Buscando Ruínas

Capítulo 3 – Eu tenho medo de aranhas.

Ficamos ali, não era tão distante de onde alguns homens se encontravam, ainda sim era difícil distinguir seus rostos, Elliot apertava os olhos de toda forma possível até me cutucar e sussurrar. – Gio, eu estou num harém, olhe todos esses homens musculosos e sem camisa, me passa a água que o fogo está subindo. – Observei o local que ele olhava com tanto entusiasmo e me peguei a divagar sobre a falta de interesse que aquela cena me mostrava. Desde que flagrei meu ex namorado, Yuri, com outra mulher meu coração se fechou, não era tão interessada por ele e o sexo realmente não era bom, mas ainda sim era algo pelo quê eu voltava para casa. Isso já faz oito meses e desde então venho apenas focando em meu trabalho. Elliot estava com a razão, talvez grande parte de meu estresse fosse por conta de falta de sexo, não só isso, falta de alguém que realmente se importe e me passe segurança.

– O caminho a frente está mais seguro do que o que passamos, ele nos leva até a parte mais superior da Cidade, os homens que falou estão concentrados apenas nessa região. – E apontou para onde Elliot olhava.

– Eles estão procurando o Estreito Inca, é uma passagem que o Rei havia mandado construir caso houvesse algum tipo de invasão dos Espanhóis, só que eles simplesmente não encontraram a Cidade e quando houve rumores de que poderiam todos os Quechuas, inclusive o “Inca” saíram da cidade e destruíram suas passagens e pontes.

– E você sabe para onde essa passagem leva?

– Claro, mas apenas supostamente, elas nunca foram exploradas, ela atravessa a cidade subterraneamente, e há um alçapão que é onde queremos chegar.

– O que há nele, Gio?

– Dizem que são as riquezas do povo, não só talvez pedras preciosas como também estudos sobre astronomia, calendário, meses, anos, fora arquitetura. Vocês se perguntam como a cidade resistiu mesmo havendo abalos sísmicos periódicos nessa região? É fácil, só observar as construções, elas são irregulares e os tijolos tem um pequeno espaço, quase que imperceptível, apenas para que as ondas do tremor não afetem a estrutura.

– Então o povo Inca…

– Não, Inca quer dizer Rei, então não faz sentido chamar o povo de Inca, o nome do povo aqui era Quechua.

– Sim… Então o povo Quechua, lá no século XV, já sabia de uma forma para evitar que suas casas fossem destruídas por terremotos?

– Sim, ainda mais por estarem 2400 metros de altura, foi necessária uma construção que não sofresse com os abalos, mas quanto a isso, se formos pensar, os Egípcios também já faziam uso de tal “tecnologia”.

– Não achei que pudesse aprender tanto durante uma simples expedição.

– Tenente, essa mulher é chata, implicante, mas é um poço de conhecimento, nem eu, formado em história geral, carrego tanto conhecimento quanto ela.

– É muito bom receber elogios e tudo mais, mas creio que devemos continuar com nossa caminhada. – Peguei o mapa. – Bem, vamos precisar ser rápidos assim que chegarmos até a cidade, dentro dessa construção aqui, que permanece praticamente intacta há a passagem da Ama, era uma senhora oculta que tinha total acesso ao Rei, lendas dizem que ela era como uma bruxa capaz de prever o que os Deuses queriam, ela a responsável por sacrifícios e o rei não queria que o povo a temesse, então construiu essa passagem para que ela não fosse vista.

– Muitas das coisas que ouvimos não chega perto disso.

– Realmente existem muitas lendas e nem tudo o que descobrimos com o passar dos anos vai se aproximar a verdade do que era vivido, mas eu acredito no que me contarem sem deixar de buscar bases sólidas para isso. – Coloquei a mochila nas costas e voltamos ao caminho. Menos de meia hora de caminhada e pisávamos no solo da Cidade, com todo o cuidado chegamos até o local que havia indicado.

– Parece esse o local, mas devemos ser rápidos, em duas horas abre a visitação, sem falar que os homens do outro lado parecem saber exatamente o que fazem.

– Gostaria muito de saber quem lidera essa “expedição”, a base deles é correta demais para ser apenas um amador ou alguém do governo.

– Nenhum governo permitiria esse tipo de exploração, a senhorita apenas está aqui porque sabemos de sua origem e como age com a história.

– Apenas salvar, não degradar. Tudo que é descoberto deve ir para museus e centros de estudo e pesquisa. – Eu olhava o local e estava bem difícil de encontrar a “porta secreta”. – Maldito Hiram.

– O que?

– Hiram Bingham, foi ele que oficialmente colocou a Cidade Perdida como “encontrada”, no começo do século XX, já havia séculos que os Quechua saíram, então todo o lugar estava tomado por mato, árvores, como se o tempo tivesse tomado a decisão de esconder esse lugar que foi sagrado para seu povo.

– E porque ele é maldito?

– Ao invés de fazer do modo certo, cortando o mato, tirando todos os galhos, ele simplesmente tacou fogo. Destruiu 90% do que era a história, ilustrações, objetos, anotações, dentre todos os detalhes talhados nas estruturas.

