Criminoso Desejo - A Descoberta

Criminoso Desejo – A Descoberta

Marília

Naquele dia levantei cedo, muito cedo. Algo naquele quarto me incomodava demais, não era o colchão velho nem a descascada pintura verde claro, era algo no ar, o cheiro… não sei definir, mas simplesmente não conseguia ficar naquele lugar por muito tempo.

Fui até a cozinha como um robô, como um zumbi, como a máquina de fazer café-da-manhã em que tinha me transformado nestes últimos dezessete anos de vida e, de forma quase automática, liguei a TV, como todas as manhãs.

Mais uma morte, desta vez foi uma garotinha que poderia ter sido uma das minhas filhas. O peso da sua vida, tão curta, me asfixiava. Uma lágrima escorreu pelo rosto.

Ivan desceu as escadas, ouvi desde que encostou no primeiro degrau, pensei rapidamente se deveria lavar o rosto ou continuar chorando. Não havia forma de lavar o rosto e fazer parecer que nada tinha acontecido, então escolhi continuar a fazer tudo normalmente como se não tivesse percebido a sua presença.

Ivan

Levantei, como todo dia, bem cedo. Fui até o quarto das minhas filhas e as acordei com um beijo na testa de cada uma. Desci as escadas e encontrei minha mulher preparando o café para mim e para as meninas que tinham de ir à escola. Era um dia comum, exceto pela expressão no rosto de Marília, o sorriso alegre de toda as manhãs tinha desaparecido, no lugar, havia em sua face um ar de preocupação.

Perguntei o que tinha acontecido e ela me informou que tinham achado mais um corpo. A vítima dessa vez era uma moça bela, loira, como todas as outras, uma menina de quinze anos, embora aparentasse um pouco mais. A garota tinha sido estuprada, estrangulada e estuprada novamente depois de morta.

As lágrimas escorriam pelo rosto de Marília enquanto relatava o que tinha ouvido no jornal da manhã. Lembrei do motivo pelo qual eu tinha me apaixonado por ela em primeiro lugar, da sua sensibilidade e da forma em que sempre esse tipo de notícia parece afetá-la, por mais que ouça esse tipo de relato no jornal todas as manhãs, isso nunca a tornou menos sensível aos acontecimentos. Eu adivinhei o seu pensamento, sabia que ela pensava em nossas filhas de catorze e dezesseis anos.

Abracei a minha mulher como poucas vezes o tinha feito, com a ternura que se abraça uma criança. Tentei acalmá-la dizendo que sendo eu policial, não permitiria jamais que alguém machucasse as nossas crianças, nenhum animal solto por aí ia ferir as nossas filhas. Quando sai para o trabalho, Marília estava mais calma.

Marília

Passei o dia lendo as notícias na internet, ouvindo vídeos do Youtube, procurando toda a informação que pudesse achar a respeito dos homicídios. A minha mente não parava um segundo. De repente achei um fórum muito interessante, li os posts de algumas das mulheres que lá falavam livremente sobre os seus maridos e os relacionamentos abusivos que tinham e como, muitas delas, tinham se livrado dos problemas sozinhas.

Criei um perfil nesse fórum e relatei, sem muitos detalhes, o meu problema. Coloquei a minha alma naquele post, desabafei tudo, terminei o post aos prantos, mas foi muito bom.

Ivan

Na delegacia encontrei um alvoroço enorme, os homens estavam trabalhando no caso das garotas assassinadas. Não tínhamos nenhuma pista, a cidade estava em pânico, o governo do estado estava ameaçando em pedir ajuda a entidades internacionais, corria o rumor de que os ingleses ou americanos chegariam dentro de um mês. Era o primeiro caso de assassinatos em série na nossa cidade, os nossos profissionais não estavam acostumados a lidar com esse tipo de mente criminosa, todo mundo se sentia impotente diante de tamanha frieza e grau de premeditação.

—Certamente é um doente— Pensei desanimado.

Marília

Perto das 5 fiz o jantar, como todos os dias. As crianças voltaram da escola famintas e já comeram logo assim que chegaram da escola, depois se foram a estudar e fazer os deveres de casa nos seus quartos.

As minhas filhas sempre foram fantásticas, nunca precisei manda-las estudar nem brigar para que levantassem de manhã ou para que tomassem banho, nem mesmo para que fizessem os deveres de casa, ambas foram sempre muito responsáveis e comprometidas com os estudos. Sempre tive muito orgulho de ser mãe delas.

