Em Qualquer Lugar

Capítulo V – O que descobri de mim

Aghata

Saí de lá furiosa. Quem era ele para dar aquela bronca na Paula? Ela não falou nada demais. Estava respondendo à minha pergunta e tenho a mesma opinião que ela. Lógico que ela me vê como esses políticos, mas se eu não fosse da secretaria eu também veria dessa forma. De qualquer forma, ele me irritou muito. Não era com ele que eu queria falar e vi quando o puxa saco entrou no laboratório e saiu correndo para falar com ele. Eu sei que o Roberto é chefe do laboratório e sei que teria que entrar em contato com ele para fazer o acordo do projeto, mas só faria isso depois que soubesse que os mentores do projeto, no caso a Paula e o Carlos Eduardo, quisessem executá-lo junto com a secretaria.

No entanto, naquele momento eu estava mesmo era preocupada com as minhas reações com a Paula. As coisas estavam confusas dentro de mim e eu tinha que conversar com alguém. Resolvi ligar para a Ana Maria, não como profissional, mas como amiga.

— Alô, Ana? Eu queria muito te encontrar hoje, mas antes da recepção do André.  Na realidade, eu preciso muito falar com você… Não… Não… Não é nada com a minha saúde, bom, pelo menos a física. É. É urgente. Está bom, “tô” passando aí agora para te pegar.

A Ana Maria não atendia às sextas-feiras a tarde, porque ela reservava para cirurgias, mas para a minha sorte, naquele dia ela não teria nenhuma. Liguei para casa e pedi para Silene, a minha empregada, fazer algo para comer. Passei no consultório, peguei a Ana e fomos para a minha casa.

— Quando você me chama assim tão exasperada, é porque as coisas estão muito ruins para o seu lado mesmo.

–Quer beber alguma coisa, antes do almoço?

Eu tinha me encaminhado para o bar, em minha sala. Não sabia como começar, mas precisava de uma opinião. Minha cabeça estava uma bagunça, pois me conhecia bem e nunca fui de me acovardar perante meus sentimentos, só que dessa vez… era algo inusitado e até mesmo incompreensível. Está certo que nunca me apaixonei perdidamente por nenhum de meus namorados, mas também nunca me passou pela cabeça ter ou sentir alguma coisa por uma mulher. Engoli em seco. Nunca fui preconceituosa, mas isso? Isso era no mínimo… Assustador!

— Um vinho do porto e comece logo a desembuchar, por favor. Você não me chamou para conversarmos sobre amenidades.

— Às vezes, você é tão encantadora, Ana. – Falei com tom debochado, não sabia por onde começar e apesar de saber que a Ana era minha amiga e sempre me ajudava nessas horas, eu estava desconfortável com o assunto.

— Vamos lá, vou te ajudar. É algo em relação à secretaria?

— Não.

— É algo em relação ao Rodrigo?

— Não, ele tá mais do que enterrado.

— É algo em relação à alguém que você conheceu?

Aproximei-me da Ana Maria e entreguei o cálice de vinho do porto, me sentando em uma poltrona à sua frente. Resolvi ser direta como sempre fui.

— É algo em relação àquela loira que conheci no laboratório e a qual resultou eu me masturbar pensando nela. Esse episódio você já sabia.

— Isso ainda está mexendo com você? Pensei que já havia esquecido esse evento.

— Não, não é em relação ao ocorrido. Hoje, eu estive no laboratório para conversar com ela e com o seu companheiro de trabalho.

Contei tudo que aconteceu no laboratório nos mínimos detalhes e em como eu me senti o tempo inteiro em relação à Paula. A Ana Maria prestava muita atenção e quando terminei meu relato ela suspirou e perguntou.

 — Então, ela é homossexual?

— Acho que sim, não tenho certeza. Pelo menos, foi isso que me pareceu quando eu os escutei falar.

— E o seu coração quase saiu pela boca?

Ana Maria começou a me irritar, pois ela perguntava de um jeito debochado e um sorriso no rosto.