– Tem gente que nasce pra cagar no pau e outros pra fazer a chuca. – Dei um tapa na cabeça do Elliot, não havia outro comentário menos pornográfico para tecer nesse momento? – Ai, sua bruta. O que quis dizer é que tem os que fazem de qualquer jeito para evitar o trabalho e outros que preferem uma coisa mais correta, menos lambona.

– Me desculpe por ele, Tenente, acho que a educação escolar não compensa a vulgaridade.

– Não se preocupe, senhorita, o senhor Elliot apenas definiu de uma forma mais, como posso dizer, para leigo entender.

– Viu, Gio, ele não se importa, agora deixe de ser tão pudica e vamos voltar ao trabalho.

Olhamos toda a casa e talvez com o tempo, tremores e depredação do local, os tais tijolos estavam ainda mais difíceis de encontrar, ao longe ouvíamos os homens falando e provavelmente fazendo muita força, estavam sempre brigando entre si quando, provavelmente, algo saia errado. Peguei uma garrafa d’água e me sentei no chão, estava cansada e o fato de não encontrar a bendita passagem estava me dando nos nervos. Vamos lá, pense, se eu fosse criar uma passagem escondida, onde colocaria? Na direção da construção do Rei seria muito óbvio. “Um caminho escondido só é escondido se não faz sentido”. Ah, mãe, se estivesse aqui com certeza saberia. Olhei para o chão, na direção oposta a que entramos, perto de um pequeno emaranhado de trepadeiras que saía do chão, me levantei e fui até o local.

– O tempo fez questão de esconder, não era na parede e sim no chão, sempre que pensamos em passagens secretas olhamos logo para as paredes. – Apontei o chão com os três tijolos irregulares, diferente de todos os outros. Puxei apenas um, estava um pouco mais preso, mas o tempo deve ter feito criar uma massa de terra entre eles. – Elli, pega o colherim, por favor, está na mochila.

– Você não vai destruir, certo?

– Não, tenente, apenas para remover a terra que se instalou nos espaços. – Peguei a ferramenta e passei nas fissuras de um tijolo para o outro, tirei o primeiro e logo os outros dois. – Me ajudem, essas três madeiras devem sair. – Sem muito esforço tiramos e restou apenas uma que se fixava na largura do buraco. – Elli, eu vou jogar uma lâmpada de neon no buraco, conte quanto tempo demora para chegar ao fundo. – Preparei a lâmpada e contei até três e joguei, não demorou para ouvirmos o objeto se chocar no fundo.

– Menos de dois segundos.

– Isso nos dá entre 4,5 e 5 metros de altura.

– O que eu ainda não consigo entender é como escavaram uma rocha.

– Toda montanha tem um volume de terra antes que se chegue realmente em rocha sólida, em alguns ambientes menos, em outros mais. Se você perceber, essa formação rochosa é quase um vale, praticamente plano, então a erosão dessa cadeia de montanhas deve ter sido trazida para cá, além dela própria sofrer sua própria erosão.

– Ah, entendi perfeitamente.

– Então, vamos amarrar uma corda aqui nessa madeira, eu desço primeiro. – Peguei a corda e enquanto estava amarrando ouvi passos próximo de onde estávamos. – Tem alguém aqui. – Peguei uma pistola que estava presa na cartucheira e fui para a parede oposta.

– Eu vou me esconder. – Elliot foi para a parede, atrás de onde estava o buraco. Tenente Rodriguès estava com o rifle em punho quando o barulho se aproximou, apontou a arma para a porta e quando a pessoa entrou logo a imobilizei a derrubando com o peso do meu corpo.

– Eiii! O que pensa que está fazendo? – Olhei finalmente para o ser embaixo de mim e tapei sua boca. – Mumammi. – Foi o que entendi.

– Eu vou destapar sua boca, não grite ou aquele homem ali atira em você, ok? – Balançou a cabeça que sim.

– Você está louca? Como saí pulando assim em cima das pessoas? – Falou tudo num só folego e o mais baixo possível, quase sussurrando. – Pode sair de cima de mim?

– Não até saber quem é você e porque está aqui.

– Eu vi quando chegaram no pé da trilha, estava acampando, pensava em subir a montanha quando o sol nascesse, achei que fossem turistas com um guia. – Olhou para o tenente que ainda mantinha a arma apontada para a mulher. – Então eu aproveitei, estava com um pouco de medo de fazer isso sozinha.

– Mas você sabe que essa trilha é proibida?

– Sei, mas eu precisava fazer isso e sabia se pedisse para qualquer um iriam logo me mandar de volta para o Brasil. – Dessa vez olhou para mim. – Não sou inimigo, me desculpe se assustei, mas não estou aqui para machucar qualquer um de vocês, ouvi um pouco da conversa e achei fascinante, queria tentar me aproximar e ouvir mais.

– Além de nos seguir ainda ficou espionando? – A posição começou a me incomodar, não por ser desconfortável, eu normalmente poderia ficar assim por várias horas, mas… me incomodou. – Olha, vou sair de cima de você, apenas continue falando baixo e tente não se movimentar fazendo barulho.

