Suzana andava de um lado para o outro parecendo uma tigresa enjaulada.
– Mas, que coisa, Regina! Assim tão de repente. E, ela como ficou? Deve ter sido um golpe e tanto. Eleonora é tão sensível. Você tem mais notícias?
– Calma, Suzana. Você está muito nervosa. Até parece que foi alguém da sua família. Não, eu ainda não tenho notícias novas. A própria Eleonora não sabia direito como aconteceu. Parece que o pai dela foi fazer uma consulta de rotina e o médico descobriu que ele estava à beira de um infarto. Foi internado às pressas e quando Eleonora foi avisada, ele já estava sendo preparado para a cirurgia. Ela pegou o primeiro avião para São Paulo, e lá alguém iria buscá-la no aeroporto e a levaria de carro para Santa Cruz. O Oscar vai conduzir o seu treinamento até a volta dela.
– Eu…Claro, tudo bem. Eu só queria saber notícias do Dr. Marcos. Se ela te ligar…Por favor, me mantenha informada.
– Você conhece o pai de Eleonora?
– Eu o conheci há alguns anos atrás.
– Sim, eu sei, Eleonora era jogadora no time que você treinou por algum tempo no interior de São Paulo. Mas…Eu não imaginava que você tinha chegado a conhecer a família dela.
– É…Foi numa festa na casa dela…Eu compareci e…Bom, eu conheci os pais e o irmão. São ótimas pessoas. Se ela ligar, não deixe de me comunicar, por favor.
– Tudo bem. Agora, vamos treinar. O campeonato está nos nossos calcanhares.
– Vamos.
No outro dia de manhã, Eleonora ainda não havia dado notícias. Somente no início da tarde, ela ligou para a técnica. Estavam todas terminando de almoçar quando Regina informou à equipe que o pai de Eleonora não corria mais risco de vida e que ela voltaria no dia seguinte. Mais tarde, Suzana a procurou.
– Ela disse mais alguma coisa, Regina? O Dr. Marcos está passando bem?
– Creio que sim, Suzana. Pelo que Eleonora me disse, a cirurgia transcorreu perfeitamente. Ele colocou algumas pontes de safena e está passando bem. Ainda se encontra na UTI somente por medida preventiva pós-operatória. Ela me pareceu bastante tranquila e me adiantou que deve chegar por aqui amanhã, no início da noite.
Suzana deu um suspiro aliviado e agradeceu à técnica. Foi descansar um pouco no seu quarto deixando a técnica pensando em como não devemos nos deixar levar pelas aparências. Ela nunca imaginaria que Suzana Alcott fosse tão sensível aos problemas alheios.
Suzana entrou no ônibus da seleção após o treino e depois de uns vinte autógrafos aos fãs plantados no caminho para o veículo. Como estava treinando no mesmo horário da equipe com o auxiliar-técnico que acumulava momentaneamente a função de Eleonora, não precisava ir para o Centro de Treinamento no próprio carro.
Fato, aliás, que ela apreciava.
Suzana sabia da importância da união de um grupo em torno de um objetivo. E que isso passava pela convivência diária de toda a equipe entre si, focada nesse alvo comum, dentro e fora da quadra. Assim como, pela participação bem-humorada nas brincadeiras frequentes e inevitáveis gozações dentro do time. Suzana, apesar de ser, de longe, a mais famosa atleta da equipe e de ser, por isso, a mais assediada pelos torcedores e pela imprensa, tinha um ótimo relacionamento com o restante das jogadoras e participava alegremente das molecagens das colegas, algumas das quais ela já conhecia há muitos anos, na seleção.
Chegou ao hotel conversando, bem humorada, com a armadora titular com a qual jogava há muito tempo. Ficou imediatamente alerta quando ouviu o nome de Eleonora sendo pronunciado pelo rapaz da recepção. Em seguida, escutou-o dizendo á técnica que Eleonora havia retornado e que pedira para avisá-la disso assim que chegasse. Regina agradeceu ao rapaz e pediu que ele ligasse para o apartamento da sua treinadora física.
