Helen mandou-a entrar… Ela tinha que se recompor e se assegurar de que não reagiria à outra. Concentrou-se para o contato com a mente da mulher deitada a sua frente, para saber onde estaria pisando e não deixar que a sedução ofuscasse o seu raciocínio, fez uma pausa e entrou sorrindo.
— Achei que gostaria de tomar algo; me pareceu muito cansada quando veio deitar.
Helen estava enrolada nos lençóis, dessa vez por completo.
— Por que recuou na porta?
Helen perguntava divertida. Renee percebeu que não havia nada demais no questionamento, só um pouco de curiosidade misturada ao puro divertimento de saber que ela ficara embaraçada.
— Nada demais. Apenas não quero parecer desrespeitosa nas minhas atitudes, já que sou homossexual e você é uma mulher muito bonita e talvez, para você, não seja um assunto natural.
— Eu percebi que você acha que eu menti com relação a minha sexualidade. Por quê?
— Eu não acho, eu tenho certeza.
— Mas, por quê?! — Perguntou Helen com espanto. — Eu me relaciono com homens. — Afirmou.
— Sinto muito, mas então acho que é infeliz!
— Como assim sou infeliz?! Como você pode afirmar isso?
— Digamos que, para mim, você é muito transparente com relação a isso e suas reações comigo me levam a acreditar, exatamente, no que lhe disse.
Renee se sentou à beira da cama, colocando a bandeja em uma mesinha de cabeceira.
— Que reações? Eu não tive nenhuma reação a você!
Nesse momento, Renee soube que Helen estava conseguindo conduzir a conversa da forma como queria. Estava olhando Renee como se estivesse desnudando-a e seu olhar era realmente maravilhoso, atraente e gostoso. Renee sentiu-se excitada com o jogo e com as reações de Helen. Ela começava a atuar como uma verdadeira agente. Resolveu pagar para ver se ela chegaria até o final, até porque, ela mesma não queria segurar as reações daquela mulher. Queria vê-la em ação.
— Não mesmo? Então me deixa comprovar.
Renee afirmou enfática, passando sua mão pela nuca da doutora, trazendo seu rosto de encontro ao seu. Beijou-a de forma delicada, mas ardente. Conduziu, aos poucos, o corpo de Helen para o encontro com o seu. Trançou os dedos em seus cabelos, segurando sua nuca e massageando a cabeça. Com a outra mão, retirou o lençol descobrindo seu corpo macio, revelando seus belos seios. Quando Renee olhou aquele corpo harmonioso, sedento e todo eriçado ao seu toque, não pensou em nada. Doou-se ao que sentia e que tomava seu corpo. Começou a retirar sua própria blusa de forma ágil, para não dar tempo a Helen, de querer recuar em seu desejo. A outra mulher reagia positivamente às suas ações e ajudou-a a se despir, o que excitou mais ainda a agente. A doutora beijava-a, neste momento, com sede e estreitava o corpo contra o seu, em movimentos vigorosos. Repentinamente, Helen a empurrou, levantando-se da cama, deixando Renee com uma profunda dor e um gosto amargo pelo rompimento indesejado.
Renee se recompôs do desalento de suas emoções, vestiu sua blusa e, calmamente, caminhou em direção a Helen, que ainda se encontrava despida, de pé próxima da janela.
Após alguns segundos de silêncio, Helen começou a chorar, deixando Renee assustada. Abraçou, aconchegando-a e no instante seguinte, a soltou como se tivesse levado um choque. Não conseguiu acreditar nos sentimentos que havia captado na outra. Era um misto de ira, por ter quase se entregado com tanto prazer e afeição, a alguém que era, declaradamente, sua inimiga e, desprezo a si própria por se achar falhando em sua missão.
Renee compreendeu que Helen havia começado aquilo como uma tática, que utilizaria com qualquer homem em seu “trabalho”, mas não esperava que seu corpo e mente reagissem com tanto prazer e tanto sentimento. Possivelmente não de amor, mas de atração a deixando vulnerável. Decidiu não falar mais nada. Virou-se e saiu do quarto, deixando Helen só, em seus pensamentos.
Duas horas mais tarde, Helen saiu de seu quarto para conhecer os amigos de Renee que chegavam.
A noite transcorreu e nada foi comentado. Quando o ultimo grupo despedia-se para ir embora, Renee convidou Vermond e Anne a ficarem, para acompanhá-las na manhã seguinte em uma visita ao Centro de Antropologia, Arqueologia e Paleontologia (CAAP). Helen se sentiu aliviada com o convite e a presença deles na casa àquela noite.
