A Última Chance

Capítulo 1 – Roupa Suja

— Me larga — Disse Marisa lançando uma cotovelada ao ar. — Me solta ou não vai prestar!

— Amor, o almoço foi combinado há mais de um mês, está todo mundo nos esperando, temos que ir! — Falou Andréa, com a voz calma e condescendente que tanto irritava Marisa.

— Eu já disse que não vou a esse almoço, se quiser, vai sozinha! — Gritou Marisa, histérica enquanto rapidamente se soltava de Andréa e corria em direção ao quarto para trancar a porta.

Andréa suspirou profundamente, levou as mãos à cabeça e falou mais para si mesma do que para ser ouvida:

— Eu mereço. Eu deveria ter arrastado ela para o carro quando tive oportunidade.

A vida de Andréa e Marisa não estava nada fácil desde dezembro. As brigas eram constantes e cada vez mais violentas. Brigavam por tudo: sair, não sair, o que comer, o que não comer, o que vestir, as contas a pagar, as que não deveriam pagar… brigavam até sobre se deviam ou não comprar o pão para o dia seguinte.

— Amor! — Falou Andréa com a cabeça encostada na porta tentando manter o tom mais calmo possível. — Embora se arrumar, amor, as meninas estão nos esperando, está todo mundo lá já, não demora demais.

— E-U-J-Á-D-I-S-S-E-Q-U-E-N-Ã-O-V-O-U — Gritou Marisa, ainda mais histérica que antes.

Não era que Marisa não gostasse das amigas, pelo contrário, as adorava, mas não estava disposta a ir para um almoço com elas fingindo que estava tudo bem.

Não aguentava mais responder perguntas sobre como iriam comemorar os vinte anos de casamento nem sobre como estavam as meninas, até porque ela nem sabia como estavam as meninas, mal sabia como estava ela mesma! Que mais poderia se dizer sobre a filha mais velha que morava em New York há mais de três anos e que fazia mais de cinco meses que não ligava ou sobre a mais nova que estava agora em Milão fazendo desfile para alguma grife que ela só ficaria sabendo qual era quando a visse na TV. Não, ela não fazia ideia de como estavam as meninas e não estava preocupada com isso agora.

— Amor, vou entrar — Falou Andréa com a mesma voz calma e condescendente que tinha tentado manter durante toda a manhã.

Andréa era extremamente organizada, sabia onde encontrar cada alfinete que havia naquela casa, conhecia cada papel, cada documento, cada fotografia e, claro, cada cópia de chave que havia e já estava com a cópia certa nas mãos abrindo a porta.

— Minha vida, ainda não se vestiu. — Disse Andréa com a mesma calma de antes.

— Mas que porra, Andréa, eu já disse que não vou! — Gritou Marisa mais uma vez enquanto pegava uma cadeira que estava do lado da cama e a levantava com uma mão. —Você sai daqui agora, estou falando sério, sai daqui agora ou eu vou te quebrar toda, vou te matar, vou te fazer picadinho, vai embora deste quarto, desta casa, da minha vida, desaparece, some! — Gritou num tom tão desesperado que fez Andréa arregalar os olhos e dar um passo atrás.

Marisa não era assim, nunca havia sido assim, mas agora estava completamente irreconhecível, totalmente “virada no capeta”, como costumava dizer Andréa. Mas haviam motivos para essa cena deplorável além da TPM que estava atacando com força este mês, para entender o que estava acontecendo é preciso voltar um pouquinho no tempo.

Marisa e Andréa se conheceram logo após o divórcio de Marisa, que tinha sido bastante amigável no começo, mas já no final do processo o ex-marido de Marisa tinha informado que preferia não continuar em contato com ela e que iria se mudar para a Holanda com um amigo (que Marisa sabia ser o novo namorado) e desde então eles não tinham mais se visto.

