Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

20 – O Druida Sanguinário – parte 1

Os Estranhos Casos de Elizabeth Evernood e Margareth Blindwar

Oitavo Caso: O Druida Sanguinário – parte 1

Texto: Carolina Bivard

Revisão: Naty Souza e Nefer

Ilustração: Táttah Nacimento


 

Margareth agora dirigia o próprio carro. Há dois meses, quando passou por toda a loucura na França com as tramas das Agências de inteligência do continente, repensou a sua vida. Era uma mulher de muita sorte por ter a família, os amigos e o emprego que tinha. Mais sorte ainda por ter encontrado o amor numa mulher de tanta fibra. Evernood a fazia feliz. As duas passaram a ter uma relação mais sincera, íntima e sem segredos, após os últimos eventos de suas vidas. 

Evernood passara a lhe contar tudo que viveu e a lhe ensinar técnicas aprendidas na época da guerra, enquanto era uma agente. A relação delas amadureceu e Blindwar sentia uma liberdade apaixonante, mesmo tendo que esconder, socialmente, a relação que tinha com a detetive particular.

O retorno de Paris havia sido difícil. Na época, como voltara antes da data prevista para a viagem, resolveu ficar escondida na casa de campo de Elizabeth por alguns dias. Tinha que se curar de todos os hematomas que ganhara ao longo da fuga dos espiões alemães que atentaram contra elas.

Teria também que elaborar uma desculpa bem feita para os pais, a respeito de seu cabelo, que agora estava pouco acima da altura do ombro. A sua mãe não aceitaria tão fácil aquele corte. Margareth tinha os cabelos longos que normalmente os prendia em um coque e, agora, teria que passar a usá-los soltos.

Lembrou-se da discussão com a sua mãe, quando retornara para casa com o novo corte, corrigido pelas ágeis mãos da empregada da casa de campo.

— Minha filha! O que fez com seu cabelo?

— Ah, mãe, essa é a moda agora. Todos em Paris usam assim.

— Você não está em Paris!

A mãe parecia desolada e seu pai se aproximara, beijando a filha.

— Está linda, minha filha. Sabe que a filha do prefeito cortou dessa forma e que a irmã de Vincent Evans também?

Margareth sentiu-se leve, agradecendo que o estilo “Coco Chanel” estava chegando em sua cidade.

— Viu, mãe? Queria que eu destoasse das moças daqui, como se não soubesse nada de moda?

— Bem eu… eu… não pensei sobre isso.

A mãe recuou, sabendo que a nata da sociedade estava adotando aquele estilo. Suspirou.

— Seu cabelo era tão lindo…

— A senhora achou que fiquei feia?

Margareth perguntou com a expressão desapontada, fazendo sua mãe se arrepender da reação exagerada.

— Não, minha filha! – Passou a mão no rosto de Margareth. – É que eu achava seu cabelo lindo. Mas se agora as moças estão usando assim… Você é linda, minha filha.  

Sorriu levemente, sentindo o vento acariciar a face, enquanto dirigia seu automóvel para o local de um assassinato. Fora requisitada antes do amanhecer, tendo que sair de casa às pressas. Normalmente não ia para o departamento com o automóvel. Além de acreditar que seria uma afronta para seus colegas de trabalho, já que era um veículo que a maioria não possuía, assim como Elizabeth, achava desnecessário utilizar tal veículo numa cidade com tantos transportes à disposição. 

Estava um pouco perdida na estrada que levava ao tal local do crime. O comissário havia dito por telefone que era no bosque de Greenoak pela entrada oeste. Parou na estrada para ver o mapa da região, antes de continuar. Não queria se perder.

— Ah, sim! Estou perto. – Falou para si mesma.

Elevou o olhar e vislumbrou, entre as árvores que cercavam a estrada, o nascer do sol. Inspirou o ar puro, sentindo os pulmões encherem e expirou feliz. Sentia-se mais respeitada por seus colegas e, até mesmo, por sua família. Colocou o carro em marcha novamente, lembrando-se da primeira vez que Elizabeth a ensinou a dirigir. Tinha medo e, após um mês, ficou enlouquecida para comprar um veículo daqueles. Lógico que sua mãe deu chiliques, porém, Margareth não se importou. 