“Acho que Renee também se sente desorientada com a situação, assim como eu, não quer passar por nenhum constrangimento a mais hoje. Isso é bom para mim, que poderei me reestruturar, antes de dar um novo passo. Preciso ir dormir, estou me sentindo exaurida, não vou pensar em mais nada por hoje, só dormir…”
Com esses pensamentos, Helen se recolheu àquela noite.
Na manhã seguinte, todos levantaram bem dispostos e sorridentes, mas Helen admirava a postura que Renee adotara. Achava que a outra se encontraria confusa com o ocorrido entre elas na tarde do dia anterior. No entanto, Renee assumiu uma postura relaxada, descontraída e completamente à vontade com a presença dela, sem o menor constrangimento.
“Vou levar algum tempo para me acostumar com as reações dessa mulher. Tenho que estudá-la, não posso me deixar levar pelo que ela induz e, sim pelo que eu quero realizar. Será que eles, na Organização, já sabem sobre mim? Não, não. Se soubessem já teriam acabado comigo, afinal ninguém sabe onde estou, seria fácil me eliminar e ninguém saberia. Eu seria apenas uma baixa para a minha agência”.
Esse pensamento, pela primeira vez em toda sua vida de agente, causou estranhezas em Helen. Sentia um desconforto na nuca como se tivesse dormido em uma só posição. No momento seguinte, em que retornou de seus pensamentos, Renee lhe deu um largo sorriso e perguntou amavelmente se estava animada com a visita. Tinha um rosto tranquilo, sereno e que inspirava confiança, mas deixava também a impressão de uma mulher forte e equilibrada.
“Ela é atraente sim e mexe comigo, mas não posso deixar isso acontecer dentro mim, se não acabarei falhando por incompetência”.
— Claro. É minha profissão e gosto de me atualizar. Estou entusiasmada e já estava sentindo falta. Não sei por quanto tempo, eu poderei me afastar da Universidade e é sempre bom ver coisas sendo produzidas na área.
— Possivelmente gostará do CAAP. É organizado e eles nunca param as pesquisas. Veja só a Renee, faz parte de uma linha de pesquisa do Centro, mas entrou de férias, mesmo assim seus colegas continuam para quando ela retornar.
— Você não me disse que trabalhava lá!
— Desculpe-me se não falei, mas achei que suporia, pois sou arqueóloga… nem me toquei.
Mais uma vez Helen se sentiu desarmada, uma tola. ”Como pude não perceber… Parece que minha mente está anuviada! Preciso me encontrar, senão…”
— Tem razão, porém falou de sua profissão e que estaria de férias, mas não do seu trabalho. Como Roger trabalha lá na minha universidade, pensei que trabalhasse em outro lugar…
“Mandei bem agora!”
— Então vamos. Aos poucos, você me conhecerá mais e eu a você.
Chegaram ao CAAP caminhando, pois ficava a poucas quadras da casa de Renee. Helen compreendeu então, porque ela havia chamado seus amigos a pernoitar lá. Era tão perto de sua casa, que não havia necessidade deles virem do outro lado da cidade de manhã cedo. Começou a perceber que aquela mulher pouco se abalara com o que acontecera e isso a irritou muito.
Caminharam pela bela alameda que, talvez pelo clima ameno daquela época, estava toda florida.
“Realmente é um lugar fascinante, tenho que admitir. No mundo lá fora, nunca vi algo tão bem cuidado ou mesmo tão limpo e também não existem mais lugares com um clima como este. Será uma aclimatação artificial? E se for isto, como alcançaram essa tecnologia? Ou melhor, como sustentam uma tecnologia tão cara como esta? ”
Entraram no Centro.
Renee percebeu que Helen estava mais observadora, precisava agora tomar mais cuidado com o que falava e na forma de agir. Sentia que, após a noite anterior, Helen havia se fechado mais para as suas emoções e assumira uma postura de reagente dos acontecimentos. Percebera que, o possível relacionamento frustrado, mexera com seus brios de agente e estava determinada a retomar os rumos de sua missão.
“Veja só, aqui tem comunicações… Vejamos: um info-fax, vídeo-chamadas, cheguei a pensar que só existia celular, Renee não tem nada em casa a não ser seu próprio celular…” – Pensou Helen
— É, verdadeiramente, um lugar muito interessante pelo que estou percebendo. Dá, realmente, vontade de trabalhar. Que linhas de pesquisa vocês estão desenvolvendo atualmente, isto é, se vocês puderem mostrar, é claro?
— Claro que podemos. Vamos caminhar pelos laboratórios para que você possa ver melhor.
