Luz para florescer

Capítulo 23

Eleonora desligou. Olhou novamente para o relógio refletindo se deveria ligar para a residência dos Alcott àquela hora. “Claro que não, sua tonta. Você nem sabe se ela está realmente lá”, ponderou. Resolveu esperar a manhã se adiantar um pouco mais na cafeteria, oportunamente aberta, onde poderia mergulhar a impaciência em litros de café. Mal esperou dar oito horas e ligou para o número que Camilla lhe dera. Uma voz de ancião atendeu à ligação. Eleonora perguntou em bom inglês:

– I would like to talk to Suzana Alcott, please. Is she there?

– Who would like?

– Eleonora Cavalcanti.

– Yes. Lady Alcott told me about you, Miss Cavalcanti. She slept in the hospital.

– Hospital? – Eleonora exclamou.

Albert explicou sucintamente a situação para Eleonora que sentiu o coração se apertar a cada palavra do distinto senhor. Esqueceu qualquer resquício de ressentimento que pudesse existir por Suzana não ter compartilhado esta terrível notícia com ela antes de ter se abalado de Madrid sem um único recado. Pensou tão somente na dor e no sofrimento que a mulher que amava poderia estar passando nesse momento. Suzana estava perdendo o irmão que adorava e revivendo mais uma de suas muitas perdas, provavelmente e novamente, sozinha. O peito de Eleonora se apertou dolorido de pesar e angústia. Saiu praticamente correndo pelo saguão do aeroporto depois que Albert lhe cedeu o endereço do hospital.

Eleonora caminhou pelo corredor que dava acesso ao apartamento onde estava Robert, trêmula de ansiedade por ver Suzana. Chegou à porta ao mesmo tempo em que chegava também um senhor idoso numa cadeira de rodas conduzido por um homem que parecia ser um enfermeiro ou acompanhante. O velho a olhou com altiva curiosidade e o leve arquear de uma das sobrancelhas que fez Eleonora se lembrar de alguém. Eleonora imaginou se este poderia ser o avô de Suzana. “Mas eu pensei que ele estivesse morto”, pensou. Depois se lembrou de que Suzana nunca havia mencionado a morte do avô. Ela assim o supusera devido ao fato de Robert já envergar o título de Lorde. Abriu espaço para o velho senhor entrar e adentrou logo em seguida na pequena sala de espera antes do quarto. O velho dirigiu-se a ela.

– Are you some reporter?

– No, sir. I’m a friend.

– A friend of Robert, I suppose.

– In fact…I am not, sir. I am friend of Suzana.

– Well, welll – falou o velho lorde não sem um certo desdém. – One of Suzana’s girls.

Eleonora sentiu o rosto em fogo.

– No, sir. I’m not one of Suzana’s girls. I’m…

– My future wife – uma conhecida e profunda voz de contralto invadiu a saleta.

Eleonora sentiu o peito se aquecer. Virou-se para Suzana para ver consternada o rosto amado abatido, sulcado por olheiras fundas e os olhos azuis com o seu viço brilhante embaçado por uma sombra de tristeza. Caminhou para ela e a abraçou firme e docemente. A mulher mais alta pareceu diminuir nos braços de sua pequena amada e, numa atitude incomum, permitiu que Eleonora percebesse o tamanho da fragilidade com que se encontrava naquele momento. Eleonora só pôde abraçá-la mais forte. Suzana falou num sussurro:

– Você me encontrou.

– Eu iria até o último dos infernos, mas eu te encontraria.

– Obrigada.

– Não vamos falar mais nisso. Agora, precisamos cuidar de Robert – Eleonora disse amparando o rosto moreno nas mãos e olhando bem dentro dos olhos azuis.

Suzana sentiu ressurgir uma esperança que julgava desaparecida depois que viu o estado em que se encontrava o irmão, pelo simples fato de Eleonora estar ao seu lado. Algo como uma força ignota que somente Eleonora tinha o poder de lhe descortinar. Abriu um sorriso tímido para a sua pequena grande mulher e se pegou agradecendo silenciosamente a Deus por tê-la consigo.

O momento foi quebrado por um comentário desagradável.

– Should I be touched? Please! Save me of those scenes. Suzana, how is going my grandson?

– Na mesma – Suzana não se deu ao trabalho de falar em inglês mais uma vez.

– Could you say for this young woman than she is dispensable here? That’s family business.

– A única pessoa totalmente dispensável aqui é você, velho. Você não ama a Robert mais do que à sua estúpida linhagem. Portanto…Vá se acostumando com a idéia. Se Robert morrer, a sua descendência morre com ele – Suzana tornou a olhar para Eleonora. – Eu preciso de um café. Você me acompanha?

– Sempre.

