por dentro, não queria forçar alguém a ficar com ela, não podia.

Eduarda entrou no quarto do hospital em que Paolla estava e uma enfermeira se preparava para fazer o curativo.

– Pode deixar que eu faço o curativo.

A enfermeira assentiu e saiu do quarto.

– Não! Chame a enfermeira de volta, eu não quero que você veja o local da cirurgia.

– Desculpe, mas eu já vi e vou fazer o curativo.

– Não, eu quero que você saia daqui agora! E da minha vida também. Não quero piedade de ninguém.

– Piedade! – um longo suspiro – O te amar por mais de vinte anos, te procurar, te conquistar, te apoiar, foi o que? Vem me falar em piedade agora? E querer que eu demonstre uma pequenez que não é minha? Se você não me amasse eu não estaria com você, mesmo você sendo o único amor da minha vida, então cala a boca e se acostume a me suportar. Vou contratar alguém da enfermagem para ficar com você durante o tempo de meu trabalho.

Paolla sentia-se mortificada enquanto Eduarda fazia com delicadeza o curativo. Sentiu-se acolhida, mas ainda com medo.

Após a alta do hospital, a mãe de Paolla decidiu que ela tomaria conta dela durante o dia, não precisaria contratar ninguém. O pai não apareceu mais no hospital, nem na residência. Toda tarde quando chegava do trabalho, Eduarda dava banho e fazia o curativo e Paolla, assistida pela mãe, que só ia embora quando tinha certeza de não ser mais necessária.

Eduarda chegava do trabalho, se banhava e cuidava de Paolla, quase sem pronunciar uma palavra, apenas o que tinha que ser dito. Depois de tudo feito, cuidava do jantar em silêncio, via tv ou ia para o computador e, finalmente dormir no quarto de hóspede.

Daniela veio visitar Paolla e esta desabou nos braços da amiga.

– Ela não fala comigo, é como se eu fosse uma paciente que ela tem que cuidar e só.

– Não aconteceu nada pra ela agir assim? Você não disse nada que a tenha magoado, porque ela é uma fofa docinha normalmente. Fala com ela, ou age como se não se importasse e também fica calada?

– Bom, eu fico chateada e não falo nada.

Daniela ficou até a chegada de Eduarda e quando ela veio cuidar de Paolla.

– Eduarda, você está brava, com raiva de alguma coisa?

– Estou sim, com raiva e tremendamente magoada.

– Por que menina? Que aconteceu? Quem te ferrou assim?

– Imagina alguém que é a tua vida, ignorar tudo o que você sente por ela e te mandar embora e no momento que mais precisa de alguém que a ama cuidando dela? Alguém que você daria a vida a qualquer momento, jogar no lixo tudo o que você tem de mais nobre. Você também não ficaria com raiva, magoada e ferida?

Daniela não soube o que responder e Paolla voltou a chorar.

– Desculpa amor, falei sem pensar nisto, apenas não queria te prender a alguém, de certa forma, aleijada!

– Um pedaço de carne e músculos iriam diminuir o que sinto por você?

– Foi o que te chamou a atenção pra mim quando me conheceu, você me disse. Fiquei com medo que permanecesse porque eu precisaria de você.

– Meu Deus! Se acontecesse o contrário, você me abandonaria?

– Claro que não!

– Então achou que eu sou uma menina qualquer, sem nenhuma maturidade? Pensou que o que chamou a atenção de uma pré-adolescente seria o mesmo que fez a quase mulher se apaixonar e à mulher amar? Tesão é por corpo perfeito, amor é pela alma perfeita pra sua, simples assim. Não sei porque te amei e continuei e ainda te amo, mas não foi, com toda certeza não foi só pelo seio lindo. Sou mais exigente que isto.

– Desculpa amor, me perdoa.

– Nunca mais repita este tipo de coisa, por favor, dói demais!

Abraçaram-se e Daniela saiu do quarto. Já que estava por ali, resolveu fazer o jantar.

A recuperação psicológica, emocional, coisa rara, foi mais rápida que a física que veio a seu tempo.

Frequentando grupo de apoio, Paolla percebeu que há muita coisa que precisa de uma forcinha, um apoio para se resolver, não precisa ser a ONU. Resolveu continuar com a advocacia internacional, mas no escritório onde já trabalhava e de onde veio um apoio inesperado. Nem precisava trabalhar o tempo que trabalhava antes, mas não aceitou isto, continuou como sempre e em breve tempo, o chefe que adorava pedir tudo a ela, deu-lhe a promoção desejada.

A cada noite de amor, quando Eduarda beijava a cicatriz em seu peito, sentia-se mais amada que nunca e pensava se queria fazer outra cirurgia para reconstrução da mama, ou se haveria risco, se era obrigatória. Afinal, não tinha mais pressa porque se sentia completamente inteira ao lado de Eduarda!

Por quinze segundos acabou conhecendo o amor. Por quinze meses teve um sonho realizado e descartado. Por quinze anos vezes quinze e mais, amaria viver ao lado daquela mulher.

Um dia de cada vez, para uma, aprender a viver sem uma parte do corpo, que para toda mulher é de suma importância emocional e psicológica, mas com o amor de sua vida ao lado pode ser conseguido. Para outra, entender que às vezes o que se diz na hora de dor e desespero pode ser esquecido e perdoado e que a compensação demonstrada em cada gesto, em cada olhar, em cada sorriso supera tudo.

 FIM.



Notas:



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