– Elê? Ah! Desculpe, tudo bem? Eleonora está por aí? Eu espero, obrigada.
Suzana escutava a conversa com mal disfarçado interesse. “Havia vindo alguém junto com Eleonora? Quem seria?” Regina continuava a ligação.
– Oi, Elê. Como você está, menina? Que bom. Não, não precisa. Descanse da viagem. Eu sei que você não está chegando do Alasca, Eleonora. Mas, o trabalho pode esperar até amanhã. Você vem jantar conosco? Vai jantar fora. Certo. Até amanhã, então. Beijo.
Regina reparou em Suzana ao seu lado.
– Vamos jantar, Suzana?
– Vamos…Eu só vou dar um pulinho no meu quarto e já volto.
– Está bem, eu te aguardo no restaurante.
– Ok.
Regina seguiu em direção ao restaurante e Suzana caminhou até o elevador. A porta se abriu e ela deu de cara com Eleonora e uma mulher de cabelos castanhos, muito bonita. Ficou sem palavras, foi Eleonora quem se pronunciou:
– Oi, Suzana. Como passou desde segunda-feira?
– Oi, Eleonora. Bem, obrigada. E o seu pai, como está?
– Muito melhor, obrigada. Foi um susto e tanto, mas já passou. Ah! Suzana, essa é Luciana. Luciana, essa é…
– Suzana Alcott – antecipou-se Luciana com um sorriso simpático e estendendo a mão para a jogadora. – É um prazer.
– Prazer – respondeu Suzana apertando a mão estendida.
– Nós estamos saindo para jantar – disse Eleonora.
– Comida Italiana – completou Luciana, que continuou reportando-se a Eleonora. – Espero que um bom prato de massa retorne com o seu proverbial apetite, pequena. Eu estou espantada com o pouco que você está comendo ultimamente.
Algo em Suzana se acendeu como um alarme, fazendo o seu coração disparar. A percepção do tom de carinhosa intimidade que Luciana utilizava para falar com Eleonora a incomodou enormemente. Despediu-se com rapidez.
– Bem, bom apetite, então. Até amanhã, Eleonora. Prazer em conhecê-la, Luciana.
As duas jovens mulheres se despediram também e foram saindo enquanto Suzana escondia toda a sua confusão atrás das portas do elevador. Ela não conseguia divisar direito o que estava sentindo – um aperto na garganta, um gosto travoso na boca, uma vontade de chutar a parede do elevador com toda a sua força.
– Que diabos… – parou no meio da blasfêmia. Reconhecera o sentimento. Fazia muito tempo que não o sentia. Desde a infância. Quando vira Eleonora com aquela bela mulher ao lado sentira um dos mais antigos e insuportáveis sentimentos que assombram o coração humano. Ela quase tivera um acesso do mais puro e velho…Ciúme.
Eleonora olhava para a mulher dormindo com os cabelos castanhos espalhados sobre o travesseiro. Luciana fora buscá-la no aeroporto, levara-a para Santa Cruz e tranquilizara-a quanto ao estado de saúde de seu pai. Acompanhara o pós-operatório juntamente com a equipe médica que fizera a intervenção cirúrgica no Dr. Eduardo e deixara a família sempre bem informada sobre o seu estado clínico, fazendo um enorme bem para D. Clarisse que estava extremamente nervosa.
E, agora, ela estava ali. Acompanhando-a, para que ela não se sentisse sozinha. Apoiando-a em seu trabalho. Luciana era uma pessoa rara. Eleonora sentiu uma onda de carinho tomar-lhe o peito. Acariciou levemente os finos cabelos castanhos. Luciana gemeu qualquer coisa incompreensível e ajeitou a cabeça sobre o ombro de Eleonora. “Como eu sou feliz em ter uma mulher como essa em minha vida. Que diabos eu tenho que ficar toda perturbada com a presença de Suzana. Caramba! Eu tenho que dar um fim a isso”. Abraçou a esposa como se ela fosse uma bóia no meio de um oceano de vagas confusas e dormiu profundamente.
