Luz para florescer

Capítulo 8

Ainda no vestiário, trocando de roupa para treinar, Eleonora sentiu o gosto amargo da decepção. Soube que quem conduziria o treino para pequenas correções táticas seria o Professor Jorge. Suzana tivera que viajar as pressas para a capital para consultar-se com o seu médico que só poderia fazer a avaliação de sua recuperação nesta data, pois estava viajando para um congresso no exterior e Suzana tinha que informar oficialmente ao seu time, nos Estados Unidos, o resultado do trabalho terapêutico pós-cirurgia, o mais rápido possível, segundo instruções do seu agente.

Apesar da sensação extremamente desagradável de frustração e impotência. Eleonora foi treinar mais resoluta do que nunca. Ela tinha tomado uma decisão e mais cedo ou mais tarde ela teria uma conversa definitiva com Suzana. A altiva jogadora não lhe escaparia.

No avião, olhando alheia pela pequena janela da aeronave, Suzana pensava na sua situação. Nunca havia experimentado uma excitação e um desejo de tão grande proporção como quando fizera amor com Eleonora. Sabia que estava apaixonada. Mas também sabia que a extrema juventude de Eleonora aliada ao fato dela ser uma mulher, além de uma sua comandada, era um prato cheio para especulações invasivas da imprensa, fonte de insinuações de falta de profissionalismo e mesmo de falta de ética, para não citar as inevitáveis acusações de depravação, ignomínia e besteiras puritanas similares. É claro que elas podiam manter o caso em segredo. Contudo, Suzana tinha um contrato de cinco anos no exterior, com uma multa rescisória astronômica. Eleonora acabara de entrar na universidade e mesmo que se dispusesse a acompanhá-la para os EUA, como ficariam os estudos? A família permitiria? Improvável… se ela permanecesse no Brasil, teriam, para se ver, quatro ou cinco ocasiões por ano, no máximo. Suzana não se via no direito de amarrar uma jovem linda e promissora a uma relação caracterizada pela distância, alimentada por telefonemas, marcada pela ausência. “Não, não, não, mil vezes não”.

Suzana estava arrasada.

Eleonora entrou na quadra para o aquecimento antes da segunda partida e seu coração deu um salto quando reconheceu a figura alta conversando com o mesário do jogo. Ficou, alguns segundos, parada como que pensando no que fazer. Uma colega que passava deu-lhe um tapinha leve e provocador na cabeça.

– Desce das nuvens, leãozinho. Nós temos um jogo para ganhar. Vamos nos aquecer, anda.

Eleonora deixou a mochila no banco e correu em direção ao auxiliar-técnico que chamava, impaciente, a equipe para o aquecimento.

O árbitro apitou avocando os times para o início da partida. As meninas se agruparam em volta da treinadora para a definição do time que iniciaria o jogo. Suzana foi clara e objetiva em suas instruções. Escalou as cinco titulares, entre elas Eleonora e definiu sucintamente o tipo de marcação e a tática de ataque que queria que elas utilizassem. Bradaram juntas, com força, o grito de guerra da equipe e se posicionaram para o início da partida. Em nenhum momento, Suzana se dirigiu mais que o estritamente necessário a Eleonora.

O jogo começou equilibrado. Paulatinamente, o time da universidade começou a impor o seu ritmo e apesar do placar um pouco mais apertado do que o do jogo anterior, ganhou a partida. Eleonora jogou bem. A firme decisão que tomara no dia anterior de falar com Suzana nem que tivesse que amarrá-la, dera-lhe a concentração necessária para tal.

Suzana reuniu as suas jogadoras, suadas e cansadas, mas extremamente felizes e as parabenizou. Lembrou-lhes de que ainda faltava mais um adversário e alertou-lhes da necessidade de se manterem concentradas e firmes nesse objetivo. Depois de mais algumas palavras encorajadoras, dispensou a equipe. Uma jogadora permaneceu no lugar.

Suzana encarou Eleonora e falou fingindo descontração:

– Isso não parece um tanto déjà vu, Elê?

– Precisamos conversar – disse Eleonora, ignorando o comentário.

– Não pode ser amanhã? Eu cheguei de viagem pouco antes do jogo e estou muito cansada.

De fato, Suzana parecia cansada. Estava com os olhos fundos e acentuadas olheiras marcando-lhe a face. Eleonora não se compadeceu.

– Não, Suzana, não pode ser. Mais uma noite como a que eu passei ontem e eu adoeço. A minha resistência está no fim.

Suzana olhou alguns segundos para o rosto delicado pronto a se desmanchar em lágrimas, mas inteiramente determinado a sua frente e soube que não tinha escapatória. A verdade é que ainda não se via pronta para um confronto com Eleonora. Na hora em que percebeu que a pequena jogadora estava postada a sua frente, sentiu o seu coração descompassar-se. Meu Deus, porque essa menina conseguia descompensá-la dessa forma? Sabia que estava se comportando como uma perfeita covarde, mas estava assustada com a intensidade dos seus sentimentos. Era algo inédito, ao mesmo tempo delicioso e atemorizante. Sentia ganas de abraçá-la com abandono e de beijá-la furiosamente como para demonstrar para si e para o mundo que aquela mulher era sua…Mas ficou parada e falou simplesmente:

– Está bem. Eu espero você se banhar e se trocar e, então, iremos conversar.

