Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

21 – Oitavo Caso: O Druida Sanguinário – parte 2

Os Estranhos Casos de Elizabeth Evernood e Margareth Blindwar

Oitavo Caso: O Druida Sanguinário – parte 2

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer

Ilustração: Táttah Nacimento


No episódio anterior…

— … antes que fale mais alguma coisa, me conte o que foi aquela coisa toda de você com Greendwish.

— Foi o medo dele perder apoio de quem faz o serviço para ele. – Evernood respondeu e viu de soslaio a legista sorrir. – Entendo que ele precisa se justificar para seus pares e eu, particularmente, não gostaria de conflitos com ele.

Margareth bufou. Estava cansada de aturar essas atitudes que só nublavam a atuação delas.

— Eu não sou tola, assim como Violet não é, mas, por Deus! Esbravejar em meio a uma cena de crime como essa, apenas para falar para os policiais que é ele quem está no comando e não alguma mulher? Isso é ridículo.

— Não, não é.  – A doutora falou de longe. – O que seria dele politicamente se admitisse para seu público que as melhores investigadoras que ele tem, são mulheres?

A doutora Lister se levantou, pois estava agachada, escavando as covas com cuidado. Encarou as duas detetives.

— Mesmo minha antecessora ter sido a melhor professora de anatomia que a universidade já teve, mesmo ela tendo encarado os mandachuvas da medicina, quando assumi, fiquei abaixo de um homicida que achava que era muito melhor do que eu; no entanto, nada fazia. Precisou que Tarth fosse pego por assassinato para que eu assumisse. E olha que eu era a opção de Catley para ser a sua substituta.

— Me animou muito, Violet. O que me disse basicamente é que, não importa o que façamos, seremos sempre delegadas à segunda categoria.

Tanto Lister quanto Evernood riram, diante da fala irônica da detetive de polícia. 

— Bom… Meu alento é que Marie Curie foi reconhecida em dois prêmios Nobel, não tem muito tempo. Realmente, espero que as coisas mudem, Meg. – A doutora Lister respondeu.


Parte 2 — 

As detetives acompanhavam o trabalho da legista, observando atentas as falas e anotações da médica. A doutora Lister foi passando de uma bancada para a outra, analisando os esqueletos e os corpos, sendo auxiliada por dois de seus alunos monitores. Embora Elizabeth costumasse ser paciente, daquela vez, não conseguiu conter a sua curiosidade e perguntou:

— Eles morreram pela decapitação?

A legista elevou o olhar para encará-la, porém seu olhar estava perdido, como se estivesse divagando e, por fim, respondeu.

— Sim. As ossadas não têm sinais ou marcas de lesões perimortem ou “post mortem”, a não ser a cisão que separou o crânio do restante do esqueleto. Essa foi no ato da morte. Não foi num local preciso, delimitado em uma parte específica do pescoço e, pelo tipo de dano nas vértebras atingidas, possivelmente foi uma arma de corte robusta.

— Está querendo dizer que mataram essas pessoas degolando-as com um machado?

Margareth perguntou, pasmada com a violência dos assassinatos.

— Provavelmente sim, mas não posso afirmar ainda. Tenho que fazer testes para verificar lâminas grandes o suficiente que possam seccionar as cabeças de uma só vez. E terei que fazer isso rápido, para comparar com os cortes nas estruturas do pescoço das vítimas recentes. 

—  Tem certeza de que elas não foram mortas por outra coisa antes de deceparem as cabeças?

Evernood perguntou, ainda incrédula.

— Sim. Provavelmente, as vítimas estavam imobilizadas, pois o sangue espirrou em jatos, manchando toda a cabeça após a decapitação.  Vejam.

A legista se aproximou da bancada onde os corpos das vítimas recentes jaziam. Mostrou os rostos e cabeças com manchas de sangue, em forma de vergões.

— Como se fossem mechas… Jatos. 

Margareth balbuciou, entendendo exatamente o que a legista falava. 

