EU…
Quando você desligou, eu simplesmente ajoelhei na areia e chorei, agradecendo a Deus por ter me ligado. Deixei que fosse para o hotel sem te acompanhar, pois precisava diminuir um pouco os batimentos cardíacos. “Ela ligou”… Fiquei repetindo pra mim mesma sentindo que a esperança estava de volta e o desfecho só dependeria de mim, e do que havia preparado para o início da noite. Ao crepúsculo tudo o que havia imaginado, tudo que havia querido na vida estaria naquele hotel, no quarto ao lado do meu. Muitas vezes, de manhã, sentia o aroma do teu perfume, ouvia pequenos barulhos, encostava o ouvido na parede para tentar ouvir tua voz ou alguma coisa que me inspirasse a continuar com o plano.
Já eram seis da tarde e estava tudo pronto. Se você entendesse, se quisesse. O nervosismo me fazia suar em pleno inverno, minhas mãos tremiam, então pus a última parte do plano para funcionar.
VOCÊ…
Abri os olhos, sonolenta. Ainda cambaleando um pouco, fui até a varanda para fechá-la quando olhei o mar, o céu, o horizonte formando esse encontro de belezas num espetáculo de luz e cores. Apesar do frio, saí na sacada quando, bem de leve, comecei a ouvir a música suave como um carinho bem feito. O som foi aumentando como se eu pudesse ouvir dentro de meu quarto. A emoção que senti ao ouvir o violoncelo era quase insuportável. Como num flash, lembrei que já ouvira esta música. (http://dykerama.uol.com.br/src/?mI=1&cID=79&iID=1542&nome=Deixe_doer)
Como poderia esquecê-la? Imediatamente olhei pra varanda do lado, notando que a porta estava aberta, mas não podia ver ninguém. Fui para a porta do quarto e, quando percebi o que ia fazer, voltei. Não estava vestida adequadamente. A música continuava em meus ouvidos e me fazendo ter convulsões emocionais. Sentei na cama. “Deixe Doer…” o texto, um dos primeiros que você me enviara por e-mail acompanhado da música. Não suportando, chorei alto, deixando sair de mim toda a dor que quis trancar no peito. A música continuava, aumentando ainda mais o meu pranto. Por minha vista se passaram todos os momentos, bons e ruins, que havia vivido até hoje.
EU…
Saí e fiquei em frente a tua porta, te esperando. Esperando que a abrisse e viesse até mim, mas ouvi teu choro sofrido, quis bater na porta, mas não podia. Espalmei as mãos na madeira, encostei a testa e deixei que doesse em mim também.
A música só durou quatro minutos, mas me pareceu uma eternidade. Não ouvia mais o seu pranto e me dei conta que continuava ali, esperando uma atitude que meu coração já previa que não iria acontecer. Você jamais bateria na porta de uma pessoa desconhecida, por medo, mesmo tendo dúvidas. Saberia de mim pela portaria. Deus, como sou capaz de te adivinhar assim? E isso magoa muitas vezes, sofro antecipadamente. Fui pro quarto e um cansaço acumulado pela tensão dos últimos dias me acercava. Deitei na cama olhando pro teto. “Não consegui… teu medo é maior que tudo… maior do que imaginei que seria… hora de voltar pra casa…”
VOCÊ…
Depois de um tempo assimilando os acontecimentos daquela noite, levantei-me e me preparei para jantar. Na portaria me fiz de desentendida e perguntei, dizendo teu nome, se não tinha se hospedado, pois era uma amiga de infância que estava esperando para passar as férias. O rapaz me olhou desconfiado e, também surpreso, pois me informou que você estava no hotel há uma semana. Senti o ar faltar, uma náusea. Me controlei, agradeci ao recepcionista e fui para o restaurante. A notícia de tua proximidade reacendeu meu medo com força total, então comecei a lembrar de todos os detalhes que me fizeram pensar em você. Pôs o hotel em peso a falar português. Nesta hora eu ri imaginando teu esforço e o quanto não desembolsou para conseguir a façanha. E o quanto não deixava de me surpreender com tua sutileza, com teu cuidado para comigo, mas o medo era poderoso. Medo de que só quisesse saber como estou e nada mais, só não querendo impor sua presença. Te procurei pelo salão sem sucesso. Após o término do jantar, subi, e, quando ia abrindo a porta de meu quarto, irresistivelmente, me pus de frente ao teu. Quis imensamente bater naquela porta, mas a covardia me impediu. Abri rapidamente a minha e me refugiei ali, tão perto e tão longe. A frase estava concretizada naquele momento, em todo o seu significado.