– Não. Tudo bem. Eu vou assim mesmo.

– Elê, você deu o sangue nessa partida. Deve estar louca por uma chuveirada revigorante e roupas limpas. Eu já concordei com você. Não vou sair daqui, na verdade… Eu vou te esperar no carro, está bem?

Eleonora pensou alguns segundos. Ela, realmente, estava ensopada de suor, suja e doida por um banho.

– Eu vou, Suzana. Não demoro. Mas, se quando eu sair você não estiver onde prometeu, eu juro que vou atrás de você e grito para quem quiser ou não quiser ouvir, tudo o que está entalado na minha garganta. Não duvide.

Suzana não duvidava.

Vinte minutos depois, Eleonora saiu do ginásio para o estacionamento e avistou o Jaguar preto. Firmemente, foi caminhando em direção a ele, mas à medida que ia se aproximando a sua coragem ia diminuindo e ela já não tinha mais certeza do que ia dizer. Contudo, não titubeou. Parou de frente a porta do passageiro, respirou fundo e entrou. Suzana, com as mãos no volante, olhava para frente e assim permaneceu.

– Muito bem, eu estou aqui, Eleonora. Pode falar.

– Suzana, olhe para mim.

Suzana olhou.

– Amor, o que está acontecendo? Por que você está falando desse jeito comigo? O que foi que eu fiz?

– Nada. Você não fez nada.

– Então, o que está acontecendo?

– Nada que você possa resolver.

– Pelo amor de Deus, Suzana. Fale comigo. Por que você tem que ser tão fechada, tão distante?

– Você não sabe? Eu sou assim.

– Não, não é – Eleonora fitou com infinita ternura o rosto de linhas marcantes e harmônicas, estendeu o braço e segurou-lhe o queixo. – Suzana, eu sei, porque te vi desarmada dessa sua armadura de indiferença. Porque eu te vi nua de corpo e de alma. Porque eu adormeci escutando o seu coração. Porque eu conheci a mulher terna e sensual, divertida e inteligente, forte e profundamente amorosa que é você. Não me venha com conversas sobre como você é. Para mim, você não precisa. Eu já sei.

Suzana agarrou Eleonora pela nuca e a beijou furiosamente. Eleonora correspondeu sem reservas. Foi um beijo sôfrego, urgente, atormentado. De repente, as bocas unidas com a força da aflição, passaram a se tocar com lenta sensualidade. Eleonora puxou Suzana para mais perto e aprofundou o beijo como se quisesse engolir a boca da mulher morena. E quando as línguas se tocaram famintas num delicioso roçar, invadir, ceder, acariciar-se voluptuosamente, um incontrolável desejo tomou conta dos pensamentos de Suzana. Vencida pela força dos seus sentimentos, ela se entregou ao prazer de ter Eleonora em seus braços e embrenhou as mãos por dentro da camiseta de algodão para tocar a pele aveludada de suas costas. Aproveitando-se de sua pequena estatura, a loirinha foi se aconchegando sobre o colo de Suzana que, imediatamente, colocou o banco o mais para trás possível deixando um espaço minúsculo, porém, devidamente aproveitado por Eleonora para deitar metade do corpo sobre Suzana e ficar de frente para ela. Na nova e confortável posição, Suzana pôde explorar com liberdade a barriga torneada e envolver o seio firme, nesse momento completamente intumescido, de Eleonora que gemeu ruidosamente, enquanto não se desfazia do beijo guloso e molhado.

– Suzana, eu quero você dentro de mim – falou Eleonora com a voz entrecortada pela respiração ofegante.

Cega de desejo, Suzana ainda tentou esboçar um protesto.

– Elê, nós não devemos…

Parou por aí. A garganta ficou repentinamente seca e o seu raciocínio completamente embotado quando Eleonora tomou a sua mão, levou-a para o meio de suas pernas e mostrou-lhe o paraíso quente e úmido debaixo do moletom. Sem maior hesitação, Suzana enfiou a mão por baixo da calça de moletom. Lenta e sensualmente, começou a massagear o clitóris de Eleonora que instintivamente passou a mexer os quadris em sintonia com o ritmo imposto pela sua amante.

Suzana, dentro…Por favor…Por favor.

Suzana ainda continuou com a doce tortura mais algum tempo e de repente penetrou a sua pequena amante com delicadeza, mas firmemente. Eleonora soltou um gemido abafado e agarrou com força os cabelos negros. Choques incontroláveis lhe tomavam o corpo. Sentiu que o gozo viria rápido e feroz. Arqueou o corpo como que para aprofundar o contato da mão de sua amada com a sua maior intimidade. Em seguida, o orgasmo veio com a força do seu amor por aquela mulher.

– Suzana…Suzana…Como eu te amo.