— Ou seja, as vítimas estavam vivas neste momento. – Elizabeth concluiu.

— No momento do assassinato, poderiam estar sedadas, em vez de amarradas, mas não creio. Vejam estas marcas nos punhos e tornozelos das vítimas. — Lister apontou. – Esses hematomas são característicos de quem foi amarrado com cordas. Observei também que não há qualquer outra lesão nos corpos. 

— Então não há dúvidas que essas pessoas foram degoladas, enquanto ainda estavam vivas.

Blindwar falou com pesar.

— Fará ainda hoje os testes com as lâminas, Violet?

— Assim que terminar as autópsias desses dois corpos, Beth. Estou apenas no início. Além do que, precisarei que o departamento libere a compra das carcaças de porcos e das armas. Enquanto isso, tentarei determinar a idade de cada pessoa. O sexo já sei. São todos homens, a não ser esta vítima mais recente. 

— E eu, voltarei para o departamento de polícia, pois o artista forense já desenhou o rosto dessas duas pessoas. Tentarei comparar com os comunicados de desaparecimento.

Margareth se pronunciou, voltando-se para Elizabeth. 

— Pelo surto mais cedo de Greendwish, acredito que não irá comigo, não é?

— Não, Meg, mas tem algo que posso fazer. Vou até a região do cemitério clandestino. Existem outras fazendas fronteiriças que posso averiguar. Procurarei saber se tiveram problemas ultimamente, como pessoas estranhas rondando, por exemplo.

— Ótimo. Isso será bom para mim também. Dessa vez estou sozinha. Reynold e Dashwood estão no departamento geral de justiça e só contarei com Spencer e Smith.

Quando a doutora Lister escutou o nome de seu namorado, elevou o olhar em direção à detetive de polícia. Titubeava na decisão de perguntar por ele, o que não passou despercebido pela amiga.

— Ele e Dashwood estão num caso, juntamente com os federais. Um crime extrafronteiras, mas que não é de assassinato. Não se preocupe.

— Não estou preocupada, Meg. Por que acha que estou preocupada?

Blindwar e Evernood riram diante da reação da médica.

— Está bem. Não falo mais de Reynold para você…

Margareth declarou se voltando para a saída do laboratório, no que foi interrompida pela fala da legista.

— Não se atreva. Vocês são minhas amigas e têm, por obrigação, me falar tudo que ele anda fazendo.

— Marcamos então às seis horas no pub da praça da universidade? Pode ser? – Evernood respondeu, sorrindo.

— Combinado.

A doutora Lister voltou para a bancada, enquanto as duas detetives saíam do laboratório.

— Quer dizer que sua irmã desapareceu anteontem, senhorita Barclay?

— Sim. Fui até a polícia para dar queixa, mas tenho somente dezessete anos e disseram que precisava de um adulto comigo. Meus pais morreram de tuberculose, há três anos e, hoje, somos só eu, minha irmã mais velha e nosso irmão de treze anos.

— Sua irmã ficou com o sítio e com a tutela de vocês, após seus pais falecerem?

— Sim. Ela já era maior e a nossa tia que mora em Rock Valley atestou a sua capacidade para herdar as terras e cuidar de nós, senhorita Evernood.

— Rock Valley é próxima daqui. Certamente, tem como chamar sua tia para vir até aqui e poder ir na delegacia, ou não?

— Nosso vizinho, Stanton Bird saiu hoje cedo para levar um carneiro para um abatedouro de lá e mandei uma mensagem através dele. O irmão dele também desapareceu, há um mês.

— Desapareceu? E não foi achado até agora?

— Não, senhorita Evernood. 

A moça se levantou da cadeira para servir mais uma xícara de chá para a visitante. A casa era humilde, porém bem cuidada. Um rapazinho entrou com as botas enlameadas.

— Daniel, está sujando a casa toda. Tire as botas de trabalho lá fora. Temos visita.