Os dois outros dias de treinamento foram extremamente interessantes. Suzana mal abria a boca. Eleonora não se esforçava para aumentar o contato verbal. Limitavam-se a instruções e elucidações corriqueiras. Contudo, Suzana sentia que iria explodir a qualquer momento. Isso não era algo comum em sua vida regrada e conduzida segundo a sua vontade. Eleonora, desde a primeira vez, sempre representara uma tremenda desordem em seus planos cuidadosamente traçados. Sentia ganas de sacudi-la como a uma boneca de pano e depois beijá-la como uma ensandecida.
Seu desejo estava à flor da pele. Cada vez que a loirinha se aproximava para uma explicação qualquer e o cheiro suave do seu perfume chegava aos sentidos de Suzana, a jogadora tinha que achar um ponto de interesse qualquer entre os cadarços do seu tênis para resistir à vontade de tomá-la nos braços ali mesmo com toda a força dos seus desejos represados. A frustração, o ciúme e a impaciência estavam transformando esses dias em algo semelhante às torturas infernais.
Para a sorte da sanidade mental de Suzana à beira de um colapso, Luciana foi embora no sábado à tarde. O domingo de plantão fora o preço que pagara pelos dias de folga ao lado da mulher. Eleonora a levou ao aeroporto em São José dos Pinhais, cidade contígua a Curitiba, e retornou ao hotel já sentindo saudade da delicada e segura presença de sua esposa. Entrou no saguão do hotel por volta das dezenove horas. Desta vez, a mão do destino estava ainda mais precisa. A porta do elevador se abriu e ela encarou a face de Suzana tão surpresa quanto a dela.
– Boa noite, Suzana.
– Boa noite.
Não fizeram mais qualquer comentário enquanto o elevador subia. Quando a porta se abriu no andar de Suzana, ela falou abruptamente:
– Precisamos conversar.
Eleonora estava prestes a soltar uma negativa. Contudo, era a oportunidade que ela também estava aguardando. Respondeu simplesmente:
– Vamos ao meu apartamento.
Entraram mudas no quarto de Eleonora que indicou, com um gesto, o sofá a Suzana para que ela se acomodasse. A loirinha se instalou na poltrona de frente e falou:
– Pois bem…
Suzana se mexeu, incomodada, no sofá. Sentia-se tomada por um acanhamento insólito. Não sabia por onde começar. Respirou fundo, pigarreou um pouco e falou mais baixo do que o normal.
– Eu te devo uma explicação há muito tempo.
– Suzana, você não…
– Me deixe falar.
Desta vez, Suzana recuperou a segurança. Uma estranha calma se apossou dela e ela continuou clara e pausadamente:
– Naquele dia em que eu desapareci da sua vida, minha mãe estava perdendo a dela para o câncer no Hospital Albert Einstein em São Paulo.
– Eu…Não sabia. Sinto muito.
– Nós não nos dávamos bem, Eleonora. Acho que a última vez que eu recebi um aceno carinhoso de minha mãe, senão em seus últimos dias, foi por volta dos sete anos. Ela era uma mulher fechada e rigorosa. E, no entanto, eu sofri como nunca imaginei com a sua agonia e com a sua morte.
Suzana se levantou como se não estivesse suportando ficar sentada.
– Meu nome de batismo é Suzanne Louise Catherine Alcott. Filha de Lady Catherine Mary Alcott, Condessa de Devonshire, e de um brasileiro mestiço de índio e português que ela conheceu numa viagem ao Brasil em meados da década de sessenta e com quem se uniu contra a vontade do poderoso Lorde Alcott, de quem era filha única. Ela se separou três anos depois e voltou para Londres com uma filha de cor acobreada para lembrá-la eternamente da sua momentânea insanidade juvenil.
