Diferentes?

Capítulo 35 — Caleidoscópio

…Quando estouraram o cativeiro, Marcos percebeu a invasão, mas se encontrava longe da menina que havia capturado. Não teve tempo de buscar a garota para usá-la como escudo e adotou uma ação ousada que foi ir de encontro aos invasores, no caso, os policiais. Escondeu-se atrás de uma porta e reconheceu Lucy como a parceira de Beth. A ira o tomou e covardemente atirou nela escondido pela penumbra do portal, pegando-a desprevenida. Tudo que fez foi apenas para chamar a atenção dos outros policiais para aquele cômodo. Em seguida, atravessou-o correndo, contando que a polícia retardasse a ação ao ver a policial caída.  Deu uma ligeira parada e pegou a arma de Lucy ao lado de seu corpo jogando a sua de calibre menor sobre ela. Pulou logo em seguida, a janela do cômodo escapando da ação policial. Apesar de a rua estar cercada, ele pulava o muro entre as casas despistando assim os policiais, até conseguir ganhar terreno para fora daquela comunidade.

Ele pensou certo. Quando Beth viu Lucy caída, parou sobre seu corpo tentando ver onde a companheira havia sido atingida. Marcos havia atirado no seu peito, mas o colete a protegera. No entanto, o impacto a derrubou e ele deu o segundo tiro na perna atingindo uma artéria fazendo Lucy perder muito sangue. Beth percebeu que a companheira estava morrendo com a hemorragia. E para sorte de Lucy, a policial fez um torniquete com pedaços de lençóis que havia sobre um sofá velho. Pela atitude pensada rapidamente de sua companheira de trabalho, Lucy se salvou da morte por pouco.

— Vamos Lucy, você consegue! – sussurrou. — ALGUEM ME AJUDA A LEVÁ-LA AO HOSPITAL?! – Gritou para que seus colegas ajudassem a carrega-la para seu carro.

Enquanto levava Lucy para o hospital, Beth tentou me ligar várias vezes sem sucesso, para me avisar sobre Marcos e sua fuga. Ela achava que ele podia tomar uma medida desesperada e… ela estava certa. Lembram que eu estava com Sophia ao telefone? Pois é, quando eu retornava a ligação, era ela que estava com o celular ocupado atendendo algum colega policial que ligava para passarem as suas coordenadas e avisar de suas ações na perseguição. O resto da história vocês sabem.

……………….

Tínhamos voltado para a casa em Itacoatiara. Eu dormi a tarde toda e levantei à noite só para comer. Retornei ao quarto e dormi novamente acordando no dia seguinte para o café. Sophia estava extremamente cuidadosa e eu, cansada de tudo que nos aconteceu ao longo deste tempo. Acho que por isso me permiti dormir tanto. Voltei para o quarto após o café expulsa por minha noiva que me levou mais tarde o almoço na cama. Ela me fez deitar novamente com seu jeitinho mandona de ser. Já não aguentava mais ficar deitada e afinal de contas, eu não estava em estado terminal, não é verdade? Levantei, tomei um banho e coloquei um vestido leve. Fui andando pela casa e achei Sophia no escritório. Ela estava sentada à frente do laptop, acredito que para ver seus e-mails e olhar o que estava acontecendo. Eu havia chegado de mansinho e fiquei parada durante um tempo escorada na porta. Olhei-a durante alguns minutos sem que ela percebesse a minha presença. Cada vez que eu tinha a oportunidade de olha-la sem que ela me visse, eu a contemplava. Reparava em todos os seus traços, seu rosto, a forma de se portar, de sentar, seus gestos. E cada vez que o fazia, me impressionava mais o magnetismo que ela emanava. Ela levantou seu olhar para mim.

— Ei! – Ela falou.

Ficamos nos encarando durante um tempo com um leve sorriso em nossos rostos. Sophia colocou um cotovelo sobre a mesa e apoiou seu queixo sobre a mão. Abriu mais o sorriso e perguntou:

— Há quanto tempo está aí?

