Renato continuava transtornado exigindo que lhe soltassem, já o delegado encarava de um a outro e acabou decidindo que Alicia não era o problema da situação.
– Renato, é melhor você calar a boca – falou o homem se aproximando dos dois no chão.
– Não se envolva nisso, Guilherme – ele respondeu do chão tentando ainda se soltar – Você não tem noção do que está acontecendo.
– Não é preciso ter noção nenhuma para saber que você está fazendo merda! – Carlos falou alto chamando a atenção de todos.
Alicia o encarou notando o sangue escorrer de sua testa e correu na direção do rapaz. Afastou a mão dele pressionando de forma a diminuir enquanto sua mão direita tentava limpar o rosto do rapaz a procura de algum outro ferimento.
– Meu Deus, Carlos. O que houve com você? – perguntou tirando os restos do curativo que haviam no rosto dele.
– Esse desgraçado – disse ele apontando para Renato que continuava sendo contido no chão pelo policial – Ele bateu na Land várias vezes até que acabei perdendo o controle, rodei e sai da estrada.
Talitha cobriu a boca com as mãos sem conseguir acreditar que o irmão fosse capaz daquilo. Todos encararam Renato sem acreditar mesmo que poderia ser ele, mas os policiais e Alicia viraram seus rostos rapidamente para o carro do rapaz. O Vectra tinha marcas e riscos no para-choque, alguns pequenos amassados e uma lanterna quebrada.
– Eu não queria que ele rodasse! – Renato se manifestou trazendo a atenção de todos – Não pretendia ter causado nenhum mal, era para ser apenas um susto! Queria apenas assusta-la – disse erguendo o queixo na direção de Maia que arregalou os olhos – Apenas para que pensasse bem antes de fazer algo contra mim.
Alicia arregalou os olhos, seu ódio contra o rapaz surgindo outra vez. Por um segundo quis avançar contra ele outra vez, mas ao se mover sentiu Carlos se contrair com dor no momento em que ela moveu a mão esquerda que pressionava sua testa.
– Parabéns, Borges – falou o delegado sorrindo – De suspeito você acaba de passar a réu confesso. Muito obrigada por facilitar o meu serviço. Sargento Miguel, pode algemar.
– Sinto muito, amigo – falou Miguel quando Renato começou a se debater e pedir para que não o algemasse, os dois haviam estudado juntos, mas o sargento não poderia desobedecer o delegado, sequer queria depois de ver o que o amigo havia feito.
Naquele instante Marta e Catarina chegam juntas. Dona Marta havia ido a feira comprar algumas verduras frescas para o almoço e na volta passou em frente a casa da amiga que estava no portão com uma expressão preocupada enquanto esperava que um dos filhos voltasse. Como Talitha havia ido a clínica Marta a chamou para irem juntas ver se descobriam algo e elas foram.
– O que é que aconteceu aqui, Delegado Fernandes? – ela perguntou se aproximando de Renato que estava tendo a segunda mão algemada.
– Mãe, não podem me prender. Chame um advogado agora. Eu não vou ficar preso – Renato começou a dizer enquanto era colocado de pé e encarando a mãe, mas desviando olhares raivosos para Alicia que estava ainda tentando conter a já quase inexistente hemorragia de Carlos.
– Você atacou Alicia – a voz de Talitha soou alta e indignada – Mãe, nem tente defender ele dessa vez. Renato teve a audácia de tentar bater em Alicia! Além de ter feito Carlos sofrer um acidente de carro. Ele vai e merece ir preso.
– De que lado você está, garota? – ele gritou tentando chegar perto da irmã, mas o sargento o segurou.
– Estou do lado certo! – Talitha respondeu, mas antes que qualquer outro falasse algo o delegado mandou o sargento levar Renato para a viatura que estava estacionada em frente a casa vizinha a clínica.
Alicia pediu para que Talitha buscasse um kit de primeiro socorros que elas tinham no banheiro da clínica. Quando ela voltou a veterinária fez com que Carlos se sentasse no chão e, de joelhos em frente a ele, refez o curativo e limpou o rosto do rapaz. Quando terminou o delegado se aproximou dela.