– Suzana, eu não vejo porque…
– Por favor, Elê, deixe-me continuar. Eu preciso que você saiba um pouco da minha história para que possa me entender, me compreender…E, talvez…Me perdoar.
Eleonora olhou para aqueles olhos cheios de uma doçura triste e suplicante. Calou-se e se preparou para escutar pacientemente.
– Eu cresci em uma propriedade imensa e fria, em companhia de um avô que insistia ou em me ignorar ou em me criticar e de uma mãe que não sabia se amava ou se me deplorava. Tornei-me uma criança e depois uma adolescente arredia, indócil e incorrigível.
Suzana respirou profundamente, passou as mãos pelos cabelos negros e continuou:
– Minha mãe se casou novamente quando eu tinha oito anos com um primo distante. Um típico inglês insípido, mas de boa linhagem, como meu avô não se cansava de falar. Meu irmão, Robert, nasceu um ano depois e meu avô teve, finalmente, o seu herdeiro. Enquanto isso, eu era esquecida em um canto da estupenda mansão e, depois, no colégio interno para moças de boa família do qual só não fui expulsa em muitas ocasiões por influência direta de Lorde Alcott. Nessa época, eu era uma jovem rebelde, indisciplinada e completamente louca por uma atenção que nunca veio ou veio em forma de reprimendas ao meu comportamento inadequado. Foi nesse período que eu comecei a insistir em vir para o Brasil e viver com o meu pai – Suzana soltou um sorriso abafado e triste. – Um pai do qual eu nem me lembrava e que nunca havia sequer tentado falar comigo em todos aqueles anos…Mas eu não me sentia pertencente àquele mundo de empáfia e formalidades vazias. Quando eu fui pega no banheiro do colégio transando com a minha namoradinha, minha mãe resolveu que já era hora de outra pessoa dividir o encargo de uma adolescente tão…Indisciplinável, para utilizar as palavras dela.
Suzana olhou para Eleonora para se certificar de que ela estava escutando. Eleonora balançou a cabeça levemente como que para incentivá-la a continuar. Suzana prosseguiu:
– Vim para o Brasil aos quinze anos. Meu pai…Era um homem rude e desacostumado a ser carinhoso com quem quer que fosse, mas me recebeu com toda generosidade e paciência, talvez… A forma que encontrou para me demonstrar o seu afeto. Fui morar com ele e minha tia, uma mulher igualmente dura e introspectiva, mas que suportou com calma e conteve muitas vezes, com um inabalável senso de justiça, as explosões violentas de uma adolescente arrogante e rebelde. Não vou cansá-la com as minhas lamúrias sobre as minhas dificuldades de adaptação ou sobre o quanto eu fiz meu pai e a minha tia sofrerem com as minhas grosserias, basta dizer que meu pai morreu três anos depois, quando eu já representava a seleção juvenil de basquetebol e que só mantive contato com a minha tia, pois já morava e jogava em outra cidade do interior paulista, para resoluções quanto à minha herança: metade da mineradora que meu pai construíra e me deixara.
Eleonora ergueu as sobrancelhas. Suzana explicou:
– Sim…O bugre inculto tornou-se um bem sucedido e rico empresário da mineração. Eu incluí o nome de meu pai ao meu e adotei Suzana como meu nome, a partir de então.
Inesperadamente, Suzana adiantou-se e se ajoelhou em frente a Eleonora.
