CRISTIANE

O sabor dos lábios dela, o calor do seu corpo no meu, o brilho do seu olhar, era tudo muito mais lindo e maravilhoso do que sonhei, imaginei, desejei, esperei. Senti-la entregue a mim, foi como se o mundo todo tivesse deixado de existir. Só havia ela e eu, só existia o “nós” naquele momento. E me dei conta de que jamais amaria ou conseguiria entregar meu coração a alguém que não fosse ela.

Deitadas, corpos encaixados, rostos tão próximos que nossos hálitos se misturavam, ouço a frase que sonhei ouvir ser pronunciada por aqueles lábios tão desejados.

— Eu também te amo!

Houve um big bang dentro do peito, tamanha minha alegria. Ela me amava!

Observei uma lágrima deslizar por sua face e logo após outra e mais outra até que se tornaram uma torrente contínua, então me abraçou e escondeu seu rosto entre meus cabelos. Era tão lindo estar com ela, amá-la, ouvi-la dizer que também me amava, que caí no choro também.

— Te esperei por tanto tempo! — A ouvi dizer e, abraçadas, deixamos que as lágrimas fluíssem lavando nossas almas, expulsando nossos medos e angustias, abrindo passagem para o choro de felicidade.

A tinha em meus braços, sentia seu coração bater ritmado junto ao meu de tão próximo que nossos corpos estavam. Procurava guardar cada momento, gesto, beijo, toque, olhar, cheiro, tudo na memória, pois aquele era o momento mais feliz da minha vida. Palavras o estragariam, então nos permitimos cair em sono profundo e feliz.

Ao acordar, me vi perdida em seus olhos tão cinzas quanto as nuvens da tempestade que ainda desabava lá fora, essa sempre foi a visão que sonhei ter ao acordar todos os dias.

— Oi. — Ela disse sorrindo.

Meus lábios deram passagem a um sorriso semelhante.

— Me belisca! — Pedi. — Por favor, me belisca. Me diz que isso tudo não é um sonho, que estou mesmo aqui, que você está aqui comigo e que…

Um dedo longo e delicado pousou sobre meus lábios e, logo após, deu lugar a lábios rosados e macios com doçura equivalente ao mel. Afastou-se e, olhando em meus olhos, falou quase em um sussurro, sorrindo:

— Não está sonhando, estou aqui; você está aqui. Eu te amo e não vou te beliscar, pois tudo que desejo fazer a este corpo é enchê-lo de beijos e carícias.

Deslizou sua mão por minha face como se estivesse a decorar cada traço de meu rosto, parou ao chegar em minha boca onde fixou seu olhar para, logo em seguida, beijar-me outra vez com cuidado. Beijos miúdos interrompidos por sorrisos e olhares significativos.

— Venha, vamos tomar o café da manhã. — Me convidou deslizando para fora da cama e me estendendo sua mão. Já estava vestida; usava um shortinho curtíssimo de cor azul marinho e uma regata da mesma cor. Aceitei de pronto, mas parei ao lembrar que estava nua sob as cobertas.

— Onde estão minhas roupas? — Perguntei.

Ela riu.

— Estavam encharcadas e tinham tanta lama que tive de lavá-las.

Curvou-se, me deu um selinho e começou a sair dizendo:

— Pode usar uma de minhas roupas, temos o mesmo tipo físico. É só escolher. Se preferir tomar um banho, o banheiro é ali. — Apontou para algum lugar, mas não prestei atenção.

Olhava através da janela, para a chuva que ainda caía tristemente lá fora e escorria pelo vidro. Senti seus olhos a me observar.

— Algum problema? — Perguntou.

Levantei ignorando minha nudez e caminhei até ela. Peguei sua mão e a conduzi até a sala. Abri a porta ainda em silêncio, sentindo o vento frio e alguns respingos de chuva tocando minha pele. Um leve arrepio percorreu meu corpo.

— Sim, — respondi finalmente — eu quero tomar um banho. Mas, o banho que quero tomar é de chuva. — E a puxei para fora.

Ela deu um gritinho ao sentir a água gelada tocar seu corpo.

— Você é doida? — Perguntou tentando esconder o sorriso.

A abracei olhando-a com profundidade e respondi:

— Sim, sou doida por você.

A beijei, o primeiro de muitos beijos que se seguiram, enquanto brincávamos na chuva. Um dos momentos mais perfeitos da minha vida.

***

Uma hora mais tarde, entrei na cozinha atraída pelo cheiro maravilhoso de café que se espalhava pela casa. Vestia-me com as roupas dela, um short tão curto que começava a me questionar se ele havia mesmo sido confeccionado para uma mulher adulta e uma camiseta branca.