— Ei! Eu pedi para você vir me ajudar e não ficar me sacaneando!

— Ô! Calma! Só estou brincando com você! Primeiro: você sabe muito bem a minha opinião. Tenho muitas pacientes lésbicas e realmente não acho que seja nada de mais. Segundo: não posso te falar se o que você sente ou está passando é certo ou errado, porque é o que você está passando, ninguém mais. Aghata, as coisas não são retas. A vida não é reta. Apenas acontece. O fato de você me dizer que está se sentindo atraída por uma mulher, para mim, não é nada de mais. Mas não sei para você, não sei como acontece dentro de você. Não é minha vida… — Minha amiga deu uma pausa e tomou um gole de seu vinho do porto. Estava ansiosa, mas esperei sua conclusão. — Sei que é inesperado para você e não digo que para mim também, mas…

— Mas o quê?

— Mas nunca te vi falar com os olhos tão brilhantes a respeito de um namorado seu.

— Você está falando que estou me apaixonando por uma mulher e que devo encarar?

— Não. Eu estou falando que nunca alguém te deixou tão grilada e que você deve investigar. Minha amiga, você acha que a vida é feita de sim e não, de certo e errado, de bem e mal? O que é certo diante da felicidade, lógico, sem a destruição do que é do outro? Você acha que a sociedade vai dar a mínima para você quando você estiver só, sem amor, sem a cama quente, sem sexo e sem vida? Não! A sociedade não vai dar à mínima! Então, me fale você. O que você acha que sente? O que você acha que é bom para você, Aghata? Não quero saber o que é bom para a futura secretária de ciência e tecnologia ou para a Dra. Aghata Munhoz. Quero saber o que é bom para Aghata, simplesmente minha amiga Aghata.

— Eu não sei… Sinceramente, Ana, eu não sei.

As palavras de Ana reverberavam em minha cabeça como uma dor de cabeça. Não sabia o que pensar ou o que sentir, só sabia que quando pensava na loirinha era agradável. Meu corpo esquentava como brasa e meu coração disparava como uma manada de cavalos. Era, simplesmente, assustador.

— Como é quando você está ao lado dela?

— Nada bom. Falo coisas idiotas e tenho pensamentos absurdos.

Fui seca na resposta.

— Hahahahaha! Resumindo, você está se apaixonando!

— Não estou me apaixonando!

Respondi com indignação.

 — Ah não? Vamos supor que, hoje na recepção, alguém se aproximasse dela e você percebesse que essa pessoa a estivesse paquerando… Como você se sentiria?

Quando imaginei a cena, aquilo ferveu dentro de mim. Não gostaria nada, nada disso.

— Que droga, Ana. Você não alivia nada para mim!

Ana gargalhou e mal conseguia falar.

— Você me chamou aqui para aliviar alguma coisa? Bom, pelo menos você tem alguns pontos a seu favor.

— Como assim?

— Você não disse que ela é lésbica? Se ela é lésbica, certamente, não vai ser difícil uma aproximação, afinal, você não é de se jogar fora. – Voltou a rir.

— Ana! Para de falar sandices! Como você acha que eu me aproximaria dela?

— Então, você está pensando nessa possibilidade. Já temos algum progresso.

— Não estou pensando em nada, apenas…

— Apenas?

— Ana! Nas condições em que me encontro hoje, não posso nem cogitar uma coisa assim.

— E que condições você se encontra hoje, einh? Vai me dizer que, por causa de um estúpido cargo, você arriscaria jogar sua felicidade pela janela?

— Não é um estúpido cargo e depois, estamos fazendo suposições.

— Suposições fundamentadas em seus sentimentos, diga-se de passagem.

— Fundamentadas em quais sentimentos?

Nesse momento, falei exasperada.

