A semana transcorreu bem e com ótimas notícias a respeito da Lucy. Ela já havia sido transferida para o quarto e não levaria muito tempo para que saísse do hospital. Na Grasoil, deliberaram sobre o retorno de Sophia à filial Grasoil no Brasil e ela ainda levava na bagagem uma cadeira no Conselho. Imaginem como o Gunda ficou. Sentia que a Sophia ia ter trabalho com esse cara para o resto da sua vida profissional, mas a verdade é que a minha “Olhar de Falcão” adorava essa vida de “adrenalina coorporativa”.
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Sophia havia marcado para encontrar os representantes da empresa de segurança no escritório da casa de Itacoatiara. Ainda estávamos morando lá e Sophia firmou um contrato de locação por mais seis meses. Ela conseguiu vender o apartamento, mas eu ainda estava na duvida a respeito da minha casa, pois eu gostava de morar na Urca só não queria mais voltar para aquela casa que foi palco de coisas desagradáveis para nós duas. Ela sugeriu que vendesse também e comprássemos outro apartamento por lá, ou outra casa, mas ela queria permanecer com a casa de Itacoatiara. Disse que sentiu como se lá fosse um refúgio para ela. Tinha a intenção de fazer uma proposta para a proprietária e se esta não aceitasse, permaneceria alugando até conseguir seu intento. Do jeito que eu começava conhecer a teimosia e insistência de Sophia era bem capaz de convencer a proprietária em pouco tempo.
— Boa tarde, Srª. Sophia.
— Boa tarde, Sr. Azeredo.
Eu estava ao lado de Sophia e Mel ao meu lado. O senhor Azeredo veio acompanhado de dois senhores em ternos pretos. Acho que eram guarda-costas dele ou pessoas que pretendia nos apresentar.
— Por favor, fiquem à vontade.
Sentamo-nos e os dois que acompanhavam Azeredo ficaram de pé ao lado da porta como estátuas. Comecei a pensar que Sophia tinha lá suas razões para não querer escolta ou guarda costas. Pedi para Luiza, nossa empregada, trazer água e café.
— Walda e Ramon, sentem-se. Com essa atitude, vocês vão fazer a Srª Vasto Arqueiro e a Srª Boaventura desistirem de nos contratar.
“Walda? Como assim Walda?”
Foi o que me veio à cabeça na hora. Que homem tinha nome de Walda, gente?!!
Olhei para os dois e me pareceu que um deles tinha um leve sorriso no rosto. Apenas uma expressão e quase imperceptível. Quando os dois sentaram no sofá de dois lugares percebi a diferença nos gestos. Fiquei sem graça, pois vi que ela sorria um pouco mais e me olhava. Olhei rápido para Sophia e acredito que ela também se confundiu e também ficou encabulada pela leve coloração que se apresentava em seu rosto.
Passado o momento de nosso constrangimento e depois que todos estavam acomodados, nossa empregada chegou trazendo os cafés e Sophia começou a explanar.
— Sr. Azeredo, conforme conversamos por telefone, a minha recusa em ter uma empresa de segurança, além de não saber a quem procurar grande parte também é a questão de não gostar de atitudes invasivas em minha vida pessoal. Gosto da minha privacidade e ter que ser escoltada para todos os lados não é uma situação que aprecie.
— Eu entendo, Srª Vasto…
— Sophia apenas.
— Ok, senhora Sophia. Entendo bem as suas questões e devo dizer que a maioria de nossos clientes, salvo algumas exceções, também tem esta premissa. Acredito que possamos oferecer os serviços nos moldes que precisa.
— Bem. Esta aqui é minha filha Melissa.
Sophia apresentou Mel que prontamente estendeu a mão ao senhor Azeredo e depois aos outros dois que se identificaram.
— Muito prazer, Walda.
Mel sorriu para a tal de Walda que retribuiu o sorriso sem reservas. Tinha um sorriso aberto e simpático. Depois Mel estendeu sua mão ao outro que retribuiu também ao sorriso que Mel lhe oferecia.
— Muito prazer, Ramon.
Sophia continuou.
— E esta é Cléo, a minha noiva.