Olhei para baixo desviando meu olhar. Havia momentos, em que ela ainda me deixava tímida, principalmente quando me inquiria sobre observá-la.

— Algum tempo…

Falei um pouco sem graça e ela sorriu mais aberto.

— Não acha que devia estar descansando?

— Eu fiquei na cama ontem o dia todo e hoje também. Se eu descansar mais, você terá uma noiva cheia de escaras de tanto tempo que fico deitada.

Ela riu com gosto. Afastou-se da mesa rolando a cadeira para trás e estendeu sua mão.

— Que exagerada! Vem aqui comigo.

Caminhei até ela e segurei sua mão. Ela me puxou delicadamente me direcionando para sentar em seu colo.

— Que atitude masculina, Dona Sophia! – Meu tom era de falsa reprovação. — Puxar a noiva para sentar em seu colo enquanto está trabalhando?!

Estreitei os olhos fazendo carinha de indignação. Ela passou suas mãos pela minha cintura me puxando mais para si e com um largo sorriso.

— Mmmm… até que é um fetiche interessante. Você sendo minha secretária e me seduzindo…

Não consegui segurar o riso.

— Como você está safada! Será que eu tenho que me preocupar com a Rosalina?

Virei-me para ela, passei meus braços sobre seus ombros e alojei minhas mãos em sua nuca a acariciando.

— Com Rosalina? Acredito que não. Uma mulher que trabalha há quatorze anos comigo, casada, três filhos e cinco netos. Você acha que eu tenho alguma chance com ela?

Comecei a rir aproximando meu rosto do dela.

— Acho que ela não daria bola para você.

Beijei-a rapidamente e me afastei para olhar seu rosto. Ela me olhou com uma expressão divertida. Elevou sua mão e começou a acariciar minha face com a ponta dos dedos. Sua expressão começou a fechar e seu olhar vagueou pelo meu corte no supercílio. Seus olhos assumiam, neste momento, um tom de tristeza.

— Pedirei novamente para Beth o telefone daquela agência de segurança.

Eu sabia que ela estava se culpando pelo que ocorreu. Para ela, o fato de ser rica, havia detonado esta série de acontecimentos como o sequestro dela e depois o meu rapto pelo Marcos. Pousei dois dedos sobre seus lábios.

— Shiii. Vai fazer isto por que é necessário, mas você não tem culpa pela tirania ou ganância dos outros.

Ela beijou meus dedos cerrando seus olhos. Abriu-os devagar e me encarou. Levou sua mão até minha nuca puxando-me para um beijo suave e terno.

Afastamo-nos e continuamos nos encarando de perto.

— Você tem dimensão do que eu sinto por você, Cléo?

Acariciei seus cabelos.

— Se for metade do que sinto por você, já está bom demais para mim.

Ela aproximou seus lábios e sussurrou.

— Então acredito que sentimos na mesma proporção, pois o que trago dentro do meu peito é algo muito, muito grande.

Beijou-me suave com tanto carinho que me senti plena. Intensifiquei nosso beijo, pois eu estava com muita saudade do amor dela. Nosso desejo foi aumentando aos poucos, alimentado por uma vontade de demonstrar, tão somente, o amor que sentíamos. A emoção crescia devagar na medida em que nos sentíamos. Começamos a nos acariciar delicadamente. Rosto… costas… dorso… Paramos de nos beijar na busca por ar. Apoiei minha testa na dela.

— Faz amor comigo, Sophia…

Meu tom era de súplica.

— Cléo, você está…

A frase dela morreu no meu beijo.

Pressionei meus lábios e invadi sua boca buscando seu sabor e tragando-o para mim.

— Faz amor comigo.

Falei com meus lábios preenchidos pelos dela. Peguei sua mão e conduzi por baixo de meu vestido alojando-a sobre meu sexo por cima de minha calcinha. Apertei minha mão sobre a dela para sentir seu toque poderoso.