Abraçaram-se desesperadamente. Eleonora agarrou o pescoço da mulher que amava e enterrou o rosto nos cabelos de Suzana aspirando, como se pudesse reter no rosto, o delicioso perfume que vinha deles. Suzana apertou sua pequena amante contra o peito e entregou-se a maravilhosa sensação de profunda intimidade que o brando arfar da respiração de Eleonora sobre o seu tórax, lhe causava.

Ficaram nesse abraço silencioso por muitos minutos sem que qualquer uma das duas ousasse se desprender. Suzana adiantou-se:

– Elê?

– Huuum – Eleonora gemeu em resposta, afundando ainda mais o rosto naquela seda negra.

Suzana sorriu.

– Elê – repetiu.

Muito a contragosto, Eleonora deixou o seu recanto predileto e olhou para Suzana. Então, foi sua vez de sorrir. Um sorriso de pura felicidade ao vislumbrar naqueles olhos azuis como um céu sem nuvens, o lampejo do amor.

– Suzana…Você me ama – afirmou baixinho e devagar, mas com a mais terna convicção, a jovem jogadora.

Suzana apenas esboçou um sorriso carinhoso e triste.

Eleonora pegou o rosto da morena com ambas as mãos e deu-lhe sucessivos beijos no rosto, nos olhos e na boca.

– Meu amor. Meu doce amor. Meu único amor. Suzana, conte-me, por favor, o que está te preocupando tanto?

Suzana passou os dedos pelas sobrancelhas loiras, contornou a orelha pequena, a mandíbula delicada e a boca cheia e rubra. Fechou os olhos, deu um suspiro longo, soltou o ar com a força como um desabafo e falou:

– Você está certa, Eleonora. Eu estou preocupada e acho que você tem o direito de saber o porquê. Apenas… Dê-me um pouco mais de tempo, ok? Amanhã é o nosso último treino antes do nosso jogo mais importante. Temos que estar totalmente concentradas nele, principalmente eu e você, entendeu? Depois do jogo nós conversaremos e vamos tentar resolver isso juntas, está bem assim?

– Jura, Suzie?

– Suzie? – Suzana deu uma gostosa gargalhada. – Pouca gente me chama assim. E, quer saber? Ninguém com esse jeitinho lindo – Deu-lhe um beijo delicado na ponta do nariz. – Eu juro, sim, meu amor.

Eleonora abraçou Suzana com força e falou baixinho com a boca encostada em sua orelha:

– Por você, bela Suzana, eu espero milênios desde que eu tenha a certeza de que você voltará para mim.

O treino transcorreu normalmente mesmo com a presença de repórteres e emissoras de TV. Suzana havia permitido a entrada da imprensa no ginásio desde que os correspondentes não atrapalhassem o treinamento, somente ao final do qual Suzana permitiria a filmagem e daria entrevistas.

Findo o treino, Suzana foi cercada por microfones e câmeras. Acostumada, respondeu calma e pausadamente a todas as perguntas, a maioria sobre o seu sucesso na primeira experiência como treinadora. Inevitavelmente, contudo, a pergunta sobre a possibilidade de voltar a jogar surgiu logo depois. Todos silenciaram à espera da resposta. Suzana, deliberadamente, fez uma pausa mais longa que o normal e respondeu:

– Bem, vocês receberão esta notícia de primeira mão. Hoje, a minha terapeuta considerou o trabalho de reabilitação terminado e… Bem sucedido. Meu médico fará uma avaliação logo que chegar do exterior, e deve me liberar para começar a treinar. Então, se tudo correr como o esperado… Sim, eu vou voltar a jogar.

As perguntas choveram como um temporal de verão. Bem humorada Suzana respondeu a mais algumas e se retirou. Eleonora acompanhou tudo de longe. Fiel ao compromisso selado à noite passada treinou com afinco e apenas se aproximou da treinadora para pedir instruções. Não pôde deixar de perceber, para sua enorme alegria, que Suzana a tratava com um discreto, porém evidente calor no olhar. Confiante na promessa da mulher amada, Eleonora saiu do ginásio cantarolando.

– Feliz, canarinho do reino?

– Ah? Oi, Carlinha. O que você está fazendo na universidade até essa hora?

– O que eu estou fazendo…Pois sim! Esperando o senhor Gianne Domenico terminar uma de suas indispensáveis reuniões. Eu até vi o finalzinho do treino e…A nossa famosa treinadora dando entrevista para a TV. Uau!

– Carlinhaaa!

– Ok, ok. Eu te esperei para te oferecer carona.

– Ai, que bom, Carla. Eu estou mesmo cansada.

– Só não sei se um favor ou um castigo te fazer andar naquela lata velha do Gianne, cheia de papel dentro. Oh, céus! O que eu tenho que agüentar em nome da democracia.

Eleonora acompanhou a amiga rindo da sua costumeira e teatral verborragia. Só então percebeu a cor do tênis que a amiga usava – um pink luminescente.

– Deus do céu, existe tênis dessa cor? – sussurrou incrédula.

Gianne já as esperava tranquilamente sentado no fusca azul cor de calcinha.



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