Apertei a mão de Azeredo o cumprimentando e fui até a tal Walda. Eu achava que estava olhando-a normalmente, mas depois do risinho de lado dela, achei que meu rosto demonstrava algo diferente, pois aquele sorriso definitivamente não era igual ao que ela deu a Mel.
— Prazer, senhora Boaventura.
— Prazer. – Foi o que consegui falar.
Apertei a mão do outro.
— Muito prazer, Ramon. – falei.
— Muito prazer, senhora Boaventura.
— Bem então falarei o que quero e o que não quero. – Sophia continuou sua explanação. – Quero que os carros que nos acompanhem, sejam carros normais, sem esta coisa de carros 4×4 pretos e andando colados nas nossas traseiras. Não quero que os guarda-costas fiquem colados em nós e muito menos que usem roupas que os denunciem como nossos guarda-costas. Quero que utilizem roupas do seu dia-a-dia… roupas diárias de sua vida pessoal. Não quero sair na rua e que as pessoas olhem por estarmos acompanhados de guarda-costas. Discrição e privacidade. Isto é o que eu quero.
— Certo. Já entendi seu ponto de vista, mas algumas coisas nós iremos interferir.
— Como, por exemplo?
— Em todos os carros de vocês, serão colocados localizadores e GPS.
— Não é a mesma coisa?
— Não. O localizador é um equipamento de curta distância e que tem um sinal direto para um receptor que ficará com nossos seguranças. GPS depende de sinal de satélite e posso vê-lo em qualquer lugar do planeta, desde que o lugar que esteja, tenha sinal. Como vê mesmo na mais alta tecnologia, nós também temos falhas. Utilizamos os dois para aumentar a segurança no rastreamento. É o que chamamos de redundância do sistema. Também terão instalados em seus celulares um aplicativo desenvolvido para nossa empresa que permite este mesmo rastreamento e…
— Para! Para! Você tá querendo dizer que se estiver no banheiro todo mundo vai estar ciente, é isso?
— Sophia. – A interrompi, antes que desandasse a negociação. – Eu acho que se você estiver dentro do escritório da Grasoil ou em casa eles não ficarão preocupados em ver todo o seu deslocamento.
Azeredo me sorriu e conseguiu continuar a sua explanação.
— Todos os seguranças utilizam pontos auriculares e hoje em dia são bem discretos e transmitidos por wireless. Não fica aparente. – ele apontou para os dois seguranças. – Você consegue ver algo neles se não reparar direito?
— Realmente não.
— Desta forma eles se comunicam e existem outros acessórios que fazem parte, mas não são tão importantes para vocês.
— Como assim?
— Bem, nosso valor não é barato, isto porque utilizamos acessórios que também não são baratos para dar mais tranquilidade e permitir esta discrição.
Bom, gente. Resumindo a conversa, eles preparariam tudo. Teríamos quatro equipes de seguranças revezando vinte quatro horas e supostamente nem os perceberíamos. A tal da Walda era a responsável técnica pelos seguranças, mas ela fazia também parte da equipe. Enfim, todas nós estaríamos com “sombras”. Fazer o quê?!
…………………
Mais uma semana se passou e a Lucy recebeu alta, porém teria que ficar de repouso se recuperando. Mel resolveu trazê-la para a casa. Não queria deixa-la sozinha. Um dia cheguei e quando coloquei a bolsa em cima do buffet da sala, vi que as duas estavam na varanda. Não fiz barulho, pois a cena que observei era tão terna que fiquei ali, parada no meio da sala, observando embevecida.
A Lucy tinha acabado de se deitar amparada pela Mel, em uma “chaise” no estilo de uma espreguiçadeira. Mel pegou uma manta e cobriu-a. Depois deu um beijo no rosto e sentou-se ao lado, se encolhendo, para não espremer a Lucy.
“Vem aqui para baixo”. A Lucy falou abrindo a manta para Mel se ajeitar. “Não quero te machucar”, disse Mel para Lucy. “Não vai me machucar. Quero você juntinho de mim, vem”
Senti braços me envolvendo por trás carinhosamente e uma voz gostosa sussurrando em meu ouvido.
— Você chegou e ficou parada aqui por quê?
