20.

I

Carolina observou Tito e Maria conversarem por alguns minutos, junto ao portão. Ela estava sentada em um dos três degraus que antecediam a entrada da casa. Tinha uma xícara de café nas mãos e bebericava o líquido distraída. Em sua mente, um sem número de conjecturas giravam em meio as lembranças da noite de prazeres que havia compartilhado com Carla.

Ainda sentia os beijos dela queimando sua pele, o cheiro do seu corpo inebriando seus sentidos, o calor que ela emanava. Sentia tudo isso e mais um pouco e estas lembranças acabaram por inflamar o seu desejo de tê-la e ser dela outra vez.

Carla havia dito e repetido que a amava, seus olhos demonstravam isso, seus beijos reafirmavam suas palavras, mas Carolina ainda se questionava se era verdade. Mesmo reconhecendo que a queria, que as palavras e beijos dela a jogaram em um mar de êxtase e felicidade, não podia esquecer quem ela era.

Havia decidido, no dia anterior, se entregar àquele sentimento que a consumia sempre que suas safiras a encontravam, mas agora que o dia havia chegado e estavam distantes, conseguia pensar com mais clareza. Apesar do carinho, da chama em seu olhar, dos beijos e palavras, Carla ainda era uma criminosa e isso, como ela mesma havia lhe dito, jamais iria mudar.

Seu coração apaixonado ansiava por seu retorno para que tivessem a conversa sobre a qual lhe falou e que pudesse, finalmente, expor seus sentimentos, pensamentos e condições para prosseguirem com aquele romance.

O vento bagunçou seus cabelos lhe trazendo o aroma das rosas no jardim e lembranças do passado, dos momentos vividos ao lado de Bento, do carinho de sua mãe, dos sonhos que tinha de viver longe dali e ter uma vida pacata em um fim de mundo qualquer.

Agora se perguntava se Carla gostaria de dividir uma vida assim com ela.

II

— Não pode mais ignorar as evidências.

Marcos passeou o olhar pelos três rostos à sua frente se demorando mais que o necessário em cada um. O último era Santiago que mal conseguia disfarçar o sorriso de satisfação.

— O nome dela está nas ruas — Álvaro afirmou.

Ele se encontrava ao lado de Santiago e, ao contrário deste, era baixo e atarracado. Usava óculos escuros a fim de ocultar a cegueira de um dos olhos que era acentuada por uma feia cicatriz. A barba malfeita, dava-lhe um ar brutal e, pelo que sabia, ele realmente era.

Em outra época, havia sido um pistoleiro, um dos melhores que o dinheiro poderia comprar. Era um homem cruel e vingativo que foi muito bem recebido por seus associados na Colômbia e comandava o tráfico na fronteira com violência.

Junto à porta, Juliana Bedoya concordou com um inclinar de cabeça e enfiou as mãos no bolso do sobretudo que usava, apesar do calor que fazia naquele fim de tarde. Não tinha mais que um metro e sessenta de altura, os cabelos longos e negros estavam presos no alto de sua cabeça em um coque do qual não havia nenhum fio fora do lugar. Ela pousou seu olhar castanho e gélido em Marcos, enquanto falava com um sotaque peruano carregado, atropelando algumas palavras.

— Você é o chefe, Marcos. Mas, achamos que seu apreço por Carla o está cegando.

Marcos liberou a fumaça de seu charuto lentamente. Havia alguns dias, comentários lhe chegavam aos ouvidos sobre as drogas roubadas dele e de Joaquim, sobre Carla as estar distribuindo. A polícia desmontou duas de suas operações e apreendeu uma grande quantidade de sua droga, um duro golpe.

Os comentários eram apenas sussurros, que começaram a ganhar força e se repetiam como uma notícia concreta naquele momento.

Quando ele interpelou Carla a respeito, em seu encontro no alto daquele penhasco, ela lhe falou sobre isso e muito mais. Lhe falou que haveriam evidências físicas de sua traição e que, em breve, ele seria forçado a agir contra ela.