Ao final da visita, Helen se encontrava extasiada, pelas linhas de pesquisa serem afins ao que estava acontecendo “lá fora”, porém decepcionada por não ver nada de novo. Não haver algo realmente diferente, até em relação à paleontologia forense.
— Vejo que gostou do CAAP.
— Gostei muito, mas tinha esperanças de ver pesquisas que estivessem mais avançadas em relação ao que fazemos, já que vocês têm uma estrutura privilegiada em relação a nós.
— Não esqueça que, apesar da estrutura, a nossa base de dados ou a procedência dela é a mesma.
— Tem razão. Tudo que se conhece vem do próprio planeta. Temos trabalhado em algumas coisas vindas de “Faon”, mas acredito que por sermos uma Universidade ligada ao governo Inglês. Este planeta está sob a égide da Inglaterra.
— Você quer dizer que está sendo explorado pelo governo Inglês. Um planeta descoberto há tão pouco tempo e já tendo os recursos minerais extraídos, mesmo sem qualquer estudo prévio de impacto.
Renee se excedeu. Estava difícil não reagir à tamanha inconsequência, mas não queria levar mais uma discussão adiante, que só deixaria a outra mais arredia.
— De qualquer forma, tudo que conhecemos, assim como tudo que você conhece, vem de informações acumuladas das civilizações ao longo do tempo. Afinal é pelo nosso planeta e através dele que todos nós estudamos. “Faon” é outra história. Na verdade, não temos interesse em questões econômicas e “Faon”, para nós, não é interessante.
“Renee é perspicaz demais para eu poder tirá-la da sua linha de raciocínio. Eu tenho que pensar e concordar com ela nesse momento e fazer parecer que estou me adaptando. Ela tem que se abrir mais comigo”.
— Tudo bem, concordo. Mas… não seria coerente imaginar que um lugar com tais condições, tendo apoio financeiro, pudesse estar mais avançado?
— Sim, mas, infelizmente, temos pouco pessoal competente para pesquisa. Há muito tempo, ninguém é chamado para trabalhar conosco, aliás, esse é um dos motivos por você estar aqui e, já que estamos falando nesse assunto, gostaria de saber se sua opinião a nosso respeito está começando a modificar?
Helen se surpreendeu, porém não deixou transparecer em seu semblante.
— Bem, você deve considerar que tenho que pensar muito a respeito. É uma decisão muito importante para minha vida, para ser tomada de uma hora para outra.
— Não, por favor, me interpretou mal. O meu questionamento é em relação a sua opinião a respeito da Organização. No início, você achava que tudo isso aqui era impossível e que não se poderia ter nada mais que não fosse engajado no mundo.
— Não foi bem assim… Apenas levei um choque com todos os acontecimentos em minha vida nos últimos dias. Dá para lembrar como foi para você no início? Talvez você fosse mais jovem do que eu, as aventuras para jovens são inspiradoras…
— É talvez… Porém você consegue perceber que nós somos um grupo de pessoas, que só quer viver livre das confusões “lá de fora”? E quem sabe contribuir delicadamente, sem muitas intrusões, para que o planeta sobreviva. De qualquer forma, não precisa pensar nisso hoje, já estamos todos cansados e foi um dia cheio. Amanhã retornaremos a essa conversa e você poderá decidir se deseja voltar ou ficar…
“Ela está me dando um ultimato. Acho que acabou a brincadeira para eles e não vão permitir que eu fique aqui mais tempo olhando tudo. Tenho que arranjar um subterfúgio para permanecer mais um pouco e coletar mais dados. Não tenho nada de concreto ainda… Aliás, mesmo o que tenho, não é nada. Sem provas, só observação e uma história de um lugar fantástico”.
Chegaram em casa. Os amigos de Renee haviam ido embora e Helen quis provocar uma conversa sobre a noite anterior, para que desse mais tempo de conhecer Renee e pensar, durante a noite, qual a melhor tática a abordar.
— Perdoe-me pela reação de ontem que tive com você, é que… Eu não sabia lidar com aquilo… Nunca tive esse tipo de experiência antes…
O rosto de Renee se incendiou e ela sorriu num misto de satisfação e ira, por Helen utilizar uma tática tão obvia. Resolveu dar corda e ver até onde Helen iria.
— Não tem do que se desculpar. Eu é que tenho, não percebi que, em meus conceitos, eu poderia me enganar nas minhas certezas.
— Por que tinha tanta certeza a meu respeito?
— Não tinha. Mas você me pareceu receptiva e, como eu já havia dito anteriormente, você me atrai. Sinto muito se te deixei constrangida, mas não voltará a acontecer. Não costumo ter esses impulsos, ainda mais com alguém que é minha hóspede.