Envolvi meus braços sobre os de Sophia e me recostei em seu corpo.
— Só estava observando as duas.
Sophia olhou na direção delas e apoiou o queixo em meu ombro.
— Mel cada dia me surpreende mais. Ela está gostando mesmo da Lucy, não é?
Olhei para o lado para ver a expressão do rosto da minha “ave de rapina”.
— O que foi? – Ela me perguntou.
— Sua filha está crescida, Sophia. Está com medo que ela queira encarar um relacionamento muito sério com a Lucy?
Sophia elevou uma sobrancelha e perguntou.
— O que você chama de relacionamento muito sério? Estou com medo dela querer viver longe de mim…
Eu sorri.
— É isso que eu chamo de relacionamento muito sério.
Desvencilhei-me dos braços de Sophia, voltando-me para ela, a abraçando e colocando seu cabelo que caía por seu rosto para trás da orelha.
— Sophia, a Mel é uma menina meiga, ajuizada e segura em suas convicções. Uma hora ela pode decidir isso sim, mas ela não é mais uma criança. Você a criou com valores bons. Ela vai ficar bem, se assim o decidir. Se acaso amanhã ou depois não der certo, pode ter certeza que ela virá até você, vocês sempre foram cumplices e isso não irá mudar.
— Mas ela ainda nem terminou a faculdade, Cléo.
— Você ainda nem tinha realmente ingressado na faculdade quando se casou.
— Era diferente…
— Muito pelo contrário, você tomou decisões por conta da sua vida com a sua mãe. Ela toma decisões sem pressões e isso é bom.
— Ok. Ok! Já entendi seu ponto, mas ela é minha filha e é única. Posso me preocupar um pouquinho?
Eu sorri e a beijei suavemente.
— Sim. Pode, mas não se oprima só isso.
Falei entre nossos lábios e a beijei novamente estreitando-a em meus braços.
— Mãe?
Separamo-nos e olhamos para a varanda.
— Oi, filha! Tudo bem Lucy?
— Tudo.
— Tudo, mãe. A Luiza fez um ótimo jantar. Já comemos, pois a Lucy tinha que tomar uns remédios e não pode tomar de estômago vazio, mas ela disse que era só chama-la que ela colocaria a mesa para vocês.
— Não precisa. Eu esquento e se sua mãe não se incomodar, comemos na cozinha.
— Então faremos o seguinte. Você esquenta a comida e eu preparo aquela mesa da varanda para comermos ali. Aceita?
Olhei a mesa da varanda próximo onde Mel e Lucy estavam sentadas. Apesar de ser inverno, a noite não estava muito fria e não havia vento. Percebi que minha “Olhar de Falcão” queria ficar perto da cria, pois ela estava com um olhar “pidão” do cacete.
— Tudo bem. Então vou esquentar a comida enquanto você faz a mesa.
Quando retornei da cozinha com nossos pratos preparados, a mesa estava posta com os talheres, uma garrafa de vinho aberta, taças e dois candelabros com velas acesas.
— Uau! Acho que sua mãe andou enganando a você e a mim, Mel.
Mel e Lucy riram.
— Não. Ela não é uma conquistadora, Cléo. Minha mãe só é uma romântica apaixonada!
— Ei! Vocês duas estão começando a exceder!
— Está vendo, Mel? Isso que eu digo que é uma forma elegante de chamar a nossa atenção e dizer “vão tomar banho vocês duas”.
Todas nós rimos.
— Sim, minha mãe é uma romântica apaixonada e elegante!
— Vão “tomar banho” vocês duas!
Neste momento gargalhamos e Lucy se espremeu sentindo dor. Marcos havia dado um tiro no peito que o colete segurou em parte, por pouco não causa uma hemorragia interna, mas fraturou uma costela e o segundo foi na perna causando a hemorragia que a levou ao estado crítico.
— Vocês querem parar de me fazer rir! Essa droga ainda dói.
Pousei os pratos sobre a mesa, segurei o rosto de Sophia e a beijei. Sophia riu e pegou as taças, me entregando uma.
— Está preparada para ir a Oslo no final de semana?
— O que?