Finalmente chegou ao seu destino. Havia automóveis da polícia parados na estrada e ela estacionou também, descendo e se encontrando com a médica legista da universidade que, por sua vez, acabara de chegar. Ela descia de uma viatura.

— Como vai, Violet?

— Não muito bem… 

Margareth reparou em suas olheiras e elevou uma de suas sobrancelhas, inquirindo-a silente. A médica parecia cansada e diante do gesto da policial, explicou.

— Ontem fui a um sarau. Não dormi muito.

— Ontem foi quarta-feira, Violet! – Margareth expressou.

— É, mas hoje não tinha que dar aula de manhã cedo e, ontem mesmo, briguei com Reynold.

— Ah, compreendo… Bom, hoje terá muito tempo para distrair a sua cabeça.

Margareth gracejou, recebendo um olhar enviesado da recente amiga. Elas haviam se aproximado durante o último mês. Costumavam se encontrar para conversas em restaurantes e drinks em pubs. Estas atividades fora do ambiente de trabalho, estreitaram os laços entre a detetive de polícia e seus companheiros do departamento, também.

As duas caminhavam pela trilha, orientadas por policiais que as esperavam para levá-las ao local do crime. Chocaram-se!

— Por Deus! O que é isso?

Violet Lister exortou, chocada com a cena, enquanto Blindwar espremia os olhos na tentativa de orientar seus pensamentos.

— Por acaso estamos em algum cemitério pagão?!

Greendwish, que estava em meio aos policiais, resguardando a cena, veio até elas.

— O que disse, Blindwar?

— Cabeças degoladas em estacas, marcando covas. – Apontou a terra remexida, sob as estacas que seguravam as cabeças. –  Para mim, parece um cemitério pagão.

Ele olhou para o solo sob as estacas. A chuva, que caíra durante a semana, parecia ter compactado a terra, porém, agora percebia que a terra embaixo de cada estaca tinha uma compactação diferente.

— Boa observação, Blindwar. – Voltou-se para os policiais que estavam por perto. – Peguem pás e cavem sob as estacas.

— Não! – A legista gritou. – Deixem que eu faça, por favor! 

Margareth sentiu vontade de rir, lembrando-se de uma conversa com a amiga, onde ela falou que a polícia era obtusa, mas logo interveio em favor da legista.

— Senhor, acredito que seja melhor a senhorita Lister analisar e fotografar toda a área, antes de escavarem. Poderá passar algo por nós que com o olhar dela, nos indique algo.

— Sim. Sim… Certo. – O comissário Greendwish concordou. – Vá em frente, senhorita Lister. –  Olhou para os policiais que esperavam a sua resolução. – Atendam a senhorita Lister no que precisar. Vão! Andem!

Blindwar viu que ele não estava irritado realmente, mesmo após tom rude de sua voz. Durante o ano e meio que esteve sob seu comando, aprendeu a ver quando o comissário agia somente para manter a sua superioridade, perante os subalternos. Aproximou-se para que ninguém os escutasse.

— Por que Dashwood e Reynold não estão aqui?

O comissário bufou, colocando as mãos na cintura, observando o início do trabalho da legista.

— Foram requisitados pelo departamento federal de investigação. Lembra do assalto ao banco?

— Sim. – Blindwar respondeu intrigada.

— Uma gangue assaltou o banco de Paris e o banco de Viena. Com as mesmas características que o assalto daqui.

— Os bandidos cruzaram fronteiras e agora os federais estão requisitando o caso…

— Bom, não me alegro e nem me entristeço por isso. Os rapazes não estavam avançando e agora sabemos por quê. São bandidos forasteiros e não daqui. Nossos detetives ficaram limitados porque não tem jurisdição fora de nossas fronteiras.

Blindwar o olhou diretamente. Ele é uma raposa esperta mesmo. Margareth pensou. 

