Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar
Sétimo Caso: Morte no rio Sena – parte 4
Texto: Carolina Bivard
Revisão: Naty Souza e Nefer
Ilustração: Táttah Nacimento
No episódio anterior…
Embora Edwin não gostasse de reações emotivas, diante de situações como aquela, gostava da atitude Blindwar. Ela amava a sua amiga.
— Ok. Ensinarei algumas coisas. – Tomou um gole do refresco. – Primeiro: nunca deixe suas emoções interferirem em seu julgamento da situação.
— O que disse é para me acalmar ou para me convencer?
Edwin gargalhou.
— Os dois. Segundo: preocupe-se, se acaso o que foi combinado não se concretizar e; terceiro: se isso ocorrer, concentre-se no próximo passo combinado. Essa é uma das formas de sair de situações perigosas. Se você sair do roteiro, saiba que quem depende de você, pode morrer por isso.
— Você está querendo me convencer e não me orientar!
— Estou fazendo os dois, Meg. Não estou mentindo. Você tem que compreender isso, para que eu possa mostrar as alternativas.
Margareth fechou os olhos, fortemente. Raciocinando sobre o que ele falou.
— Tudo bem, eu compreendo. Mas a sugestão dela foi de me afastar. Salvar a minha vida, independentemente de qualquer coisa.
— Compreenda que ela fez isso, não só porque tem afeição por você, mas porque sabe que é vulnerável diante das garras de quem está causando tudo, percebe?
Margareth desanimou. Sabia que ela era o ponto fraco.
— Entendo, Edwin. Sou uma inútil diante dessa situação.
— Não. Isso você não é, Meg. Venha. Mostrarei a você algumas coisas.
Parte 4 —
Margareth acompanhou o mordomo-espião e entraram na casa. Ele foi percorrendo cada ambiente, mostrando armas escondidas em vários lugares e depois, chegou ao porão.
— Aqui tem vários documentos para que você, eu e Evernood possamos sair do país com outras identidades.
Mostrou para ela vários passaportes com sua foto e nomes diversos. Também havia bastante dinheiro para sustentá-los.
– Se tudo se descontrolar e nos separarmos por algum motivo, saia do país e vá para Bruxelas. Assuma uma identidade na alfândega e depois que passar, queime-a e assuma outra. Haverá um contato que a orientará se você for para “Grand-Place”. Tem uma barraquinha de venda de lulas fritas. Chegue ao entardecer e fale para o vendedor: “Lulas frescas não ficam pálidas”. Ele lhe dará um endereço junto com a porção de lulas. Vá para esse lugar e aí, terá novas instruções.
— E não saberei o que aconteceu com vocês dois?
— Saberá, sim. Esse será nosso contato, se nos desgarrarmos. É para lá que todos vamos. – Ele deu uma pausa, olhando ao redor. – Tome isto aqui.
Entregou para Blindwar três canetas e ficou com uma na mão, retirando a tampa.
— Está vendo?
Era uma caneta-tinteiro com as pontas extremamente fina. Pareciam delicadas e caras.
— Essas pontas não ejetam tinta e sim, veneno. Se estiver acuada e num perigo iminente, retire a tampa e crave-a em seu agressor. Este veneno age rápido, mas lembre-se, só tire a tampa se for utilizar. Do contrário, poderá se inocular sem querer. Este veneno é poderoso e basta um pouco dele na sua corrente sanguínea para a incapacitar.
— Os termos que utiliza para abrandar os estragos são ótimos! Incapacitar, você quer dizer que poderei morrer, não é isso?
Edwin gargalhou. Blindwar o fazia descontrair.
— Depende… Este é um veneno realmente bom. Uma quantidade pequena poderá matá-la, sim. Tome cuidado. Só o utilize em casos extremos. – Advertiu. – Agora vamos subir! Este porão só deveremos visitar em fuga. Não sabemos quem pode nos espreitar.
— Essa é a lição número quatro?
Blindwar perguntou jocosa e o mordomo-espião a olhou com complacência.
— Sinto muito se para você essa situação é bizarra, Meg, todavia essa é uma das lições sim. Deve, sempre que possível, preservar o esconderijo de sua rota de escape. Por isso vou mostrar a você, como vamos esconder essa passagem aqui para baixo.
Após esconderem a porta do porão com uma cristaleira, Edwin retirou uma fornada de biscoitos, que estava preparando, antes daquela conversa.
— Vamos lá para fora esperá-la. Se Beth não chegar, pelo menos estaremos alimentados, porque ainda tenho um pato assando no forno.
— Nunca se sabe quando comeremos novamente, não é isso? – Margareth falou, lembrando-se da namorada. – Beth nunca deixa de comer nas horas certas e, também, nunca deixa de dormir quando tem oportunidade. Já reparei nisso e agora começo a compreender por quê.