— Você sentir a boca seca quando olhou nos olhos dela; interceder por ela de forma arrogante quando seu chefe a repreendeu; sentir ciúmes quando eu falei em alguém se aproximar dela essa noite; ter o orgasmo, e aí você me corrija se eu estiver errada; mais forte que já sentiu na vida só em pensar nela. O que acha que é isso? Pelo amor de deus! Você é médica! Não jogue seu diploma fora. Você, realmente, acha que todas essas reações vêm de um desequilíbrio hormonal? Aghata, pense no que você está me falando. Seja só um pouquinho honesta consigo mesma!

— Ok. Ok. Vou pensar em tudo isso, mas vou me dar um tempo. Não vou me precipitar. Não posso me dar ao luxo de uma aventura, principalmente se isso vier de alguma carência minha. Não vai ser honesto comigo e não vai ser honesto com ela também.

Novamente Ana gargalhava na minha cara.

— Não vai ser honesto com ela? Você é uma mulher bonita, mas você está dizendo que é só você se mostrar interessada e a garota já cairia de amores por você? Isso não é muita presunção sua?

Nessa hora ri junto com Ana. Eu realmente era presunçosa e se uma coisa que eu tinha, era confiança em mim.

— Eu tenho muitas habilidades minha amiga, eu tenho muitas habilidades… Vamos comer, pois eu tenho que passar no cabeleireiro ainda.

Depois da minha tarde com a Ana Maria, eu estava ansiosa para ver a hora que a Paula chegaria. Eu estava quase histérica. Bem verdade que meus anos de treinamento no caratê e no kung fu me faziam ter uma aparente calma que eu, realmente, não tinha naquele exato momento. Cumprimentava a todos e conversava com alguns donos de empresas que poderiam se associar a secretaria e apoiar o André, mas meus olhos viravam e mexiam, sempre paravam na direção da entrada. Num dado momento, me distraí, conversando com um empresário do ramo de transporte e quando percebi, o Roberto se aproximava para me cumprimentar com uma senhora ao seu lado. Formou-se um bolo em meu estômago com a perspectiva de ver a loirinha logo atrás. Isso não aconteceu e só fez aumentar minha ansiedade. Eu estou perdida! Era o que eu pensava, pois toda aquela balela que eu arrotei à tarde para Ana, aquela de que não era isso e que não podia me atirar, ficava perdida em alguma parte do meu cérebro. Eu estava bem perdida mesmo! Troquei palavras amenas com o Roberto, afinal se tudo se concretizasse era com ele que eu deveria tratar. Estava segurando meu gênio também, pois mais um dos rompantes como o que dei de manhã no laboratório, poderia deixar a Paula e o Carlos Eduardo em uma situação difícil em seu trabalho. Mas o tal do sei lá o nome, o puxa saco, eu não aturaria. Foi nesse momento que eu escutei um burburinho vindo de uma roda de vereadores e empresários, atrás de mim.

— Nossa! O André está melhorando muito a frequência de suas festas!

— Concordo com você. Essa garota que chegou não é nem um colírio, é uma cirurgia de catarata para os olhos!

Todos riram da piada e eu olhei em direção da entrada para ver de quem falavam. Não precisa nem dizer, né? Além de ficar puta da vida pela piadinha, eu fiquei perplexa, abobalhada, estarrecida e sem ar.

A loirinha entrava com um andar suave e um balouçar nos quadris que davam um ar muito sensual. Havia repicado os cabelos e no rosto uma maquiagem leve, mas que marcava as belas expressões singelas de seu rosto. Usava um vestido colado de apenas uma alça, verde escuro que ia até a altura do joelho, realçando suas curvas. A cor verde escuro do vestido contrastava com o verde translúcido de seus olhos e para me matar de vez. Matar-me de vez, não! Matar a todos que a olhavam! Usava sandálias de salto fino da mesma cor do vestido e portava nas mãos uma carteira também da mesma cor. Para destroçar os restos mortais de todos nós, um cordão bem fino de ouro com um pingente de esmeralda enlaçava seu pescoço alvo e um sorriso encantador em seus lábios. Só consegui pensar, engolindo em seco. “Meu Deus”! Uma ficha caiu e em um click eu vi minha pobre realidade: estava perdida! Acordei com o seu chefe balbuciando.

— Meu deus!