— Imagino que será o que falará para o prefeito e os jornais…

Greendwish sorriu de lado, sem responder. 

— Ah, que nojo! – O comissário exortou. 

Um dos olhos de uma das cabeças, que parecia ser a mais recente, saltou, deixando larvas expostas. Blindwar virou o rosto, pouco depois de ver a legista se encaminhar até a estaca e colocar algumas larvas num vidro.

— O que vai fazer com isso, Violet? 

Blindwar falou com a expressão do rosto profundamente enojada.

— Ainda não sei. Tem um professor de entomologia na universidade que sabe identificar diferentes insetos pela pupa. Este é o único crânio que ainda possui carne. Eu posso, pela composição, identificar mais ou menos a data de sua morte, mas não é muito certo, pois depende de vários fatores. Talvez ele possa ser mais preciso, pela idade desses vermes.

— Muito inteligente, senhorita Lister.

A voz de Evernood soou atrás do pequeno cemitério clandestino, fazendo com que todos olhassem em sua direção. Ela surgia através do bosque, acompanhada de um senhor. 

— Já vi este tipo de estudo sendo feito por um professor búlgaro. – Complementou.

— O que está fazendo aqui, senhorita Evernood?

Greendwish perguntou num tom de reprovação.

— Bom, comissário, acredito que trabalharemos juntos outra vez. Este aqui – apontou para o senhor que a acompanhava – é um conhecido de minha família. A fazenda do senhor Villin é limítrofe às minhas terras de carvão e, também, à esta floresta. Ele me telefonou ainda há pouco, pois quando se levantou para seus trabalhos matinais, encontrou duas dessas covas em suas terras.

— E como sabia que estávamos aqui, senhorita?

O comissário continuava irritado.

— Não foi muito difícil, visto que vocês fazem muito barulho e o som ecoa no vale, após o bosque.

Evernood sorriu jocosa, porém logo desfez o tom, pois Greendwish ficou mais sério que o de costume. 

— Quando passei na estrada em direção à fazenda dele, vi as viaturas e depois que o senhor Villin me mostrou as covas, quis me encontrar com os policiais para relatar que eu estava num caso de possíveis assassinatos.

Elizabeth, desta vez, não sorriu, certa de que Greendwish estava mais irritado, por não poder afastá-la da investigação.

— Devo apartar nossas investigações ou acha por bem juntá-las, comissário? Aqueles dois que estão nas terras do senhor Villin, foram enterrados esta noite…

Todos olharam para o comissário para saber a resposta. Greendwish gostava da presença dela numa investigação, pois sabia que era competente e trabalhava bem com a senhorita Blindwar, porém, odiava ter que dar créditos para uma detetive externa diante de toda a sua corporação.

— Vamos até ali, senhorita Evernood. Temos que conversar.

Ele começou a se afastar, sendo observado pela sua detetive de polícia, a legista e todo o resto de seu pessoal. Evernood o acompanhou. Afastaram-se do local, embrenhando-se um pouco na mata. Antes dele parar a caminhada, Evernood falou num tom baixo para que ninguém os escutasse.

— Serei discreta para os jornais e não precisa me citar nos relatórios da investigação, mais do que o necessário. Esse tipo de notoriedade não me importa, Greendwish, e sabe disso.

— Toda vez que temos algo grande, você está junto, Elizabeth. Nos conhecemos desde que retornou à cidade para saber que notoriedade a esse nível, não é o que quer. O problema não é esse.

— O senhor Villin é um fazendeiro pacato e discreto. Ele está me pagando. Não precisa me contratar como consultora, dessa vez, contanto que a senhorita Blindwar me passe as informações.

Greendwish a olhou com certa desconfiança, silenciando para que ela terminasse de falar. Ele era esperto, e desde que Evernood o contatou, fazendo uma proposta de parceria, ela nunca fez uma concessão, sem que pedisse algo em troca.

— Vamos lá, Elizabeth. Fale logo o que quer em troca.

