Olhei a entrada do prédio na área empresarial e quase não acreditei que havia ganhado aquela concorrência. A minha empresa era pequena, mas havia trabalhado a vida toda no setor de petróleo, gás e energia, tinha apenas 35 anos e estava prestes a casar. Estava tudo perfeito, ou quase. Devo acrescentar que a parte que não deixava a minha vida perfeita era exatamente meu futuro casamento. Meu noivo, Marcos, trabalhava comigo há algum tempo como meu assessor e com o tempo o relacionamento foi se desgastando nos meandros do trabalho. Ao longo do tempo, ele se mostrou um péssimo assessor, inconveniente e ainda por cima se gabava de algo que não lhe pertencia. A empresa era minha, o prestígio eu tinha conquistado trabalhando duro e ele permanecia as voltas pelo escritório pedindo cafezinho a minha secretária e com o laptop aberto o dia inteirinho na internet. Se pelo menos ele utilizasse a internet para pesquisas de área, mas o seu interesse se limitava a redes sociais e sites de pornografia. Meu saco imaginário já estava completamente cheio e eu estava enrolando-o há dois anos com o nosso noivado. Inspirei fundo para conter meu mau humor e meus pensamentos na minha vida pessoal, caminhei até a recepção do prédio me identificando para o recepcionista.
— Bom dia! Meu nome é Cléo Boaventura. O senhor Dagoberto Souza está à minha espera.
— A senhora tem o ramal?
— Não me deram o ramal, apenas o setor. Ele é da produção.
— Um momento, por favor.
Esperei com certa impaciência, pois me irritava com tamanha incompetência do meu digníssimo noivo. Nem para me informar o ramal da área que estava contratando nossos serviços o imbecil fazia.
— Só mais um momento, senhora.
— Ok.
Depois de vinte minutos, entre buscas de ramal e a minha identificação, eu subia no elevador para o 20º andar. Saí do elevador e mais uma mesa com uma secretária para me identificar.
— Cléo Boaventura. O Senhor Dagoberto Souza está a minha espera.
— Só um momento.
A recepcionista discou um número e me conduziu a uma sala. Quando entramos, ela me pediu para esperar um pouco.
— O senhor Dagoberto foi convocado para uma reunião de última hora, mas a Sr.ª Sophia Brandão irá lhe atender.
— Obrigada.
— Fique à vontade.
Olhei todo o ambiente. Era uma sala clara com janelões de vidro que percorriam toda a extensão da parede dando um aspecto limpo. Moveis laqueados em branco e preto deixavam o local com um ar de sofisticação. Em um canto da sala havia duas poltronas, uma mesinha de centro e um pequeno sofá compondo um pequeno ambiente de estar.
Nunca havia estado em uma empresa ligada a área de petróleo em que um escritório de gerência fosse elegante como aquele. Normalmente eram salas com mesa comuns de escritório e no máximo ostentavam cadeiras confortáveis, no entanto também de escritório.
Uma porta lateral se abriu e uma mulher alta, com idade aproximada de 40 anos, cabelos castanhos amarrados em um rabo de cavalo e trajando um terninho com calça de corte clássico, mas elegante, entrou com alguns papeis na mão. Dirigiu-se a cadeira da mesa principal me olhando como se avalia uma mercadoria exposta em uma prateleira. Sua forma de se acomodar na cadeira era alinhada, mas seu jeito de olhar me incomodou. Ela me olhou diretamente nos olhos e pediu para me aproximar.
— Por favor, sente-se senhora?… Senhorita?…
— Senhorita Boaventura. Cléo Boaventura.
— Senhorita Boaventura, por favor, sente-se. Quer um café? Uma água?
— Um café, por favor.
Sentei-me à sua frente e ela pediu dois cafés pelo ramal. Abriu a documentação que estava em sua mão e começou a ler com um ar perscrutador. Quando decidi intervir e iniciar um diálogo, a porta lateral se abriu novamente e um garçom com uma bandeja entrou depositando dois cafés, duas águas minerais e dois copos sobre a mesa. Assim que ele saiu, finalmente a tal de Sophia Brandão percebeu que eu estava realmente a sua frente e iniciou a conversa de uma forma que definitivamente eu não gostei.
— Senhorita Boaventura, acredito que já deva saber meu nome e quem eu sou aqui na empresa. Mesmo assim me apresentarei formalmente para que não fique nenhuma dúvida. Meu nome é Sophia Brandão e sou a diretora geral da sucursal Brasil da empresa Grasoil. Uma empresa consolidada no mercado norte europeu e que estende seus domínios por todo o globo. Quando o senhor Dagoberto, meu gerente de qualidade falou-me da intenção de implantar um programa estratégico para melhorar a segurança na exploração, não imaginava que abriria uma concorrência para contratar uma empresa de consultoria.
Gente! Considero-me até uma mulher equilibrada, mas ouvir essa “esnobezinha” falar dessa forma, minha vontade foi pegar minha bolsa e manda-la sabe lá para qual lugar!