EU…
Não sei a que horas consegui dormir, mas ainda restava em meu peito uma esperança, essa que insiste em não morrer porque eu já estava morta. Você não me amava, agora tinha certeza. Me contentaria que quisesse ao menos voltar pra casa, pros nossos filhotes. Pensando neles liguei pra Marina que atendeu meio estranha.
— Que bom que ligou! A Give, ela saiu ontem a noite e ainda não voltou. Estou preocupada.
Apesar de meu coração estar preocupado, tentei acalmá-la.
— Procura no Jorge, a casa dele é a última deste lote. Ele tem um gato persa e a Give já foi pra lá algumas vezes. Não se desespera que ela volta. Como estão os outros?
— O Lelo aprontou de novo!
Eu ri, apesar de me preocupar com este comportamento.
— O que foi desta vez? Comeu sabonete? Rasgou alguma almofada? Ficou preso em algum lugar?
— Não. Você deixou seu notebook ligado, e o pior, aberto. O danado meteu a pata em algum botão que acendeu a tela e viu a foto de Cris ao fundo e aí arranhões na tela toda. Desculpe, Mirian, mas fui dura com ele. Agora não deixa que me aproxime, faz cara de medo e corre.
Respirei fundo. Tentei entendê-la, mas Lelo tem trauma de quem grita com ele por causa do imbecil do petshop onde ele vivia.
— Não se preocupa, irmã, eu entendo. Não deixa ele se afastar, diz coisas carinhosas e brinca com ele de escalada, ele adora. Agora toma cuidado com as unhas. Tenho certeza que ele vai te receber de volta. — Suspirei.
— E você? Encontrou a Cris? Ela tá ai com você? Me conta! — perguntou animada.
— Sim ela está aqui no hotel, mas não está comigo. Estou voltando pra casa, Marina, preciso descansar…Preciso… — Engasguei de emoção.
— A guerra continua, irmã. Sei que a baixa, desta vez foi grave, mas não desiste.
Me despedi dela e me aprontei para o café da manhã. Fui até a portaria deixar as chaves e perguntei por você. O rapazote disse que você ainda estava no quarto. Fui até lá fora, estava sem fome, quando avistei uma menininha brincando próximo a um jardim, devia ter uns três quatro anos. Me aproximei e fiquei observando os cabelos meio encaracolados nas pontas. Olhava pra mim de vez em quando, e quando o fazia, meu coração palpitava. Olhos castanhos, sobrancelhas grossas, mas de desenho delicado, e o que aconteceu depois foi muito rápido.
— Cavalo!!
Ela deu um gritinho e desembestou pra rua. Vi o camelo descontrolado vindo na direção dela. Corri o mais rápido que pude e, ao alcançá-la, senti a trombada do bicho em minhas costas. Meu corpo e o dela, que agarrei protegendo-a, foi arremessado pro outro lado da rua. Senti a pancada na cabeça que atingiu a proteção de ferro que cercava umas plantas e o braço que chocou-se com o chão para não deixar que ela caísse.
Apesar da escuridão, me sentia protegida. Quis abrir os olhos, mas não conseguia. Teu perfume era a única coisa que podia sentir no momento. Que hora mais estranha para sentir isso. Tentei novamente ver alguma coisa, mas o sono e a dor, fizeram os sentidos irem embora de vez.