Logo após as meninas subirem para fazer seus deveres, lavei a louça e fiquei esperando por ele para jantar.

Ivan

Quando voltei para casa, Marília estava ansiosa por novidades sobre o caso, queria ouvir que o assassino tinha sido capturado, infelizmente as novidades eram as de sempre: não há novidades.

Marília contou que algumas fotos da garota assassinada tinham sido divulgadas pela imprensa, era horrível ver o corpo dessa menina machucado daquele jeito. Como podia um ser humano cometer um ato atroz assim? Como era possível que um maníaco como esse estivesse solto pela rua? Malditos jornalistas, pensei, sempre se metendo onde não foram chamados, não bastava o pânico já causado pelas mortes, eles ainda precisavam lucrar com o terror da população.

Marília

Quando ele terminou de jantar contei tudo o que tinha visto na televisão e lido nas notícias online. Falei abertamente sobre as atrocidades cometidas, as fotos que tinham vazado, tudo. Queria ver seu rosto, sua expressão, analisar cada detalhe do seu olhar enquanto eu falava aquelas atrocidades.  Porém nada pareceu abalá-lo, nada o comoveu, não havia sentimento algum naqueles olhos… todos os pelos dos meus braços se arrepiaram horrivelmente e um frio inexplicável percorreu a minha espinha naquela quente noite de verão.

Ivan

Pedi a Marília que esquecesse um pouco desse assunto, pelo bem das nossas crianças, não queria que elas ficassem ansiosas ou atemorizadas demais. Disse a ela que sairia para fazer minha caminhada, como toda noite, e que quando voltasse não queria mais ver essa carinha triste.

As dores de cabeça estavam aumentando a cada dia, desde que os assassinatos começaram, tinha enxaquecas pavorosas diariamente que só melhoravam após uma caminhada pelas ruas da cidade, então acabei criando o hábito de sair para caminhar um par de horas após o jantar.

Marília

Como todas as noites, ele saiu para caminhar, meu corpo arrepiado de horror, corri até meu laptop para ver as mensagens do fórum e, dentre as várias respostas que encontrei, uma me chamou a atenção. Escrevi para Jackie78 no privado, contei para ela um pouco mais dos detalhes do caso, na sua resposta me pareceu que ela era alguém que já tinha lidado com problemas com o marido e a história tinha tido um final tranquilo, eu queria o mesmo, precisava do mesmo, era urgente!

Logo após escrever a mensagem, desliguei o laptop e corri para tomar banho antes dele voltar, queria estar dormindo quando ele voltasse, não suportava a ideia de tê-lo me tocando, querendo me beijar, passar essas mãos imundas no meu corpo.

Faziam já dois meses desde a última vez que ele tinha me possuído, meio à força após uma briga. Ele não era assim, nunca foi violento ou agressivo comigo, mas naquele dia tinha bebido e acabou descontando em mim a bebedeira.

Naqueles dias eu ainda não desconfiava, não sabia de nada, mas depois que descobri tudo, nunca mais permiti que me tocasse. Tinha intentado fazê-lo há alguns dias, mas fingi estar num sono pesado, ele tinha tentado ontem, mas fingi uma terrível tendinite. Não sabia quanto tempo mais poderia mantê-lo afastado de mim.

Ivan

Voltei tarde da caminhada essa noite, as crianças já estavam dormindo, fui ao quarto delas, as beijei, pedi a Deus para cuidar dos seus sonhos e protegê-las no dia seguinte. Fui ao meu quarto, Marília já estava deitada, tomei banho e deitei com ela.

A abracei por trás, passei a mão no seu abdômen puxando-a para perto de mim, encostei me nela beijando o seu pescoço enquanto lhe acariciava os seios, desci a minha mão até o seu ventre. Ela acordou, acariciei-a entre as pernas e a virei de frente para mim. Nos beijamos, acariciei-la com ternura e desejo e, fiz o amor com ela como se o fizesse pela primeira vez, com a mesma delicadeza que tinha feito 20 anos atrás, e na manhã seguinte acordamos abraçados, nossos corpos unidos, nossas almas também.

Marília

Eu sabia que mais cedo o mais tarde isso aconteceria, ele fez sexo comigo na noite passada, levantei pouco antes das cinco da manhã para tomar um banho, dois, três… o que fosse preciso para tirar o seu cheiro asqueroso. Chorei debaixo do chuveiro mas tive o cuidado de me recompor antes de sair do banho, não queria que ele suspeitasse, que ele percebesse. Se ele chegasse a suspeitar alguma coisa, então todo o meu plano iria por água abaixo. Precisava me recompor, precisava falar com Jackie78.

