O jogo foi emocionante. As duas equipes se alternavam no marcador. Suzana, agitada, gritava instruções sem parar. Ao final do segundo tempo, faltando apenas poucos segundos para o término da partida, a equipe da universidade perdia por um ponto e o outro time ainda tinha a posse de bola. Suzana pediu tempo.
– Meninas, nossa situação é complicada. Nós vamos tentar algo arriscado. Mas, agora, é tudo ou nada. Eu quero marcação individual, pressão quadra toda. Mas, sem falta, entenderam? Sem falta – virou-se para a loirinha completamente molhada de suor, ligeiramente arfante e com os olhos verdes atentos à treinadora. – Eleonora, você marca aquela ala que está acertando tudo hoje. Elas vão procurá-la em quadra para passar a bola, tenha certeza. Fique atenta como nunca ficou em sua vida, antecipe-se no momento certo… – Suzana colocou a mão sobre o ombro da sua jogadora e a olhou diretamente nos olhos. – Roube essa bola para mim, Elê.
Eleonora acenou com a cabeça.
O jogo reiniciou. O time adversário soltou a bola. Onze segundos. A armadora delas veio trazendo a bola sob marcação cerrada, conforme as ordens de Suzana. Sete segundos. A armadora parou, olhou para a esquerda e viu a ala de seu time, livre. Eleonora, inteligentemente, havia deixado que a jogadora que marcava aparentasse estar desmarcada. No momento em que a armadora esboçou a intenção do passe, concentrada e com a incrível agilidade que caracterizava o seu jogo, Eleonora antecipou-se e interceptou o passe. Cinco segundos. Eleonora partiu com a bola dominada e executou a bandeja no segundo em que o placar eletrônico sinalizava o fim da partida. O time da universidade ganhara por um ponto.
Emoção total. As jogadoras se abraçavam chorando. Eleonora se viu apertada por um sem número de braços. Num instante estava sendo carregada pelas colegas, eufóricas. Sentia-se entorpecida. Levitava em uma corrente de alegria e vitória. Não se lembrava de uma vitória pela qual se sentisse mais feliz em toda a sua vida. No entanto, seus olhos procuravam alguém. Desceu dos ombros das companheiras e caminhou em direção ao banco. Entre abraços, apertos de mão e esfuziantes congratulações, estava Suzana. Eleonora parou atrás dela quando a treinadora recebia mais um abraço de felicitações.
– Suzana – Eleonora falou tão baixo no meio daquela algazarra que não soube como Suzana escutou. Mas, a verdade é que pareceu que a famosa jogadora sentiu muito mais do que ouviu a voz diminuta, porque enrijeceu o corpo instantaneamente e se voltou sem qualquer hesitação.
Não houve necessidade de palavras. Suzana abriu os braços com aquele indescritível sorriso estampado no belo rosto. Eleonora se atirou neles de um salto e agarrou o pescoço da mulher adorada com a sede e o abandono dos guerreiros extenuados.
Suzana enlaçou a pequena jogadora pela cintura e a manteve suspensa do chão, cingida por um abraço vigoroso e emocionado. Pouco importava que rosto e os finos cabelos loiros estivessem molhados de suor e de lágrimas ou que o uniforme grudado ao seu agasalho não estivesse menos encharcado ou que as mãos sujas e maltratadas pela bola áspera lhe agarrassem sofregamente pelos cabelos. Não, nada disso importava a não ser a inefável mistura de amor e de orgulho, ternura e reconhecimento que Suzana sentia naquele momento.
Ambas se seguravam com força quase aflita, desejosas de prolongar indefinidamente o instante perfeito. Eternizá-lo. Teriam ficado nesse abraço por muito tempo, mas logo se viram cercadas e separadas por outras pessoas exigindo atenção das duas maiores heroínas do memorável confronto. Suzana, principalmente, viu-se novamente cercada por repórteres e câmeras. Eleonora também foi requisitada para algumas entrevistas, mas logo em seguida foi orientada a seguir para o vestiário para se aprontar para receber a premiação. Eleonora procurou Suzana com os olhos e a encontrou pegando seus pertences no banco de reservas enquanto uma leva de jovens admiradores se aproximava dela com máquinas fotográficas e agendas em punho. Eleonora pensou que Suzana ainda teria alguma dificuldade para sair da quadra. “Não importa. Mais tarde, teremos muito tempo só para nós duas”. Despreocupada, correu para o vestiário, rindo e brincando com as companheiras.
Após alguns minutos, Suzana conseguiu se desvencilhar dos fãs. Carinhosamente, mas com firmeza. Tinha que, pelo menos, colocar uma camiseta limpa, após tantos efusivos abraços. Achou melhor usar o escritório da administração do ginásio. O mais sensato era já estar pronta quando tivesse que entrar no vestiário e acabar com o pandemônio, que ela sabia que encontraria por lá, fingindo uma tremenda bronca por elas estarem atrasando a solenidade. Sorriu só de imaginar a cena. Dentro do escritório, soltou os cabelos, tirou a roupa amarrotada e abriu a bolsa esportiva para pegar uma outra limpa. Ouviu o celular. “Melhor ignorar. Mais tarde eu ligo de volta”. Vestiu a camiseta do time. O telefone continuava a tocar. “Não são muitas pessoas que têm esse número”. Curiosa, olhou no visor o número que estava chamando. Admirada, atendeu imediatamente.