Ele a chamava pelo nome quando estavam a sós. Já haviam passado da fase de formalidades pelo histórico que tinham. Mantinham certa etiqueta quando estavam diante de outros, porém, na intimidade, tratavam-se como iguais.

— Que o nome do senhor Villin não seja citado na investigação ou em qualquer entrevista, até que saibamos o que está ocorrendo. Ou melhor, que ele não seja citado, caso seja descartado como suspeito. Por isso, ele me procurou. Não quer que o nome da família seja ligado a assassinatos.

— Ele não quer criar estigmas…

— Por isso gosto de você, Anderson. – Sorriu. – Eles sobrevivem da terra e vendem seus legumes e verduras para comércios pequenos. Essa relação comercial é frágil.

— Feito. Nesta investigação, todos os créditos serão de nosso departamento, ok?

— Concordo… apenas se o nome da senhorita Blindwar aparecer como a investigadora principal.

— Por que isso agora?

— Simplesmente, porque sou amiga dela e você poderá perdê-la, caso insista em dar créditos somente aos seus detetives homens. Ela nunca pede nada, eu sei disso, porém, uma hora pode se cansar de nunca ser valorizada.  Ela não precisa desse emprego, Anderson, você bem sabe. Quer perdê-la por convenções sociais?

Greendwish passou as mãos pelos cabelos. Ele tinha consciência de que Blindwar, sem dúvidas, era a melhor detetive que tinha, porém, não sabia o que aconteceria se explanasse para a população que uma detetive mulher era uma peça importante de suas conquistas.

— Ela já reclamou com você?

— Não. Simplesmente, vejo em seus olhos, quando você não dá créditos à ela, no momento em que fala em entrevistas para os jornais. Ela não reclamará. É o jeito dela. Estou só lhe alertando.

Ficaram em silêncio por uns instantes. Greendwish parecia pensar no que a detetive particular havia falado; e Evernood continuou.

— Consegue imaginar seu departamento sem ela? Veja bem, não estou desmerecendo os rapazes.

— Eu sei. Eles são bons, Evernood.

— São. Entretanto, também são uma equipe, Anderson. Você só dá créditos públicos a eles. Quantas vezes já citou o nome dela publicamente ou mesmo, para seus pares políticos?

— É difícil a minha situação, Elizabeth.

— Será mais difícil ainda se perdê-la, concorda? Consegue ver opções para substituí-la?

— Não muito. Pelo menos por agora. Nem todos tem a capacidade de observação dela.

— Isso é o que nós mulheres somos: observadoras de detalhes. Sua equipe de policiais já enxerga isso. Veja como respeitam a senhorita Lister, mesmo ela não sendo policial! Você é inteligente, Greendwish e não é retrógrado, pois se assim fosse, Blindwar nem estaria dentro de sua equipe, assim como não me ouviria. Apenas aproprie-se disso com sabedoria e poderá se destacar.

Evernood retornou pelo caminho, acompanhado do comissário. Retornaram ao local do crime.

— Já delimitei os termos da polícia para a atuação da senhorita Evernood. – Greendwish falou em voz alta, chamando a atenção de todos. – Atuaremos na fazenda do senhor Villin, porém, não autorizo a ninguém falar sobre o que descobriremos por lá e a senhorita Evernood não revelará o que temos aqui. Se vazar para os jornais, investigarei pessoalmente cada um que está presente. 

Os policiais tinham um semblante interrogativo no rosto e, embora não falassem nada, o comissário sabia o que significava. Estranhavam que Greendwish cedesse aos apelos de um detetive particular, ainda mais, sendo uma mulher. 

— Montei uma estratégia. – Ele continuou. – Meus detetives investigarão a fazenda, sem que os bandidos que fizeram isto, – apontou as covas – saibam. 

Blindwar olhou para Evernood inquisitiva e viu o rosto impassível da detetive particular. 

Elizabeth armou alguma coisa…

Tão logo Margareth pensou, observou os policiais retornarem aos afazeres, como se entendessem o que o comissário falava e aceitassem. Viu Violet Lister retornar à sua investigação dos corpos.

— Blindwar.