— O quê? — Perguntei.

— Ééé…Mmm… Nada! Só pensei alto.

— Ãh. — Foi o que eu falei, impossibilitada de articular qualquer outra coisa.

Ela se aproximou, sorrindo com o Carlos Eduardo a tiracolo. Ele estava elegante em um terno bem cortado, mas ela ofuscava qualquer menção de qualquer pessoa se sentir elegante naquela festa.

— Oi! Tudo bem?

— Oi! — Foi tudo que consegui dizer, enquanto ainda a admirava. E olha que eu estava admirando-a toda, se é que vocês me entendem.

Ela cumprimentou Roberto e sua esposa; Carlos Eduardo me cumprimentou e depois ao seu chefe e sua esposa.

— Espero que não tenhamos chegado atrasados. — Foi o que ela disse.

— Claro que não! Chegamos ainda a pouco também.

Seu chefe falou mais do que entusiasmado e eu não gostei nada da forma como ele se expressou. Aí eu entendi realmente o que a Ana Maria havia me dito mais cedo. Não gostei. Não gostei mesmo! O André se aproximou com dois empresários com ele.

— O que temos aqui? Uma menina muito inteligente e uma mulher mais bonita ainda! Como vai, Paula? A Aghata havia me dito que os convidou, depois de terem uma conversa interessante a respeito do projeto de vocês.

— É verdade. A Aghata nos visitou hoje no laboratório e fiquei muito feliz em saber que o projeto interessou à ela, Sr. Secretário.

— Me chame somente de André, Paula. A Aghata é muito perspicaz e nisso eu confio plenamente nela. Se ela diz que é bom eu assino embaixo sem piscar.

— Isso é modéstia dele. A maior parte do que eu sei, foi ele quem me ensinou.

Comecei a me descontrair, apesar da presença dela me fazer estremecer toda por dentro. A noite começou para mim e eu estava feliz, mas não todo o tempo. Isso porque cada vez mais abutres chegavam para tentar pegar a carniça. Isso era o que parecia para mim, um monte de homens babões querendo se mostrar para a bela moça que nos acompanhava. Muitos perguntaram do projeto e ela com sua paciência, explicava com maestria. Explicava de uma forma simples para que todos entendessem a importância dele, mas com verdadeiro entendimento de causa. Era simpática, mas reservada, sem muitos excessos o que me deixou mais encantada. Uma hora ela pediu licença para ir ao toalete, acho que estava meio cansada. Aproveitei para me desvencilhar do grupo e a segui. Queria aborda-la para leva-la a um lugar mais calmo. Queria conhece-la. Acho que o prosecco que ingeri estava embotando minha razão. Esperei que saísse do toalete e a chamei.

— Quer conhecer a propriedade? A casa do André é muito bonita e tem uns lugares muito agradáveis. Tem um jardim muito bonito…

Não sou do tipo piegas e não costumo ficar admirando jardins ou o mar. Acho meio perda de tempo, sabe. Mas naquele preciso momento era exatamente isso que eu queria fazer com aquela loirinha. Não queria ver um monte de marmanjos babões em cima dela. Queria ela com sua atenção só para mim.

— Claro! Gostaria muito!

Fiquei pensando se ela não havia aceitado só para me agradar, mas quando chegamos e a vi encantada com o jardim da casa de André, tirei imediatamente isso de minha cabeça. Sua figura se harmonizava tão bem com o lugar que tracei, imediatamente, uma analogia com aquelas ninfas diáfanas de contos de fantasia. Ela ficou mais linda ainda, no meio do jardim cercado de arbustos e flores iluminados por lâmpadas de luzes amenas.

 Antes de ir para o jardim, pedi ao garçom que levasse uma garrafa de prosecco e duas taças. Quando ele chegou, peguei as duas taças e a garrafa e o dispensei.

— Bebe comigo?

Estendi uma taça. Ela sorriu e pegou a taça que eu oferecia. Seus dedos acariciaram suavemente minha mão. Acredito que ela não tenha se dado conta do efeito que causou em mim. Por Deus! Só seu toque me excitou. Eu estava ficando louca mesmo!