— Ahhh… Cléo não faz assim… você ainda está…

Ela resistia torpemente, mas não lhe dei chance. Segurei sua mão com força e a conduzi por dentro de minha calcinha para mostrar o quanto eu queria. Eu vertia meu líquido abundante e a fiz sentir meu desejo. Sua resistência caiu e apertou seus dedos em minha vulva molhada. Gemi alto.

— AHHHH! ISSSSSS. Delícia… Isso Sophia! Não segura a sua vontade, vai! Entra em mim!

Falava colada a sua boca. Em momento nenhum afastei meus lábios dos dela. Sentava de lado em seu colo e coloquei uma de minhas pernas sobre o braço da cadeira deixando a outra pendente para me abrir mais.

— Coloca vai…

— Cléo… Por favor…

Ela ofegava e resvalava seus dedos sobre meu núcleo enrijecido e minhas dobras.

— Uhumm… Você não pode ainda. O médico disse…

Calei-a novamente com um beijo lascivo. Minha pelve começava a ter vida própria. Movia-a em direção aos seus dedos e retornava a seu colo pressionando meus glúteos contra seu sexo. Perdi completamente a minha delicadeza para falar. Eu queria desesperadamente ela dentro de mim.

— Entra Sophia… Bota gostoso. – Falei com desespero na voz.

–Uhuummm!

Sophia gemeu alto ao mesmo tempo em que resvalou dois dedos para o interior de minha cavidade.

— Cléo… Cléo…

Ela falava aflita e cada vez que escutava sua voz rouca e vibrante eu sentia crescer uma vontade louca de que ela estivesse mais e mais em mim.

— Põe mais um! Mais um, Sophia!

Falava angustiada movendo mais forte meu sexo de encontro a sua mão. Não houve mais hesitação. Senti que era preenchida plena! Forte! Deliciosamente amada. Seus dedos moviam deslizando para meu interior e retornando na perfeita sincronia do ritmo de meus quadris. Meu orgasmo chegou e eu estremeci, mas ela parecia querer me ver atingir o cume do monte mais alto da terra. Diminuiu o movimento sem se retirar de mim. Eu estava fraca, mas meus tremores continuavam. Ela continuou movendo bem de vagar como um acariciar lento… bem lento.

Não conseguia pedir para ela parar, mesmo em minha agonia do orgasmo ela aumentou o ritmo do movimento de seus dedos dando ênfase a um ponto rugoso na parte superior de minha parede. Novamente minhas entranhas contraiam subindo em um vórtice de excitação insano.

— Vem para mim, Cléo… “Me deixa”… ver… você gozando de novo! Vai…

A voz, o tom, o toque… Não pensava mais. Só a sentia dentro… em torno de mim. A chama continuava a arder e eu vim à tona novamente sacodindo em seus braços impulsivamente alienada. Desprendida de qualquer razão.

Ela acariciava meu rosto e mesmo de olhos fechados eu percebia seu olhar. “Meu olhar de falcão”.

— Oi.

Ela falou baixo me olhando de forma contemplativa como sempre… e sempre.

— Oi.

Falei débil e chocada com o que percebi de mim em seus braços.

— Você é maluquinha, sabia?

Sorri.

— E você é algo ou alguém que não existe, sabia? Sempre que faz amor comigo penso isso. Penso que eu me… me contentava com tão pouco… ou melhor, não tinha nada.

Apenas sorriu. Não um sorriso qualquer. Um sorriso de propriedade, mas não aquele de possuir. Aquele de conquistar ou unicamente de dizer: “sou para você”.

— Você deveria me compensar agora. Estou, que não me aguento!

Afirmava sem insegurança e não era um pedido. Era uma questão de amor.

— Vou compensar. – Sorri. — Só me dá um tempinho. Dessa vez me dei mal. Não consigo nem levantar a sobrancelha…

Ela gargalhou e beijou minha testa.

— Pode deixar. Eu sou paciente… Mas não abusa!

Abri apenas um olho para observa-la, mas sorri com jeito sacana.

— Quer dizer que quando me recuperar eu não posso abusar de você?