Greendwish a chamou num tom alto para que os policiais o ouvissem. 

— Sim, comissário.

— Pegue o depoimento do senhor Villin. Assim que a senhorita Lister terminar com estas covas e autorizar a remoção dos corpos, vá com ela e a senhorita Evernood à fazenda ver as duas covas de lá. Seja discreta. 

— Sim, comissário.

— Depois que terminarmos aqui, mandarei somente os ajudantes da senhorita Lister para lá, para removerem os corpos. Quero sigilo. Vamos pegar quem fez isso de surpresa.

Margareth acenou positivamente e se aproximou da namorada.

— O que foi isso?

Ela perguntou aos sussurros para Elizabeth.

— Um acordo entre mim e ele. Não se preocupe, depois eu te conto.

Evernood respondeu disfarçadamente também, apresentando Blindwar ao fazendeiro.

— Prazer em conhecê-lo, senhor Villin, embora saiba que a hora não é das melhores.

— O prazer é todo meu.

O fazendeiro estava visivelmente incomodado. Apertava o chapéu que trazia entre as mãos e, vez por outra, olhava para os corpos sendo desenterrados pela equipe da doutora Lister.

— Vamos até ali para falarmos mais tranquilamente. Aqui tem muito barulho dos policiais.

Blindwar, vendo o temor do fazendeiro, conduziu-o para longe da cena. O senhor Villin não fez qualquer resistência ao pedido. Estava assombrado. 

Chegando a uma parte do bosque em que a visão das covas não os alcançava, Blindwar parou e esperou que o senhor se acalmasse.

— Sabe, senhorita, não sou acostumado a essas coisas. Somos uma família pacata e religiosa, mas quando vi aquilo… – Ele abanou a cabeça desalentado. – Não sabia o que fazer e a senhorita Evernood sabe das coisas. Por isso a chamei.

— Fez bem, senhor Villin. – Margareth o tranquilizou. – Não se preocupe com isso. Agora me conte como achou as covas na sua fazenda.

— Estamos na época de arar os campos. Levanto todos os dias às três da manhã para sair às quatro e começar minha labuta.

— Ara os seus campos sozinho?

— Não. Minha mulher e minha filha mais velha vêm comigo, porém, hoje, elas teriam que visitar os nossos compradores. Sempre planto batatas na metade da fazenda e, na outra, revezo com outros legumes e verduras. Converso com eles para dar opções do que plantaremos, pois não posso plantar todo o ano a mesma coisa, para não desgastar a terra.

— Mas as batatas são plantadas todo o ano? 

—  Sim. Mas sempre mudo o lado de plantio.

— Continue, senhor Villin.

— Como dizia, detetive Blindwar, minha mulher não iria comigo e levei meu filho mais novo. Costumo deixá-lo dormir um pouco mais, pois tem só oito anos. No entanto, hoje precisaria de ajuda. Atrelei os nossos dois cavalos aos arados e começaria por onde parei, ontem à tardinha.

— E onde seria isso?

— Na divisão das terras com o bosque.

— E viu as covas…

Blindwar deduziu, porém o fazendeiro negou com a cabeça.

— Começamos a arar e nosso cão, que sempre nos acompanha, começou a latir e correu na direção do bosque. Meu filho é muito ligado a ele. É uma criança ainda. Largou o arado dele e correu para trazer o bichinho de volta. 

— Entendo…

Blindwar começava a formar na cabeça a cena toda.

— Eu resmunguei, vendo que, hoje, seria um dia em que trabalharia muito, pois quando meu filho some com nosso cão, volta somente à tardinha. No entanto, escutei um grito de meu filho e corri, achando que ele havia se machucado, ou algo assim. Foi quando me deparei com aquelas duas cabeças nas estacas e meu filho aterrorizado, bem na fronteira de nossas terras.

— Por que procurou a senhorita Evernood em primeiro lugar?

— Porque a conheço e, se os meu compradores souberem, podem não querer meus produtos. Eu planto para sobreviver durante um ano inteiro, até mesmo no inverno. Não sou rico, senhorita…

Blindwar meneou a cabeça afirmativamente, compreendendo o humilde fazendeiro. 