A moça ralhou com o garoto que, imediatamente, retirou o chapéu da cabeça, envergonhado.

— Me desculpe, senhorita.

Ele se dirigiu à Evernood que achou graça da simplicidade do rapaz.

— Não tem problema algum. Eu vim de surpresa. Não haveria como o senhor saber.

O rapazinho estufou o peito por ter sido tratado com tanta deferência por uma moça tão bonita. Evernood sorriu, simpática. 

— Vá trocar essas botas. A senhorita Evernood é detetive e está aqui para nos ajudar a encontrar a Sally.

— Molly… Posso chamá-la de Molly.

— Sim, claro. Pode sim.

— Então, Molly, estão ocorrendo muitos desaparecimentos nesta região. 

Elizabeth falou cautelosa para não assustá-la, até porque descobrira àquela hora que havia desaparecimentos na área. Contudo, gostaria de ver alguma fotografia da irmã para comparar com a vítima que encontraram. Continuou a falar.

— Por acaso, a senhorita tem alguma fotografia recente de sua irmã? Tenho que juntar a investigação desses desaparecimentos.

— Temos sim!

O irmão de Molly entrou na sala esbaforido, respondendo à pergunta. Havia se lavado e trocado de roupa.

— Vou pegar para a senhorita!

Saiu correndo para dentro da casa. Tanto Evernood quanto a senhorita Barclay riram da atitude.

— Desculpe meu irmão. Depois que meus pais morreram, ele tem se empenhado em ajudar nas tarefas e, há dois dias, é ele quem está arando sozinho as terras. Eu que ficava cuidando das tarefas da casa, enquanto ele e Sally cuidavam da plantação e dos animais. A senhorita é uma das poucas pessoas que veio nos visitar nos últimos tempos.

— Não há o que se desculpar. Sei que essa energia é coisa da juventude.  – Evernood tomou um gole do chá, antes de continuar. – Alguém diferente visitou vocês, nessas últimas semanas?

— Sim. Mas nem vale a pena. Era um homem louco, falando sobre estarmos em terras sagradas, ou algo assim. Minha irmã o colocou para fora.

Evernood parou de beber seu chá e fitou a garota. 

— Sabe quem era esse homem? Me conte tudo a respeito, senhorita Barclay…

A senhorita Lister e Evernood haviam chegado ao pub. Blindwar estava atrasada e estranhavam pela hora. O relógio do estabelecimento badalou sete vezes, quando avistaram Margareth entrar. Ela vasculhou o ambiente com o olhar, até encontrar a mesa recuada em que as amigas a esperavam e não tardou em se aproximar e se sentar. 

— Deus! Juro que uma hora cometo um homicídio na delegacia.

— O que aconteceu? Greendwish veio falar sobre comportamento e que tudo que fizesse fosse se reportar a ele?

Violet perguntou, bebericando seu drink.

— Antes fosse. Pelo menos, ele é meu chefe e sei que tenho que me reportar a ele sempre. Fui à Crimes Gerais requisitar os arquivos dos últimos meses sobre reporte de desaparecimentos. Levei mais de três horas para conseguir.

— O que quer beber, Meg?

Evernood perguntou, fazendo um sinal para que o garçom se aproximasse. Ela sorria, intuindo quem estava à frente daqueles documentos no outro departamento.

— Um scotch.

Margareth respondeu, relaxando na cadeira. Evernood pediu para o garçom e se voltou para ela.

— Deixe-me adivinhar; Stain está à frente das investigações de desaparecimentos, estou certa?

— Como sabe, Beth?

Evernood gargalhou, tomando um gole de sua bebida. 

— Simples. Ou o colocariam com Pequenos Roubos, ou com Desaparecidos, após a última cartada dele de enfrentamento ao próprio comissário. Acha que o comissário Harry não o rebaixaria, após a punhalada nas costas que ele tentou dar?