— Se você não agir, será esmagado por eles. O verão como fraco e logo alguém irá se dispor a ocupar sua cadeira — Carla lhe dissera e ele concordou. — Faça o que tem de fazer, não se preocupe comigo.

Mas, ele se preocupava e, por isso, ignorou o máximo que pôde as informações que lhe chegavam, forçando seus associados a fazerem aquela intervenção. Olhou os papéis espalhados sobre a mesa, enquanto largava seu charuto inacabado no cinzeiro. Ali estavam as provas da traição dela.

Eram fotografias de Carla com o carregamento de drogas roubado de Joaquim em um dos depósitos sob sua responsabilidade, cópias de suas transações financeiras onde havia um grande fluxo de dinheiro de origem duvidosa, documentos que comprovavam o sumiço de quantias equivalentes das contas da organização, as quais, ela tinha acesso. Havia muito mais, como e-mails e autorizações de transporte assinadas por ela, que não seriam nada de mais se ele não soubesse que aquele tipo de documento só era assinado quando tinha de transportar sua droga.

— Ela fez tudo com muito cuidado. A movimentação do dinheiro, por exemplo, quase não pode ser notada… — dizia Santiago. — E nestas fotos dá para ver claramente que…

— Elas foram tiradas antes dessa história surgir — Marcos afirmou, interrompendo-o. — Isso me deixou curioso.

Santiago engoliu em seco, mas tinha uma resposta plausível para a questão.

— Mandei que ficassem de olho nela depois que ajudou sua afilhada.

— Por quê?

— Porque aquela mulher é um posso sem fundo de gelo e, de repente, vira um anjo salvador! Não acha isso estranho?

Marcos cofiou a barba negra e bem aparada por alguns instantes.

— Não sei que argumentos ela utilizou para convencê-lo a poupar Carolina, mas acredito que elas são amantes e que sua enteada está envolvida em toda essa história desde o início. Acho que aquela fuga não passou de uma encenação.

— O gosto de Carla pelas mulheres nunca foi um segredo e se ela quer se divertir com a minha enteada, não é problema meu — afirmou. — Carolina quase morreu naquela fuga idiota. Pelo que sei, foi Miguel, um de seus homens que atirou. Por que ela encenaria essa fuga malsucedida?

Santiago cruzou os braços, irritado. Depois de tudo, Marcos ainda lhe oferecia resistência. Era insultante o apreço que ele dedicava a Carla e o modo como rejeitava as evidências que denunciavam sua conduta desleal.

— Imagino que tudo não tenha passado de uma distração — respondeu, por fim. — Creio que não fazia parte dos seus planos que Carolina fosse pega. Enfim, a sua preocupação em encontrar a garota e evitar que procurasse as autoridades o tornaria desatento e ela poderia dar sua cartada final.

A atmosfera da sala estava ficando mais tensa a cada minuto.

— Acho que as provas em sua mesa são mais que suficientes — a voz de Juliana o alcançou. — Pessoalmente, não gosto nem desgosto de Carla. Reconheço que ela é bem competente. Contudo, não estou interessada em permitir que ela destrua o meu trabalho, nem que me jogue numa vala qualquer no meio do mato. Ontem ela acabou com Joaquim, hoje ela vem atrás de você. Está eliminando a concorrência e, em breve, seremos nós — apontou para si e depois Álvaro.

— Semana passada, mataram o Carlos. Encontraram ele e seus homens metralhados. Dizem que há um novo chefe na fronteira com a Bolívia e, adivinhe, dizem que é uma mulher. Você já matou traidores com bem menos que um sussurro como prova — Álvaro completou.

— Se não o fizer, nós o faremos — Santiago atalhou.

Marcos se pôs de pé e se aproximou da janela, fitando o pôr do sol por alguns instantes. Evocando, outra vez, a lembrança da conversa que teve com Carla.

— E o que pretende fazer para sair dessa enrascada? — ele havia questionado Carla.

— Estão sendo manipulados, Marcos. Assim como fizeram com Joaquim e estão tentando fazer o mesmo com você — ela deu um meio sorriso e se calou sem responder à pergunta.