Ele sempre mandava cartinhas para as filhas, algumas lembrancinhas e ligações também eram frequentes, mas ainda no primeiro ano cortou relações com Marisa e parou de ajudar mandando pensão para as meninas ou dinheiro para a educação delas sequer, pois a sua situação econômica era extremamente instável na Europa onde trabalhava como artista de rua.

No momento de maior caos e confusão, de maiores problemas financeiros e emocionais para Marisa, tinha aparecido Andréa, uma charmosa empresária paulista que tinha acabado de se mudar para Brasília para começar uma franquia da sua exitosa loja em São Paulo.

Andréa era 5 anos mais nova do que Marisa, mas o que lhe faltava em idade lhe sobrava em carisma e experiência de vida. A garota era simplesmente destemida, sem nunca ter saído do país antes e sem falar inglês, tinha começado um negócio de importação com produtos fabricados na Coreia, China e Hong Kong, países aos que viajava frequentemente desde que abriu a empresa. Andréa se vestia de forma elegante e conquistou Marisa com vinhos, jantares e flores, era toda uma “gentleman”, segundo as próprias amigas do casal.

Andréa parecia conquistar todos e todas com o seu charme e calma, os amigos e até a família de Marisa eram simplesmente apaixonados por ela e não cansavam de falar no quanto Marisa tinha sorte de ter encontrado uma pessoa tão bacana com quem começar uma nova vida.

Andréa também conquistou rapidamente as filhas de Marisa, Luíza e Giovana, que na época tinham 4 e 7 anos respetivamente e sentiam uma falta imensa do pai que fez Luíza até perder metade do cabelo e emagrecer alguns quilos que nunca mais voltou a recuperar.

Os primeiros 10 anos de casamento foram maravilhosos. Ambas mulheres viajaram, se divertiram, frequentaram os melhores restaurantes e hotéis do Brasil todo, as crianças foram matriculadas nas melhores escolas e as duas se mudaram para uma casa espaçosa e bem decorada localizada num condomínio de classe média-alta na capital.

Os anos se passaram e Andréa sempre fez questão de que Marisa ficasse em casa cuidando das filhas e trabalhava 14 horas por dia para garantir que nada faltasse em casa, tinham simplesmente tudo o que poderiam desejar. Marisa era feliz cuidando da casa, da comida, das roupas de Andréa. Levantava muito cedo para fazer o almoço, lavava, passava a roupa, limpava a casa, Marisa gostava de se manter ocupada e fazia questão de não ter uma empregada doméstica ou uma faxineira, ela gostava de cuidar de tudo.

Depois de terminar os afazeres domésticos, Marisa gostava de sentar na frente do computador, ver vídeos do Youtube, tutoriais sobre tudo e qualquer coisa, entrava em fóruns, conversava online, atualizava as redes sociais, subia fotos da família feliz. Mas naquela terça-feira em que tudo começou Marisa estava inquieta, algo lhe tirava a paz há alguns dias. Ela tinha notado que Andréa tinha comprado uma lingerie nova, um corselet preto com detalhes em vermelho que simplesmente não fazia de forma alguma o tipo de Andréa e era pequeno demais para ser algum presente para Marisa, esse pensamento a atormentou durante dias, mas ela não se atreveu a dizer nada, ficou apenas remoendo as ideias e tentando explicar para si mesma de alguma forma racional o que esse corselet fazia na gaveta de Andréa.

Finalmente, a curiosidade de Marisa foi mais forte, ela ligou o computador de Andréa e abriu o WhatsApp Web, que ela sabia que Andréa usava sempre e que logaria automaticamente na conta de WhatsApp da esposa. Assim que abriu a página, carregaram todas as conversas de WhatsApp de Andréa e Marisa começou a procurar uma por uma alguma que lhe parecesse estranha.

De repente, sem precisar procurar muito ela viu a seguinte troca de mensagens com uma mulher chamada Lívia Marques:

— Você esqueceu uma coisa aqui.

— Esqueci não, meu bem, foi presente, é seu.

— Blz então, vou guardar.