— Acho que foi pouco. – Blindwar respondeu, séria. – Ele não é um detetive sério. Pensa somente em levar vantagens e não investiga nada. – Bufou.

O garçom chegou, colocando o copo de whisky sobre a mesa, além de alguns petiscos para elas saborearem. 

— Descobriu mais alguma coisa, Violet?

Blindwar perguntou, levantando o copo para um brinde, antes de bebericar de sua bebida.

— Sim e não. As lâminas e as carcaças de porcos foram entregues pouco antes de sair. Deu-me tempo de testar somente dois. Não executei pessoalmente, pois pelo conhecimento que tenho, sabia que, para uma pessoa executar uma decapitação, teria que ter mais força do que eu. Pedi a um dos meus monitores, que também é um atleta de remo. É um rapaz com força nos braços, todavia, com nenhuma das armas que empunhou, não conseguiu fazer a degola em um só movimento. 

— Então podemos descartar mulheres como assassinas? – Blindwar questionou.

— Não disse isso. — A senhorita Lister contestou. – Sei, por enquanto, que os tipos de armas que utilizei, não poderiam ser as que foram usadas nos assassinatos e, também, teria que ser uma pessoa com uma força grande.

— Ok. Então disse que provavelmente é uma pessoa com grande força, ou seja, é provável que seja um homem. E, também, que tem que ser uma lâmina grande e afiada, talvez como um machado.

Lister revirou os olhos, diante da simplificação de Evernood, porém, sabia ser a maior probabilidade. 

— Muito bem, então temos que esperar até amanhã para saber se alguma outra lâmina faz o “serviço”. – Margareth dirigiu seu olhar à Elizabeth. – E você, conseguiu algo?

— Mais do que imaginava. – Elizabeth falou. – O primeiro sítio que visitei, próximo à fazenda de Villin, encontrei uma moça de dezessete anos com seu irmão, que tentou dar parte do desaparecimento da outra irmã, mas não conseguiu por ser menor de idade e nem ser emancipada.  O departamento de polícia pediu para que retornasse com alguém responsável.

— Estou pensando em quem falou isso no departamento para essa garota… – Blindwar especulou revoltada, já sabendo a resposta. . – Não há esse tipo de lei quanto a desaparecimentos e, se foi Stain a orientar a senhorita Barclay, ele está passando dos limites. Se a lei não permitisse que um menor notificasse um sumiço, como fariam se os desaparecidos fossem seus pais e não houvesse mais nenhum parente adulto para fazê-lo? 

Margareth Blindwar ficava cada vez mais indignada com a conduta do detetive Stain.

— Que seja, Meg, mas agora sabemos que existe uma mulher desaparecida na região. Vamos nos focar nisso. 

Evernood declarou, retirando uma fotografia do bolso, colocando-a em cima da mesa.

— É a nossa vítima!

— Exato, Violet. Não contei para a menina, pois já estava abalada, porém logo que me deram a fotografia, a reconheci. – Evernood suspirou. – E tem mais. Visitei mais três fazendeiros. Um deles era um grande produtor e os outros dois, eram sítios menores. O fazendeiro não foi importunado, entretanto os donos dos menores sítios desapareceram também. Tudo num espaço de tempo de um mês. 

— Espere aí. Não achei nenhum desaparecimento registrado no departamento naquela região. 

Margareth comunicou e as três mulheres se entreolharam. Blindwar socou levemente a mesa.

— Se esse pulha estiver negligenciando esses reportes de desaparecimento, juro que, dessa vez, acabo com ele!

— E o que faria, senhorita Blindwar? – A médica legista perguntou debochada. –  Se valeria de sua posição social para falar com o prefeito para tirá-lo? Garanto que seria muito mal vista perante a corporação.

Violet Lister torceu o nariz, ao emitir a sua opinião. Ela gostaria, e muito, que policiais como aquele fossem afastados, porém, sabia que o menor sinal de uma jogada política aberta como aquela, desfaria tudo que a detetive havia conquistado. Margareth se calou, remoendo a sua raiva.