— Obrigada.

— Obrigada pelo quê?

— Por me resgatar. Sou pesquisadora e não me exponho muito. Já estava ficando nervosa com tanta gente me cercando… me inquirindo… Não que eu não me apresente em uma palestra ou em um congresso, mas isso… Foi um pouco diferente.

— Eu também não gosto muito, mas aprendi a lidar. Infelizmente, temos que nos relacionar e conhecer as pessoas que possam possibilitar meios de realizar nosso trabalho. Parece interesseiro e fútil, mas é assim que se consegue apoio. Se em três anos nos articulando, nós só conseguimos emplacar dois grandes projetos, imagina se não o fizéssemos?

— Entendo, mas ainda acho muito cedo para mim.

— Me responde uma coisa. Você acha que estava sendo cercada só pelo projeto?

— E não estava?

Eu ri, apreciando a simplicidade com que ela encarava as coisas.

— Você realmente é encantadora!

Achei graça da ingenuidade dela e adorei. Ela sorriu embaraçada e com um olhar confuso.

— Paula, você é linda. Está maravilhosa e elegante. Aquele bando de homens lá dentro queria se aproximar e ver a possibilidade de chegar até você!

Vi decepção em seus olhos e isso me cortou o coração. Entendi que ela achava que as pessoas ali estavam interessadas só no projeto. Isso parecia ser a coisa mais importante para ela.

— Não fique assim, Paula. Embora, inicialmente, as intenções deles não fossem exatamente o projeto, você se fez ouvir. Por isso estamos aqui. Para que esse bando de homens que tem o poder e o dinheiro, se abram às nossas propostas.

— E para isso a gente precisa se vender?

Seu tom era de desprezo.

— Não! Claro que não! O seu projeto, quem vai bancar sou eu e não eles! Eles estão aqui porque eu e o André precisamos nos articular. Só que quando você chegou, acabou chamando a atenção e eu nem imagino porque…

Falei sorrindo para que ela se descontraísse e não se sentisse uma tola. Soube naquele momento que ela era realmente ingênua e idealista em relação à sua profissão. Era maravilhoso conhecer alguém assim, já que eu mesma tinha perdido isso ao longo da minha vida e, principalmente, depois que entrei para o meio político. Ela sorriu encabulada. Estava linda e minha vontade era aninha-la em meus braços. Acariciá-la. Protegê-la. Esse pensamento já não me causava mais desconforto e resolvi me dar uma oportunidade, mas não naquele momento. Detestaria que ela pensasse que eu estaria agindo como eles. Que estava ali, só por uma conquista. O problema é que meu corpo não queria me obedecer e as minhas reações corporais estavam me deixando no limite. Ela sorriu novamente e me olhou nos olhos, encabulada.

— Você acha que eu exagerei?

— Exagerou? Não, você não exagerou. Você só está elegante, charmosa e sensual, mas de uma forma muito natural. Isso que chamou a atenção. Não percebe o quanto você é linda?

Eu estava elogiando, inconscientemente. As coisas que eu disse saiam de minha boca sem que eu conseguisse controlar. Ela enrubesceu novamente e eu a achei mais encantadora. Bebi um grande gole de prosecco para tentar acalmar meu afã.

— Você acha?

Quando ela questionou e eu a olhei, não vi mais a menina encabulada ou a garota idealista. Vi uma mulher segura do que queria e perdi meu chão. Ela se aproximou de mim, calmamente, sem desviar os olhos dos meus. Estendeu sua mão e colocou atrás de minha nuca acariciando, ternamente. Acho que esse foi o momento que ela percebeu a minha entrega. Ela entendeu que eu não me afastaria e ainda percebeu mais. Viu que eu queria. Fechei meus olhos, apenas para curtir a sensação do seu carinho em meus cabelos e quando dei por mim, seus lábios tocaram os meus suavemente. Não ousei abrir os olhos para não desfazer a sensação maravilhosa que meus lábios e meu corpo estavam experimentando, mas ousei entreabri-los para dar passagem a uma língua quente e gostosa. Ela invadiu minha boca e abafou meus gemidos. Passei meus braços em torno de sua cintura e a puxei para mim. Queria me fundir à ela. Nossos corpos se colaram e experimentei uma excitação que jamais havia experimentado ou pensado que poderia sentir. Gemi alto. Ela sorriu entre os meus lábios e falou.

