Diferentes?

Capítulo 29 – Sol de Primavera

Meu retorno foi rápido. Cheguei ao Rio à noitinha, ansiosa por notícias de Sophia. Não fui para casa, pois Bartolomeu disse para deixar passar pelo menos duas semanas até voltar a minha rotina. Ele mais uma vez foi solícito e me levou do aeroporto para uma casa alugada em Niterói, mais precisamente em Itacoatiara. O lugar não era um condomínio, mas como a Urca, só tinha uma via de entrada e o bom é que tinha o mar perto. As casas tinham jardim e não eram coladas umas nas outras, o que dava certa privacidade. Estava cansada de tudo… Dei-me conta do quanto eu amava esta mulher, pois a minha vida tinha virado do avesso e eu só pensava nela. A falta dela a meu lado me deixava com a sensação de sufocamento.

— Aqui estamos. Não fique chateada, Cléo. Isso vai passar mais rápido do que imagina.

— Assim espero Bartolomeu. Estou me sentindo nômade. Você trouxe as malas que Donna fez para mim?

— Trouxe sim. Elas já estão no quarto. A sua empregada também está aí. Achei excelente a sua ideia, pois ela é sua conhecida há muitos anos, não é mesmo?

 — Sim, Luiza me conhece desde a adolescência. Trabalhou na casa de meus pais e depois para mim.

— Ela topou dormir aqui durante estas semanas.

— Ótimo. Assim eu não tenho nenhum estranho junto comigo.

— Eu já vou indo. Amanhã acordo cedo para ir para o escritório. Tome cuidado se for para a sua empresa amanhã, pois deve haver alguns repórteres insistentes por aí. Aliás, se puder trabalhar em casa pelo menos esta semana, seria o ideal.

— Obrigada por tudo, Bartolomeu… e… você teve notícias de Sophia? Sabe que horas chega?

— Sei sim. – ele olhou o relógio. – Pelo tempo que a deixei aqui, ela já deve ter tomado banho e deve estar descansando da viagem no quarto.

Ele abriu um sorriso enorme e eu pulei no pescoço dele beijando sua bochecha. Larguei-o e saí correndo procurando o quarto.

— É a terceira porta à direita! – Gritou Bartolomeu.

Quando abri a porta, vi Sophia recostada na cama lendo um livro. Ela me olhou por cima dos óculos de leitura e sorriu. Atirei-me sobre ela dando beijos estalados em seu rosto, boca, pescoço.  Ela colocou os óculos e o livro de lado, rindo tentava parar meus movimentos.

— Se toda vez que eu viajar você me receber assim, vou viajar a cada três dias. – Ela me segurou e eu parei de atormenta-la. – Deixe-me beijá-la descentemente.

Sophia uniu os lábios aos meus e eu me vi no paraíso. Paramos de nos beijar e eu afaguei seu rosto com carinho.

— Você não sabe como eu me senti triste quando te vi fazendo aquele discurso de demissão. Foi horrível!

— Pois eu não achei horrível. Depois eu o assisti e até achei que estava bem. Você não achou que eu estava bonita na tv?

— Para de brincar Sophia! Você perdeu seu emprego.

— Cléo presta atenção. Eu tive um choque quando vi aquele vídeo na internet. Fiquei desnorteada e tive que agir muito rápido, mas agora já foi. Agora será o que poderei fazer daqui para frente. Estou muito chateada sim e abalada também, mas ainda vou ter que lidar com a minha família, com Cássio e sinceramente, estou muito cansada. Eu preciso me afastar de tudo. Estou precisando recarregar e precisando desesperadamente de você. Ao mesmo tempo, sei que é uma carga muito grande para voc…

— Shhhhii “para”. Nada de conversa de carga grande para mim ou para você. Como você disse: já foi. Não podemos fazer nada a não ser seguir as orientações de Bartolomeu e continuarmos em frente. Você não vai ficar pobre se ficar algum tempo sem trabalho e eu já estou com contrato com uma empresa, cuja diretora é maleável e não tem preconceito. Só fiquei chateada e triste que isso tudo tenha acontecido. Não consigo entender como um imbecil, que nem nos conhece pessoalmente, teve o poder de causar tanto dano!