— O que? Lógico que pode!

Falou apressada. Rimos juntas da sua fala desesperada.

— Tenho uma exigência a fazer para poder abusar de você. — Falei.

— Ih! Lá vem bomba! Ultimamente você tem feito muitas exigências. – Sua falsa indisposição me divertia.

— Eu? Que mentira!

— Mentira é?

— É sim! Vou provar a você que tudo que eu faço tem um propósito.

— E qual é esse propósito?

— Apenas te amar…

Ela me olhou embevecida. Sua face tinha uma aparência entre assustada e extasiada com as minhas palavras. Estreitou suas sobrancelhas sem conseguir nada falar.

— Não sabia disso?

Falei abjurando minha crença do meu passado. Mais uma vez ela me olhava impressionada sem nada conseguir dizer. Eu ri alto!

— Não sou uma lunática obsessiva, Sophia! – Ri novamente. – Não quero te perseguir ou sou psicopata desvairada. Apenas te amo e esse amor não é doente. Se você não correspondesse, não iria te perseguir e fazer disso meu objetivo de vida…

— Desculpa, mas quando me falou que seu propósito era me…

— E é. – Afirmei. – Não quero fazer da minha vida a sua, mas eu quero te amar, pois te amar me faz bem. E é só. Se você não me amasse, ficaria arrasada. Possivelmente ficaria para baixo, mas não cortaria meus pulsos. Amo minha vida. – Sorri. – Mas eu te amo muito e isso é um fato.

Ela envolveu minha cintura e beijou longamente

— Você é simplesmente… – Ela inspirou fechando seus olhos. — única.

Eu saí de seu colo e me coloquei de frente para ela. Olhei-a com intensidade e um sorriso sacana. Agachei de vagar ficando de frente a ela e afastando suas pernas me posicionando entre elas. Comecei a abrir os botões de sua calça. Sophia olhava diretamente sem desviar seus olhos, começando a arfar na antecipação do que faria.

— Isso se encaixa na sua ideia de fetiche?

Inqueri sorrindo.

— Completamente…

Puxei mais sua calça para descortinar seu prazer. Dei vários beijos ao longo de sua coxa sem desviar meu olhar dos dela. Observei por minha visão periférica que ela começava a aferrar seus dedos no braço da cadeira.

 Eu apenas a amo e ela a mim. Não há segredos. Não há mistérios. Só um sentimento indizível. O sexo? O sexo é muito e não o “tudo”. Este era o meu pensamento naquele momento.

Beijei ao longo de sua virilha e deparei com seu clitóris e sua fenda que cintilava pelo liquido que vertia de seu sexo. Passei a língua nos meus lábios e degluti a saliva que se formara em minha boca diante desta bela visão. Ela arfava vendo-me ajoelhada entre suas pernas.

— Cléo, não me tortura…

Abaixei devagar minha cabeça até chegar ao meu objetivo. Resvalei minha língua ao longo de toda sua abertura brincando com suas dobras. Seu arfar transformou em gemido e eu me empenhei para ser presenteada com muito mais sons deliciosos como aquele, e, que sempre me deixavam extasiada. Dediquei-me a brincar com seu bulbo e pressionei sua entrada com meu dedo, mas sem penetrá-la.

— Ahh! Cléo… não brinca…

— Não tá gostando?

Falei retornando rápido para a tarefa de atormentá-la com a minha língua e meus dedos. Ela afastou mais as pernas e começou a forçar seu quadril de encontro a minha boca. Que delícia!

— Cléo… por favor… Ahh!

— Fala para mim o que quer.

Estimulei-a falar, porém ela em seu desespero simplesmente tomou para si o ato de conduzir seu desejo. Segurou a minha cabeça forçando minha boca de encontro ao seu núcleo.

— Forte, Cléo… forte… assim! Uhmmm!

O movimento de sua pelve denunciava que seu orgasmo estava muito próximo e reduzi a velocidade de meus movimentos.

— Não, Cléo! Não faz assim… Mais forte!

