Caminhos em Dias de Luz

Capítulo 30 – Alguns Dias Amanhecem Nublados

Capítulo 30 – Alguns Dias Amanhecem Nublados

Texto: Carolina Bivard

carolinabivard@gmail.com

Revisão: Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


A loirinha furtou um beijo cheio de intenções da agente.

— Mmm…! Isso que eu chamo de voz de comando. — Alesha roubou um beijo rápido também. — Continue assim, senhora diretora, que eu ficarei a seus pés…

— U-hum! Essa é minha intenção…

Laura empurrou a morena para que se sentasse na cama e, de pé, começou a abrir o zíper de sua calça.

— Acho que me ferrei! Agora vou ter que dar conta…

— U-hum.

XGXGXGXG

Alguns dias se passaram e, em um sábado de manhã, Alesha acordou imbuída de despertar a loirinha e irem direto para a cozinha tomar o café. Estava morrendo de fome, pois jantara cedo e acabara dormindo muito tarde. Acordou Laura com pequenos beijos em seu pescoço, rosto e boca. Depois de devidamente despertas, andou do quarto até à cozinha para tomar o café da manhã, de mãos dadas com Laura, mas estava introspectiva.

— O que foi, Ale…

— Shhhh!

Alesha puxou a loirinha para ficar escondida antes do portal da cozinha. Segurou-a colada a seu corpo, com a mão sobre a sua boca. Ainda escondidas apontou para dentro da cozinha e a loirinha olhou na direção.

Ronan estava de pé, próximo à Constância, com uma das mãos nas costas. Limpou a garganta como se houvesse um pigarro.

— Haum-haum!

— Sim, senhor Ronan?

— Bem é que… Senhorita Constância, é que… 

Constância olhou para o homem, sem interromper seus afazeres e percebeu certo ar de constrangimento.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não! Não aconteceu nada. — Apressou-se em explicar.

— É que, hoje, quando fui comprar o que havia me pedido para o café, tinha uma senhora na esquina e… Bem, ela vendia flores e… Elas eram bonitas, sabe.

Constância parou para olhar o homem e viu que ele tinha algo em suas costas. Sorriu amavelmente, e Ronan percebeu que não havia mais jeito de voltar atrás. Retirou as flores de trás estendendo para Constância.

— Achei que pudesse gostar. — Falou, ligeiramente encabulado.

Constância pegou as flores da mão de Ronan e lhe agradeceu, com um sorriso apurado.

Alesha continuava observando, com Laura colada a si. Sussurrou no ouvido da loirinha para não chamar a atenção dos dois.

— Que raios está acontecendo por aqui? O Cupido resolveu fazer de nossa casa a moradia dele?

Laura desprendeu-se do corpo maior e voltou-se de frente para a morena, abraçando-a e sorrindo.

— Por mim, ele fica por aqui para o resto de nossas vidas.

Alesha percebeu o fogo nos olhos da loirinha e abraçou-a, carinhosamente.

— Não estou reclamando, só nunca vi Constância se derreter desse jeito antes. Cara! Vou te dizer uma coisa! Tudo está mudando tão rápido na minha vida…

— Para o bem ou para o mal?

— Para muito bem, meu amor… Para muito bem…

Depois que Constância colocou as flores em um vaso, elas entraram na cozinha.

— Bom dia para vocês dois.

— Bom dia para vocês, também. – Constância falou, efusiva.

Laura entrou, encarando Ronan com um sorriso de orelha a orelha. Ronan era um homem digno, muito precioso. Era o que mais se aproximava da imagem de um pai para ela e gostou de ver que, nesse momento de sua vida, se dava a oportunidade de ter alguém que pudesse amar. Ronan a encarou e conhecendo-a como conhecia, percebeu que havia visto algo. Baixou os olhos, encabulado.

— O que temos para o café da manhã? Já que quando eu saio de manhã sem a Laura, não tem nada!

— Deixa de reclamar, que você sai correndo, sem comer nada porque quer, sua faladeira!

— Deixa, Constância. Isso é ciúme por eu ser mais paparicada do que ela!