Falou imparcial, deixando sua interlocutora brevemente desconcertada.
— Não se preocupe, fiquei um pouco constrangida sim, mas já passou. Eu compreendo que, talvez, eu tenha deixado transparecer algo a mais, pois estou me sentindo um pouco assustada com tudo e acho que sua presença me tranquilize e me dê um esteio… Uma sensação de segurança. Tudo está sendo muito rápido e não tive tempo de, realmente, me situar. Para mim, parece tudo muito surreal.
Helen tentou transparecer natural e passar certa fragilidade pela situação em que se encontrava. Retomava sua veia de espiã.
— Não se preocupe com isso também. Amanhã tudo irá acabar e para você parecerá como um sonho…
“Ela está me dispensando? Será que me mandarão embora? Preciso de mais tempo e ela não está me dando espaço. O Roger será uma peça valiosa para mim”.
No momento em que Helen terminou seu pensamento, Renee arrematou sua frase anterior com outra notícia.
— Ah! Eu já ia me esquecendo. Infelizmente, tivemos uma notícia ruim e desagradável hoje. Soubemos que houve um ataque terrorista em sua universidade. Houve alguns feridos leves e uma pessoa morreu. Infelizmente não teremos mais Roger conosco. Ainda não tivemos muitas notícias, mas até amanhã já estaremos a par de tudo. Hoje vou me recolher mais cedo, Helen. Espero que compreenda, pois o Roger era meu amigo também. Trabalhamos muitos anos juntos até ele resolver ficar em uma instituição de pesquisa, que não a nossa. A perda dele me é muito dolorida. São essas coisas que me fazem pensar, cada vez mais, que estamos corretos na nossa forma de viver, entende?
A entonação de Renee era de tristeza e pesar. Deu a notícia no arroubo e de forma impactante. Estava pressionando a doutora e não queria aliviar.
— Sim, claro. Eu estou chocada também.
Helen ficara atônita e não conseguiu esboçar mais nada. Renee já se dirigia ao quarto, quando se virou e acrescentou.
— Vejo que ficou chocada também. Perdoe-me se fui insensível ao dar a notícia, mas quanto mais vejo essas coisas acontecendo, mais quero ficar distante disso tudo. Veja bem, Helen, não quero levar tudo, do nosso pequeno mundo, para dentro do seu, mas não quero trazer seu mundo, para dentro do meu também.
— Eu entendo. Mas Roger era meu amigo também e gostaria de saber o que aconteceu. Realmente a notícia me chocou.
— Pode deixar, se eu tiver mais notícias falarei a você.
Helen foi para seu quarto e custava a acreditar no que acabara de ouvir. Não era insensível a ponto da morte do Roger não chocá-la. Ele trabalhou diretamente com ela desde quando iniciara os trabalhos na universidade. Trabalhava lá há mais tempo e apesar dela ter se infiltrado com o intuito de conhecê-lo para a sua missão, transcorreu vários anos até conseguir a sua confiança. Levou muito tempo até que ele se abriu com ela. Sua agência desconfiava que ele tivesse envolvido com a tal “Organização” e a introduziram no mesmo setor que ele. Estreitaram tanto sua relação, ao longo dos anos, que ela poderia até chamar de amizade, embora se o alto comando soubesse, ela teria saído da missão, por não estar condizente com os padrões.
Precisava, nesse momento, se avaliar. Era uma agente experiente e seus envolvimentos pessoais, já estavam se tornando frequentes demais.
“Será que fiquei tantos anos envolvida na universidade que me esqueci de meu verdadeiro trabalho? Eu também sou paleontóloga por profissão, será que foi um erro eu ter me infiltrado em uma missão, onde eu resgataria meus antigos anseios profissionais? Não… não é isso. Muitos agentes trabalham em missões que os colocam em suas profissões originais…”
Helen ficou especulando horas, estava entrando em conflito com os seus desejos. No outro quarto, Renee entrava em sintonia com sua hospede e, pela primeira vez, conseguiu criar um vínculo empático, sem que a outra rompesse com sentimentos agressivos. Mesmo separadas por uma parede, a fragilidade de Helen permitiu a agente da Organização tornar esse vínculo forte o bastante, de forma que ela conseguia quase captar seus pensamentos.
“Ela está desmoronando, mas sei que é muito boa no que faz. Tenho quase certeza que irá se recompor até amanhã e criará um motivo para permanecer mais um tempo aqui. Brevemente perceberá o que aconteceu com Roger… Gosto dela…”
Com esses pensamentos, Renee sucumbiu ao sono.