— Calma, Meg. Depois cuidamos desse calhorda. – Elizabeth contemporizou. – O fato é que todos os sítios em que os responsáveis desapareceram foram contatados por um homem que dizia que aquelas terras eram sagradas e que não deveriam ser profanadas. Um homem mediano de cabelos ruivos e vestes estranhas. 

— Vestes estranhas? De que tipo, Beth?

— Isso foi o que mais me chamou a atenção, Meg. Ele se vestia com uma túnica de linho cru. As famílias falaram que era como se ele tivesse saído de histórias medievais, bem antigas. 

— Como um monge?

— Não acho, Violet. Pelo que falaram, ele tinha desenhos tatuados na testa e nos braços. 

— Como um druida, então?

Margareth perguntou e Elizabeth acenou afirmativamente com a cabeça, antes de colocar na boca uma naco de linguiça assada. A legista e a detetive de polícia ficaram em silêncio durante um tempo, tentando assimilar aquela informação e, por fim, Margareth perguntou para a amiga doutora:

— Violet, tem como conversar com algum historiador da universidade em relação a isso? Não acredito que agora temos nas mãos um fanático de antigas crenças de nossa terra!

— Vou verificar se há algum pesquisador dessas raízes míticas de nossa terra. – A legista respondeu, dando um gole em seu scotch.

— Eu sou mais cética, meninas. Prefiro conversar mais com essas famílias para obter outras informações.

— E o que acredita que obteria além do que já falaram para você, Beth?

— Não sei, Meg, mas se uma coisa que aprendi com a vida, é que fanáticos sempre tem motivos diferentes do que falam para as pessoas. Padre Javier costumava me dizer que, quando alguém afirma ser muito religioso e demonstra ira nos atos, não tem a ver com as suas crenças, e sim com seus interesses pessoais.

— Conversava muito com ele…

— Sim, eu conversava. Era um homem inteligente, acima de tudo, Meg. Ele entendia a sua fé como a realização de seu amor e não como o aprisionamento da crença das pessoas, através da religião.

— Esse homem que se apresentou como druida, pode ser apenas um desequilibrado.

— Pode ser, Violet, todavia, avisar as pessoas sobre suas terras e depois matá-las, colocá-las em covas sem as cabeças…

— Muito bem. Me convenceu, Beth. Amanhã irei com você para conversar com essas pessoas.  – Margareth se voltou para a legista. – Acha que, amanhã, conseguirá terminar os testes?

— Sim, Meg. Acredito que de manhã farei todos os testes. Tentarei procurar o pesquisador também. Ah, me esqueci de falar. Com exceção desta senhorita, – Violet apontou para a foto – todas as outras vítimas eram mais velhas. A idade variava entre quarenta e sessenta anos. – Violet deu uma pausa na fala. Estava ansiosa. – Queria mudar um pouco de assunto agora. Depois a gente retorna, pode ser?

Elizabeth e Margareth se entreolharam e sorriram.

— Pode perguntar, Violet. Ou melhor, primeiro fale o que aconteceu para que você e Reynold brigassem. 

— Vocês duas não vão me dar folga, não é? Tudo bem, eu falo. Reynold é um idiota que acha que eu deixarei de trabalhar se um dia nos casarmos.

— Não acredito que Reynold falou isso para você!

Margareth estava indignada.

— Eu acredito. 

Elizabeth retrucou, displicente.

— Calma, não foi bem assim que aconteceu. Ele insinuou, quando passamos pela rua do Banco Nacional e vimos uma mulher que trabalha lá, sair para almoçar com o marido. Tanto eu como ele, conhecemos o casal.

— E aí, foi a vez de você se irritar com ele e depois brigaram.

— Exatamente, Meg. – A doutora suspirou. – Vejam bem, não sou profundamente apaixonada por Reynold, mas estávamos indo bem. Foi um homem que não se assustou comigo, por ser professora de anatomia numa universidade e, também, legista. Acreditava que ele tinha uma forma de pensar diferente. Depois que brigamos, ele não me ligou mais.