Ele aguardou pacientemente que ela continuasse, enquanto admirava o vento brincar com os fios loiros de seu cabelo.

— Somos desprezíveis, pessoas cruéis. Há um lugar no inferno para nós, se é que existe algo depois da morte — ela continuou e pousou o olhar nele com gravidade. — Há respeito entre nós, não é mesmo?

Ele se surpreendeu um pouco com a pergunta, mas respondeu com sinceridade.

— Sim, existe e devo admitir que gosto muito de você.

Ela ampliou o meio sorriso em seus lábios.

— Então, peço que confie em mim mais uma vez — e lhe enviou seu sorriso mais sardônico. — Vou esmagar todas as cabeças dessa “serpente”Então, quando vierem, faça o que tem de fazer para se manter no jogo.

Eles vieram, como Carla havia afirmado e agora pediam sua cabeça. Deixavam claro com aquela atitude que ele estava perdendo seu poder e logo seria ele a pedra a ser tirada do caminho.

Cofiou sua barba, tentando controlar a raiva que sentia. Estava louco para usar a arma sobre a mesa, que brilhava convidando-o a ceifar a vida daqueles três traidores, mas como Carla havia afirmado, ainda não tinham ideia de quem eram todos os inimigos e precisavam de tempo, no entanto, teve de admitir que o tempo que havia dado a moça, havia chegado ao fim; não poderia continuar protegendo-a.

— Peguem-na — ordenou, por fim.

III

A noite já ia avançada quando Carla chegou em casa.

Diana havia lhe enviado uma mensagem dizendo que estava a caminho com a sua encomenda e depois da conversa que tivera com Bento tudo havia ficado mais claro. No fim, suas suspeitas estavam corretas.

— O que está acontecendo? — Maria questionou assim que a viu entrar na cozinha.

Carla beijou-lhe a testa com carinho, ignorando sua pergunta.

— Estou falando sério, Carla. Quero saber no que você está metida — emendou a índia.

Carla a fitou por alguns segundos, considerando se devia ou não lhe falar. Por fim, deu de ombros tomando sua decisão.

— Conto tudo quando Diana chegar. Certo? Ela deve estar aqui em algumas horas. Você fez o que Tito pediu?

— Sim.

— Ótimo! Onde está Carolina?

— Lá fora — apontou com o queixo para a janela, indicando o jardim e Carla lhe enviou uma piscadela antes de sair com um sorriso nos lábios.

Carolina observava o céu estrelado. Estava de pé diante da piscina e assustou-se ao sentir os braços de Carla envolvendo sua cintura para, em seguida, seus lábios pousarem em seu pescoço distribuindo beijos suaves.

— Oi — Carla sussurrou em seu ouvido causando-lhe um arrepio prazeroso.

Carolina se voltou e a envolveu em um abraço apertado, escondeu o rosto em seu ombro, sentindo o perfume dela que lhe trazia lembranças gostosas da noite anterior.

— Você fugiu — acusou com um sorriso.

— Jamais fugiria de você. Tinha alguns negócios importantes para resolver.

Carolina se afastou, sentindo o coração pesado.

— Precisamos ter aquela conversa.

— Sim — Carla concordou, sentindo o mesmo peso em seu peito. — Me espera tomar um banho? Estou muito necessitada de um.

Carolina concordou com um sorriso e a observou partir após lhe dar um beijo estalado na bochecha. Permaneceu no mesmo lugar por alguns minutos olhando as estrelas, ansiosa por colocar seus sentimentos em palavras e desejosa de que ela aceitasse seu pedido.

Carla encostou as mãos na parede, enquanto deixava a água escorrer por seu corpo carregando parte da tensão do dia. Dali algumas horas, tudo estaria acabado e tiraria de vez aquele peso de suas costas. Havia deixado tudo preparado e assim que Diana chegasse executaria seus planos.

Seria uma longa noite, mas, ao fim dela, seria uma mulher livre e sorriu ante o futuro que poderia escolher. Torcia para que Carolina quisesse fazer parte dele.