Sentei à mesa, ainda inebriada pelos beijos e carícias trocados no chuveiro, logo após, ela ter quase me obrigado a sair da chuva e tomar um banho quente.

A chuva continuava a cair lá fora, desta vez, mais forte e acompanhada por trovões e relâmpagos.

A observava, divinamente bela em sua simplicidade e trajes. Os cabelos úmidos e cheios de cachos caindo-lhe até o meio das costas; sorri embevecida pelo desejo infantil de contar um a um aqueles cachinhos tão negros. E perdi-me em pensamentos e lembranças até que ela, notando o meu alheamento, arrancou-me de meu devaneio sentando ao meu lado e perguntando:

— Em que está pensando?

— Em como aconteceu — respondi com sinceridade.

Ela sorriu ao compreender ao que me referia.

— Você quer saber como conquistou meu coração, é isso?

Balancei a cabeça em confirmação ao mesmo tempo em que dizia:

— Sim. É bom demais, é maravilhoso, mas como?

Pegou em minha mão carinhosamente. Cada toque seu era, para mim, uma sucessão infinita de sensações.

— Entendo. — Sorriu encabulada. — Não sei explicar exatamente como ou quando começou. Talvez tenha começado antes ou muito tempo depois. O fato é que no exato momento em que li: “Hellena! Poderia passar horas admirando–a. Poderia encontrar mil formas de dizer o quanto ela é linda sem repetir uma única frase. No entanto, quando estamos frente a frente e olho em seus olhos, me perco, me torno prisioneira daquele olhar tão cinza e tão cheio de cor ao mesmo tempo…”, algo começou a surgir em meu coração por você. Um sentimento ao qual não pude nomear até muito tempo depois de nosso último encontro na noite do aniversário do Rick.

Minhas bochechas ardiam como as de uma criança ao ser flagrada desobedecendo os pais. A olhava emudecida ao mesmo tempo em que absorvia cada palavra por ela pronunciada com êxtase

— Surpresa? — Perguntou.

— Sim. Como você…

— Passei muito tempo com o seu diário. Ele foi a minha mais querida e doce companhia nos últimos doze anos. Através dele me vi com os seus olhos e muitas foram as vezes em que me perguntei se eu era mesmo assim. Você sempre usou palavras tão doces quando escrevia sobre mim, sobre seus sentimentos, poemas tão lindos… Quanto mais lia sobre você, mais queria saber. Aprendi a te conhecer, seus gostos, desejos, medos. Aos poucos, aquela garota a qual lia os desejos e segredos mais íntimos, foi infiltrando-se em meu coração, em meu ser e alma. Então, descobri que também te amava e, estranhamente, isso não me causou medo, repulsa ou negação. Estreitei meus laços de amizade com o Rick, em parte, porque sempre tive um grande carinho por ele, mas, também, porque ele era a única pessoa que poderia me dar notícias suas. No entanto, ele nunca me falou de você e nunca me atrevi a perguntar.

— Por que não?

— Não saberia responder. Deixei ao encargo do destino para que ele a trouxesse de volta e fizesse com que seu coração ainda batesse por mim e me amasse pelo menos um pouco do que já amou um dia. — Passou a mão em meu rosto e me puxou para um beijo apaixonado. — Eu te amo, Cris!

— É bom demais para ser verdade.

Meu coração ainda batia por ela, forte, rápido, descontrolado, apaixonado, era inegável, mas ainda havia coisas a esclarecer, muitas, na verdade…

***

HELLENA

Era inebriante cada segundo passado ao lado dela.

Cris não era mais a garota de dezessete anos que escreveu o diário que eu guardava com tanto carinho, era uma mulher e, como ela mesma havia dito, havia mudado muito, mas esse muito foi para a melhor. Em outros tempos, e tenho certeza disso, pois seu diário me descrevia sua personalidade, ela teria fugido de mim envergonhada ou com medo do poder de seus sentimentos mesmo que aquilo fosse o que sempre desejou.

Naquele instante, tinha diante de mim uma mulher madura, segura de si, embora houvesse momentos em que ela deixava a personalidade da menina do diário surgir, mas logo a trancafiava. Isso me confundia e inebriava, atiçava meu desejo e curiosidade. Queria saber tudo sobre ela, mas, desta vez, queria ouvi-la contar ou descobrir com a convivência.

Ergui-me sem soltar sua mão e ela me puxou para si, de modo que sentei em seu colo. Ficamos segundos, longos e mágicos, perdidas nas janelas de nossas almas.

— Sei que tem muitos questionamentos, muitas dúvidas, curiosidades. Pergunte o que quiser. Irei lhe responder a tudo com a verdade.