– O que eu quero lhe dizer é que eu nunca soube o que é ser amada com doçura e desprendimento. Quando você surgiu em minha vida com toda a sua capacidade de se entregar sem reservas, com toda a sua disponibilidade em me amar com toda a força dos seus sentimentos, com todo o arrojo da sua juventude, com toda a sua beleza, sua confiança, sua incrível delicadeza…Com todo o seu amor, eu…Simplesmente não acreditei. Eu não acreditava que alguém pudesse me amar daquela forma… E… – Suzana respirou fundo para impedir que suas emoções a impedissem de continuar. – Quando eu corri para ficar com a minha mãe, em seus últimos instantes… E, depois que ela morreu… A dor, a consciência do tempo desperdiçado e que não mais voltaria, a impotência e, depois, a letargia que tomou conta de mim, se encarregaram de me fazer pensar que você… A nossa história não passara de uma ilusão, uma miragem no deserto de emoções que era… Que é a minha vida. Eu te abandonei… Eu abandonei a sua lembrança… Eu te magoei e mutilei os meus sentimentos voluntariamente…
Suzana abaixou a cabeça e deixou que, agora, as lágrimas caíssem livremente pelo rosto e até o chão. Eleonora contemplou calada aquela mulher enorme ajoelhada, chorando à sua frente, ergueu a mão para acariciar o rosto moreno. De repente, sobreveio-lhe uma raiva súbita e violenta. Uma frustração insuportável fechou-lhe a garganta, dolorosamente. Eleonora falou com uma ironia incomum:
– Você quase me convenceu, Suzana Alcott. Essa história de pobre menina rica realmente me emocionou.
Surpresa, Suzana levantou a cabeça e olhou para aqueles olhos verdes brilhando de raiva.
– Eleonora, não é isso. Entenda, eu…
Eleonora continuou quase gritando:
– Você acha que pode vir aqui com essa historiazinha digna de um dramalhão mexicano e explicar a sua falta de consideração, de decência, de amor por m… – Eleonora engasgou e Suzana ergueu a mão para tocá-la. A jovem treinadora levantou-se num salto e se afastou para o meio da sala.
– Não toque em mim! Não ouse tocar em mim! Sua insensível, covarde… Eu tenho vontade de te bater, Suzana!
Suzana se levantou com o semblante calmo e grave. Aproximou-se de Eleonora e abriu os braços:
– Então, bata.
Eleonora parou de gritar, surpresa. Suzana se aproximou mais ainda, tomou uma das mãos delicadas e a trouxe ao peito.
– Bata.
Eleonora não retirou a mão. Continuou olhando-a, perplexa. De repente, deu um golpe fraco, quase um empurrão, sobre o peito de Suzana que não se moveu do lugar. Em seguida, começou a bater pausada e continuadamente e cada vez com mais força perto do ombro da mulher mais alta. Logo, passou a golpear com ambas as mãos e seguidamente os braços, os ombros e o colo moreno. Em poucos segundos, soluçava ao ritmo dos seus golpes. Suzana deixava-se apanhar estoicamente. Repentinamente, abraçou a pequena loirinha com firmeza e amor, Eleonora debateu-se numa tentativa de se esquivar do abraço. Inútil. Ela não era páreo para dois braços tão poderosos. Furiosa, desferiu golpes aleatórios pelo torso da jogadora que os suportou serena e sem reclamações. Impotente e soluçante, Eleonora pousou, cansada, as mãos sobre o peito arfante da sua captora. Ergueu o rosto para mirar a face morena.
Foi o bastante.
Suzana capturou aqueles lábios rosados, molhados de lágrimas, num instante. Surpreendentemente, Eleonora não se afastou. Agarrou Suzana pela nuca e esmagou a sua boca na boca de Suzana, com fúria e urgência. Não era um beijo de paixão, era uma punição. Um grito de raiva e mágoa. Os lábios não se encontravam macios, machucavam-se, duros e cruéis.
Suzana permitiu-se ser beijada com a cólera represada por anos e que agora escapava, incontrolável, em um beijo dolorido e angustiado. Nem ao menos quando sentiu o gosto de sangue surgir do seu lábio inferior ferido, a jogadora soltou um único protesto.
Foi Eleonora quem parou.
Vermelha, ofegante e completamente incrédula, olhou para os olhos da mulher que ainda a abraçava. Sobre a bela face de Suzana, corriam lágrimas silenciosas e de sua boca principiava a cair uma pequena gota de sangue. Não se falaram. Apenas, fitaram-se demoradamente. Dos olhos azuis profundos, marejados por lágrimas que os faziam tomar a cor de um céu de outono, Eleonora percebia uma mensagem silente, mas significativa, de ternura e pesar, de amor e súplica…
Eleonora voltou os olhos verdes para o pequeno corte no lábio de Suzana. Sem uma única palavra, puxou a morena pela cabeça e passou a língua, delicadamente, pela gota de sangue que ameaçava escorrer pelo queixo anguloso. Quase imediatamente, fechou o corte com os próprios lábios e estancou a pequena hemorragia, comprimindo-o com a língua.