Saíram juntas para a lanchonete do hospital, deixando o velho irascível sem a menor cerimônia.

Sentadas, cada uma com uma caneca de café sobre a mesa, Eleonora olhou para o rosto cansado da sua mulher e perguntou brandamente:

– Qual é o estado de Robert?

Suzana respirou fundo e respondeu:

– Ele sofreu várias intervenções cirúrgicas. Quebrou o fêmur e algumas costelas. Teve traumatismo craniano com lesões no lobo central direito. Os médicos não podem definir a extensão das seqüelas até que ele fique consciente…Se ele ficar consciente.

Eleonora colocou a mão sobre a mão de Suzana.

– Ele vai conseguir, Suzie.

Suzana sorriu fracamente e comentou:

– E ainda tem o meu avô…

– Pareceu-me uma pessoa bem difícil – Eleonora ponderou, cautelosa.

– Sim, ele é…O fato é que se Robert morrer sem lhe dar netos, o título e as propriedades passarão para o irmão mais novo de meu avô, que ele sempre considerou um idiota, e os filhos dele. Para um homem orgulhoso de sua estirpe como o velho Lorde Alcott, isso se assemelha a uma derrota inadmissível.

– Quando você falou que Robert era o atual lorde, eu pensei que seu avô tivesse morrido.

– Uma suposição compreensível. É que há cerca de três anos, quando meu avô se convenceu de que estava inválido, ele legou a Robert o título, as propriedades e todas as obrigações decorrentes deles. Bobby vinha fazendo um bom trabalho apesar das constantes interferências cheias de arrogância do velho. Na verdade, somente Robert suporta nosso avô com a paciência e o respeito que ele pouco merece – Suzana baixou o olhar. – Ah, Elê, o meu irmão é uma pessoa tão rara, gentil e carinhosa. Tão… – Suzana tornou a olhar para Eleonora com os olhos azuis cheios de lágrimas e não conseguiu completar a frase.

Eleonora apertou-lhe a mão tentando passar força e apoio à mulher que amava. Suzana soltou o ar com força e tentou se recompor. A loira esperou um instante e perguntou com cuidado:

– Suzie…Ele…O seu avô. Ele pode exigir que você se case e lhe dê um herdeiro?

Suzana conseguiu sorrir levemente ante o rosto claro tentando manter uma feição casual totalmente desmentida pela eterna denunciante rugazinha no nariz.

– Sim…

Eleonora abriu a boca, atônita.

– Há uns duzentos anos atrás – Suzana completou.

Um suspiro de alívio arrancou um raro sorriso largo do rosto da morena.

– Vamos voltar, meu amor? – Suzana perguntou. – O médico deve passar pelo quarto daqui a alguns minutos. Eu quero estar presente.

Eleonora anuiu com a cabeça e elas se levantaram.

Caminhando pelo corredor largo pintado de um suave verde claro, Eleonora falou a Suzana.

– Posso te fazer uma pergunta?

Suzana respondeu um tanto distraída:

– O que você quiser.

– O que você quis dizer com “future wife”?

Desta vez, Suzana parou e olhou para a mulher mais baixa.

– O que a expressão quer dizer: futura esposa.

– Não me lembro de ter sido pedida em casamento.

Suzana olhou ao redor, pegou a mão de Eleonora e se adiantou para uma porta sem número ou qualquer outra identificação. Entraram num cubículo cheio de materiais de limpeza.

– Não foi o jeito que eu planejei, mas…Eleonora, você aceita como esposa uma jogadora em fim de carreira, cabeça dura e que vive metendo os pés pelas mãos e com uma história de vida complicada, uma família mais ainda, mas que te ama mais que a própria vida?

Suzana terminou o breve discurso um pouco ofegante, fitando com olhos ansiosos a jovem loira pasma à sua frente. Eleonora prolongou o silêncio tempo demais para a impaciência de Suzana.

– E, então? – perguntou a morena sem mais se conter.

– Depende…- começou Eleonora, devagar.

– Depende do que?

– De você parar de me enfiar em todas as portas que encontrar abertas dos lugares mais estranhos daqui ao extremo oriente pelo menos pelos próximos setenta anos.

O rosto de Suzana se iluminou com aquele sorriso de endoidecer.

– Quer dizer que…

– Quer dizer, Suzana, que me casar com você é a coisa que eu mais quero desde que saí da infância.

A jogadora pegou sua pequena amada nos braços e a beijou profundamente.

– Deus, Eleonora! Como eu amo você.

– Eu também, Suzie, eu também.

A jovem treinadora tocou com infinito carinho o belo rosto moreno e falou com suavidade:

– Agora, venha, amor. Vamos cuidar do seu irmão.



Notas:



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