– Eu acredito que a senhorita precise ir até a delegacia fazer a denúncia da agressão do Senhor Borges – ele falou quando estavam frente a frente.
– Não acho que seja necessário, acho que seria mais correto chamar de tentativa de agressão já que ele não conseguiu efetivamente o que queria contra mim – ela disse soltando um suspiro de cansaço.
– Pois eu acho que tem sim que fazer a denúncia – Maia surgiu ao lado da namorada com uma expressão mais que séria – Eu farei a denúncia a respeito das agressões verbais e, se for possível, tentativa de agressão contra mim, até porque o acidente que ele provocou com Carlos era dirigido a mim.
– A senhorita Almeida está correta – disse a voz de quem menos se esperava ouvir, Catarina se aproximou de Alicia segurando de leve o rosto da filha da amiga e olhando para a marca que provavelmente um soco de Renato havia deixado – É meu filho e eu o amo. Mas ele fez coisas imperdoáveis – disse ela com lágrimas nos olhos sendo abraçada pela veterinária – Ele precisa aprender, sofrer as consequências dos seus erros. Você tem que fazer a denúncia minha menina.
– Amor – Maia sussurrou chegando mais perto das duas abraçadas e a mais velha soltou Alicia que se virou para a namorada – Eu até posso compreender que na sua cabeça não há essa necessidade, já que você conseguiu se defender e ele não foi capaz de te machucar muito – ela falou erguendo a mão esquerda para acariciar o rosto da mais alta que fechou os olhos – Mas isso foi você. Nem todas as mulheres do mundo conseguem se defender assim. Nem todas são capazes de enfrentar o agressor e sair ganhando a briga. Não é por você que tem que fazer essa denúncia, é por elas – Maia encarou profundamente os olhos cor de mel fazendo Alicia mergulhar nos verdes enquanto ouvia e refletia o que a namorada estava lhe falando, inconscientemente as mãos da veterinária acabaram na cintura da dona do Rancho que apoiava sua mão esquerda no ombro dela – Pense nelas, se você, que conseguiu enfrentar um agressor, não faz uma denúncia elas nunca vão ter conhecimento sobre a possibilidade de enfrentar outros agressores também. Eu não conseguiria reagir a uma agressão, não teria força para enfrentar alguém fisicamente, mas a denúncia é a única arma de enfrentamento que a maioria das mulheres possui. E elas estão sempre com medo de denunciar, por medo do agressor. Não acha que o medo delas aumentaria sabendo que alguém que enfrentou o agressor fisicamente não fez a denúncia também?
– Além disso – a voz de Talitha surgiu perto delas fazendo as duas desviarem os olhares – Se um agressor não é denunciado, se ele não sofre essas consequências, se ele não vê de perto o risco de ir para a cadeia, ele nunca vai sequer começar a se ver como errado. Se a ação dele não é corretamente punida ele vai repetir ela outra vez, provavelmente não com quem o enfrentou fisicamente, mas outra mulher, outra pessoa mais fraca.
– Vocês duas tem razão – Alicia finalmente fala concordando com a cabeça e dando um beijo na testa de Maia que continuava a sua frente – Farei a denúncia. É o correto a ser feito, por mim e por diversas outras mulheres nesse mundo que são agredidas dessa maneira.
O sorriso de Maia foi orgulhoso antes dela segurar a lateral do rosto da namorada e a puxar para um selinho delicado. Logo depois disso Marta entrou com Catarina que não estava nada bem e as três mulheres foram para o carro da veterinária, junto de Carlos, até a delegacia acompanhando o delegado para realizarem a denúncia contra Renato que ia com a cabeça baixa resmungando injúrias contra todos, mas sem conseguir mais se mostrar orgulhoso da posição em que se encontrava, afinal, estar algemado numa viatura da polícia não era motivo de orgulho para ninguém.