Odeio quando o passado me atormenta. Depois de Giovanna ter me ajudado com a passagem – e eu já a ter devidamente pago -, ter partido daquela forma de Lisboa foi duro demais pra mim. Deixei para trás todo um planejamento, sonhos, expectativas, e é claro, quem eu pensava ser o amor da minha vida. Fui obrigada a arrancar de forma mais dolorosa do mundo Alexia do meu coração. Não foi a mentira, e o fato dela ter me enganado que me fez descobrir que ela não me amava. Foi o fato dela simplesmente nunca ter me procurado.
Cheguei a pensar que talvez o pai dela tivesse proibido, mas conheço Alexia, quando ela quer algo, ela arruma um jeito. Afinal não foi assim que ela me fez ficar em Lisboa? Bom, pelo menos eu achei que a conhecia. Se ela não falou comigo, não me procurou, foi porque não quis.
Falei pouquíssimas vezes com Marcela e Giovanna. Ligavam ocasionalmente para saber como eu estava, mas o tempo e o dia-a-dia infelizmente nos afastaram de vez. Cheguei a receber um convite para o casamento delas em Coimbra, mas voltar a Portugal eu não iria. Sinto-me culpada pelo afastamento, como se eu tivesse sido injusta como amiga de Giovanna, e com Marcela também, mas elas me lembravam Alexia. Tive que me afastar de toda e qualquer lembrança. Menos de Mary, agora noiva do meu irmão, minha melhor amiga, e meu porto seguro.
Lembro-me quando cheguei em casa e contei tudo o que havia acontecido: meu irmão e Mary ficaram transtornados, e meus pais, apesar de me consolarem, sempre tinham aquele olhar de “eu te avisei”.
Saí com alguns homens, a fim de tentar seguir minha vida nos moldes que a minha família desejara, mas nenhum deu certo. Saí com uma menina apenas, mas não fiz absolutamente nada com ela, nem beijo consegui lhe dar. Então, me fechei para o amor, e resolvi só viver pra minha carreira.
E assim o tempo foi passando, me formei pela Universidade Carioca, com louvor pelos períodos feitos em Portugal. E saí de lá com um emprego certo no “Jornal Esfera”.
Desde então estou procurando por uma matéria que daria minha promoção para trabalhar na área que tanto quero: Jornalismo Esportivo. Pode ser reportagem de qualquer área, desde que eu tenha uma informação exclusiva.
E cá estou eu, depois de tanto tempo, de novo perto da família Bettencourt. Torcendo para não ter que encontrar Alexia novamente.
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Uma multidão de repórteres em frente a Mansão de São Conrado: um dos grandes patrimônios da Família Bettencourt. Um cordão de isolamento foi feito com fitas amarelas. Policiais Militares garantiam que ninguém ultrapassaria tal barreira.
– E nós achando que éramos uns dos primeiros a saber! – disse Hugo completamente espremido entre os jornalistas
– Já tivemos fontes melhores, cara! – Isabela riu para Hugo e apontou pra Juliana – O que deu nela? Juliana estava acuada, calada, não esboçava nenhum sorriso, o que era sua marca registrada.
– Ju!! O que foi? Você sempre é a mais eufórica nessas manchetes de primeira página! Qual o teu problema? – perguntou Isabela
– Nada Bel. Só não to me sentindo muito bem hoje. – disse passando a mão no estômago
– Quer comer alguma coisa? Tenho umas barrinhas de chocolate aqui na bolsa…
– Não Hugo, obrigada. Não é nada disso.
– Anime-se mulher. Se conseguirmos algum furo ou exclusiva importante, você vai pro esportes, e eu e Hugo pro investigativo! É a nossa grande chance.
– Eu sei, mas, to desanimada. Quero sair daqui!!!
Juliana se afasta da multidão e senta no paralelepípedo da calçada oposta a mansão. Hugo vai atrás:
– Ei!! Tá doida! Você não vai me falar o que tá acontecendo?? – chegou abrindo os braços teatralmente
– Não quero! – continuou de cabeça abaixa
– Ju! Em um ano que a gente trabalha junto, eu nunca te vi assim. Seja lá o que for, eu vou te ajudar.
– Depois eu conto, está bem?
– Tá! Vamos voltar pra lá agora? É a nossa chance Ju! – segurou na mão de Juliana
– Ok. Vamos! – usou o braço de Hugo como alavanca e levantou
Juliana percebeu que não podia prejudicar o futuro dos seus amigos por seus problemas pessoais. Resolveu juntar as forças que podia e correr atrás da informação.
Estavam tentando conversar com uns policiais quando os outros jornalistas saíram correndo em uma direção. Os três não perderam tempo e foram juntos já com os gravadores portáteis e câmeras fotográficas nas mãos:
– É o comandante da Polícia Militar! Juliana, você que é menor, tenta se infiltrar por ali! As câmeras da TV tão atrapalhando! – Disse Isabel
– Não sei se consigo! – disse analisando os espaços
– Claro que consegue! Vai! – Isabela deu um leve empurrão e Juliana foi serpenteando entre os jornalistas até ficar de frente par ao Comandante Nunes.
– Está oficialmente aberto o processo de investigação sobre a morte do Sr. Eduardo Bettencourt Mourão – dizia Nunes
Juliana pulou em na frente de uns jornalistas, acabou aparecendo a frente das câmeras de TV e perguntou:
– É verdade que já há suspeitas de assassinato?
