Aghata
Eu cheguei à minha casa ainda me sentindo nas nuvens. Nunca imaginei na vida que uma mulher pudesse me fazer sentir desse jeito! Se eu estava assustada? É claro que eu estava! Mas me sentia… Liberta, esse era o termo. Fiquei tentando comparar o que senti com todos os meus relacionamentos e o que eu senti naquela noite. Simplesmente, não tinha como. Não havia comparação. Foi forte, me deixou tremula, insegura… e a excitação? Fiquei excitada com beijos! Como isso podia acontecer com uma mulher? É claro que eu não era nenhuma ingênua. Na faculdade, tinha tido amigas lésbicas, mas apesar de não me incomodar e até gostar de conversar com elas, nunca tinha me atraído por nenhuma mulher. Para mim elas eram… mulheres! Nunca tive preconceitos bobos, mas simplesmente nunca me atraiu! Nunca houve uma mulher que me chamou a atenção, a ponto de por a prova minha sexualidade. Mas isso?! O cheiro de Paula estava entranhado em meu corpo e eu simplesmente, amei! Pensei até em não tomar banho para dormir com o cheiro dela, mas aí a minha sandice ia chegar aos extremos. Não ia simplesmente me atirar, mas não iria me reprimir. Estava feliz com o que sentia como nunca senti em minha vida. Era quase uma loucura de amor adolescente. Dormi como um anjo!
No dia seguinte de manhã, liguei para a Ana Maria.
— Alô!
— Oi, Aghata! Como foi a recepção? Desculpe-me por não ir, mas o Zé Mauro não passou bem ontem, pelos sintomas acho que ele está com uma virose daquelas!
— Não tem problema, é sempre a mesma coisa. Você foi em uma, já foi em todas. Seu marido está melhor agora de manhã?
— Ainda não, apesar do antitérmico que eu dei, a febre ainda persiste. Ele foi tomar um banho agora para ver se sente melhor. Mas você não me ligou para perguntar por que eu não fui, né?
Ana Maria sorriu do outro lado da linha.
— Não.
— E?
— E eu fiquei com ela.
— E?
— E eu amei tudo.
— E é assim que você me conta? Fala logo! Desembucha! O que aconteceu?
Eu era uma pessoa reservada, mas a Ana Maria conseguia me descontrair a ponto de eu conseguir colocar as coisas para fora. Eu sempre fazia isso com ela e ela sempre fazia isso comigo. Éramos amigas desde a faculdade, seguimos caminhos diferentes na profissão, mas nunca deixamos de nos falar. Sempre contei com ela e ela sabia que podia contar comigo para qualquer coisa. Sorri, ao pensar no caminho que percorremos juntas e, mais uma vez, contava com ela para uma etapa da minha vida.
— Foi bom, muito bom!
— Ei! Eu quero os detalhes, não fuja da pergunta!
Eu ri com o entusiasmo dela.
— Se você acha que chegamos “nos finalmentes” está enganada, mas o beijo é muito bom, o abraço é muito bom, o cheiro é muito bom e é isso que você precisa saber.
— E você me ligou à uma hora dessas por quê? Pra me contar coisa mixa?
Já estava rindo, mas quando ela falou não contive a gargalhada solta, provocada pela curiosidade de Ana.
— Você é demais, mesmo. Quer dizer que se eu transar com ela, você vai querer saber dos detalhes?
— Claro! Se não, qual o divertimento em te ouvir nas horas de lamentações?
— Ah! Para! Você não se diverte mais com seu marido não?
— Me divirto. Nem sempre… Às vezes… Mas atualmente a sua vida sexual se tornou mais excitante.
— Pode parar que da minha vida sexual você não vai participar ativamente não.
— Sem graça!
— Tarada!
Rimos muito e eu acabei relatando o que aconteceu e como eu estava me sentindo.
— Pelo que você me contou, ela não parece aventureira.
— Mas eu estou com medo. Ela parece ter esfriado depois que eu contei que não tinha ficado com nenhuma mulher antes. Fiquei de ligar para ela. O Roberto, chefe dela, me contou que eles hoje iriam trabalhar por conta do feriado da semana que vem. Não sei nem se ela se deu conta quando eu disse que ligaria para combinar um jantar hoje.