Sophia bateu de leve com a sua taça na minha e bebeu um pouco de seu conteúdo. Olhando-me de lado sentou-se à mesa.
— Segunda-feira que vem devo estar em Oslo para tomar posse no conselho e o retorno à direção da Grasoil Brasil. Gostaria que estivesse lá. Afinal, meu divórcio sai esta semana e você estará lá como minha noiva oficialmente.
Às vezes eu acho que Sophia deixa propositalmente assuntos impactantes para jogá-los de forma a sacanear quem a sacaneou anteriormente. Bom, pelo menos ela sempre faz isso comigo, só que agora ela teria uma notícia impactante também. Gostaria de ter uma forma melhor de falar, mas sobre este assunto não teria outro jeito.
— Ótimo. Estarei lá com muito prazer.
Peguei a minha taça e toquei a dela com a minha, bebendo logo a seguir um pouco do vinho.
— Até por que, teremos que ir a São Paulo ver seus pais na outra semana. Sua mãe ligou para o meu escritório hoje e eu a atendi. Você não a atende e pelo que me consta, todos sabem que estamos juntas. Você não fez disso um segredo depois do que houve e ela teve meios para me encontrar.
O semblante de Sophia endureceu e percebi que a coisa ia começar a esquentar.
— O QUE?
Sophia quase engasgou com o vinho e se a situação não fosse tensa, eu até riria, mas a mãe dela realmente é intragável e tive a oportunidade única de escutar com meus próprios ouvidos.
— Não acredito que ela fez isso!
Sophia se levantou em uma postura de revolta se apoiando sobre o guarda-corpo da varanda olhando o mar.
— Calma, Sophia. Acho que ela não conseguiu “se criar” comigo.
Toquei seu braço para tentar acalmá-la.
— O que vovó queria com você?
— Sophia senta. Vamos jantar e eu conto a vocês.
— Perdi a fome.
Abracei-a por trás e puxei-a para se virar de frente para mim.
— Venha. Não quero estragar a noite por conta da sua mãe. Lidei bem com ela. Só acho que ela vai me odiar um pouco mais depois de hoje.
Sophia estreitou os olhos. Olhou-me durante um tempo e começou a sorrir.
— O que você falou para ela?
Eu e Sophia já conseguíamos nos perceber melhor. Ela sabia que eu não era de meias-palavras. Muitas vezes minha personalidade e algumas atitudes podiam levar uma pessoa a, erroneamente, me ver como alguém delicada, mas eu costumava dizer que era uma pessoa assertiva e isso Sophia já havia visto em mim. Aliás, ela já havia visto em mim desde o primeiro dia que nos conhecemos e ela, mais tarde, me falou que amou a minha atitude de enfrentamento naquela sala da Grasoil.
— Bom. Vocês querem que eu enfeite ou querem exatamente como ocorreu?
— Como ocorreu!
As três falaram ao mesmo tempo. Até Lucy! Eu comecei a rir.
Ok! Então vamos lá.
…………..
Atendi uma ligação de minha secretária para minha sala.
— Dona Cléo, “uma tal” de Arminda Vasto Arqueiro está ao telefone e insiste em falar com a senhora. Pedi para me dizer de onde ela era, mas ela não quis dizer e foi bem ríspida. Disse que a senhora saberia e que não era de meu interesse. Presumo que pelo sobrenome, seja alguém ligado a dona Sophia.
Eu inspirei fundo e prendi minha respiração. Aquilo me pegou desprevenida e acredito que Renata tenha pressentido pelo que falou logo em seguida.
— Se a senhora quiser eu a dispenso. Não seria de todo mal só pela arrogância da criatura.
Relaxei um pouco e sorri com a minha secretária. Ela era costumeiramente educada, mas não deixava passar quando uma pessoa era mal educada com ela.
— Pode passar a ligação, Renata. Vamos ver o que a “Senhora Arminda Vasto Arqueiro” quer comigo.
Minha secretária riu com a voz de deboche que fiz ao pronunciar o nome da minha futura sogrinha.
— Alô?
— Quanto você quer para deixar a minha filha em paz?
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E este foi o início da minha conversa com minha sogra, galera. O que vocês falariam para um ser como este?