– Alô.
– Miss Alcott?
– Albert?
– Thanks God, Miss Alcott. I called you so many times just today.
(Graças à Deus, Senhorita Alcott. Eu liguei para o seu telefone várias vezes só hoje )
– What’s happening? And, please, Albert. Call me Suzana. You know me since than I was a child.
(O que está acontecendo? E, por favor, Albert. Me chame de Suzana. Você me conhece desde que eu era uma criança.)
– How you which, Suzana. It’s Lady Alcott.
(Como queira, Suzana. É a Lady Alcott. )
– Mom?
( mãe? )
– She´s sick, Suzana. She’s very sick.
(Ela está doente, Suzana. Muito doente.)
– But…How…How I know nothing about this. My mother never said anything about some disease.
(Mas…Como…Como eu não sabia nada sobre isso. Minha mãe nunca disse qualquer coisa sobre doença.)
– You know your mother, Suzana. Lady Alcott didn’t want tell you about and she prohibited us to inform you about her medical condition. Actually, she must coming in Brazil right now, Suzana.
(Você conhece sua mãe, Suzana. Lady Alcott não quis lhe falar e ela proibiu que nós a informássemos sobre a condição médica dela. De fato, ela deve estar chegando agora mesmo no Brasil, Suzana.)
– Mom? Here! Why?
(Minha mãe? Aqui! Por que?)
– Well, She said than Brazil’s doctors are the most excellent professionals of the world. Personally, I think she wants stay next to you in this moment, my child.
(Bem, Ela disse que os médicos do Brasil são os melhores profissionais do mundo. Pessoalmente, eu penso que ela quer fique perto de você neste momento, minha criança.)
– What you mean, Albert?
(O que você quer dizer com isso, Albert?)
– Your mother is dying. She goes to the Albert Einstein Hospital in São Paulo. She doesn’t have much time. Hurry, Suzana, if you want to see your mother alive.
(Sua mãe está morrendo. Ela esta se internando no Hospital Albert Einstein em São Paulo. Ela não tem muito tempo. Se apresse, Suzana, se você quiser ver sua mãe viva.)
Suzana ficou alguns minutos em silêncio. Suspirou longamente e falou:
– All rigth. Tomorrow, I…
(Tudo bem. Amanhã, eu…)
– My child, listen me. Probably, your mother won’t have tomorrow.
(Minha criança, me escute. Provavelmente, sua mãe não terá um amanhã.)
Limpas, penteadas e vestidas com os agasalhos do time da universidade, a equipe recebeu a premiação. Eleonora ainda recebeu um troféu como a melhor jogadora do torneio. Entretanto, estava intrigada. Suzana ainda não aparecera. Teria acontecido alguma coisa? A alegria que deveria estar sentindo nesse momento esvaiu-se em uma sombra de preocupação. Sentia uma mão gelada apertando-lhe o coração, como um pressentimento funesto. Esperou apreensiva e impaciente a solenidade acabar para sair correndo atrás do seu amor. Mal terminou a solenidade, Eleonora saiu perguntando a todos o paradeiro da treinadora. O professor Jorge estava tão ignorante quanto ela, assim como o pessoal da organização. Saiu correndo do ginásio, balançando a medalha no peito e carregando o troféu recém conquistado. O Jaguar não estava lá. Confusa e já sentindo um bolo obstruindo-lhe a garganta, impedindo-a de respirar livremente, passou os olhos apreensivamente pelos arredores até que avistou alguém.
– Camilla – gritou em desespero.
Correu atrás da melhor amiga de Suzana sentindo a pulsação acelerada palpitando nas têmporas.
– Camilla, onde está Suzana?
– Foi embora.
– Como foi embora?
O rosto da jovem jogadora estava tão aflito que Camilla respondeu com o máximo de suavidade que conseguiu:
– Olha…Eleonora, não é? Ela não me disse. Falou apenas que tinha um bom motivo. Eu acredito. Conhecendo-a como eu conheço, eu sabia que não deveria perguntar mais nada. Ela voltou para capital e nem mesmo permitiu que eu a acompanhasse.
Eleonora permaneceu olhando para Camilla com os olhos fixos e uma expressão completamente atônita, repentinamente sabendo o que é se sentir oca por dentro. Camilla ainda comentou antes de se retirar:
– Eu sinto muito.
O time viajou na semana seguinte para a capital a fim de participar pela primeira vez da Liga Nacional junto aos grandes times profissionais do país, novamente sob a direção do Professor Leônidas. Eleonora não foi. Caiu doente por quinze dias, vítima de uma febre e de uma apatia inexplicáveis.