— A diretora é “maleável”, é?!

Aí, pessoal. O rosto da Sophia estava engraçado e o gesto com os dedinhos que ela fez para colocar “aspas imaginárias” quando falou a palavra maleável, foi tudo! Ri “aos montes”!

— Que foi meu amor? “Ciuminho”? – perguntei rindo. Ela começou a me fazer cócegas fingindo irritação.

— Não é “ciuminho”, é precaução.

Eu tentava segurar suas mãos, pois ela achou meu ponto fraco que era nas laterais de minhas costelas. Não conseguia raciocinar muito bem quando me faziam cócegas ali.

— Pois acho que eu é que devo sentir ciúme, pois ela te admira muito. – Consegui segurar suas mãos e ela parou estanque.

— Como assim me admira?

— Pois é isso mesmo. Ela disse que já a achava uma grande gestora, mas que assumir publicamente, mesmo que de forma indireta, percebeu o quanto era corajosa também.

— Humm…

— Humm, o que?

— Não sei. Rasgando muita seda para o meu gosto. Como ela é?

Eu ri novamente e me aconcheguei ao seu lado colocando minha cabeça no seu peito.

— Meu amor. Lembre-se que antes de você, nenhuma mulher jamais chamou a minha atenção…

— Isso não é desculpa. Pode começar a chamar sua atenção daqui por diante. Aliás, o que lembra uma cena que eu odiei, que foi a Catarina enfiada no seu decote.

Eu não aguentei gente! Vocês não sabem como eu ri. A minha “poderosa olhar de falcão” ainda lembrava daquilo!

— E lembro bem que você a colocou em seu lugar rapidinho com seu poderoso olhar de raio fulminador!

— Mas a cena ainda continua bem viva em minha mente. Não pense que vou esquecer aquilo tão cedo. Sua sorte é que vi que você estava alheia ao que a “projeto de Don Juan com fraldas” estava fazendo. Mas não desconversa. O que de tão nobre tem essa diretora da Destor para você falar dela agora? Por que o interesse dela em mim, hum?

— Eu não falei dela, só comentei e você é que começou a falar, mas… acho que gostará de vê-la…

— E por quê? Ela por acaso tem um emprego para mim também? Se disser que ela me quer na empresa dela, posso afirmar que ela não é uma boa gestora, pois eu não entendo nada de produção de materiais de escritório. Não digo que não conseguiria dentro de alguns meses, pois a base administrativa eu tenho. Mas se ela me contratasse pagaria um salário razoavelmente alto para alguém que começaria a produzir para a empresa dali a uns cinco ou oito meses. Deve haver gestores preparados na área para ela contratar.

Ela falava ironicamente querendo desmerecer a diretora da Destor. Ela tentava me empurrar para contar o que ela queria saber sem ter que perguntar diretamente.

— Já saquei a sua jogada. Eu iria contar a você de qualquer jeito, então não precisa jogar para cima de mim essa sua arapuca para pegar otário.

Falei rindo, pois estava instigando mais a curiosidade dela.

— Então fala logo para eu não gastar a minha saliva. E eu não acho você otária. 

— Gostei dessa história de gastar saliva. Você podia gastá-la me beijando e aí depois eu te contaria…

— Você por acaso está querendo me comprar com um beijo?

— Mmmm… Vamos ver…. — coloquei meu indicador sobre o queixo e olhei para cima fingindo pensar. — Acho que sim, mas na realidade, pensei nesse exato momento, que estou vendendo a informação muito barato. Acho que pedirei mais que um beijo por essa informação valiosíssima!