Ivan

Mais uma vez fui à delegacia desanimado. Cheguei e o lugar continuava uma loucura, os colegas continuavam discutindo teorias pelos cantos enquanto outros contavam como as mortes das garotas estavam afetando a vida de todos na cidade.

De repente, uma notícia, os ingleses tinham respondido ao pedido de socorro e se preparavam para enviar uma equipe para nos ajudar a levantar algumas pistas.  Isso era ótimo! Finalmente tenderíamos profissionais mais acostumados com este tipo de caso trabalhando conosco, a oportunidade de aprender com eles era enorme, todos nos sentimos muito mais confiantes naquela tarde.

Marília

Alguns dias se passaram até que consegui marcar um encontro com Jackie78, passamos uma tarde inteira juntas. Ela me contou detalhes sobre o seu casamento com um abusivo e corrupto sargento do exército e como tudo tinha terminado, como planejou tudo nos mínimos detalhes, como se livrou de qualquer investigação, como tinha vivido a vida desde então.

Jackie era a mulher mais honesta e corajosa que eu tinha conhecido na vida, se arriscar da forma em que o estava fazendo por mim, por uma desconhecida, nunca conheci alguém que fosse capaz de tanto por mim. Ela me fez entender que havia esperança, que o meu destino não estava selado, que não precisava viver nessa prisão para sempre. Ela me fez entender que havia gente disposta a me ajudar, a me dar apoio, e, quem sabe, talvez até um dia me amar.

Pela primeira vez senti que tinha achado alguém que me compreendia, que me apoiava, me senti forte como nunca antes tinha me sentido, as minhas esperanças no futuro aumentaram.

A minha admiração por Jackie foi instantânea e só cresceu a partir daquele dia. Nos falávamos diariamente, eu ligava para ela todas as noites quando ele saia e todas as manhãs antes dele acordar.

Ivan

Nas próximas semanas paramos de assistir jornal em casa, as nossas crianças foram proibidas de sair de casa até o assassino ser preso. Toda manhã a mesma tensão: Teriam encontrado outra vítima? Já eram mais de trinta. A cidade continuava em pânico, ninguém mais dormiria em paz até o monstro ser achado.

Toda a cidade parecia deserta, morta, o pânico estava instaurado. Nenhuma mulher ou criança saia sozinha depois das seis da noite. A imprensa estava chamando o assassino de “O monstro noturno”, suas vítimas somavam mais de trinta, sempre moças novas, brancas de longos cabelos castanhos ou loiros. O animal estava interessado num tipo específico de garota, porém isso não significava que quem não se encaixasse no seu tipo estava seguro, a violência com a qual ele agia era tanta que ninguém estava seguro na cidade, ninguém nunca mais se sentiria seguro até que pegássemos o assassino.

Marília

Uma manhã de quarta-feira acordei cedo como sempre, tomei um banho enquanto ele ainda dormia, fechei a porta do quarto das meninas e fui até a cozinha preparar o café da manhã. Enquanto preparava o café fiquei pensando na Jackie e no que tínhamos conversado no dia anterior. Nos dias passados tínhamos planejado e repassado o nosso plano incansavelmente, estava tudo certo, tudo preparado, ninguém nunca iria suspeitar de mim, muito menos dela. Ninguém sabia que nos conhecíamos, ninguém nunca nos vira juntas, ninguém poderia associá-la a mim ou a ele.

Precisávamos agir rápido, eu não podia esperar mais… de repente o telefone tocou:

—Marília é você? — Disse Jackie do outro lado do telefone.

—Sou eu, Jackie. O que aconteceu? Porque você está me ligando uma hora dessas? — Perguntei assustada.

—Não aconteceu nada, Marília, apenas liguei porque você sempre acorda cedo e queria muito falar contigo pessoalmente hoje. Preciso ter uma conversa importante com você.

—Está bem— Respondi e marquei de encontrá-la no mesmo lugar de sempre, depois desligamos rapidamente sem sequer nos despedir.

Naquele dia agi como sempre até ele sair para o trabalho, porém depois disso corri para tomar um banho, vesti a minha roupa favorita e sai às presas para não me atrasar. Não gostava de me atrasar para encontrar Jackie, não queria fazê-la esperar, morria de medo dela desistir de mim e me deixar, novamente, perdida na imensa solidão da minha vida.