 Voltei a movimentar a minha língua rápido e forte, e, introduzi meu dedo em sua cavidade friccionando mais seu bulbo. Ela aferrou suas mãos em meus cabelos e seus quadris movimentaram vigorosamente.

— Ahhhhh! Ahhhhh!

Elevou uma de suas pernas passando por cima de meu ombro facilitando mais ainda o contato de minha língua com a sua vulva e de meu dedo em seu interior

— Agora, Cléo! Mais rápido! Uhmmmmm!

Ela gozou lindamente e seus movimentos foram serenando. Percebi que ela soltava seu corpo relaxadamente na cadeira e quando me afastei para levantar e abraça-la, ela me puxou para beijar-me antes que pudesse retirar seu líquido de meus lábios. Seu beijo era guloso… gostoso.

Quando nos apartamos a abracei forte! A emoção que sentia era imensa. Ela retribuiu meu abraço, mas percebi que estava sem forças. Ajudei-a se vestir e algum tempo se passou até que se refez e falou.

— Você não fez exigência nenhum.

— Mmm? Não entendi.

— Você disse que tinha uma exigência antes de abusar de mim. Você não fez. – falou sorrindo.

Eu estava novamente sentada em seu colo e estávamos abraçadas. “Me toquei” que ia fazer um pedido para ela e desliguei completamente no momento em que começamos a fazer amor. Ela tinha uma memória incrível. Nada passava despercebido.

— Já saquei que nessa questão vou me dar mal com você. Não esquece nada não?

— Algumas coisas sim, mas digamos que tenho memória seletiva e você está na caixinha de prioridades dentro do meu cérebro.

— OK.           “Me ferrei” então… – sorri.

— Acho que não. Gostaria de pensar que é uma coisa boa.

Ela também sorria com a nossa brincadeira.

— Devo entender que por ter abusado de você antes, não vai querer atender o meu pedido.

— Mmm… Interessante. Agora é um pedido e não uma exigência.

Empurrei seu ombro rindo. Ela estava a fim de mexer mesmo comigo.

— O que é Cléo? Você tá querendo me enrolar e isso quer dizer que não é um pedido fácil, não é?

— Para mim o pedido é fácil, mas não sei se para você é. Eu queria pedir para você parar de evitar seus pais… sua mãe na verdade. Uma hora a gente vai ter que encarar isso e com sinceridade, estou disposta a deixar minha vida zerada de pendências antes de nos casarmos.

Ela se remexeu na cadeira. Gosha! Sabia que ela estava empurrando este encontro.

— Minha mãe não é uma pessoa fácil, Cléo. Se eu for encarar minha mãe, talvez pela primeira vez na vida, ela perca as estribeiras e se ela te ofender, acho que dessa vez o “caldo entorna”.

— Sophia, uma hora vai ter que acontecer.

— Ok! Mas gostaria que não fosse antes do conselho da Grasoil se pronunciar. Esta semana eles devem deliberar sobre o meu retorno.

— Ei, é verdade! Você ainda não me contou o que aconteceu lá.

— Você saiu ontem do hospital e não queria te deixar excitada com estes acontecimentos.

— Mas agora pode me contar e você pode me excitar à hora que quiser.

Fiz uma cara de safada só para mexer com ela do trocadilho que fiz.

Ela balançou a cabeça em negativa com um leve sorriso.

— Bem, assim que cheguei fui direto para a reunião. O voo atrasou um pouco e não tive tempo de mais nada. A reunião demorou mais ou menos umas cinco horas e eles gostariam que eu retornasse, mas não sabiam exatamente como. No início, nada foi falado sobre as repercussões da minha saída, apenas diziam que foi um equívoco que cometeram ao aceitarem esta situação. É aquela coisa “babaca” de não quererem dar munição…

Ela deu uma pausa, acredito que refletindo sobre o que foi falado. Eu sorri a sua observação. Sophia relaxava mais quando falava comigo na intimidade e começava a utilizava uma linguagem mais coloquial.

— Desta vez, não fui impositiva como costumo me portar.