Quando voltei meu olhar para ela, Sophia segurou minha nuca com uma das mãos e a outra colocou em minha cintura me puxando para cima dela e me beijou, em seguida, como na primeira vez que ficamos. Sua mão subiu para meus seios e depois pescoço, voltando a baixar para os seios acariciando-os. Gemi alto e fiquei sem ação, deixando que ela fizesse o que queria. Só que ela parou e eu abri meus olhos, languida e decepcionada. Quando consegui focar…

— Vamos aos negócios. — falou sorrindo. — Você me conta e depois dou a você o que quiser.

“Ela disse que me daria o que eu quisesse”?

— Você disse que me daria o que eu quisesse? – Ela riu com gosto.

— Sim.

— Só para constar. Eu percebi que você inverteu a nossa condição, mas estou pouco me lixando. A proposta é ótima e não vou recusar. — Ela abriu mais o sorriso.

— Eu tenho certeza que a proposta é boa. Então… Dê a informação.

— O nome Verônica Chiara te diz alguma coisa?

Acho que peguei pesado na brincadeira, pois Sophia me olhou com espanto e elevou seu corpo do espaldar da cama. Continuou me olhando, acho que para assimilar a informação.

— Você está brincando! Verônica é diretora da Destor?

— Humhum.

— Deus do céu! Como esse mundo dá voltas! – Sophia voltou a sorrir. — E ela se lembrou de mim?

— Sophia, ela disse que você era uma grande amiga na adolescência. Como não se lembraria? Teceu elogios a você e mandou um beijo. Quando me deixou no aeroporto, disse que queria ter a oportunidade de te encontrar. Sexta-feira ela estará aqui para assinar o contrato. Pensei em marcar um almoço. Que acha?

— Claro! Seria ótimo! Cléo, nós nunca conseguimos conversar depois que minha mãe falou com os pais dela. Nem sei como foi sua vida e o que fizeram… Adoraria revê-la! Mas acho melhor fazer um almoço para ela aqui. Aliás, não seria prudente que ela viesse diretamente para cá e vocês acertarem o contrato aqui?

— Acho que seria prudente e Bartô também.

— Bartô? Ah, claro. Você já deu apelido para Bartolomeu também.

— Com certeza. Agora tomarei meu banho. – Levantei da cama em direção ao banheiro e continuei falando sem olhar para trás. – Logo após o banho, terei uma dívida para cobrar e será muito… muitíssimo interessante.

……………

— Há alguma coisa errada?

Sophia me olhava intrigada, pois saí do banho e falei que estava cansada. Que queria jantar e depois dormir. Ela não imaginava meu desejo e nem o que pensei para cobrar a minha dívida. Aquela frase que ela pronunciou, ficou em minha mente reverberando como eco em caverna. “Você me conta e depois dou a você o que quiser”. Não sei bem porque, mas isso mexeu comigo.

— Nada errado. Só estou muito cansada mesmo. – Segurei sua mão. – Desculpa Sophia, mas eu estou exausta. Não só da viagem, pois você passou por uma viagem enorme também, mas estou cansada emocionalmente. Eu queria apenas ficar tranquila com você, jantar, conversar um pouco e dormir agarradinha…

Sophia apertou minha mão. Trouxe a seus lábios e deu um beijo demorado.

— Acho que estamos aceleradas. Nós não paramos ainda depois que tudo aconteceu, não é mesmo? Se quiser, ficamos um pouco na varanda e depois, podemos ir dormir.

Eu apenas sorri e depois que jantamos, fomos dormir.

…………

Sexta-feira chegou e esperamos o carro que iria trazer Verônica do aeroporto. As duas estavam travadas quando se encontraram. Sabe aquela coisa de emoção e ao mesmo tempo não saber o que fazer? Elas se olharam e estavam sorrindo, porém mantendo aquela distância de não saber como se portar. Meu Deus! Esse povo não sabe abraçar de alegria e trazer para junto não? Entrei em ação. Fazer o que, não é?

— Chega aqui Verônica. – Puxei-a pelo braço. – Aqui está Sophia Vasto Arqueiro, ao seu dispor.

