Um ano sem colocar pés no escritório. Continuava com meus vencimentos. Ainda mais depois que Luana soube o que me motivou a viajar, ela exigiu que eles aceitassem a minha licença remunerada. Uma parte do meu trabalho poderia ser feito a distância. Colocamos Flávia, que era minha assistente como responsável pelo setor. Combinamos que tudo que precisasse da minha atenção seria feito por vídeo conferência.
Durante esse tempo quase não se tocava no nome da Fernanda. E foi assim até a minha volta ao Brasil.
Marcamos com Luana após o almoço, na expectativa de conseguirmos encontrar alguma informação sobre a família de Adele.
Estávamos na sala da Luana, quando alguém bate na porta e vai entrando.
– Lua, já que você está livre agora à tarde a gente podia começar a ver… – Ela se cala quando percebe que tem mais gente na sala além de Luana. Abre e fecha a boca, sem saber o que dizer ao se dar conta que Adele e eu estávamos alí. Até que consegue falar. – Desculpa Luana, sua secretária não estava lá fora, eu fui entrando. Desculpa mesmo.
– Tudo bem Fernanda. Sem problemas. Mariana você já conhece. Só não foi apresentada ainda a namorada dela. Adele essa é a Fernanda. Fernanda, Adele. – Luana faz as apresentações. Minha inglesinha estende a mão, e tem o gesto retribuído.
– Prazer Fernanda. Ouvi falar bastante de você.
Fernanda me olha e fico vermelha na mesma hora. Adele não precisava ter falado isso. Se bem conheço a peça, ela queria ver a reação da Nanda.
– Como vai Mariana? – Vem me cumprimentar. – Pensando em voltar a trabalhar com a gente ou é só uma visita?
– Ainda não resolvi se volto ou não pra Inglaterra, mas é o mais provável que aconteça. Namorar a distância nunca foi minha praia, mas como ainda estou de férias, nada está decidido.
– Entendi. Bem, eu volto outra hora Luana. Vocês devem estar ocupadas e não quero atrapalhar. – Vira-se e sai da sala.
Luana percebendo o climão entra no assunto que nos trouxe ao escritório.
– Então, me digam que informações vocês têm sobre a sua família Adele.
– Só consegui descobrir o nome da minha avó. Catarina Souto Carvalho. Sei que ela é do interior de Minas Gerais, mas não sei mais nada.
– Nem o nome da cidade?
– Nadinha. Fizemos uma busca na internet, não encontramos nada, nem mesmo nas redes sociais. Só sabemos que ela deve ter por volta de sessenta e quatro anos.
– Bom, vamos passar esses dados para o pessoal da pesquisa. Eles têm acesso a vários sites, cartórios, vamos começar por Minas e depois vamos expandindo.
– Não sei como te agradecer Luana. E você também meu amor. Brigada! Vocês não fazem ideia do quanto eu gostaria de conhecer a família da minha mãe. Ser filha única de pais sem parentes é muito ruim.
– Imagina Adele, é um prazer te ajudar. E você já faz parte da nossa família.
O telefone da Luana toca.
– Oi. Não acredito que ela vá querer, mas vou perguntar. – Tapa o fone, para que a pessoa do outro lado não escute o que ela vai falar. – Mariana, é a Fernanda querendo saber se pode dar uma palavrinha com você. Cinco minutos no máximo.
– Agora não Lua.
Adele aperta minha mão.
– Vai lá Mari. Cinco minutos passa rápido. Eu fico aqui esperando com a Luana.
– Mas eu não tenho nada para falar com ela. – Digo chateada.
– Mas ela parece ter algo para falar com você. Vá ver do que se trata.
– Adele, você é completamente doida.
– Por você meu anjo, doida por você.
– Tá bom. Vou lá e volto correndo. – Dou um beijo de tirar o fôlego na minha inglesinha. – Vai nem sentir minha falta.
– Aff, vamos parar com esse agarramento aqui, por favor. – Luana não perde a chance de brincar com a gente.
Sigo em direção à sala da Fernanda. Lá chegando a sua secretária libera minha entrada. Dou duas batidinhas na porta e entro.
– Pode falar Fernanda.
– Nossa você já foi mais gentil, Mariana.
– É sério que você quer discutir sobre gentileza comigo?
– Ok, Mari. Eu pedi para você vir aqui porque quero oficialmente te pedir desculpas pelo que você ouviu aqui a pouco mais de um ano atrás. E…
A interrompo.
– No aeroporto eu te disse que isso já não era mais necessário, Fernanda. Para mim isso já não tem mais nenhuma importância.
– Então prova isso pra mim.
– Como assim?
– Aceita jantar na minha casa amanhã. – Jogou o convite.
– Tenho que ver com a minha mulher se ela pode me acompanhar e o que ela acha a respeito disso.
– Eu gostaria que você fosse sozinha. Para nós termos a conversa que não tivemos até hoje.
– Eu não quero ter conversa nenhuma com você Fernanda! Que saco! Você teve toda oportunidade de conversar comigo, mas você fugiu, veio trabalhar aqui no escritório, sabia quem eu era, que ia me encontrar aqui, mas não teve a mínima consideração em falar comigo. Só pensou em você e nos seus problemas. Inclusive quando chegou aqui. Enquanto eu era a sapatão amiga na internet, tava tudo bem. A sapatão na vida real não pode existir. Não sei o que mudou depois que você soube que eu ouvi a conversa de vocês. A consciência pesou?
Percebo que os olhos dela estão lacrimejando. Mas não consigo deixar de ser dura.