– Olha minha jovem, como eu disse, acabamos de abrir o processo, ainda não temos dados confirmados…
– Não perguntei sobre os dados Sr. Comandante, perguntei sobre as suspeitas.
– A polícia não vai se pronunciar até ter uma perícia completa do lugar.
– Mas pode-nos dizer como ele foi encontrado? A provável causa da morte? Se havia sangue no local…
– Como disse menina, não há informações concretas de nada, nossos homens…
– Seus homens estão no local tem horas e ainda não tivemos informações de nada. Somos da mídia e só queremos levar informação ao público, é claro que se sabe como o corpo foi encontrado…
– Mas não posso falar, pois poderia comprometer a investigação, “causas naturais de morte” não estão descartadas.
– Comprometer por quê?
– Porque a mídia manipula os fatos, especula e atrapalha as investigações
– Se atrapalha as investigações, de causa natural não foi. Se há o que investigar, concorda que a hipótese de assassinato é válida?
– Todas as hipóteses são válidas até encontrarmos de fato o motivo que levou a vítima ao óbito.
– Por que está fugindo das perguntas?
– Por que você é tão insistente?
Os outros jornalistas assistiam o interrogatório da Menina com o Comandante. Muitos tentavam seu espaço, mas o Comandante, que tentava fugir dos repórteres, só conseguia entender perfeitamente o que Juliana perguntava. Então os jornalistas passaram a prestar atenção em Juliana e suas perguntas. Ela era a única que parecia estar chegando em algum lugar. Hugo e Isabela estavam com gravadores, e máquinas fotográficas registrando tudo.
– Não sou insistente, só estou fazendo uma pergunta simples: Qual a hipótese mais forte?
– Se você insistir, serei obrigado a chamar meus homens e te afastar de mim.
– O senhor Comandante está me ameaçando? Na frente das câmeras?
– De forma alguma, só estou tentando passar e vocês todos estão me sufocando…- disse tentando afastar os jornalistas
– O senhor está me ameaçando!
– NÃO ESTOU GAROTA!
– Está gritando comigo!
– Tá maluca! EU NÃO TO GRITANDO!
Jornalistas cansados de Juliana, a empurram e tentaram fazer novamente suas perguntas.
Policiais começam a se aproximar a fim de fazer um cordão de isolamento em volta do comandante e resgatá-lo dos repórteres. Juliana pega o Ipad de Isabel e sabe exatamente o que fazer, faz uma rápida pesquisa na internet, achando a foto que queria
A loirinha novamente passa na frente de todos e fica novamente de frente para o Comandante:
-Você de novo!! Mas não desiste nunca!
– Claro que não! Se eu desistisse não seria jornalista
– Abusada!
– Essa é a arma do crime? – mostra a foto de uma Bazuca* no Ipad
O comandante ri
– Tá louca menina? Se fosse bazuca ele estaria sem cabeça, e não com um buraco na testa… – o comandante percebe que falou demais
– Obrigada Comandante, foi uma informação valiosa.
Os Jornalistas ficaram em polvorosos, e metralharam o comandante de perguntas, mas os policiais apareceram e levaram o comandante dali.
Juliana voltou e Hugo e Isabela a abraçaram:
– Você foi INCRÍVEL!!! Essa é a Ju persuasiva que eu conheço!
Juliana fez uma reverência de agradecimento engraçada:
– Eu adoro esses meus surtos de criatividade!
– Pra que você vai pra Esportes? Faríamos um trio tão bom no Investigativo.
-É meu sonho gente. Não lutamos contra eles né? Apenas o seguimos!
– Contanto que possamos contar com a sua ajudinha de vez em quando! Os três riram:
– E agora? O que vamos fazer?
– Enviar o áudio pra redação, apesar de que minha amiga, você deve tá na TV nesse momento. Você foi muito esperta em ficar no meio de todas as câmeras, porque incontestavelmente, foi você que arrancou o furo de reportagem. O Crédito é de nosso Jornal.
Não demorou muito para o Celular de Juliana tocar, era Silveira:
– Juliana Teles! Que furo sensacional! O gravador com a logo de nosso jornal está em todas as fotos e vídeos da revelação que você tirou. O Comandante está puto da vida! E eu estou maravilhado! Parabéns!
– Que isso Silveira, Isabela e Hugo foram fundamentais! Sem eles eu não teria conseguido
– Os três estão no caminho certo para as devidas promoções. Aguardo mais surpresas. Vocês não saiam daí até terem informações consistentes.
– O chefão que manda! Desligou.
– E o que ele disse?
– Que estamos no caminho certo para nossas devidas promoções!
– Ahh!! O que faríamos sem você?
– Não, o que eu faria sem vocês, eu quase abandonei o que vim fazer por problemas pessoais bobos!
– Problemas pessoais nunca são bobos! Vai nos contar o que aconteceu?
Uma Mercedes preta rouba a cena e a atenção de todos os Jornalistas presentes. Juliana sente um calafrio inexplicável, mas acompanha os amigos na direção do carro. E seguem acompanhando o carro até o portão da mansão. Policiais formam um novo cordão de isolamento, Juliana olha aflita pro carro. De dentro dele sai um homem de uns 60 anos, cabelos grisalhos e bigode preto, vestindo um terno cinza e gravata azul real. Os repórteres esticam seus gravadores e microfones com perguntas querendo saber de quem se tratava, quando outra figura sai do outro lado da porta do carro, totalmente imponente, cheia de pose e com ar de altivez. Juliana arregala os olhos e constata o inevitável, dizendo baixo, em um fio de voz: – Alexia…