Seus olhos brilharam e um pequeno sorriso aflorou em seus lábios.

— Realmente, tenho muitas perguntas, mas tudo que quero agora é poder te curtir um pouco. As perguntas podem esperar.

Prendeu seus lábios aos meus carinhosamente e o beijo foi, pouco a pouco, sendo acompanhado por carícias que reacenderam o desejo e o fogo da nossa paixão.

Seus lábios procuraram meu pescoço, suas mãos escorregaram por baixo da minha blusa, tocando e acariciando meus seios, me arrancando suspiros e gemidos. Seus beijos, suas caricias, cada toque seu me fazia esquecer de quem era e de onde estava. Perdia-me na paixão e prazer que me proporcionavam.

Ela me conduziu de volta ao quarto onde nos perdemos, mais uma vez, num rito de amor e paixão cujo único objetivo era o prazer absoluto e, pela primeira vez, provei os seus sabores, enquanto a ouvia sussurrar meu nome e compreendia a magnitude do quão maravilhoso era fazer amor por amor e não por uma necessidade física ou obrigação.

Aninhadas uma a outra, corpos entrelaçados, respirações irregulares, batimentos cardíacos acelerados, me questionei se havia felicidade maior que estar nos braços daquela linda mulher a quem amava havia tanto tempo. Para esta pergunta só havia uma resposta. Não! Nunca fui tão feliz em minha vida, nunca me senti tão realizada quanto naquele momento.

— Em que pensa, minha linda? — A ouvi perguntar baixinho.

Os olhos semiabertos, um sorriso no canto da boca, sentia as batidas do seu coração junto ao meu.

— Por onde andou todos estes anos? — Perguntei.

— Perdida no meio do nada e do tudo, entre este mundo e tantos outros, caminhando entre o tempo e o espaço sem sentir frio ou calor. Andei por vários lugares e épocas em busca de ti que é o meu mundo, o meu tudo e minha alma.

Ela riu e me aconcheguei ainda mais em seus braços.

— Quando saí daqui fui para o Rio de Janeiro onde fiz faculdade, morei e trabalhei por oito anos. Então, quatro anos atrás, resolvi aceitar a proposta de uma velha amiga e colega de faculdade para ser sua sócia, voltei para o nordeste, e estamos trabalhando juntas até hoje.

— Hum, e com o que você trabalha?

— Publicidade.

— E você gosta do que faz?

Ela riu.

— Sim. Muito! Nunca duvidei de que tinha escolhido a profissão certa. Sou feliz com o que faço e Márcia e eu somos ótimas juntas.

— Márcia?

— Minha sócia.

— Hum, ela é apenas sócia ou é algo mais?

Outra risada.

— Ciúmes?

— Devo ter?

— Não. Márcia e eu somos apenas boas amigas.

Me senti aliviada com a resposta, mas não por completo. Ainda havia uma pergunta que teimava em surgir em minha mente e que não me daria sossego até ser respondida. O problema era que a possibilidade de uma resposta positiva me causava medo.

— Você tem alguém? — Finalmente perguntei, depois de alguns minutos em silêncio.

— O quê?

Foi torturante repetir a pergunta.

— Você tem alguém te esperando? Uma… uma namorada?

Olhou-me séria, enquanto eu prendia a respiração ante a expectativa da sua resposta.

— Não.

Deixei o ar sair de meus pulmões, aliviada, feliz.

— Sério?

— Sério. Estou só há algum tempo.

— Quanto tempo? — Sabia que estava sendo curiosa demais, mas não pude evitar, era mais forte que eu.

Ela parecia não se incomodar com minhas perguntas.

— Quase um ano. Terminei um relacionamento de dois anos e, desde então, não me envolvi com mais ninguém, fora alguns jantares com mulheres que meus amigos insistem em atirar para cima de mim, mas que em nada me interessam. As levo para jantar apenas para evitar que eles fiquem pegando no meu pé com coisas do tipo: “Cris, você precisa namorar!”, “Cris, você precisa sair e encontrar um novo amor!” e toda essa lengalenga que os amigos fazem quando querem nos convencer a sair com alguém. — Riu.

— Do que está rindo? — Perguntei enciumada.

— Desse biquinho lindo que você faz quando está com ciúmes! — Sapecou um beijo em minha bochecha.

— Quem disse que estou com ciúmes?

— E não está?

Não pude responder, pois ela aprisionou meus lábios entre os seus carinhosamente, então afastou-se para perguntar, séria:

— E você?

— Eu o quê?

— O que fez da vida estes anos todos? — Inquiriu.

— História longa.

— Faça um resumo. — Pediu.