— Vamos esperar a senhorita Lister, senhor Villin. Não se preocupe. O departamento de polícia será discreto.

A caminhada até a fazenda não foi difícil, visto que a parte da floresta que ligava as covas próximas à estrada e as covas na fronteira do plantio do fazendeiro não eram distantes. Assim que chegaram, a senhorita Lister se concentrou em analisar as cabeças fincadas nas estacas. 

— Esta mulher, aqui, foi morta ontem mesmo. – Apontou para uma das cabeças. – O estágio de decomposição ainda não avançou muito. Mas este homem, – apontou a outra cabeça – possivelmente, foi morto há dois dias. A decomposição está avançando e tenho que removê-los. Precisarei de artistas forenses para desenhá-los rápido. Quem sabe não conseguem alguma identificação com o desenho. Eu posso tirar fotos, mas só depois de iniciar a autópsia, podendo assim limpar a face.

— Não serão fotos muito bonitas para identificação. É melhor que os artistas façam um desenho mesmo. – Blindwar respondeu.

Lister encarou Blindwar, para ver a sua decisão e a detetive de polícia não compreendeu, a princípio, o por quê. 

—  Quer que eu a autorize para fazer a remoção?!

— Sim. Você é a autoridade aqui e, pelo que Greendwish ordenou, teria que esperar os policiais. Só tenho aqui dois ajudantes da universidade.

Lister respondeu, esperando a sua aquiescência.

— Vai logo, Violet! Sabe que não sei nada sobre corpos em putrefação!

Blindwar respondeu, impaciente, revirando os olhos. Achava ridículo esse tipo de “burocracia” hierárquica. Para ela, bastava que a doutora Lister comunicasse que retiraria os corpos e o porquê da ação.

— Mande um dos rapazes chamar policiais para auxiliarem. 

— Certo. – A doutora Lister sorriu de lado. – Farei a autópsia o mais rápido possível, para estabelecer a causa da morte.

Blindwar se voltou para o dono das terras.

— Senhor Villin, sei que precisa retornar ao seu trabalho. Restringiremos somente esse local. Peça para que a sua família evite vir aqui, pois é muito importante a perícia analisar sem interferências.

O homem acenou com a cabeça. Ainda estava assustado e parecia que o que menos queria era retornar naquela área.

— Obrigado, senhorita. 

— Não é nada. Somente não saia da cidade. 

O homem se assustou com o que ela pediu.

— Acha que os matei?

Evernood intercedeu, colocando a mão sobre o ombro do homem, falando:

— Não foi isso que a senhorita Blindwar falou, Jeremiah. Ela tem que seguir um protocolo. Suas terras agora fazem parte de uma investigação, mas o comissário me garantiu que serão discretos. No entanto, vocês terão que permanecer na cidade até tudo ser solucionado. 

O homem acenou afirmativamente e, humilde, se despediu.

— Ele é um bom homem, Meg, mas entendo que não podemos fazer distinção.

Evernood se dirigiu à namorada, se aproximando e permanecendo ao seu lado. 

— Sabemos que bons homens podem ser acometidos por doenças, Beth. Não faremos alardes, mas ele terá que ser investigado.

— Sei disso…

— … antes que fale mais alguma coisa, me conte o que foi aquela coisa toda de você com Greendwish.

— Foi o medo dele perder apoio de quem faz o serviço para ele. – Evernood respondeu e viu de soslaio a legista sorrir. – Entendo que ele precisa se justificar para seus pares e eu, particularmente, não gostaria de conflitos com ele.

Margareth bufou. Estava cansada de aturar essas atitudes que só nublavam a atuação delas.

— Eu não sou tola, assim como Violet não é, mas, por Deus! Esbravejar em meio a uma cena de crime como essa, apenas para falar para os policiais que é ele quem está no comando e não alguma mulher? Isso é ridículo.

— Não, não é.  – A doutora falou de longe. – O que seria dele politicamente se admitisse para seu público que as melhores investigadoras que ele tem, são mulheres?