— Lógico que ela se deu conta. Se não ela falaria qualquer coisa para você. Ela não disse que sairia com você? Se ela esfriou ou não, eu não sei, mas você tem capacidade de acendê-la, ou não?
— Espero que sim, porque eu estou realmente mexida…
— Só fique linda, elegante e discreta. Sem ser vulgar.
– Ei?! Desde quando eu sou vulgar, sua canalha?
— Desde quando você gosta de mulheres? – Foi a vez de Ana rir de mim.
— Mulheres, não. Ela!
— Então, tá. Amanhã você me liga contando coisas realmente quentes. Hoje foi meio fraquinho…
— Vai esperando… Se hoje tiver coisas realmente quentes, pode apostar que eu não vou te ligar. – Sacaneei.
Despedimo-nos e desligamos, mas minha ansiedade não diminuiu. Fui ao shopping ver se me distraia. Não queria ligar muito cedo para não atrapalhá-la no trabalho, mas minha vontade era saber logo se ela não tinha mudado de ideia. Queria leva-la a um lugar especial, mas nada vinha à minha mente. Nenhum lugar era bom demais, pois eu queria também privacidade, queria conversar com ela sem me preocupar com o que acontecia em volta. Tive uma ideia e liguei para casa.
Cheguei em casa com tudo que Silene havia me pedido. Deixei tudo com ela e fui para o meu quarto. Tomei um banho demorado e descansei um pouco, mas nem de longe eu dormi. Não parava de pensar na possibilidade dela não querer jantar mais comigo. Já eram quatro e trinta da tarde, hora que, provavelmente, ela já estaria se preparando para sair. Liguei apreensiva.
— Alô! A Paula? Ah! Por favor! Obrigada.
Esperei um pouco e aquela voz suave inundou meus ouvidos. Meu coração disparou.
— Alô! Paula? É a Aghata. Tudo bem?
— Oi! Tudo bem, e você?
— Tudo bem. Que horas posso te pegar?
Não quis dar espaço para ela me rejeitar. Eu queria pelo menos conversar com ela…
— É… que tal às nove horas da noite?
— Está ótimo para mim. Me passa seu endereço que eu te pego.
Percebi que sua voz era de apreensão. Anotei o endereço com o coração aos pulos. Não era muito longe de onde eu morava, não precisaria sair muito tarde de casa.
— Então passo para te pegar às 21h00. Beijos.
— Beijos.
Às oito da noite já estava pronta há muito tempo e saí para pegá-la. Cheguei ao seu prédio e interfonei. Ela atendeu dizendo que já estava descendo. Esperei no carro e quando a vi, me desesperei. Ela estava linda! Uma calça jeans clara skinny, uma bota de cano alto de salto agulha e uma blusa azul petróleo colada ao corpo realçando suas curvas. Quase sem maquiagem, suas feições eram singelas. Eu saí do carro, abri a porta do carona para ela entrar, dei dois beijinhos no rosto para cumprimenta-la e seu cheiro atingiu em cheio a parte central de meu cérebro, entorpecendo todos os meus sentidos. Quando entrei no carro nem ela nem eu, conseguimos falar mais que duas palavras. Embiquei meu carro direto pela alameda que dava ao portão da minha casa. Antes de me aproximar em demasia do portão, acionei o controle remoto para abri-lo. Foi quando ela me interpelou.
— Para onde você está me levando?
Foi quando eu gelei. Não havia nem perguntado do que ela gostava e onde ela gostaria de ir. Simplesmente fiz o que sempre fiz. Decidi. Ela não parecia do tipo de que gostasse que alguém decidisse por ela. Eu não sabia como me portar, só queria conversar com ela. Tinha que pensar rápido e tornar a coisa menos desagradável.