Ivan

Levantei cedo como sempre, fui até o quarto das meninas para acordá-las com um beijo, porém a porta estava trancada, fiquei sem entender, as meninas nunca trancavam a porta antes de dormir.

Desci as escadas e Marília já estava na cozinha, preparando o café como sempre.

Me sentia estranhamente reconfortado com essa rotina, a rotina do meu lar me mantinha em foco para não enlouquecer com o estresse do trabalho. Saber que chegaria em casa e encontraria sempre Marília com jantar já pronto, as nossas meninas fazendo o dever de casa nos seus quartos, saber que na manhã seguinte levantaria e Marília estaria preparando o café. Amava a rotina da minha família, amava as minhas filhas e a minha mulher mais do que tudo, não conseguia imaginar a vida sem elas.

Mas naquela manhã algo meu pareceu estranho, não sei, não era nada específico, alguma coisa no olhar de Marília parecia diferente. Tentei afastar esses pensamentos da minha cabeça, de seguro já estava ficando paranoico com a investigação que não dava em nada.

Marília

Depois da ligação daquela manhã fiquei sem chão, sem saber o que esperar. Esperei ele sair para o trabalho, peguei a minha bolsa e corri para o nosso ponto de encontro. Finalmente cheguei ao estacionamento do mercado, subi no seu carro e fomos ao mesmo motel de sempre. Jackie e eu tínhamos começado a frequentar um motel para podermos falar mais tranquilamente, passávamos 3 ou 4 horas lá e saiamos tranquilas sabendo que ali ninguém nos reconheceria.

Quando entramos ao quarto, Jackie me pediu para sentar na cama, ela ficou em pé, frente a mim, me olhando com aqueles enormes olhos verdes e disse:

—Preciso falar com você, isto tudo não vai dar certo, não posso te ajudar mais.

—Por que? — Perguntei meio desesperada.

—Porque estou completamente apaixonada por você, porque sonho com você todas as noites, porque não consigo parar de pensar em você o tempo todo, porque estou ficando louca de tanto pensar em você, Marília. Não posso lhe ajudar a matar seu marido, se eu fizer isso estaremos condenadas a ficarmos separadas para sempre, como vamos aparecer juntas? Os colegas dele vão suspeitar, a polícia vai investigar, eles vão nos descobrir. Marília, eu te amo, eu te amo, vem comigo, foge comigo, vamos embora do Brasil.

—Mas Jackie, eu não sou lésbica! Eu achei que isso estava claro para você! — Respondi irritada.

Jackie tinha me contado sobre a sua vida depois do casamento, depois de que o marido tinha sumido misteriosamente, ela tinha me falado tudo sobre as mulheres solteiras e casadas com quem tinha ficado. Tinha me falado sobre o sexo, sobre como era a vida sem apreciar ficar presa àquele homem que batia nela por esporte e sobre como tinha se encontrado depois dele sumir.

Na verdade, eu já tinha percebido que o seu olhar, o seu toque, estavam diferentes ultimamente, tinha percebido os olhares ao meu decote, às minhas pernas toda vez que as cruzava, mas mesmo sentindo uma admiração imensa por Jackie, um caso com ela estava totalmente fora de questão, eu sempre gostei de homens, nunca beijei ou pensei em beijar uma mulher. Achei que tinha deixado isso muito claro.

Ela caiu aos prantos do meu lado na cama, soluçava como uma criança, não consegui ver aquilo, me deitei do seu lado e abracei, tentei acalmá-la, mas ela só continuava soluçando. Não sei como aconteceu, mas depois de vinte minutos de afagos e tentativas inúteis de acalmá-la, os meus lábios encostaram nos dela e, instintivamente, nos beijamos.

Era a boca mais macia que eu tinha beijado na vida. Um beijo tão doce, tão gentil, mas ao mesmo tempo tão cheio de paixão e desejo, meu corpo tremeu por inteiro somente com o seu beijo, ela sentiu a excitação em mim e começou a me acariciar, levantou a minha saia e se deitou encima de mim encaixando a perna entre as minhas pernas e, em movimentos suaves, pressionava e esfregava a sua coxa em mim. A textura da sua calça jeans encostando na renda da minha calcinha me deixou tão excitada que molhei a calcinha toda, ao passar a mão em mim, ela percebeu.

Foi recorrendo o meu corpo com a boca, abrindo os botões da minha blusa e beijando meu abdome, percebi nesse instante o que ela ia fazer, tentei resistir, tentei pedir para ela parar, mas era tarde, a sua boca já estava entre as minhas pernas, sua língua me lambendo bem devagar.