Sophia sorria como uma idiota, mas estava travada. Se eu não soubesse que ela estava emocionada, eu teria gargalhado com a cena. Verônica relaxou e a abraçou sem nada dizer.

Gente foi emocionante. Sophia a envolveu em seus braços e ficaram assim por um tempo. E se eu também não soubesse a história delas, até ficaria com ciúmes.

— Sophia, você está ótima!

Isso foi a frase que a Verônica soltou quando se desapegaram. Ela também estava sem graça. Acho que as duas não sabiam lidar muito bem com as emoções. Intervi novamente.

— Verônica, ela é ótima!

As duas me olharam e riram.

— Está bem, Cléo. Entendi seu recado. – Sophia relaxou. – Vem Verônica. Senta aqui.

Sobrei. Foi o que pensei. E sobrei mesmo. Depois do encontro inicial, só consegui entrar na conversa na hora do almoço, mas aí fluiu.

— Que coisa. Precisou um revés do destino para nos encontrar. – Verônica falou.

— Não se esqueçam de mim. Sou parte importante no processo, afinal, nada como um beijo lançado na internet…

As duas riram.

— Essa história você vai me contar direitinho! – Novamente Verônica falou e Sophia riu.

— Pode deixar que conto todos os detalhes.

— Alto lá! Todos os detalhes não! Eu não conto todos os detalhes para a Donna. – Protestei.

— Pode deixar Cléo. Nem eu vou querer saber dos detalhes sórdidos. Estou fora dessas emoções.

Enfim, quando Verônica se foi, eu estava com um contrato assinado e Sophia sorridente ao meu lado. Fomos para a cama e sentia Sophia mais leve.

— Môr?!

— Mmm…

Estávamos agarradinhas na cama achando que não havia mais nada no mundo além de nós.

— O que a Verônica quis dizer, aquela hora que falou sobre você estar jogando pesado e perigoso?

Sophia se remexeu.

— Algo que eu e o Bartolomeu fizemos e não sabemos se vai dar certo.

— É ilegal?

Ela gargalhou.

— Não. Não é ilegal. – Ela continuava rindo. – Qual o conceito que você tem de mim, einh?

— Tá legal. Vamos combinar que eu amo a mulher Sophia, mas muitas vezes não sei como ela é no nível de “gestora”.

— Cléo. – Ela me olhou diretamente. – Não vou dizer que não jogo com o mercado e que não me aproveito de oportunidades, mas nunca o fiz desonestamente. Aliás, é uma das coisas que me fez crescer e me diferenciou de muitos que conheci. – Ela suspirou. – A Verônica é uma mulher “antenada” no mercado financeiro internacional. Como eu, sempre procurou saber nos inúmeros jornais, as nuances do que ocorria através de notícias no dia a dia. Não só o que acontece no nosso mercado, mas tudo que acontece a nível global. Por ter me visto nos noticiários, esses últimos dias, tem acompanhado meu escândalo e o que envolve. Não em jornais de fofoca, mas em noticiários de peso no mercado.

— Espera aí. Você está dizendo que ainda está repercutindo forte o que aconteceu conosco?

Ela sorriu de um jeito meio sinistro. Até me assustei.

— Quer saber mesmo? Você não vai me criticar?

Gelei.

— Você disse que não era ilegal. – Falei séria.

— E não é.

Ela devolveu o tom de seriedade que imprimi na minha afirmação. Fiquei meio sem graça por duvidar dela, mas me entendam, eu tinha me apaixonado por uma mulher, mas pouco a conhecia. Queria crer que ela era a minha cavaleira encantada, sacaram?! Ela continuou.

— Eu e o Bartolomeu armamos um boato.

— Mmm, espera aí. Você está falando que depois que se demitiu, jogou alguma coisa na mídia?

— Não exatamente na mídia e não exatamente eu. Também não existe declaração nenhuma de minha parte, mas…

— Fala logo.

Fiquei boba com o que ela me contou. A mulher não era só um falcão. Era uma raposa!



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