Pronto. Voltou ao “modo Sophia” de falar. Tudo bem, estas coisas não mudam do dia para a noite, não é mesmo?

— E por quê?

— Por quê? Simplesmente porque eles é que teriam que pedir e não eu. Se eu me impusesse, mais lá para frente algo acontecendo, diriam que eu os empurrei para a decisão.

— Entendo.

— Bom, como não saíamos do lugar, eles querendo que eu me colocasse e eu querendo que eles se colocassem, uma hora, o conselheiro que mais apoiava o meu retorno, começou a soltar. Aí sim começamos a negociar. De verdade, eles e eu mesma, ficamos um pouco surpresos e abalados com o que houve em relação à repercussão de minha saída. Não esperavam toda esta negativa e muito menos eu. É um mundo extremamente machista até mesmo para se negociar em países cuja cultura é baseada na religião. De qualquer forma, este nunca foi o meu papel diretamente na empresa. Outros diretores da matriz o fazem.

— Então convidaram você a retornar para a Grasoil Brasil?

Ela sorriu ironicamente.

— Nãaao.

— Não?!

— Não. Primeiramente me convidaram a compor uma cadeira do conselho.

— Sophia isso é maravilhos… – Me toquei do que ela estava falando e rapidamente não achei tão maravilhoso assim. – Você vai ter que se mudar para Oslo?

Ela me deu um beijo rápido, rindo da minha cara.

— Você não se mudaria comigo?

Ela continuava sorrindo. Eu gelei.

— Sophia… eu… eu tenho que pensar sobre isso. Veja bem, eu tenho uma empresa e…

Ela gargalhou na minha cara. Pode isso gente?!

— Shiii. – Pousou dois dedos sobre meus lábios. – Eu não faria isto com você, Cléo.

Gente! Ela tinha me assustado como o raio, essa “sem vergonha”. Esse humor negro dela ainda me mataria um dia!

— “Cê” anda tão engraçadinha, Sophia.

  Ela me beijou e riu novamente.

— Não vou precisar ficar lá, pois este foi o momento de fazer minhas imposições. Aceitei a cadeira no conselho, e, logo depois de votado pelo próprio conselho e sacramentado a minha inclusão, eu fiz a minha primeira pauta de votação me colocando para retornar à Direção da Grasoil Brasil. Meu discurso para o retorno foi de que, não havia necessidade de modificar a gestão da Grasoil Brasil, já que os números de nossa sucursal demostram aumento crescente na produção nos últimos anos. — Ela sorriu novamente e de forma sombria. — O Sr. Gunda é que ficou possesso. Ele chegou atrasado, pois saiu daqui, naquele dia mesmo da reunião com você, mas pegou um voo convencional.

— Você não é fácil Srª “Ave de Rapina”.

— Lá vem você com seus apelidos…

— Apelidos muito apropriados e fofos, por sinal. Mas continua, vai. “Me conta” tudo!

— Bom, Ele estava como interino e lógico que colocou sobre a pauta a sua disposição de permanecer, mas…

— Mmm.

— Mas parece que essas semanas que ele está na direção, não tem tido uma boa aceitação. No meio tempo entre seu voo e sua chegada lá, parece que saiu daqui um gráfico da área da qualidade com os últimos números sobre o nível de aprovação da gestão, ou melhor, direção geral e pelo visto, o gráfico despencou comparado aos últimos seis meses…

Ela estreitou os olhos e sorriu ironicamente.

— Dagoberto… – Sussurrei.

— Não. Dagoberto é só o porta voz por ser o gerente de qualidade.

— Ah “Para”, Sophia! Comigo não precisa desse “dixavar” todo, não é?

— Não estou “dixavando”… – Ela gargalhou.

Ela puxou a cadeira para perto da mesa. Ainda rodeando minha cintura abriu o editor de texto e escreveu.

“Nunca verbalize, mesmo que esteja sozinha, o que não queira que ouçam. Este é o mundo corporativo de alto escalão. Nunca sabemos se estamos realmente sós. É assim que é”.