— Bem, como eu não te conheço e eu gostaria que me conhecesse mais, resolvi fazer um jantar em minha casa para você saber onde moro e como eu vivo. Desculpe-me se fui um pouco intransigente, mas quero te fazer umas perguntas e acredito que você queira saber mais sobre mim… Se você não quiser ficar aqui, podemos ir a outro lugar…
— Não, tudo bem. É que eu pensei que iríamos a um restaurante…
— Quer ir a um restaurante?
— Não, não tem problema. Já estamos aqui e você fez o jantar… Eee…
Ri de nervoso.
— Eu não fiz o jantar. Quem fez foi minha empregada. Pode apostar que se eu tivesse feito o jantar, você correria a léguas de mim!
Ri novamente. Ela me deixava de um jeito incomum, até mesmo para mim. Ela sorriu pela primeira vez e acho que esse deslize até caiu bem.
— Então, você não é uma moça de família prendada?
— Eu?! Depende do que você acha que é uma moça de família e prendada, eu sou em muitas coisas, menos na cozinha.
Ela sorriu de novo e acho que isso acabou descontraindo de vez. Parei o carro e saí para abrir a porta para ela. Quando ela saiu me olhou e sorriu de um jeito malicioso, só então eu percebi que estava tendo reações de cavalheirismo que dificilmente uma mulher “hetero” por assim dizer, teria com outra mulher. O que estava havendo comigo? O que eu estava fazendo? Eu mesma não me reconhecia e fiquei um pouco confusa. Ela me olhou e falou:
— Vamos fazer o seguinte. Vamos relaxar e simplesmente conversar, ok?
Era tudo que eu precisava.
— Ok!
A conduzi até a minha casa e abri a porta. Entramos no hall e depois entramos no lounge.
— Quer beber alguma coisa? Eu tenho prosecco, whisky, saquê, vinho…
— Vinho, por favor.
— Que vinho você gosta?
— Que vinho você tem?
Eu enrubesci. Eu adorava vinho e tinha uma adega com vinho de todas as partes do mundo, não só os tradicionais europeus, mas como falar sem soar esnobe?
— Bem, eu tenho vários tipos de vinho, na realidade é uma de minhas bebidas preferidas e aí eu montei uma adega em casa para mim…
— Bem, então eu estou com sorte! Eu gosto muito de vinho também e, se você me mostrar essa sua adega, sei que vai ter algum que eu goste.
Levei-a até a minha adega e ela olhou interessada. Escolheu um australiano que eu gostava muito.
— Esse. Adoro esse vinho e, sempre que posso, eu o compro.
Olhei para ela e sorri. A nossa noite começava muito bem…
Abri o vinho e coloquei em duas taças. Estendi uma a ela, ela pegou e começou a andar pelo ambiente. Adorei! Dava-me à oportunidade de olhá-la sem que ela percebesse. Ela era realmente linda! Andava suave, era delicada e suave em seus gestos. Por que nunca reparei em uma mulher antes?
— Muito bem, Subsecretária. Aqui estamos! Você sabe que eu sou homossexual, pela conversa que escutou minha e de Cacá no laboratório. Eu me deixei levar ontem pelo clima e pela bebida, acabei me acercando de você e nos beijamos, mas você me confessou que não é gay. E agora?
Ela me confrontou, usou meu título muito bem para isso. O que eu diria? Estou apaixonada por você? Quase morri de tanto tesão quando te beijei? Quero transar a noite inteira? Não sei o que é, mas quero pagar para ver? Resolvi ser o que estou sendo há três anos infernais. Política.
— Não sei… Não sei o que eu quero… Não sei o que eu sinto… Ou o que pensar. Só sei que não paro de pensar em você e quero ter uma noite agradável. Quero que se sinta bem em minha presença, eu quero te agradar. Pode ser? — Ela estreitou o olhar e me encarou. — Olha. Vamos conversar. Vamos até o jardim jantar e vamos nos conhecer. Vamos fazer só isso, ok?
— Ok. Então me mostre o seu jardim.