— Entenda, não estou desmerecendo seus conhecimentos ou seus serviços. Para falar a verdade, estou impressionada com o seu currículo e com o currículo de sua empresa, mas não fazia parte de nossas diretrizes no momento, trabalharmos com uma empresa externa, principalmente por…
— …Por estarem entrando em uma concorrência para abarcar mais uma área de exploração junto a agência reguladora? Sei que o momento é delicado, mas minha empresa sempre trabalhou com cláusula de sigilo e estamos no mercado há…
— …Há seis anos impecáveis em suas atividades. Sim, eu sei. Não pense que não fiz meu dever de casa, senhorita Boaventura. Fiz um levantamento e um dossiê sobre a sua empresa e todas as atividades que concerne a ela. O fato é, não havia programado esse enlace com a sua ou qualquer outra empresa nesse momento. Mas pelo contrato, diga-se de passagem, muito bem articulado por seu departamento jurídico, não terei como declinar.
“Ô mulherzinha nojenta e que grande imbecil é o Marcos! Vou matar aquele homem quando chegar! Como ele não investiga o organograma e nem a hierarquia da empresa”?
— Então, acredito que teremos que articular uma forma de trabalharmos conjuntamente e sem desperdícios de nossos recursos com a sua contratação, porém não muito invasiva.
“O que ela quer dizer com isso? Não é possível que ela queira colocar a minha empresa para apagar pequenos incêndios surgidos na área da qualidade! Não mesmo! Não vou colocar a perder todos esses anos construídos de uma reputação sólida no mercado, fazendo remendos insignificantes, para depois ser taxada como uma empresa de consultoria medíocre! Nunca”!
— Acredito que não estamos falando a mesma língua, senhorita Brandão…
— Senhora.
— Ã?!
— Senhora Brandão.
Fiquei desnorteada. A mulher era uma arrogante, mesmo!
— Que seja, senhora Brandão, a Grasoil pode ser uma grande empresa na área, mas não posso concordar em delegar o trabalho da Hermes Consultoria a mero apagar de incêndio. Como a senhora mesma constatou, fizemos um nome no mercado e não pretendo deixa-lo cair. Ambas somos profissionais competentes e creio que possamos achar um ponto de interesse comum.
Com o jeito que a mulher me olhou, fiquei até com medo de virar cinzas, carbonizada pelo olhar que deu. Dane-se! Ela estava amarrada a mim, graças ao meu jurídico. Ia ter que me aturar e, infelizmente, eu a ela. Desconfiei que este seria o ano mais penoso da minha vida profissional. Quando pensei que não teria mais surpresas, ela olhou-me novamente bem dentro dos meus olhos, eu temendo ficar cega só pelo seu olhar, mas não, ela deu-me um sorriso aberto e se levantou.
— Ok, senhorita Boaventura. Acredito que nosso primeiro encontro tenha sido proveitoso para travar um conhecimento mútuo. Esperarei uma próxima reunião com seu projeto, para discutirmos o andamento de seu trabalho aqui na empresa.
Ela se levantou e estendeu a mão para me cumprimentar. Só consegui me levantar e enquanto eu imaginei estar apenas apertando a sua mão, ela já havia me conduzido sem que eu percebesse para a porta de seu escritório e me deixado a cargo da secretária. Eu estava atônita e com raiva daquela mulher, no entanto também pude constatar a sua energia na gestão da área. Mais tarde descobriria que passei a admirá-la neste mesmo dia.
Minha empresa tomava todo o terceiro andar de um pequeno prédio no centro, não muito distante da Grasoil. As seis salas que compunham o andar eram alugadas. Ainda não havia tido capital suficiente para um empréstimo para a compra de minhas próprias salas, mas não estava muito distante disto e o contrato com a Grasoil alavancaria o meu sonho. Ter a minha própria empresa jurídica e fiscal e ter a empresa física em meu nome.
— Droga, Marcos! Será que nem ver ao certo quem vai ser nosso cliente você consegue?
Cheguei bufando e morrendo de vontade de cometer um “noivocídio”! Passei pela minha secretária apenas rosnando um “boa tarde”, entrei na minha sala batendo o pé e a porta. Falava alto com o energúmeno do meu queridíssimo noivo, quando vi a tela do laptop refletida na vidraça atrás da minha cadeira. Ele estava com uma prostituta online e nem deu tempo dele retirar o áudio. “Ai gostoso, vai! Vai que eu tô quase chegando! Onde você está? Onde você foi, gostoso”? Olhei para suas calças e ele estava desesperadamente tentando subir o zíper.
— Amor, calma! Calma que eu posso explicar!
Explicar! Como vocês acham que ele me explicaria o fato de estar fazendo sexo na minha sala com alguém online? Desculpem-me. Eu poderia até deixar que ele tentasse para ver os absurdos que inventaria, mas ali estava a minha deixa de libertação desta relação fracassada e ao mesmo tempo me livrar da incompetência de um assessor.
— Fora! Fora agora!
