Um amor em 3 atos

Ato 2: Um olhar como guia

Alessandra caminhou lentamente pelas ruas movimentadas e barulhentas. Ignorava o som dos motores e das buzinas, os corpos e rostos desconhecidos nos quais esbarrava e os pedidos de desculpas ou olhares atravessados que recebia. Ia sem rumo, cabisbaixa, perdida em sua própria dor, na angustia que comprimia seu peito e no medo do futuro que lhe aguardava.

Deixou que as lágrimas lavassem sua face, externando a dor de sua alma. Sempre que fechava os olhos, encontrava o olhar penalizado de seu médico e ouvia a voz grave e reticente dando-lhe a pior notícia de sua vida.

Cansada de chorar, parou em uma esquina, enxugou as lágrimas, respirou fundo algumas vezes e continuou a andar sem rumo. Nas mãos um livro, o mesmo que lia com avidez momentos antes na sala de espera do consultório. Olhou para ele, poesias tão lindas ali contidas, agora não tinham mais sentido para ela. Mesmo assim, o apertou carinhosamente junto ao corpo.

Caminhou por mais algumas quadras até que chegou ao lago no centro da cidade e ficou longo tempo a observar as pessoas que o desfrutavam, a tristeza se apossando de seu íntimo outra vez.

Sentiu-se só e sem esperanças.

Um ano, lhe dissera o médico. Um ano era tudo que tinha, pois as chances de cura eram muito remotas, no entanto, não era impossível de acontecer.

Tantas lágrimas derramadas lhe deixaram a sede. Havia um quiosque logo à frente. Deixou-se cair pesadamente sobre uma cadeira na mesa mais distante do balcão e pediu um suco ao garçom, enquanto seus ombros se curvavam com o peso de seu destino. Seus olhos teimavam em ficar marejados, mas não se permitiu chorar outra vez e tracejou com a ponta dos dedos cada letra em alto-relevo do título do livro, um sorriso amargurado se formando nos lábios, então ergueu o olhar e a viu. Era linda, somente assim soube definir. Tinha um sorriso encantador, largo e alvo que chegava a formar covinhas nas bochechas; os olhos amendoados, a pele de um delicioso tom jambo; seus cabelos eram longos e cacheados e estavam presos em um rabo de cavalo de onde alguns fios rebeldes escapavam graciosamente.

Passou a observá-la discretamente; cada gesto, cada olhar, cada sorriso tocou seu coração. A cada instante, ela a encantava mais e, mesmo de longe, Alessandra absorveu cada gota de vitalidade que derramava esquecendo a dor e tristeza de minutos antes.

Algo naquela linda garçonete a fez sentir-se melhor e, quando regressou ao seu lar, ia com a cabeça erguida de quem não está disposto a se entregar e pretende lutar até o fim. Naquela noite, sonhou com a moça do quiosque e acordou desejando vê-la outra vez. Então, passou a ser uma presença constante naquele quiosque.

Todas as tardes, saía de casa rumo ao lago e só regressava quando o sol se punha, mas a lembrança doce daquela linda morena a acompanhava e sempre lhe vinha visitar nos sonhos. As tardes que passava admirando-a eram um alento diante do momento que vivia e, aos poucos, reconheceu que o que sentia não era apenas admiração. Aquela moça de sorriso e gestos singelos, encontrou morada em seu coração.

A amava e, estava certa, nunca sentiu algo tão forte por mais ninguém.

Seu medo se tornou crescente, sua dor ganhou proporções que ultrapassavam a física. Queria tê-la, mas não tinha tempo e nem sabia se o mesmo acontecia com ela, afinal, jamais trocaram palavras, exceto alguns olhares fugidios.

Sua saúde piorou, a doença a consumia e seu corpo já não correspondia mais ao tratamento a que se submetera. Ficou dias de cama, mas recusava-se a ir para o hospital, recusava-se a entregar-se a morte. E, quando pensou que havia chegado ao fim da sua vida e que não poderia mais suportar aquele tormento, fechou os olhos cansada e desejosa de paz. Nesse instante, um par de olhos amendoados surgiram em meio a um delírio. Decidiu que não se entregaria, que lutaria para um dia poder dizer a dona daqueles olhos que a amava.

A batalha foi terrível. Seu corpo, já tão maltratado e cansado, submeteu-se a novos tratamentos. Um milagre todos diziam; a força de um amor, ela pensava. Mas ainda tinha um tratamento longo a seguir para declarar a vitória em definitivo e o ideal seria que o fizesse fora do país.

Então, com medo da rejeição, mas certa de que tinha de abrir seu coração, pegou o velho livro de poesias que estava sempre ao seu lado e, com mãos trêmulas, escreveu sobre seus sentimentos. Poucas linhas carregadas de amor e verdades. Pediu a sua velha e querida mãe que fizesse com que o livro e aquelas palavras chegassem até aquela que era dona de seu coração.

Mesmo que não fosse correspondida, tinha amado e continuaria amando até o fim de seus dias.

Encontrava-se deitada em sua cama, uma leve brisa entrava pela janela aberta movimentando as cortinas em uma dança lenta e suave. Sentia o cheiro da grama recém cortada no jardim e das flores no vaso perto da janela que sua mãe havia posto ali pela manhã. Fechou os olhos imaginando seus pés a tocarem a grama, como tantas vezes fizera na infância, e sorriu levemente ante aquele desejo tão singelo que logo se realizaria.

Ficou assim por longo tempo, deixando-se preencher pelo aroma da vida e por desejos inocentes. Sentiu seus lábios serem aprisionados por outros de doçura incomparável e perdeu-se nas sensações que lhe trouxeram e, quando se afastaram e abriu os olhos, deparou-se com o olhar que embalava seus sonhos.

O sorriso que veio aos seus lábios foi espontâneo, como havia muito tempo não acontecia, enquanto seu coração batia alegre e descompassado. Tentou falar algo, mas a dona de seus sonhos pousou um dedo sobre seus lábios para, logo em seguida, tomar seu lugar com os seus em um beijo cheio de ternura e paixão em que ambas provaram o sabor de suas lágrimas.

Os corpos se envolveram em um abraço apertado; os ombros se tornaram amigos silenciosos que acalentaram seu pranto e os corações bateram fortes e acelerados pela presença e calor da pessoa amada.

Longo foi o tempo em que assim permaneceram. Quando se afastaram, Alessandra se permitiu perder-se completamente admirando o brilho daquele olhar com o qual tanto sonhou. Era ainda mais belo de perto.

A dona do seu amor e da sua vida falou com voz entrecortada e suave:

— Amo-te como jamais imaginei amar alguém, és o ar que respiro, o sol dos meus dias, a lua e as estrelas das minhas noites e se você me permitir daqui para frente quero fazer de cada minuto de tua vida o momento mais feliz e especial que já viveste…

Alessandra calou-a com um beijo delicado e, ao se afastar, pediu em um sussurro:

— Apenas diga o nome daquela a quem amo e nada mais pedirei a não ser que me permita ser a tua felicidade.

A morena deixou um sorriso feliz e doce crescer em seus lábios, uma lágrima a deslizar por sua face bela e delicada, enquanto respondia baixinho:

— Monique.

FIM DO ATO 2



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