— Se continuarmos assim, nunca iremos conversar — Carolina comentou, enquanto enroscava suas pernas nas de Carla com a respiração ainda entrecortada pelo amor que haviam acabado de fazer.

Enquanto a esperava, se pegou a imaginá-la no banho, visualizando a água escorrendo por suas curvas com uma carícia prazerosa, o sabonete a passear por sua pele perfumando-a… Quando deu por si, já invadia o box, completamente nua, sendo recebida por um sorriso largo de Carla que grudou seu corpo ao dela distribuindo beijos suaves em sua pele até que estes acabaram por se tornar vorazes e a possuiu e se deixou possuir por ela ali mesmo. Mas o desejo ainda era intenso e a cama convidou-as a dividirem novos momentos de prazer.

Carla riu com o comentário, puxando-a para mais perto.

— Ah, mas já estamos conversando. Não acha?

Carolina tracejou seu rosto com a ponta do dedo e lhe sorriu com o canto da boca.

— Onde esta mulher estava escondida? Onde estava esse riso, esse olhar, esses gestos, esse carinho?

Carla tomou a mão que acarinhava seu rosto e beijou. Não tinha uma resposta para a pergunta dela. Havia lhe dito que era bem mais do que aparentava, era uma grande verdade, mas não sabia lhe explicar onde terminava a Carla criminosa e cruel e onde começava a Carla amante apaixonada. Eram a mesma mulher, intensa nas duas formas. Embora, a mulher que Carolina estava a conhecer só tenha se deixado ver um pouco por Diana.

Se grudou mais a ela e depositou um beijo singelo em sua testa, enquanto ela se aconchegava mais ao seu corpo para se entregar a um sono tranquilo.

***

Marcos Alvarenga, desceu do carro acompanhado por um Santiago que mal conseguia disfarçar o sorriso de satisfação em seus lábios rachados. Observou cinco de seus homens descerem de outro carro. Dois deles caminharam até os seguranças no portão que lhes permitiram a passagem sem problemas e os renderam sem dificuldade ou alarde.

Um vento frio assanhou seus cabelos e ele os repôs no lugar com um passar de mãos. Inicialmente, não tinha intensão de acompanhar Santiago, mas imaginou que o ódio do seu associado por Carla acabaria por levar a uma situação sangrenta e sua presença ali o impediria de passar dos limites.

Carla havia lhe enviado uma mensagem mais cedo, logo após sua reunião com os três associados que lhe pediram a cabeça da moça. Nela, lhe informou que no dia seguinte tudo estaria acabado, seus inimigos seriam desmascarados e isso aumentou seu desejo de estar presente quando Santiago a informasse da decisão tomada.

Santiago aproximou-se da porta e apertou a campainha. Não era necessário, pois Maria já havia sido informada da presença deles pelos seguranças no portão. Ouviram um ruído e a porta se abriu dando-lhes a visão de uma índia jovem e bonita.

Com exceção do dia anterior, Marcos nunca havia estado na casa de Carla, nem imaginava que ela tivesse outros empregados além dos seguranças. Riu-se com o breve pensamento triste que lhe passou na mente, sabia muito pouco sobre ela apesar da admiração e respeito que lhe dedicava. O engraçado era que ele também apreciava a aura de mistério à sua volta.

Maria aguardou em silêncio, parada na soleira da porta. Observava-os com curiosidade. Sabia muito bem quem eram e temeu aquela visita inesperada. Depois do dia anterior, só havia medo em seu coração, não por seu bem-estar, mas pelo da amiga.

Representando bem o seu papel de homem poderoso e que não precisava dar explicações a ninguém, Marcos a empurrou para o lado e adentrou na casa, demorando-se um pouco a observar a sala espaçosa, decorada com bom gosto e poucos móveis.

— Onde está sua patroa? — perguntou com um suspiro de aprovação para o cômodo.

Impacientou-se ao ver a demora da índia em responder. Perguntou novamente e, a contragosto, Maria informou que Carla se encontrava no quarto e que iria lhe avisar de sua visita, mas Santiago interveio e questionou a direção do aposento. Contrariada, Maria respondeu.