— Sabe que não deveríamos fazer isso aqui. Poderia acabar com a sua reputação…

Eu sorri ainda com meus lábios colados aos dela e retruquei.

— Nesse momento, não estou dando a mínima para minha reputação.

Coloquei minha mão em sua nuca e a puxei pelos cabelos. Beijei-a, gulosamente. Perdi-me naquela boca gostosa macia e excitante. Seu corpo amoleceu em meus braços e eu coloquei minhas pernas entre as dela. Por todas as forças da natureza, eu quase morri de tanta excitação. Eu queria sair dali, ir para qualquer lugar que eu pudesse dar vazão ao turbilhão de sentimentos que me açoitavam. Mas um barulho nos fez voltar à razão e nos afastamos, rapidamente. O Carlos Eduardo apareceu falando que o Roberto estava à procura dela. Eu quase não conseguia conter a minha respiração. Mas me alinhei, agilmente.

— Me faz um favor, Cacá? Diz a ele que já estou indo.

— Tá.

Seu olhar para nós foi algo que eu não consegui decifrar.

— Você acha que ele nos viu?

Eu perguntei. Mas devo ter passado um tom de preocupação, pois ela respondeu calmamente.

— Não sei. O Cacá é muito discreto.

— Desculpe. Não quero parecer uma adolescente assustada, mas isso é novo para mim.

— Novo?

— É. Novo. Você sabe, eu nunca…

Agora eu me sentia uma adolescente boba diante dela. Parecia-me ridículo eu falar para ela que nunca havia beijado uma mulher antes.

— Você tá querendo me dizer queeee… Que nuncaaaa… Nunca esteve com uma mulher antes?

Ela perguntou um tanto confusa e até um pouco incrédula. Baixei o olhar e meu rosto pegava fogo. Estava envergonhada e sem reação.

— É.

Foi o que conseguir dizer. Ela ainda me olhou meio incrédula, mas me sorriu docemente.

— Então, eu acho que vou lá para dentro. Posso ser acusada de desvirtuar uma moça de família…

— NÃO! Quer dizer, não precisa ir, não sou uma mulher ingênua. Quer dizer… Éééé… Posso não ter estado com uma mulher antes, mas não sou puritana nem retrógrada!

Vi um pequeno sorriso bordar seus lábios e fiquei mais encabulada ainda pela forma como me apressei em me explicar. Ela fazia me perder e deixava meus pensamentos confusos. Não conseguia encadear nada direito, nem um pensamento, nem um sentimento sequer. Ela se aproximou, novamente, deixando nossos corpos muito perto e me olhou nos olhos ainda sorrindo.

— Então, se eu beija-la novamente não será de malgrado para você?

Sorri já antecipando seu gosto em minha boca. Comecei a aproximar meu rosto para beija-la, novamente, e fomos interrompidas, mais uma vez.

— Aghata! Você está aí no jardim?

— Droga! — Esbravejei com raiva. Ela riu da minha exasperação. — Estou aqui, André, já estou entrando.

— Venha que o presidente da câmara chegou e quer falar com você.

— Está bom, já estou indo.

Quando me virei, novamente, ela já se afastava para se encaminhar para dentro da casa.

— Vamos, senhora Subsecretária, parece que estamos sendo requisitadas lá dentro.

Ela falou com uma voz suave, mas provocadora. Meus sentidos ficaram mais à flor da pele. Queria beijá-la, sorvê-la, me fundir a ela. Precisava ver como era o seu amor, como era tê-la em meus braços só para mim. Meu corpo estava em fogo e meu coração palpitava.



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