Tomaram o café em um clima descontraído. Alesha percebeu o ar de alegria de “sua Constância”. Agradeceu aos céus, intimamente, por estar vivendo um momento de tanta felicidade na vida. Depois de tanto tempo, encontrara a sua verdadeira família.

Após o café, ela chamou Laura para conversar na varanda. Incrivelmente, a varanda se tornara o lugar das duas. Ali contemplavam o mar, discutiam problemas e se amavam.

— Não sei, não, mas não estou gostando da sua expressão.

— Vem aqui. Senta no meu colo.

Laura sentou no colo de Alesha e foi acolhida por braços ternos e calorosos. Era incrível como se sentia tão bem, quando estava envolvida pelos braços da morena.

— Diga. Está com o semblante pesado.

— Foi marcado o julgamento de seu pai.

Alesha sentiu o corpo de Laura retesar-se.

— Amor, você sabia que a hora chegaria e eu estarei ao seu lado, o tempo todo!

— Eu sei…

Alesha era uma mulher que não fazia rodeios. Era sensível no que concerne às emoções de outras pessoas, mas não poupava a sinceridade e suas consequências. Não gostaria que mais tarde estes dissabores fossem motivos de maiores dores. Laura inspirou, fortemente. Entendeu os motivos da agência, mas se sentia insegura.

— Tenho que enfrentar, não é?

— É uma decisão sua.

— Bem. De qualquer forma, seria pior se não o fizesse.

Alesha olhou para sua pequena, afetuosamente. Como poderia ela, Alesha, ter encontrado alguém de alma tão delicada e, ao mesmo tempo, tão aguerrida? Sorriu e a abraçou forte.

— Alesha?!

Constância entrava, esbaforida, na varanda.

— O que foi, Constância?

— Preciso falar com você! — Olhou Laura, receosa.

Alesha percebeu seu olhar, mas não queria que houvesse segredos entre Laura e ela.

— Fala, Constância! Não tem problema.

Constância olhou novamente para Laura.

— São seus pais…

Um frio percorreu todo corpo de Alesha, paralisou momentaneamente. Laura percebeu seu desconforto e, apesar da enorme curiosidade e, até decepção, por Alesha nunca ter falado deles, achou que o momento não cabia para discussões.

— Vou ao quarto me trocar… — Falou Laura.

–Não. Fique aqui. — Estreitou mais o abraço. — Pode falar, Constância. Não tenho nada a esconder e, também, acredito que não tenho pais, há muitos anos!

— Tiveram um acidente…

— E?

— Infelizmente, falece…

— Não me interessa! 

Falou, enfaticamente, levantando com Laura no colo, depositando-a na chaise. Saiu da varanda e foi para o quarto, deixando Laura atarantada e Constância consternada.

Constância percebeu que Alesha não contara essa parte de sua vida, mas que, no fundo, não era porque não queria que Laura soubesse e, sim, porque ela fazia questão de não lembrar. Sentou-se ao lado de uma atônita menina loira, que era apaixonada por sua grande menina perdida…

— Seus pais eram do interior e tinham muito dinheiro. O pai dela era dono de concessionárias de carro, espalhadas por todo o país. Quando ela tinha dezesseis anos, se apaixonou por uma amiga de colégio. Teve um romance, mas a garota era viciada em cocaína, aí o pai dela descobriu, porque Alesha começou a gastar dinheiro com a garota para tratá-la. – Constância tomou ar para terminar o relato. –  Ela convenceu a menina a entrar em uma clínica, pagava o tratamento e, quando a garota saía era assediada, novamente, pelos seus amigos de drogas. Algum tempo depois, ela retornava ao vício. Alesha era muito jovem e não sabia lidar com isso. Ela e seu pai brigavam muito, porque ele não admitia a orientação sexual de Alesha. Sua mãe sempre foi uma mulher superficial e nunca a apoiou. Ficava ao lado dele. 