— Reynold está realmente no departamento de justiça, Violet. Não menti. Ele e Dashwood foram requisitados.

— Agradeço por tentar me animar, Meg, mas acha que ele não tem um minuto para pegar um telefone e ligar para o meu departamento? Nós brigamos de fato. Eu falei a ele que se não me aceitasse com meu emprego, não precisaria mais me procurar, e pelo visto, é o que está fazendo.

— Sinto muito, Violet.

Evernood não queria desanimar a moça, porém sabia que era difícil também, para um homem de mente mais estreita, aceitar uma mulher à frente no tempo, como a senhorita Lister. Reynold parecia ser um bom homem, entretanto, vivia sob uma conduta que, constantemente, lhe lembrava o papel de um homem de família. Ele parecia ser do tipo que acreditava que se casasse, teria a responsabilidade de sustentar a família.

— Bom, pelo menos, isso aconteceu antes de nosso relacionamento avançar. – A doutora Lister suspirou. – Sabe o pior de tudo? Encontro o mesmo tipo de atitude nos meus pares da academia e ainda são piores. Constantemente, sou testada e reiteradamente tenho que me impor. Meu avanço em descobertas forenses é desdenhado, até que consigo um aliado estrangeiro que se interesse pelas minhas pesquisas para publicação em outra universidade.

— É quando os acadêmicos de sua universidade voltam atrás e resolvem publicá-la. 

Margareth simplesmente afirmou, entendendo o drama da amiga. 

— Não sem antes discutir com a banca da universidade. Já até me sugeriram colocar um monitor como autor principal de meus trabalhos. 

Violet Lister bufou, tomando o restante de whisky de seu copo. Na presença das duas detetives, conseguia ser natural, sem ter que medir os gestos. Elas não achavam desapropriado algo simples, como verter a bebida em sua garganta. Certamente, se houvesse um homem naquela mesa ou então mulheres que se esmeravam em caçar maridos, desaprovariam.

De repente, um homem aproximou-se da mesa, retirando o chapéu.

— Desculpem, senhorita Evernood e senhorita Blindwar, não sabia que estariam acompanhadas.

Edwin havia atendido ao pedido de Evernood para se encontrarem no pub, porém não havia visto que Elizabeth e Margareth estavam acompanhadas, antes de se aproximar.

— Está tudo bem, Edwin. Sente-se ao meu lado, por favor. – Elizabeth se virou para a legista. – Este é Edwin, meu mordomo e braço direito, Violet. – Apresentou os dois.

— Muito prazer. Sou Violet Lister.

A doutora estendeu a sua mão para cumprimentá-lo, que foi pega pelo mordomo e beijada.

— O prazer é todo meu, senhorita. 

Fitaram-se, momentaneamente.

Na noite anterior, o quarteto que se encontrara no pub delimitou todas as ações que tomariam. Edwin tentaria investigar quem era o homem de túnica que procurara as famílias, Lister terminaria seus experimentos, enquanto Evernood e Blindwar averiguariam outras fazendas, além de voltarem a falar com as famílias dos desaparecidos que Elizabeth já havia mapeado.

— São mais três fazendas em toda a cercania, onde os herdeiros desapareceram, Beth. Não é coincidência. 

— Não, não é. 

Evernood respondeu seca e pensativa. Desta vez, ela estava do lado do carona. Blindwar havia a convencido de ir em seu automóvel.

— Não devia ter lhe ensinado a dirigir. Penso melhor quando estou na condução. 

Margareth sorriu, diante da fala da namorada.

— Agora entendo a sua concentração, sempre que íamos a algum local de crime.   

— Isso não está certo, Meg…

— O quê? Eu estar dirigindo?

— Não. – Elizabeth respondeu, impaciente. – Essa coisa das covas e do tal homem.

