O dia foi bom. Juliana e Mary assistiram todas as aulas, e os comentários sobre Alexia renderam a tarde toda.
– Que menina maluca!
– Nem fala Ju, e a forma que ela falou com você! Nem abriu os olhos, nem nada, já saiu fazendo grosseria.
– Eu não fui acostumada com isso. Sempre fui simpática com todo mundo. Não consigo absorver grosseria. Eu não sou idiota, sei me defender, mas, eu fiquei tão atônita, que não consegui fazer nada!
– Ih relaxa! Já passou. O que você tem que fazer agora é ignorar essa garota. Eu vou tomar um banho que eu to azedinha. Não é por que to em Portugal, que tenho que cheirar a bacalhau!
– Maaaaary! Que feio!!!
E as duas se acabaram de rir. Depois da piadinha e dos risos, Mary foi tomar banho e Juliana foi terminar de arrumas as suas coisas no gaveteiro, e ficou pensando em casa, na sua família, e triste pelo seu irmão estar sempre se recusando em falar com ela…quando alguém bateu a porta. Juliana ficou receosa de atender, de ser algum estrangeiro que não falasse sua língua, mas como sua amiga estava no banho, ela não teve outra opção, abriu a porta, e não acreditou no que via. Ficaram sem fala: tanto ela, quando a mulher que estava do outro lado da porta. Inexplicável. As duas se olharam intensamente. O Verde mergulhando no Azul, e o Azul se deixando levar pelo Verde. Parecia que estavam se reconhecendo apenas pelo olhar. Quando a hipnose cessou, as duas voltaram meio desconcertadas sem entender o que tinha se passado.
– Err…Oi! Tudo bem? Sei que é clichê pedir coisa emprestada do vizinho, mas minha toalha de banho, não encontro na mala. E minha colega de quarto tá viajando e só vai voltar daqui há uma semana. Você teria alguma para me emprestar?
Juliana pensava: “Meu Deus, agora quer percebi! É a maluca!”
– Você?
– Eu? O que tem eu? – perguntava confusa
– Alexia!
– Sim! Como sabe meu nome? – mais confusa ainda
– Você fez questão de gritar pra todo mundo ouvir!
– Ah!! Foi você? Não acredito! Você é muito suicida menina. Em falar comigo daquele jeito!
– Você que é uma grossa que não sabe o que faz! Não tinha necessidade de ter feito nada aquilo!
– Escuta aqui pinguinho de gente!
– Vai falar o que sua girafona?
– Olha como você fala comigo!!!
– Acha que tenho medo de você? Você mesma falou que não morde!
– Vai pagar pra ver?
Nesse momento, Juliana sentiu uma onda de calor percorrer seu corpo. Ela não estava entendo suas reações. Devia ser a raiva. Seu rosto estava muito rubro.
– Perdeu a língua loirinha?
Juliana respondeu instintivamente:
– Vai pagar pra ver?
Dessa vez, foi a Alexia que sentiu uma onda de calor no seu corpo. Seria aquilo um flerte? Ou apenas uma resposta devolvida? Enquanto Juliana pensava: “ O que acabei de dizer? Parecia uma cantada! Eu hein! Melhor desfazer esse mal entendido”
– Não! Pera. Ah, deixa, perdi a briga.
– Eu sempre ganho, ainda mais de toquinhos de amarrar bode como você.
– Olha!!!! – pensava em retrucar, mas tava exausta demais para isso – Eu não to afim de brigar! Sério. Saia daqui por favor. To cansada.
Nesse momento, Mary saiu do banho só de toalha assustada pelos gritos vindo da porta. E foi falando:
– Posso saber o que tá acontecendo aqui… EII O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI!?
– Oi lindinha! – Alexia puxou a toalha que enrolava o corpo de Mary, a deixando nua na porta do apartamento. – Vim buscar uma toalha. Obrigada. A propósito, bela tatuagem! Tchau!
E foi embora.
Mary correu, xingando palavrões, alguns novos até pra Alexia, e pegou um lençol para se cobrir. Juliana estava perplexa, e inebriada pelo olhar de Alexia:
“Que Maluca!!!! Que sem noção … que…. que olhos lindos. Que voz maravilhosa. Que mulher…”
E Mary mesmo sem saber do pensamento da amiga falou:
– Que filha da puta!!! Ainda bem que o corredor está vazio! Ela ia me deixar pelada na frente de todo mundo e..Ju? – percebendo que a amiga estava perdida em seus pensamentos chamou de novo: – Ju?? Eiii!
Juliana, como saindo de um transe respondeu:
– Oi.
– Ouviu o que eu disse?
– Sim sim. Esquece isso e vamos dormir!
– Esquecer? EU QUERO VINGANÇA!!!!