Marcos ordenou que seus homens os aguardassem ali e seguiu com Santiago pelo corredor que levava aos aposentos de Carla. Enquanto o percorriam, observou os poucos quadros nas paredes, todos retratos em preto e branco. Paisagens, em sua maioria. Reconheceu, em um deles, o penhasco em que havia conversado com Carla alguns dias antes. Curioso, perguntou-se se as fotografias eram dela e achou engraçado o fato. Não conseguia imaginá-la dona de tamanha sensibilidade.

A porta do quarto estava cerrada, Marcos ergueu a mão para bater na madeira fria, mas Santiago adiantou-se e a escancarou sem o menor cuidado. Depararam-se com a figura de Carolina adormecida na cama, era óbvio que estava nua por baixo dos lençóis.

Olharam-se, confusos, por alguns segundos, mas as roupas cuidadosamente dobradas sobre a poltrona próximo à janela e a fotografia sobre o criado mudo, assim como o perfume que dominava o ambiente, deixavam claro que haviam entrado no quarto correto. Aquele era o leito de Carla.

— Não falei? Elas são amantes — comentou Santiago com um sorriso de satisfação e a sensação de ódio crescente em seu interior. No fim das contas, a sua rival também havia conquistado a mulher que havia desejado.

Marcos o ignorou e ocultou um sorriso divertido com uma tosse. Afinal, Carla havia mesmo dobrado o coração selvagem de Carolina como havia se questionado após receber a ligação da enteada no dia anterior.

Santiago continuava a falar sem se dar conta de que seu patrão o ignorava, queria aproveitar aquela oportunidade para destruir ainda mais a imagem que Marcos tinha daquela mulher. Esta, por sua vez, saiu do banheiro enrolada em uma toalha que mal escondia suas formas e Santiago deixou-se emudecer.

Marcos a olhou de relance.

— Vista-se — rosnou, indo depositar seu olhar em Carolina que ainda ressonava com um sorriso nos lábios. Ele sempre achou Carla bonita e atraente, mas nunca teve interesse nela como mulher e, mesmo achando agradável vê-la exposta daquela forma, não se deixou envolver como Santiago.

Carla arqueou uma sobrancelha, enquanto avaliava os dois homens que invadiram seu quarto. Sem o menor pudor, atirou a toalha sobre a cama e pegou as roupas dobradas sobre a poltrona. Vestiu-se lentamente, rindo-se por dentro do constrangimento de Santiago que não parava de andar de um lado para o outro tentando disfarçar o seu olhar que teimava em ir repousar sobre as curvas do corpo dela.

Mesmo sabendo que aquela invasão significava que o tempo que Marcos lhe deu havia chegado ao fim, ela divertiu-se o máximo que pôde às custas de Santiago, demorando-se mais que o necessário para se aprontar.

Carolina moveu-se na cama em busca do calor do corpo de Carla, mas não o encontrou, então o som das vozes a despertaram. Abriu os olhos e encontrou a amante sentada na beirada da cama, enquanto calçava botas de cano alto. A loira tinha os cabelos soltos e um pouco bagunçados derramando-se sobre os ombros, usava uma camiseta branca, e um jeans preto meio surrado. Ela lhe sorriu brevemente quando notou que estava acordada.

Um movimento na porta chamou a atenção de Carolina e seu olhar se deparou com o do padrasto que a fitava sério. Ao seu lado, Santiago lhe enviou uma careta de nojo. Sentou-se na cama, assustada, e percebeu a frieza no olhar de Carla no mesmo instante em que o sorriso desapareceu de seus lábios.

— O que está acontecendo? — perguntou e foi ignorada pelos dois homens que saíram do quarto, enquanto Carla se punha de pé.

— Fique aqui.

— Qual o problema? — insistiu.

— Não temos tempo para perguntas. Preste atenção, Diana está vindo para cá. Quando ela chegar, fale com Tito, ele saberá o que fazer — respondeu já se encaminhando para a porta antes que Santiago ou Marcos retornassem à sua procura.