— Meu amor…
— Não me chame de amor. Não sou mais seu amor e você acaba de perder seu precioso emprego! Fora! – Berrei. – Quer que eu soletre? Fora! — Gritei mais alto
Ele quis me segurar com aquelas mãos nojentas! Agrr! Eu o empurrei e ele como sempre tentou reverter o jogo, me culpando pelo seu comportamento cretino e libertino.
— Você não pode me culpar. Nós estamos há mais de um mês sem nada! Você está sempre cansada ou está aborrecida com algo. Eu sou homem! Tenho as minhas necessidades!
Que chavão “escroto”! Desculpem-me pelo palavreado, mas ele realmente me tira do sério! Será que é tão burro para não perceber que eu não transo mais com ele porque o nosso relacionamento acabou ou ele se faz de idiota para permanecer na mamata? Acho que os dois. O ego dele é tão grande que não consegue ver que não sinto mais o menor tesão por ele e também gosta da mordomia.
— Fora! Sai! Não quero ver você na minha frente nem vestido de ouro, entendeu bem? Sai agora!
Meu gritos eram tão altos que os dois seguranças da empresa vieram verificar se eu estava precisando de ajuda. Foi providencial.
— Senhores, conduzam o Dr. Marcos até o RH. Ele está se desligando da empresa hoje.
— O que?! Você não pode fazer isso!
— Não posso?
Ri sarcasticamente.
— Já estou fazendo, meu querido.
Acho que finalmente ele percebeu o quão sério era a situação, pois mudou o comportamento de homem ferido para um homem passivo no mesmo instante. Ele me conhecia. Eu poderia ser uma pessoa carinhosa, pacata até… Até que meus brios fossem atingidos ou minha paciência se esgotasse.
— Meu amor…
— Não me chame nunca mais de meu amor! Já falei. Não sou mais seu amor! Sou a pessoa que um dia achou que se casaria com um imbecil. Isto é passado, ouviu bem?! Passado!
Olhei para os seguranças com fogo nos olhos.
— Senhores, eu não lhes disse para acompanhar o Dr. Marcos?
Os seguranças também estavam assustados e de forma nenhuma hesitaram em me atender. Seguraram Marcos pelos braços, ladeando-o e conduziram-no para fora da minha sala. Empurrei a porta com força como se fosse encerrar aquela etapa de minha vida nesse simples gesto. Mas eu sabia que não era assim. Sabia que a hora que chegasse a minha casa e fosse para a cama, eu choraria durante toda a noite. Acham que é porque o amo? Porque eu poderia me arrepender? Não. Simplesmente porque fui uma estúpida, burra durante todo esse tempo que estive com ele. Eu me odiava quando fazia uma “puta estupidez” em minha vida sentimental. E sinceramente, nos últimos dez anos era o que mais fazia. A cada experiência amorosa que me enfiava era pior que a anterior.
Desabei na minha cadeira com a mão na cabeça tentando dissipar uma dor que se avizinhava. Quase caí para trás quando olhei para a mesa, pois o laptop continuava aberto na tal pagina de pornô, ao vivo e à cores. Uma mulher com maquiagem pesadíssima, nua e voltada com as pernas abertas para mim, sandálias vermelhas de salto agulha, estava se tocando e gemendo como cabra!
— AI! — Gritei.
A mulher berrou do outro lado e fechou às pernas. Minha secretária atraída pelo meu grito, ou quem sabe os gemidos da mulher, entrou correndo na sala e eu imediatamente fechei a tela do laptop. Mais uma situação constrangedora que o Marcos me fez passar.
— Algum problema, dona Cléo?
— N… Não. Quer dizer, tem sim. Você poderia chamar aquele menino da informática para mim?
— Claro, dona Cléo!
— Obrigada, Renata.
Quando Renata saiu, abri o laptop e o desliguei apertando direto o botão de “Power”. Minutos depois o menino da informática batia em minha porta. Eu estava de pé no meio da sala olhando para a minha mesa, como que decidindo se eu sentaria novamente ali.
— Dona Cléo?
— Pode entrar, Diguinho. Quero que leve esse laptop, salve a pasta documentos e formate-o. Reinstale todos os programas que sabe que utilizo e… Você poderia limpar as teclas e a tela com algum produto para deixa-lo desinfetado?
Ele me olhou com um semblante de incompreensão, mas não me questionou.
— Posso usar álcool isopropílico.
— Então faça-o. Consegue fazer isso até amanhã à tarde?
— Posso entrega-lo até o meio dia, se a senhora precisar.
— Ótimo.
Era um bom garoto, esse menino. Ele pegou meu laptop sobre a mesa e saiu.
Meu dia já estava destruído e provavelmente as fofocas do que aconteceu em minha sala com o Marcos, já deveria estar se espalhando pela empresa toda. Resolvi que merecia um descanso de tudo aquilo. Peguei minha bolsa, saí da sala e avisei para Renata que não voltaria mais à empresa hoje. Fui direto para minha casa.