Ivan

Naquele dia cheguei a casa um pouco mais cedo, as notícias não eram as melhores, toda a minha equipe estava frustrada e desanimada, o chefe tinha dispensado todo mundo e nos mandado dormir um pouco… como se alguém pudesse dormir com aquele maníaco solto.

Marília não estava em casa, achei estranho, ela não costumava sair no final da tarde, muito menos deixar as meninas sozinhas em casa em casa quando havia um maluco solto pela cidade. Me preocupei bastante.

A porta se abriu, ela entrou e ficou surpresa em me ver em casa, parecia um pouco perturbada, perguntei se tinha acontecido alguma coisa, mas ela disse que tinha ido ao mercado, mas voltou sem levar as compras porque as filas estavam grandes demais e ficou com medo de demorar e acabar ficando na rua quando escurecesse.

Contei a ela a triste notícia de que os ingleses tinham voltado para a Inglaterra do mesmo jeito em que tinham chegado: de mãos vazias. Nem mesmo a famosa polícia inglesa tinha encontrado alguma pista do assassino. Marília ficou triste, mas naquele dia parecia extremamente perturbada, aérea, não parecia estar ouvindo nada do que eu falava.

Saí para a minha caminhada noturna desejando que a minha dor de cabeça melhorasse.

Marília

No caminho do hotel para o estacionamento do mercado ninguém falou nada, silêncio absoluto dentro daquele carro. Eu estava sentindo uma mistura de vergonha, medo, insegurança:

—O que estou fazendo?— Me perguntei desesperada. —Os problemas não eram suficientes? Precisava arranjar mais um?

A única coisa em que conseguia pensar era em que se ele descobrisse iria me matar, os meus dias tinham acabado, ele nunca entenderia, não daria tempo nem de explicar. Acabava de cometer o maior erro da minha vida.

Ivan

Aquela noite caminhei durante alguns minutos, mas minha mente estava longe, era como se o chão tivesse sumido e eu estivesse caminhando sobre nuvens ou flutuando no ar, minha cabeça doendo mais do que nunca.

De repente, a dor de cabeça cessou, eu estava com a minha arma apontada para uma menina, 20 loira, bela, que me olhava amedrontada. Ela estava deitada na grama, meio nua, eu estava sobre o seu corpo trêmulo, peguei uma corda, coloquei-a no seu pescoço muito branco e comprido e apertei, quanto mais apertava, maior era a minha excitação, apertei, apertei, as lágrimas escorriam pelo seu rosto delicado enquanto eu apertava a corda e a penetrava ao mesmo tempo, quanto mais ela gemia, maior era o meu prazer. Ela ficou quieta, não se mexia mais. Fiquei em pé, tirei o resto das suas roupas, ela estava nua, seu rosto branco, muito branco. Arrumei seus cabelos lisos sobre a grama, parecia um anjo. Meu desejo aumentou, queria possuí-la novamente. Me joguei encima dela como um animal, como um cachorro faminto sobre um pedaço de carne, sentia fome, fome da sua beleza, fome do seu corpo pálido, fome da sua inocência e olhar vidrado. A penetrei de novo, com fúria, com desespero, mas mais que tudo, com fome.

Marília

Depois daquele dia fiquei umas duas semanas sem falar com Jackie, me senti enganada, traída, abusada. Ela tinha se aproveitado da minha fragilidade emocional para me levar para cama, não poderia perdoá-la. Porém a lembrança dos seus lábios em mim, me fazendo gozar uma e outra vez, gozar como nunca na vida, era inesquecível. Até onde consegui contar, havia gozado cinco vezes naquela boca, depois disso parei de contar, seus dedos percorreram meu corpo por fora, por dentro, por cima e por baixo, cada centímetro de mim. Como poderia esquecer? Esperei ele sair e peguei o telefone:

—Quero te ver. — Disse sem nem cumprimentar assim que ouvi a sua voz.

—No lugar de sempre? Meia hora? — Perguntou ela rapidamente e eu assenti. Peguei a minha bolsa e sai em direção ao estacionamento.

Quando cheguei lá, ela já estava me esperando, entrei no seu carro e pedi para dirigir até o motel. Entramos, mas antes mesmo de conseguir fechar a porta, pulei nos seus braços a empurrei na parede e a beijei parei somente para dizer:

—Não consigo esquecer de você, não consigo parar de pensar em você, o que você fez comigo? O que você vez?