Apreensiva, Carolina atirou o lençol para o lado e levantou-se quase pulando da cama. Vestiu-se em poucos segundos e correu para a sala. A frieza de Carla naquele momento era invejável, mas ela, Carolina, não sabia ser assim.

Preocupava-se com ela mais do que consigo mesma e aquele turbilhão de emoções e sentimentos recém descobertos agitou-se ainda mais em seu interior com o medo de perde-la.

— A que devo a visita? — Carla perguntou, enquanto sentava-se em um sofá e indicava o outro para eles. Marcos aceitou seu convite, mas Santiago permaneceu de pé com olhar raivoso.

— Sabe muito bem porquê estamos aqui — cuspiu ele.

Carla o mirou com desdém.

— Eu sou muitas coisas, Santiago. Algumas delas são bem ruins, mas não fui agraciada com o dom da vidência — retrucou e viu Marcos esconder um risinho ao acender um charuto, mas não deixou de notar que ele parecia nervoso. Batia o pé devagar e brincou com o isqueiro por alguns instantes antes de guarda-lo.

Santiago trincou os dentes diante do deboche. Estava louco para ir ao ponto final e se livrar dela de uma vez, mas a presença de Marcos exigia que fosse mais cauteloso ou tudo que havia planejado e se esforçado para acontecer, iria por água abaixo.

— Lembra da nossa última conversa? — Marcos perguntou sereno.

Carla pressentiu o perigo implícito naquelas palavras e no olhar que ele lhe dedicou por alguns segundos. Com o canto do olho, viu Carolina surgir na entrada do corredor que levava aos quartos, mas não deu qualquer indicativo de que havia notado sua presença.

— Sim, me recordo.

— Lembra-se do que falei sobre os boatos?

Ela cruzou as pernas.

— Sim e também recordo que lhe disse que sou inocente.

Santiago bufou com sua resposta, mas mal conseguia esconder o sorriso malvado que lhe veio aos lábios.

— Sim, você disse — soltou uma pequena nuvem de fumaça.

Carla juntou as mãos sobre o colo e fixou o olhar nele por um longo segundo.

— Existem evidências de sua participação — ele continuou.

— Sua autoria — Santiago corrigiu, impaciente. Fez um gesto para que os homens que estavam ao lado da porta se adiantassem em direção a ela, enquanto exibia um sorriso amarelado. — Achou mesmo que não descobriríamos?

Carla permaneceu impassível com o olhar ainda fixo em Marcos.

— Acredita mesmo nisso? — ela questionou o chefe, tentando parecer indignada. Esperava ter um pouco mais de tempo e evitar uma situação como aquela. Como não havia outra solução, entrou no jogo tentando demonstrar que ignorava aquelas acusações.

Precisava agir, mas necessitava de Tito para tal e, naquele momento, não podia se comunicar com o rapaz. O que complicava bastante sua situação apesar de saber que Marcos a apoiava. Tinha consciência de que ele se encontrava de mãos atadas.

— Temos provas mais que suficientes — disse ele, pondo-se de pé.

— Por favor, me inteire. Que provas são essas?

Ao lado de Carolina, Maria engoliu em seco e recebeu um olhar de compreensão desta.

— Você é esperta, — disse Santiago — mas não foi tão difícil rastrear suas contas bancárias e outras transações financeiras. Sua conta engordou muito nos últimos meses. E, agora, que descobrimos essa daí em sua cama, — apontou para Carolina — as evidências ficam ainda mais fortes. Vocês estavam juntas desde o início, não é mesmo? Por isso, pediu pela vida dela, da sua amante.

Carolina adiantou-se a fim de falar o quanto tudo aquilo era absurdo, mas a um gesto de Santiago, um dos homens que os acompanhavam a segurou, enquanto Marcos ficava de pé.

— Nós tínhamos um acordo, Carla. Se ela aprontasse de novo, as duas pagariam. Acho justo usar o inverso, que ela também pague pelos seus erros. Afinal, acordo é acordo — ele concluiu antes de se retirar da sala.

Seria uma longa noite e esperava que os planos de Carla pudessem ser adiantados.



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