— Mas não vale lavar, viu? A ideia é conservar o cheirinho! Bju :-*

— Ahahahaha tá certo. Bju!

O coração de Marisa disparou, quem diabos era essa Lívia? Ela não se lembrava de nenhuma amiga com esse nome, e essa conversa? Para Marisa era obvio que estavam falando do corselet, mas por que essa mulher deu um corselet para Andréa? Marisa tentou ler as mensagens anteriores, mas elas tinham sido apagadas, só tinha essa troca de mensagens de 3 dias atrás, nada antes e nada depois disso. Marisa não estava entendendo mais nada.

Naquele dia, Marisa levou as crianças para a casa da mãe e esperou que Andréa chegasse do trabalho. Quando Andréa chegou, Marisa lhe serviu o jantar como sempre, esperou que terminasse e disse;

— Precisamos conversar.

— Sobre o que seria? — Respondeu Andréa levantando os olhos com surpresa.

— Sobre isto aqui — Disse Marisa jogando encima da mesa o corselet preto com vermelho.

— Ah! Isso, foi um presentinho que comprei para você! Mas é foda amor, não dá para esconder nada de você! Estava esperando uma hora em que as crianças não estivessem em casa para a gente… sei lá, criar um climinha mais romântico, você sabe… — Disse Andréa, calma e insinuante.

— É mesmo, amor? — Respondeu Marisa totalmente desconfiada e com ares de sarcasmo.

— É sim, o que você achou que fosse? Pensou que era para mim? — Disse Andréa terminando a fala com uma imensa gargalhada daquelas que só ela sabia dar.

— Sei lá, para mim é que não é… ou não percebeu que é pequeno demais? — Falou Marisa, ainda muito seca e desconfiada.

— Que é isso, amor, você nem experimentou, aposto. — Disse Andréa, brincalhona.

— Me dá aqui um pouquinho —Marisa estendeu a mão e pegou o celular da mão do Andréa e abriu as conversas do WhatsApp. — E essa conversa aqui, o que significa, você pode me explicar?

Andréa leu a conversa que teve com Lívia e disse, ainda calmamente —O que tem essa conversa? Não estou entendendo.

—O que tem essa conversa quero saber eu, Andréa. O que significa isso? Quem é essa tal de Lívia e do que estavam falando? Não seria do corselet, por acaso?

Andréa gargalhou novamente e disse:

— Mas é bobinha, meu amor, credo! A Lívia trabalha comigo, é uma das meninas do financeiro, outro dia eu disse que adorei o perfume dela, perguntei o nome e onde tinha comprado, que era para dar para você um desses, porque era muito bom. Aí outro dia ela foi na minha sala para resolver uns assuntos do financeiro, umas autorizações que eu tinha que assinar, e ela deixou um lenço na cadeira, no meu escritório, aí eu mandei WhatsApp para ela ir buscar na minha sala, mas ela disse que era presente, que tinha deixado para eu lembrar do cheiro do perfume quando fosse comprar. Foi só isso, amor!

Marisa não respondeu, estava se sentindo idiota, não sabia mais o que achar daquilo. A sua intuição gritava que ela estava certa, que a conversa era sim sobre o corselet, mas a explicação tão calma e razoável de Andréa a tinha feito duvidar.

— E cadê o lenço? Cadê o perfume que você me comprou? — Respondeu Marisa, ainda muito desconfiada.

— Acabei nem comprando o perfume, amor, não tive tempo, e o lenço está lá na minha sala, não ia trazer para casa um lenço usado, né? — Respondeu, ainda calmamente, Andréa.

Marisa se deu por vencida. Não ia conseguir tirar nenhuma informação diferente de Andréa, ela tinha explicado tudo e foi coerente, não tinha se enrolado para responder nem pensado demais nem ficado sem jeito. Devia ser isso mesmo. Mas no fundo do coração, bem no fundo, Marisa não conseguia acreditar em uma palavra do que ela tinha falado.



Notas:



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