— Concordo. Já somam cinco sítios, Beth. Faltam mais dois para fechar o número de vítimas que encontramos. Espero que Edwin tenha conseguido encontrar quem é esse druida.

— Ele não é um druida. Eu admiro a cultura pagã antiga. – Evernood falou a esmo. – Aliás, minha curiosidade me levou a ler sobre as culturas antigas de nosso país, quando as terras não eram unidas. Não lembro de nenhum povo antigo ter matado por degolação. Eles tinham crenças parecidas, onde nelas, as sacerdotisas eram reverenciadas como as possuidoras da sabedoria hermética, e os druidas eram seus sectários com dons alquímicos. Eram vistos como magos e magas, representantes das divindades.

— O que quer dizer com isso? 

— Quero dizer que, se esse homem fosse um fanático das religiões pagãs, não mataria degolando essas pessoas. Mataria com uma adaga no coração, sobre uma mesa de sacrifício ou mesmo os colocaria em uma região erma, onde a floresta seria o domínio de lobos. Assim, o herege teria a possibilidade de provar seu valor.

— Então, acredita que esse homem seja um louco ou um embusteiro, é isso?

— Posso estar enganada, Meg, No entanto, acredito muito mais na possibilidade de embuste.

— Bem, estamos perto de outro sítio. Pelo mapa que peguei na prefeitura, há mais cinco propriedades próximas à floresta e depois, às matas que se estendem após Greathill.  

Chegaram ao caminho da propriedade e viram quando um rapaz e uma senhora que aravam as terras, largaram o arado e começaram a caminhar em direção à casa. Quando estacionaram o carro, os dois já se aproximavam. Desceram.

— Bom dia. Sou a detetive Margareth Blindwar do departamento de Crimes Graves. – Ela mostrou seu distintivo. – Esta é a detetive Evernood.

— Bom dia. Estão aqui pelo meu marido?

Evernood e Blindwar não se olharam, porém, as duas emudeceram momentaneamente. Pela visão periférica, Elizabeth percebia que Margareth travava a mandíbula fortemente.

— Calma. Terá tempo de confrontar Stain. – Evernood sussurrou.

— Não exatamente, senhora…

— Ah, desculpe-me. A mulher estendeu a mão. – Sou Josephine Campbell.

— Prazer, senhora Campbell. Quando seu marido desapareceu? 

Evernood perguntou, intuindo o porquê da mulher estar aflita.

— Há quase um mês. Fui até a cidade dar parte do desaparecimento dele, junto com meu filho, Noah. 

O filho da senhora Campbell tinha uma atitude retraída. Era um rapaz na casa de seus vinte anos. Acenou com a cabeça, tímido.

— Após dar a queixa de desaparecimento, retornou para saber o andamento da investigação? – Margareth inquiriu.

— Sim. Anteontem mesmo. Fui atendida por um detetive muito simpático chamado… Stency…

— Detetive Stain?

— Isso mesmo. Muito simpático, mas falou que ainda não haviam progredido na investigação.

— Do modo como ele falou, foi como se meu pai tivesse nos deixado. Eu não acredito nisso. 

O rapaz falou, um tanto quanto revoltado.

— Não fale assim, Noah. O detetive não falou isso!

A mulher ralhou e ele se calou.

— Podemos conversar um pouco, senhora? Precisamos saber o que antecedeu no dia que seu marido desapareceu.

Margareth declarou e a mulher atendeu ao pedido, levando-as para dentro da casa. Uma garota veio da parte de dentro, enxugando as mãos em um avental. Ao se deparar com visitas, recuou um passo, acanhada. 

— Desculpem-me. Não sabia que estávamos com visitas. 

— Esta é minha filha mais nova, a Adele. 

— Muito prazer, senhorita Adele.

As duas detetives a cumprimentaram.

— Adele, prepare um chá para as detetives. Vieram falar sobre o desaparecimento de seu pai. Ah, traga alguns “scones”* também.