A doutora Lister se levantou, pois estava agachada, escavando as covas com cuidado. Encarou as duas detetives.

— Mesmo minha antecessora ter sido a melhor professora de anatomia que a universidade já teve, mesmo ela tendo encarado os mandachuvas da medicina, quando assumi, fiquei abaixo de um homicida que achava que era muito melhor do que eu; no entanto, nada fazia. Precisou que Tarth fosse pego por assassinato para que eu assumisse. E olha que eu era a opção de Catley para ser a sua substituta.

— Me animou muito, Violet. O que me disse basicamente é que, não importa o que façamos, seremos sempre delegadas à segunda categoria.

Tanto Lister quanto Evernood riram, diante da fala irônica da detetive de polícia. 

— Bom… Meu alento é que Marie Curie foi reconhecida em dois prêmios Nobel, não tem muito tempo. Realmente, espero que as coisas mudem, Meg. – A doutora Lister respondeu.


Nota: Retornei com outro caso de nossas detetives nada convencionais. Vamos nessa! Ah, as postagens serão às sexta-feiras, ok?



Notas:



O que achou deste história?

12 Respostas para 20 – O Druida Sanguinário – parte 1

  1. QUE INÍCIO!! TÉTRICO, FANTASMAGÓRICO, BEM AO ESTILO INGLÊS! E A INTELIGÊNCIA ACIMA DOS PRECONCEITOS!

    • Oi, Ione?
      Se assustou? rsrs
      Embora a base e inspiração seja a Inglaterra e eu pegue várias características de la, Esse é um país sem nome. Todas as cidades e locais são fictícios. rsrs
      Brigadão por sempre estar aqui e pelo seu carinho!
      Um beijão!

  2. Caramba esse caso parece ser bem mais “interessante” que o das carnes rssss, eu amooooo essas duas, super gostei da interação com a doutora.
    Imensamente feliz que você vai estar por aqui todas as sextas com essas duas que já amamos.
    Ps: já tô ansiosa pela sexta-feira. ?

  3. Margareth, Evernood e Violet Lister.

    É a sororidade tomando forma, elas vão arrasar tenho certeza.

    Amei o capitulo, tá mandando mto bem Carol.

    Bjs…

    • Oiee!
      Nem acreditei quando vi!! Tava com saudades, mas achei q fosse demorar , bela surpresa!
      Evernood arrasou!!!!
      Um ótimo caso esse, cabeças em estacas,vai dar o q falar! Já tô construindo aqui minhas idéias e vendo a cena…
      Meg e suas caras irônicas!!
      Violet tomando mais espaço na estória, isso é bom!
      E essas duas queridas amadureceram e têm uma relação mais sólida, isso é MT bom! Nada como um momento de crise…e Ver preocupada..Meg é forte e determinada, nada de mínimo com ela!!
      Vamos que vamos! Muito feliz!!
      Segunda tem estória, quarta tem e sexta TB , adorando!!!
      Você sempre brocando, Carol!!!!
      Beijão

    • Lailicha, também achei que dessa vez eu fosse demorar um pouquinho mais pra escrever, mas aí a coisa fluiu. 😉
      Você gosta da Meg, não é? Acho que tem uma quedinha maior por ela. rsrs
      A trupe está ficando maior. rsrs quero colocar mais interações de personagens.

      As duas estão amadurecendo e crescendo, mas não quer dizer que não terão problemas como todos tem. rsrs
      Um beijão, Lailicha e fica na paz!

  4. Amo essas duas detetives, Carol. Que bom que não demorou muito para postar outro caso. Já tava ficando nevosa achando que ia demorar dessa vez.
    Cabeças em estaca que horror isso. Esperando o próximo.
    bj

    • Oi, Meg!
      Pois é. Cabeças em estacas assustam e revelam um assassino frio, não é?
      Evernood e Blindwar realmente são mulheres interessantes. Se completam. 😉
      Brigadão, Meg!
      Um beijo grande pra ti!

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