Fizemos o amor desesperadamente, incansavelmente durante mais de três horas. Fizemos de tudo, transamos na cama, no banheiro, no carpete, na hidromassagem, em cada canto daquele quarto. Ela me beijou, me chupou, me penetrou, me comeu de todas as formas que quis, fez de tudo comigo, mas desta vez foi consciente, foi a minha escolha, eu permiti, eu deixei, eu quis.

Quando acabamos, deitamos exaustas, de costas na cama e ficamos conversando nos olhando no espelho do teto:

—Não quero mais que me ajude a mata-lo. Entendi o que você quis dizer, sei que é perigoso para você, para mim, para nós duas. Vou fazer isso sozinha.

—Você não vai conseguir sem mim.

—Vou sim, preciso fazer isso só e tem que ser logo, não me contate nos próximos dias, espera dez dias para me ligar, quando você ligar já terei resolvido tudo.

—Mas por que matá-lo, Marília? Você tem opção, você pode fazer diferente, eu nunca tive opção, ele iria me perseguir, mandar me matar, mas você?

—Não vou mais discutir os detalhes com você. Quanto menos você souber, melhor para nos duas. Mas eu vou resolver tudo, prometo. Ele está começando a perceber que eu desconfio dele, eu não aguento mais fingir, não aguento mais o seu cheiro todas as noites quando volta da rua, não aguento mais que encoste aquelas mãos em mim e nas minhas filhas.

—Mas o que ele faz? Do que você desconfia? O que tem esse homem de tão terrível?

—Basta dizer que não posso mais ficar do lado dele. Não queira saber mais, não procure saber mais.

Ivan

Voltei a casa depois da caminhada, a dor de cabeça tinha sumido completamente, cheguei tarde, as crianças já estavam dormindo. Fui ao seu quarto e as beijei, pedi a Deus para cuidar dos seus sonhos e protegê-las no dia seguinte. Fui ao meu quarto, Marília já estava deitada, tomei banho e deitei com ela, nos beijamos, acariciei-a com ternura, nos amamos ternamente, devagar, ela parecia diferente, seu gemido estava diferente, havia alguma mistura de excitação, dor, não sei definir, mas isso me deixou ainda com mais tesão. Fiquei dentro dela por quase meia hora, não conseguia parar, imagens de uma pele branca, uns cabelos loiros, aqueles olhos vidrados me vinham à cabeça o tempo todo. Quem era essa garota? Eu não fazia ideia, mas é certo que naquela noite, depois de mais de dezessete anos de casamento, a minha mulher agradeceu que ela aparece na minha mente para esquentar a coisa ainda mais.

Marília

Naquela noite não dormi. Esperei ele dormir cansado depois da transa, fui ao banheiro e tive que conter o horror que vi no espelho para não gritar, as marcas de sangue que as suas mãos imundas tinham deixado em mim. Tinha sangue nos meus ombros, sangue de alguma criança inocente, sangue de alguma garotinha loira como as minhas filhas eram também. Não podia mais aguentar aquilo, fui até a cozinha naquela noite, peguei a faca que tinha mandado amolar especialmente para aquele momento, fui ao quarto, ele ainda estava dormindo. Repassei na mente tudo o que Jackie tinha me ensinado, escolhi o ponto da artéria, estava pronta para cortar, mas as minhas mãos tremiam demais, vi a vida dele pulsando naquela artéria, mas não tinha jeito, eu era fraca demais.

Voltei à cozinha e deixei a faca, peguei o telefone e liguei para um colega de trabalho dele. Pedi para mandar um par de viaturas até a minha casa, disse que era urgente, pedi para não ligar as sirenes.

Quando eles chegaram abri a porta antes de que pudessem bater, estava esperando na cozinha, eles entraram, eu estava apenas de calcinha, o restante do meu corpo ainda nu, ainda com o sangue dela nos ombros:

—Sei quem está matando as garotas. — Disse com um tom de voz bem firme. —Ele está dormindo lá em cima, na minha cama, aqui no obro tenho uma amostra de sangue da vítima desta noite. Devem encontra-la amanhã, com certeza.

Ela ligou numa manhã de domingo poucos dias depois:

—Marília é você?

—Sou eu. Como você está, Jackie?

—Bem, preocupada, como você está? O que aconteceu?

—Nada de especial. Quero te ver hoje.

—No lugar de sempre?

—Não, na minha casa, sabe onde fica? Ah! Compra um bolo quando estiver vindo, vai conhecer as minhas filhas. Desliguei o telefone sem dar maiores explicações. Não havia nada que explicar, a minha alma estava finalmente em paz, a vida me esperava.



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