– Não precisa de nada disso: desculpa, consciência pesada. Relaxa! Na hora doeu, sofri, me senti uma bosta. Quis mudar, aliás, tentei mudar. Mas percebi que mudar quem eu era pra agradar alguém, que não me queria, era ainda pior que ser rejeitada. Não se preocupe. Como pode ver. – Dou uma volta. – Continuo a mesma lésbica de sempre, sem grandes vaidades, continuo não usando vestido, maquiagem e nada de salto alto. Mas feliz, bem feliz! Sabe por quê? No momento que desisti de tentar mudar, consegui conquistar aquela mulher linda e maravilhosa que tá lá na sala da Luana me esperando. Se bem que acho que foi ela que me conquistou. Mesmo eu usando coturno, calça jeans e camiseta com estampa de banda de rock. – Ufa, cansei! Estou me sentindo leve! – Desculpa Fernanda! Eu não queria ser grosseira, mas simplesmente não aguento mais você me pedindo desculpas. Acabou! Ficou no passado.
– Você sabe bem que não acabou, Mari. Se tivesse acabado você não estaria assim tão nervosa e fazendo questão de frisar o quanto você está bem e feliz. Eu sei que você ainda sente alguma coisa por mim e vou continuar lutando por uma chance de te mostrar que eu mudei.
Ameaço interromper, mas ela não deixa.
– Não senhora, agora é a minha vez de falar! – Sai de trás da mesa e vem se aproximando de mim. – Naquele dia no aeroporto, eu senti seu corpo tremendo junto ao meu, então não venha com essa de que eu sou passado. Eu sei que errei com você, que fui preconceituosa sim. Naquela conversa que você ouviu, eu estava tentando me convencer que não sentia nada por você. Eu não queria sentir nada por você, se já havia sido complicado com a Manuela, imagina com alguém que não era a feminilidade em pessoa. Confesso que me recusava a sentir a atração por você, mas ao mesmo tempo me recusava a ficar afastada. Você me fazia tão bem. Foi me conquistando com esse seu jeito bobo, gentil, sincero, meio moleque, mas extremamente atenciosa. Infelizmente, eu só percebi isso depois que você viajou.
Quando ouvi Fernanda falar isso, olhei para ela sentindo um misto de surpresa e raiva. Ela então prosseguiu com suas desculpas.
– As coisas foram ficando mais sérias entre eu e a Scheila. E eu percebi que não era ela, que eu queria ali ao meu lado. Precisava terminar com ela, resolver algumas questões com a minha família, comigo. – Senta na cadeira ao meu lado e segura minha mão. – Eu precisava me sentir livre das minhas amarras, preconceitos. Para então ir atrás de você. – Eu faço cara de surpresa. – Pode perguntar a Luana. Quando consegui resolver tudo, vim atrás dela querendo seu endereço. Eu já tinha até reservado passagem para ir pra Londres. Aí ela me deu um banho de água fria dizendo que você estava feliz e namorando há alguns meses. Disse que não iria me ajudar, pois finalmente você estava feliz, seguindo em frente. E o que eu podia fazer depois disso? Ir atrás de você e descobrir que você havia me esquecido? Fiquei com medo. – Abaixa a cabeça e percebo uma lágrima correndo no seu rosto. – Confesso, fiz ela me mostrar suas redes sociais e lá você estava linda e parecia feliz com a sua namorada. Aí não me senti no direito de te procurar, até porque você podia continuar com raiva de mim. Enfim, deixei pra lá.
Nanda faz um carinho em meu rosto. Confesso que fiquei balançada com todas essas coisas que ela estava me falando, mas me afastei. Não podia fazer isso com Adele.
– No dia que entrei na sala da Luana e vocês estavam conversando e falando da sua volta, meu coração acelerou e pensei que ainda podia ter uma chance com você. Por isso fui ao aeroporto. Precisava te ver de perto. Olhar nos seus olhos e pedir desculpas pessoalmente. O brilho que vi nos seus olhos me deu forças pra insistir em conversar, em estar perto de você. E é esse mesmo brilho que eu estou vendo agora, aqui tão de perto. Então não venha me dizer que você não sente nada por mim porque os seus olhos dizem uma coisa completamente diferente. E não, não vou te deixar em paz, enquanto você não me der uma chance. A inglesa lá que me desculpe, mas eu vou lutar por você sim!
Fernanda vai se aproximando do meu rosto e quando me dou conta ela está me beijando. E que beijo! Que boca macia, uma delícia. Quero sair do beijo, mas não consigo. Quando sua língua invade minha boca então, perco a noção de tudo. Nanda me abraça apertado com medo de eu tentar fugir. Me lembro de Adele e me afasto correndo. Preciso sair daqui.
– Você não devia ter feito isso Fernanda. Eu não quero nada com você.
– Não é o que o seu corpo e seus olhos dizem.
– Dane-se o que meu corpo diz. Qualquer mulher bonita que venha se esfregar em mim, meu corpo vai reagir assim! – Precisava ter o prazer de tirar aquele sorrisinho de vitória do rosto dela. E foi exatamente isso que aconteceu, assim que terminei aquela frase. Fernanda voltou a ficar séria.
– Se é assim, tentando me ferir, que você acha que eu vou desistir. Você tá muito enganada meu bem. Quando menos esperar você vai ser minha. A batalha entre o Brasil e a Inglaterra está só começando. – Ela vai até a porta. – Melhor você ir ou daqui a pouco a Luana vem atrás de você. Aproveita e começa a se despedir da sua inglesinha.
Filha da mãe, ela tem a coragem de tirar onda com a minha cara. Não podia dar o gostinho de ela dar a última palavra.
– Vai esperando deitada Fernanda. Porque de você, eu só quero distância!
– Vamos ver.
Nanda ri e fica com a última palavra, pois eu prefiro sair correndo daquela sala, para não cair em tentação.