— Fui para Natal, passei no vestibular para medicina e quando me formei voltei para cá. Abri meu consultório e trabalhei muito. Tive alguns relacionamentos, mas sempre me mantive distante de qualquer compromisso mais sério que namoro, pois sempre estive à sua espera. — Ela me dedicou um sorriso encantado e continuei. — Até que um dia, em um momento muito complicado da minha vida, me vi envolvida por alguém. Ele se mostrou amadurecido, diferente do que era anos antes, então começamos a namorar e, ao fim de um ano de namoro, casamos. Mas, depois de três anos de casados, percebemos que não havia mais como continuarmos juntos. As brigas, as traições e agressões eram constantes. Estamos nos divorciando.

Vi um brilho angustiado em seu olhar.

— Você ainda o ama?

A pergunta me surpreendeu.

— Não. Nunca o amei. A única pessoa a quem amei em minha vida foi e é você!

— Então, por que se casou?

Suspirei.

— É complicado. Talvez não tanto, mas me iludi. Me sentia só e ele estava lá para me apoiar. Acabei me deixando levar.

Ela brincou com uma mexa de meus cabelos e me puxou para mais perto.

— Eu te amo e não pretendo sair do seu lado nunca, enquanto viver.

Ficamos assim por longo tempo, apenas sentindo nossos corações pulsando juntos e o calor que emanava de nossos corpos.

Estava meio adormecida quando o som do telefone ecoou pelo quarto, estiquei o braço para a mesinha ao lado da cama e o peguei.

— Alô!

Hellena, tudo bem? É o Rick.

— Rick, meu querido amigo. Tudo bem, sim. E você, como está?

Preocupado.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa?

Bem… É que… Você lembra da minha amiga de ontem? A C… Er… Jéssica? É que é difícil de explicar, mas ela me ligou tarde da noite pedindo teu endereço e, desde então, não deu mais notícias. Não dormiu no hotel, não atende ao celular…

A Cris está aqui, sim, Rick. Quer falar com ela? — Não pude deixar de rir do modo como ele, que era um homem sempre tão seguro das palavras, estava gaguejando.

Cris estava com o ouvido colado ao fone desde o momento em que me ouviu pronunciar o nome dele e não parava de rir da gagueira do amigo.

Ah… er… Sim, por favor.

Cris pegou o telefone e, ainda rindo, falou para ele:

— Não me lembrava de você ser tão desarticulado com as palavras. — Riu alto com a resposta dele. — Sim, estou bem. Sim, contei tudo a ela. Depois te explico tudo direitinho, certo? Tá, tá, passo na sua casa quando voltar para o hotel. Beijos, também te amo.

***

Era quase noite quando, finalmente, decidimos comer algo.

— Por que só voltou agora? — Perguntei, enquanto a observava lavar a louça.

Voltou-se sorrindo.

— Por mim, nunca teria voltado aqui. Não tinha motivos para vir. — Deu de ombros.

— Então, por que veio?

— Rick. Há anos ele vem tentando me convencer a vir visita-lo aqui, mas sempre me neguei. Desta vez, ele fez um drama e foi tão insistente que acabei cedendo. Agora, só tenho a agradecer a ele por ter me aperreado tanto para vir. — Sorriu e piscou para mim.

— Pensei que tivesse vindo para a festa. — Comentei.

— Que festa? — Perguntou surpresa.

— A que estão organizando para o encontro da nossa antiga turma. — Expliquei.

— Sério?

— Sim. Não sabia mesmo?

— Não. Então, era isso que o Rick estava me escondendo. Que safado!

Um brilho de tristeza e mágoa surgiu em seu olhar.

— Você vai? — Perguntei.

— Não.

— Por que, não?

— Você, mais do que qualquer outra pessoa, sabe que não tenho boas lembranças daquela turma.

Fui ao seu encontro e envolvi sua cintura com carinho.

— Amor, está na hora de deixar isso tudo para trás e encará-los, não acha? Mostre a eles a mulher que se tornou. Mostre o quanto estavam errados sobre ti. Vá comigo a festa. Seja minha acompanhante.

— Hellena…

— Por favor!

— N…

— Por favor!

Suspirou profundamente.

— Se você voltar a me pedir algo olhando desta maneira, estarei perdida. Tudo bem, eu vou! — Sorriu.

A beijei feliz.

— Oba, oba, oba! Agora, a senhorita vai até o hotel pegar suas coisas e trazer para cá. Não quero ficar nem mais uma noite sem dormir agarradinha contigo.

Risos.

— Gostou, foi?

— Não, não gostei! Amei! Agora vá e não demore ou irá me encontrar morta de tantas saudades!

— Você que manda, minha rainha!



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