Constância respirou fundo e observou que Laura a mirava, atentamente, aguardando que continuasse o difícil relato:

— Em uma discussão, achando que Alesha voltaria na primeira dificuldade, a mandou embora. Ela arrumou um emprego, em um escritório de contabilidade e alugou um “kit”. Levou Gilda para morar com ela, mas a garota sempre retornava às drogas, até o dia que teve uma overdose. Alesha tomou-se de uma ira alucinada e procurou os supostos amigos dela. Descobriu que seu pai pagava para que eles levassem drogas para a garota. Aquilo a enojou tanto, que ela sumiu da vida deles, se mudou e veio tentar a vida aqui. Vim com ela. Tinha que proteger minha menina. Como ela tinha experiência em contabilidade, arrumou logo um emprego e começou a estudar para concurso e fez uma faculdade também. Fez o da polícia federal assim que se formou na faculdade e logo passou.

— Deus do céu! Por que ela nunca me contou, Constância?

— Acho que porque ela nunca mais quis saber sobre isso. Quem me avisou sobre a morte dos pais dela foi minha irmã, que ainda mora lá na cidade. Ligou esta manhã. Eles gostavam muito de viajar e de aventuras como mergulhar, por exemplo. Essas coisas que gente rica gosta de fazer. Oh! Desculpe.

— Não precisa se desculpar, Constância, mas essas coisas, pessoas que não tem muito dinheiro também gostam de fazer. O que aconteceu com eles?

— Parece que foram mergulhar em um lugar qualquer aí em que o mar entrava em uma caverna. A maré encheu, se agitou e eles não conseguiram sair.

— Ela nunca mais falou com os pais?

— O pai a escorraçou e a mãe ficou ao lado dele. Na realidade, minha filha, carinho deles ela nunca teve. Amor de família, ela nunca conheceu.

— Pelo menos, tive minha mãe e meus avós, por um tempo, a meu lado… — Laura rememorou desde o momento que conheceu Alesha até aquele instante. — Mas ela teve amigos de verdade. Conheci a Fernanda…

— A Fernanda, ela conheceu na faculdade e se tornaram amigas. O problema foi quando ela começou a trabalhar infiltrada. A Fernanda nunca soube que ela era policial. Não queria expor seus amigos a nenhum perigo. Foi uma época difícil para esconder, pois, de vez em quando, ela sumia e não podia dizer o motivo. Apesar de nutrir um grande carinho por Fernanda, sempre a manteve distante. Depois foi convidada a integrar a Interpol. Hoje é mais fácil porque se vêem, raramente. Alesha arrumou um ponto, uma forma de lidar com essa relação de amizade, apesar de saber que pode contar com a Fernanda, a qualquer hora.

— Deus! Que loucura, Constância!

— Não se penalize, minha menina. Nunca a vi tão feliz como a vejo hoje.

— Obrigada por me falar, Constância.

Constância meneou a cabeça e foi para a cozinha.

XGXGXGXGXG

— Oi!

Laura entrou no quarto, vendo Alesha sentada em uma poltrona, olhando para fora da varanda. Seu olhar era distante.

— A fofoqueira te contou todos os detalhes?

— Para, Alesha!

Laura sentou-se no colo da agente, outra vez. Olhou em seus olhos afetuosamente.

— Não vai querer saber…

— Laura. Há muito tempo, eles não me quiseram mais. Há muito tempo que segui com minha vida, não os vi e nem queria ver. Seria hipocrisia minha ir lá apenas para enterrá-los.

— Amor, você sabe o pai que tenho. Sabe que vou te apoiar em qualquer decisão que tome; só não gostaria que sofresse.

— Laura, sabe o que é mais triste?

— Não.

— É que meu sofrimento não é por tê-los perdidos, é porque, hoje, vejo que, há muito tempo, não os tenho mais em meu coração.

Laura estreitou mais o abraço.

— Você vai sobreviver. – Beijou-a. — Vamos sobreviver.

Isso era tudo que Alesha precisava para a sua alma.


Nota: Faltam pouquinhos capítulos, somente três pessoal. Então, que tal se animaram para falar se estão gostando? 

Espero por vocês!

Beijos!

O que achou deste história?

© 2015- 2020 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.