— Sim, minha mãe. Já trago.

A garota saiu e, com exceção do rapaz que permaneceu de pé próximo a uma janela, todos se sentaram nos sofás gastos da sala, que dividiam o espaço com o ambiente de jantar. A mulher parecia esperançosa, quanto as novidades sobre a polícia estar investigando o desaparecimento do marido.

Tempos mais tarde, Evernood e Blindwar retornavam à cidade. A detetive particular conseguiu convencer a namorada a deixá-la dirigir seu automóvel. Quase não conversaram. Ambas estavam introspectivas, diante de mais um relato assombroso.

— Vamos almoçar e depois iremos direto para a universidade. Ligarei de lá para que Edwin se junte a nós. – Evernood determinou.

— Espero que ela tenha novidades. O que vimos no padrão do desaparecimento do senhor Campbell, não é nada diferente dos outros. 

Margareth respondeu desanimada e, ao mesmo tempo, começava a desconfiar das atitudes de seu ex-colega de trabalho.

— Acha que Stain…

Ela interrompeu a pergunta, não querendo acreditar que um colega de trabalho pudesse estar engendrado em uma trama criminosa.

— Acho que precisamos investigar, Meg. Não podemos tirar conclusões infundadas. Que ele é um mandrião, já sabemos, contudo nunca soubemos que esteve ligado a crimes.


 

  • Scones – Bolinho bem cozido, geralmente feito de trigo ou aveia com fermento em pó como agente fermentador e assado em assadeiras. É levemente adocicado e ocasionalmente vitrificado com uma suave pincelada de ovos. O bolinho é um acompanhamento básico do chá com creme consumido na Inglaterra.

 

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Scone

 

Nota: Bom dia dos namorad@s, pessoal! 

Beijo a tod@s



Notas:



O que achou deste história?

8 Respostas para 21 – Oitavo Caso: O Druida Sanguinário – parte 2

  1. Muito suspeita essa atitude de Stain… Será que está envolvido com esses crimes? Ou seria apenas preguiça de trabalhar?
    Lendo o relato de Violent fico imaginando o quão difícil era ser mulher naqueles tempos. Ter que ser totalmente depende do marido, submissa e com isso aguentar muita coisa ruim vindo deles. Sabe, me simpatizo com Violent.. Edwin é um homem de mente aberta e tal… será que realmente senti um clima? kkk

    Repara não, Carol! To divagando aqui.
    Beijo

    • Oi, Fabi! Saudades de ti.
      Essa do detetive Stain não dá para engolir, né? Tanto numa, como na outra situação, é maior vacilo dele, no entanto, ter preguiça e incompetência, mas estar envolvido é desgraça para a corporação. aff.
      Quanto a Violet, ela tem fibra e você está certa. Ser mulher era matar um leão por dia. Existia uma contradição, pois mulheres do povo não tinham voz na sociedade, apesar de terem uma liberdade maior nas decisões de sua vida pessoal, pois tinham que trabalhar para aumentar a renda familiar. Aquelas que eram mais abastadas, que supostamente teriam mais voz, eram justamente as mulheres que tinham que representar o papel da mulher de família. Sendo assim, se elas saíssem do roteiro, eram criticadas ferozmente. Muitas foram colocadas em manicômios pela própria família, com a desculpa de serem “histéricas e desequilibradas”. Triste, não é?
      Felizmente algumas mulheres conseguiram se mostrar um pouco, como Marie Curie e outras.
      Edwin é um cara mais do povo e que viveu uma realidade cruel. Convenções sociais não fazem parte da cartilha dele. rsrsr
      Que é isso?! Amo quando alguém divaga. rsrs Pode divagar sempre.
      Um beijão pra tu! Hoje sai a parte 3. rs

  2. Nossa!Louco,Fanático religioso, ou só um assassino frio com interesse nas terras? Huuummm, curiosidade a mil. Vc sempre consegue!

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