Levei-a até o jardim onde havia um gazebo próximo a piscina e onde pedi para Silene montar uma mesa para dois. Minha empregada foi magnífica. Pôs a mesa para duas pessoas com um candelabro em que as velas já ardiam e formavam desenhos com as gotas de cera escorridas. Flutes de cristal com um champagne num balde de gelo ao lado e um arranjo de flores lindas em uma das hastes do gazebo. A iluminação da piscina dava um ar romântico e a vista noturna da colina, banhada pela luz da lua, completava o quadro harmonicamente. Agradeci silenciosamente a Silene e a Deus, seja ele quem for, por ter me agraciado com esta noite de outono maravilhosa. Bem, eu não sou muito religiosa, mas nesta noite eu começava a mudar a minha opinião achando que alguém no cosmos realmente olhava por nós.
Ela parou para observar tudo. Estava estática e eu fiquei apreensiva. De repente, ela colocou as mãos sobre o rosto e começou a derramar lágrimas silenciosamente. Quase morri por dentro. Foi como se um soco tivesse atingido meu estômago. O que tinha acontecido? O que estava errado? Aproximei-me querendo a abraçar, mas não tinha qualquer abertura para isso.
— O que houve? O que eu fiz de errado?
Ela falou entre as mãos, mas ainda contida.
— Você não fez nada errado. Sou eu… Não quero me machucar novamente… Não quero acreditar em algo que é impossível…
Sua angústia me desagradava. Abracei-a. Queria confortá-la.
— Por que algo impossível?
— Não quero amar mais e ser jogada de lado…
Algumas lágrimas molharam meu ombro. Era cáustico. Fazia contrair meu coração. Segurei seu rosto e o trouxe para mim.
— Não sei o que se passou com você, só sei que não quero ser a razão dessa angústia.
Beijei seus olhos, um a um. Ela foi serenando e deitou sua cabeça em meu ombro. A acolhi e ficamos assim por algum tempo até ela se refazer. A única coisa em minha mente era que eu não gostaria nunca de ser a causa da tristeza dela. Ela enxugou uma lágrima teimosa que insistiu em deixar seus olhos e se virou para mim.
— Me desculpe! Não queria te assustar, mas eu tive de um relacionamento não muito bom e, bem, você não é gay. Eu não quero me desiludir novamente.
Ela falava sentida. Alguém a havia machucado verdadeiramente.
— Ei! – sussurrei para não assustá-la. — Eu não quero que se sinta mal. Eu não quero te fazer mal algum. A verdade é que o que eu senti por você, eu nunca senti por qualquer pessoa que tenha passado por minha vida. Não digo que não me assusta, mas não me dá dor de cabeça. Não me faz correr quilômetros de distância. Faz-me querer ficar perto…
Ela me olhou, ainda abraçada a mim, e eu não resisti. Beijei seus lábios com carinho e depois com mais ardor. Quando vimos o jantar já estava esquecido. Beijava-a com ânsia, fome e ela se colava ao meu corpo com uma força que poderia derrubar um leão. Acariciei seus flancos e cada vez que sua língua acariciava a minha, me perguntava se era possível sentir tanta emoção num gesto tão simples que executei com todos os meus namorados e nunca cheguei a sentir um milésimo disso.
Desvencilhamo-nos e eu arfava, sobejamente. Seu olhar era intenso e o verde era brilhante. Suas pupilas estavam dilatadas.
— Não estou aguentando… – Falei.
— Nem eu…
— Mas está com medo.
— Estou.
— A única coisa que pode acontecer é você ter uma noite de amor ruim comigo, pois nunca transei com uma mulher… Não tenho experiência. Mas não quero te magoar e não sou de arrepender-me de nada que eu faça. Não vou negar o que acontecer essa noite. No dia seguinte, não vou dizer que não houve nada. Não sou assim. Nunca neguei nada que eu fiz. Acredita em mim?
Ela me olhou e deu o sorriso mais lindo que algum dia eu pude ver em qualquer pessoa na vida.
— Eu acredito em você e, quanto a ter uma noite de amor ruim, eu não me preocupo. Se você deixar fluir e da forma como me beija, sei que vou adorar… Seu sorriso me acalmava, porque eu estava muito, mas muitíssimo nervosa mesmo. Era um passo muito grande na minha vida, porém eu estava mais do que disposta a pagar para ver.