Suzana fechou os olhos. Sua respiração, já alterada, assumiu ritmos alarmantes. Passou as mãos longas pelas costas de Eleonora e a trouxe para si de modo que o corpo da treinadora se moldasse ao seu como que colado desde as pernas até os seios apertados contra o seu abdômen. Beijou-a profunda e sensualmente.
Eleonora gemeu baixinho. Sentiu os mamilos se enrijecerem e a sua pulsação começar a latejar no sexo. Seu corpo respondia com inacreditável rapidez a cada toque da bela jogadora. Suas narinas inebriadas pelo cheiro amadeirado da pele morena, suas mãos postas entre a nuca e os cabelos negros macios e abundantes, sua boca tomada pelos lábios cheios, brandos e exigentes, seu corpo colado àquele corpo atlético, forte e flexível, tudo parecia gritar em alto e bom som que havia encontrado o seu lugar. Desarmou-se de vez das últimas reservas que ainda lhe restavam ao que Suzana era capaz de lhe provocar.
O beijo transformou-se numa confusão de lábios, línguas e tateamentos febris, como se fosse possível uma sorver a outra pela boca, pela pele, pela respiração… Uma confusão de sensações conjuntas e, ao mesmo tempo, desconexas na desordem dos sussurros desarticulados e das mãos ansiosas.
Então… As roupas foram ao chão com a naturalidade da necessidade de se expandir essas sensações ao limite do impraticável.
Não existia mais espaço para a razão.
Com o cuidado de quem carrega algo tão leve quanto precioso, Suzana pegou Eleonora nos braços e a levou para a cama. Seu coração parecia querer saltar do peito e quando ela se deitou sobre a sua pequena loirinha, a extensão da sua excitação podia ser medida na Escala Richter.
Entretanto, foi Eleonora quem rolou por cima de Suzana e sentou-se sobre o seu baixo ventre, com as mãos postas sobre os ombros torneados. Com um olhar intenso, repleto de um sentimento que Suzana não conseguiu identificar de imediato, mas que percebeu ser extremamente importante naquele momento, a jovem loira percorreu com os olhos o rosto perfeito, os ombros esculpidos e simétricos, os seios fartos e bem feitos, o abdômen forte e definido. O que Suzana viu delineado naqueles olhos verdes como folhas tenras a fez sorrir com a perspectiva desenhada neles. Ela viu admiração… Desejo. Arrebatamento… Desejo. Delírio… Desejo. No torvelinho da febre que lhe tomava todo o corpo, Suzana ainda pôde sentir uma ponta de esperança preencher seu coração.
Eleonora contemplava aquele rosto e aquele corpo incrível sem pensar em absolutamente nada senão na percepção aguda da beleza desnorteante da mulher sob sua pelve. Ela sempre achara Suzana a mulher mais linda em quem já pusera os olhos. Um conjunto de força e beleza que a fazia divorciar-se do juízo com a facilidade dos loucos. Suzana não era harmônica e serena, era provocante e visceral.
Deus! Como ela lutara para não ceder à sedução daquele corpo que lhe roubava o bom senso! Mas, agora, não queria mais lutar, o seu estômago se apertava na expectativa de possuí-lo… Não queria mais lutar, o seu coração ditava-lhe uma pulsação de velocista… Não queria mais lutar, o seu sexo latejava como mil tambores em uníssono… Não queria mais lutar porque não existia mais razão para enfrentar o império absoluto do instinto e do desejo. Debruçou-se sobre o torso moreno como quem mergulha em águas escuras, perigosas e encantadas.