Olhei para ela espantada. E digitei em baixo.

“Acha que poderiam te vigiar? Quem? Gunda?”

Ela me respondeu da mesma forma.

“Não é que eu ache, mas pode acontecer. Não só Gunda, mas qualquer um que se privilegie com informações.”

Escrevi novamente.

“Acho que não gostei disso! Não quero pensar que existe um “olho mágico” sobre a minha vida”!

Ela riu alto e com gosto e retrucou escrevendo também.

“Esqueça isto. Aprendi com experiências, vendo outras pessoas se darem mal por terem sua língua afiada e falarem mais do que deviam. Apenas não gosto de falar sobre determinadas coisas relacionadas ao que faço. Só isso.”

Ela fechou o editor de texto e quando ele perguntou “salvar alterações” ela clicou no ícone “não” e disse em voz alta.

— Claro que não.

Depois disse.

— Não fique impressionada. O que ocorre é que, algumas coisas nunca devem ser ditas em voz alta e muito menos ter evidências. Sem nomes de pessoas e muito menos atribuir ações.

— Mm. Mas continuo sem gostar disso.

— Cléo, eu pretendo trazer o mínimo possível da minha vida profissional para dentro da nossa vida.

— O que me leva a nossa DR antes de seu embarque para Oslo. Aquela que nos falamos por telefone quando eu tive a reunião com Gunda e você…

— Já me desculpei com você.

— Mas não faça mais aquilo.

— Não farei, mas é que nossas vidas profissionais se interligaram e…

— Não é desculpa para sua falta de confiança em mim e muito menos se meter sem me comunicar. Está ficando pior a sua explicação, Sophia!

— Ok. Já parei. Não faço mais aquilo, eu prometo!

— Ótimo! Estamos conversadas então.

Falei incisiva e com cara de brava. Sophia me olhou com aquele sorriso safado. Que raiva quando fazia isso! Ela era bem debochada nesta hora.  O problema é que, como eu já falei antes, eu amava esse sorriso e me desmanchava toda. E o outro problema é que eu tinha certeza que ela sabia disso. Ô raiva dupla! Então, eu resolvi botar para fora da forma mais sacana.

— Pois então, quando deliberarão sobre a pauta apresentada por você e contestada pelo Gunda?

— Amanhã.

— Se aceito pelo conselho, quando retornará à Grasoil?

— Semana que vem provavelmente, e, deverei ir a Oslo para empossar.

— Ok. Então daqui a duas semanas iremos para São Paulo fazer uma visita a seus pais.

A minha “Olhar de Falcão” ficou mais branca que papel virgem. Vocês estão achando maldade a minha? Claro que não. Ela é “safa” e esperta e se eu não imprensar na parede, ela não vai lidar com a mãe dela e escapa pela tangente. O caso não é a minha raiva, mas eu tenho que fazê-la encarar, pois agora é minha vida também! Nunca fui casada, mas meu entendimento é que as coisas devem ser compartilhadas, não divididas. Se eu não gosto, eu falo, se ela não gosta ela fala. Se nenhuma das duas concordar, nós teremos que achar um ponto de consenso. Será que eu estou errada de pensar assim?

— Cléo… posso responder depois?

Seus olhos demonstravam certo receio, dúvida mesmo. Não quis forçar, mas depois eu voltaria no assunto. Beijei seus lábios com carinho e sorri.

— Claro, mas pense nessa possibilidade. Uma hora vai acontecer, não é?

Olhei-a diretamente transmitindo que não era um ponto de desavença na relação e sim, apenas uma coisa a mais a se resolver.

— Agora vou para a cama descansar. O médico mandou não fazer esforços.

Eu sorri e ela balançou novamente a sua cabeça em negativa e sorriu. Levantei e caminhei até a porta, mas me deu uma agonia em deixa-la com seus pensamentos depois que a pressionei.

— Não quer vir descansar comigo?

Ela levantou e caminhou até mim pegando minha mão.

— Quero.



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