– Amanhã pensamos nisso Mary! Deixa aquela idiota pra lá!
– Você é sempre tão passiva assim?
– Só to cansada Mary, tivemos um primeiro dia de aula com emoções. Só quero tomar um banho e dormir.
E assim fez. Não antes de lembrar pela última vez no dia, da imensidão azul que a hipnotizara. Mal sabia ela, que no quarto acima do seu, Alexia não conseguia dormir, pensando no belo par de olhos verdes que vira e falou consigo mesma:
– Mas que olhos! Nunca vi olhos tão belos e encantadores. Pena que é tão abusada. Baixinha folgada.
E as duas adormeceram com a imagem dos olhos da outra. Enquanto Mary dormiu resmungando ainda alguns palavrões.
—-
Juliana acordou, e percebeu que Mary não estava do seu lado. Achou estranho a menina não a ter chamado. Olhou no relógio: Eram seis horas da manhã ainda. Ainda cedo para tomar o café, ou se arrumar pra ir pra aula, resolveu colocar alguma roupa e sair procurando por Mary. Foi quando ouviu um burburinho seguido de alguns gritos:
– ME SOLTAAA!! ME SOLTA!!!!
A voz vinha do andar de cima. Juliana correu para lá, completamente assustada pelos gritos que ainda não tinham cessado, além de toda a barulheira. Quando chegou, percebeu que havia duas mulheres brigando, e se desesperou quando viu que uma delas era Mary.
Foi se aproximando rapidamente, quando constatou o que já desconfiava: Alexia estava sentada em cima da amiga. Havia prendido suas pernas e mãos, e deixava a garota espernear o quanto quisesse. Se divertia com a cena. Mas quando viu o olhar de Juliana simplesmente perdeu a força. Mary aproveitou e deu uma joelhada no estômago, o que fez Alexia cair no chão. Juliana chegou gritando:
– EU POSSO SABER O QUE TÁ ACONTECENDO AQUI!!!
– Eu vim acertar minhas contas com ela Ju! Ela não achou que o episódio de ontem sairia barato né?
– Você enlouqueceu garota! Se aparece o inspetor por aqui, você pode ser prejudicada na sua bolsa!
Alexia, que começou a rir, disse:
– Calma belezinha, eu não machuquei sua amiga não. Só dei uma lição, pra ela não achar que pode tirar onda comigo.
A galera que se juntou pra ver briga foi a loucura! Mas torciam por Mary. Não gostavam da arrogância de Alexia. Muitos tinham medo na verdade.
– É! A galera tá do seu lado fofa, mas eu acabar com você de qualquer jeito!
Mary se preparava pra voltar a bater em Alexia, ou pelo menos tentar, quando Juliana respondeu tomando a frente:
– Eu não sei quem é você! E nem porque você tá fazendo isso. Mas nos deixe em paz, por favor! Vim aqui pra estudar, não pra arrumar confusão!
– Ô coisa pequena!! EU ESTAVA DORMINDO! Sonhando com os anjos, quando essa maluca aí esmurrou minha porta e já veio batendo em mim. Quem veio arrumar confusão é ela!
Juliana olhou para Mary, que abaixou a cabeça como se tivesse envergonhada:
– Mary, vamos voltar agora! – Virou-se para Alexia – E você. Vamos fazer um trato. Eu finjo que você não existe, e você faz o mesmo? Combinado?
Um momento de silêncio se fez. Juliana encarava Alexia sem medo algum, mesmo sendo bem mais baixa que ela. Alexia ficou contemplando mais uma vez a menina. Ela não entendia o por que cismara tanto com ela. Juliana sentiu um arrepio, com o olhar que Alexia deu, e o entendeu como medo. Mas não a deixou de encarar também, não era nenhum sacrifício. Mary interrompeu:
– Olha eu já entendi. Ju, vamos. Essa história acabou. Eu quero PAZ!
E assim foi o primeiro mês de aula. Na mais absoluta Paz. Juliana e Mary estavam cada vez mais próximas, virando grandes amigas, coisa que o tempo só confirmaria. Enquanto a Alexia, todas as vezes que via Juliana, sentia um forte magnetismo pelos olhos verdes – o que era recíproco -, mas se ignoravam e apenas cumprimentavam-se educadamente.
A loirinha estava cada vez mais encantada com a Universidade e com o que aprendia. Conhecera um professor de Gramática chamado Sr. Macieira. E se deram bem logo de cara. Sentiu que encontrara um professor parceiro no meio de tantos esnobes. Falou muitas vezes com a sua mãe, seu pai, amigos, mas nunca com seu irmão. E cada dia que ele recusava, ela entristecia. Não conseguia compreender o porquê.