– Pode deixar. – Me levantei e estiquei a mão para que ela segurasse. Fiz um sinal com a cabeça para que o tenente guardasse a arma. – Armas são realmente necessárias?

– Olha, se ouviu a conversa, sabe que tem outras pessoas aqui e elas não são tão amigáveis.

– Eu sei, observei eles de longe e tem alguns explosivos e armais ainda mais medonhas que essas.

– Explosivos? Tenente, eles vão acabar destruindo tudo.

– Vou pedir reforços por rádio. – Foi para a lateral da casa, longe das vistas dos homens.

– Elli, pode aparecer. – O homem veio se arrastando pelo chão. – Não viram você, certo? – Voltei a falar com a mulher.

– Não, não me aproximei do grupo, apenas vi as coisas deles, que estavam um pouco mais distantes.

– Menina, você nos deu um baita susto. Sou Elliot e esse poço de delicadeza é a Gio.

– Geovana.

– Sou Gabriela, me desculpem por os ter seguido, mas tudo o que você disse, era como entrar num cinema e ver um filme antigo.

– Muito obrigada, mas creio que deve ir embora. – Fui até a mochila e peguei um mosquetão. – Elliot, você trouxe o mosquetão velho, eu não acredito, olha como isso está enferrujado.

– Sorry, estava numa caixinha tão bem guardado que só coloquei na mochila, ajudaria se você me dissesse que tinha vários.

– Você só não é mais lerdo por falta de espaço. – O tenente voltou.

– Pedi reforços, precisarei ficar aqui em cima para não deixar que explodam tudo antes que o reforço chegue.

– Ok, tenente. – Olhei para a mulher. – Você fica aqui com ele.

– Eu tenho um mosquetão, empresto se me deixar ir junto.

– Você faz ideia do quão perigoso pode ser?

– Nenhuma, mas eu quero ir, afinal, já cheguei até aqui, por favor, me deixa ir com vocês dois.

– Ah, Gio, deixa, não há nada que a impeça de ir.

– Claro que há, isso é uma expedição secreta.

– Eu não levo câmeras e nem o celular.

– Senhorita Smith, aqui em cima pode ser um pouco perigoso e retornar com ela para a trilha ainda mais, não posso permitir que um civil faça aquele caminho sozinho.

– Não tenho mais nenhuma escolha, tenho? – Todos balançaram a cabeça de forma negativa. – Tudo bem, mas você não poderá jamais comentar qualquer coisa que ver com nenhuma pessoa, nem nessa nem em outras vidas.

– Eu prometo. – Pegou o mosquetão e jogou em minha direção.

– Eu desço primeiro, tenente, provavelmente o rádio não irá funcionar lá embaixo.

– Desejo que tudo corra bem, estarei aqui para quando sair. – Afirmei com a cabeça e comecei a descer. Passei por algumas teias e logo meus pés tocaram o chão. – Elliot, pode vir.

– Nesses momentos eu adoraria ser claustrofóbico para te deixar ai sozinha.

– Para logo de frescura e desce.

– Você ficou tão amarga, docinho, o que aconteceu?

– Acha mesmo que estou feliz levando uma completa estranha comigo?

– Relaxa. Ela não parece ser uma pessoa ruim, além do mais ela parece ser do meu meio.

– Seu meio?

– É, gay, no caso, lésbica.

– Ah, entendi, mas como sabe disso? E por acaso isso definiria o caráter dela?

– Gaydar, querida, algo que você nunca terá. Quanto ao caráter, bem, não define, mas sinto que ela é uma boa pessoa. – Olhei para cima e ela descia de olhos fechados, quando chegou no chão quase caiu de bunda. – O que foi, querida?

– Aranhas, eu tenho pavor de aranhas.

– E mesmo assim acampa em mato? Não deveria ter vindo, provavelmente o lugar está infestado delas. – Vi o pavor em seus olhos e quase sorri, eu não sou uma pessoa ruim, só ainda não estava acreditando muito em sua história.

– Mentira, Gabi, posso te chamar assim? – Ela balançou a cabeça de forma afirmativa. – Pode até ser que tenha uma aranha e outra, mas observe, o lugar não tem nada que possa alimentar uma aranha e estava fechado há séculos, sente esse cheiro de mofo revigorante? Pois é, nenhum animal ou inseto consegue viver nessas condições.

– Mesmo?

– Juro de dedinho. – Revirei os olhos e peguei lanternas para todos na mochila. – Nessas suas anotações diz que caminho devemos seguir, porque com a experiência que me deu, nada é tão fácil de encontrar.

– Deve haver, um pouco mais na frente, túneis que se interligam, mas de resto não tenho nada, teremos que ir pelas pistas. – Começamos a caminhar e realmente não haviam aranhas, vi apenas uma, mas poupei a acompanhante indesejada de susto. – Acho que é ali na frente a ligação entre os túneis de passagem, provavelmente o lugar que queremos está nessa região, um pouco mais a frente, na direção da casa do Rei.



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