Caminharam novamente para a frente da casa, levando para a mesa do jardim um “cognac”.
— Sim. Você está começando a compreender a nossa vida. Embora estivéssemos afastados de todas essas tramas, ainda somos treinados e Beth, principalmente, nunca se livrou do fantasma da Agência. Eles poderiam aparecer inesperadamente na vida dela.
— Como aconteceu.
Blindwar respondeu, passando as mãos nos cabelos soltos, esmorecida.
— Não se sinta mal por ela. Evernood gosta dessa vida e é por isso que resolveu ser detetive particular.
Um barulho os tirou da conversa, deixando-os alerta. Um carro despontou na estrada e Edwin, imediatamente, retirou a sua arma do cós da calça e afastou Margareth para trás de si.
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— Aqui está a informação que consegui com meus contatos.
Evernood colocou o envelope no bolso do casaco do agente Stevens.
— O que tem nele?
Stevens perguntou, disfarçadamente. Estava diante de uma estátua grega no museu do Louvre e olhava o folheto que lhe deram na entrada, como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo. Havia muitos turistas em volta, quando Evernood se aproximou e se espremeu devagar entre eles para deixar a mensagem.
— Eu não sei. – Sussurrou. Ela também lia um folheto. – Está codificada e não tenho recursos, no momento, para decifrá-la. Terão que fazer por vocês mesmos.
O agente se afastava e Evernood esbarrou nele para chamar a atenção.
— Se minha opinião valer de algo, sugiro que você mesmo decodifique. Não sabe quem está dentro ou quem está fora.
— Acha que podemos estar contaminados até o alto comando?
O agente perguntou, ainda caminhando entre os turistas, se dirigindo à próxima estátua marcada no folheto do museu.
— Se não estivessem, por que motivo precisariam tanto de mim?
Embora o agente não a olhasse, Evernood percebeu a preocupação nos movimentos dele. Era sutil, porém a ex-espiã conseguiu perceber. Estavam relativamente próximos.
— Novak está solto. Conseguiu escapar do cativeiro. Ele não sabe o paradeiro de Blindwar.
O detetive Stevens resolveu dar a informação na última hora, antes que Evernood se afastasse. Achava errado, após a ajuda da ex-agente, que a Inteligência a deixasse na mão.
Evernood se afastou.
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Apesar da reação, Edwin pôde avistar o motorista do carro que se aproximava e relaxou da atitude.
— Beth chegou.
Blindwar desceu correndo até o caminho. Evernood parou o carro e saiu, recebendo um abraço sufocante da namorada.
— Deus! Estava tão preocupada com você, Beth…
— Você? Preocupada comigo? Esqueceu que quem foi sequestrada foi você?
Elizabeth retribuiu o abraço, fervorosamente.
— Vamos para a casa. Me contará o que aconteceu com você e eu contarei o que houve em Paris.
Quando chegaram ao jardim da frente, Elizabeth abraçou Edwin.
— Obrigada, amigo.
— Sinceramente, fiquei com medo desta vez. O passado batendo à nossa porta? Não foi algo que imaginei para o meu futuro, Beth.
Os três entraram na casa abraçados e alegres.
— O que aconteceu em Paris?
Blindwar não deu espaço para Beth apreciar momentos de calmaria, fazendo a detetive particular rir.
— Pensei que poderia tomar um whisky para relaxar, antes de relembrar tudo que passei.
— Não estou impedindo você de relaxar.
Blindwar se sentou no sofá, vendo que Evernood colocava whisky em três copos.
— As notícias boas são que Novak já está com a Agência e eu consegui passar informações de meus contatos. Espero que sejam informações que levem a Agência a deter esse morticínio e parar a ação dos alemães. Outra coisa boa é que consegui a Proteção Mater para nós. Isso me dá mais tranquilidade, pois não preciso, nunca mais, me preocupar com a nossa própria Agência.
— Você falou notícias boas. E as notícias ruins? Pelo visto tem alguma ruim…
— Bem, a notícia ruim é que não sei o que a mensagem dizia. Estava codificada, portanto, não sabemos o que está acontecendo. Ainda podemos estar sendo caçadas, se a Inteligência não conseguir resolver tudo.
— Não se preocupem. Irei para Paris agora mesmo e acionarei meus contatos de lá também. Ficarei monitorando o que está acontecendo e informo a vocês. – Edwin comunicou.
— Mesmo assim, não pretendo ficar aqui. – Elizabeth olhou para Margareth. – Iremos para Bruxelas, amanhã de manhã. Quero tomar distância desse foco.
— Eu concordo. Já me fartei da França.
Margareth arrancou risos da namorada e do mordomo.
— Mas diga o que aconteceu com você lá, Beth. Depois conto o que fizeram comigo.
— Bom, quando se encontrou com Novak e não apareceu onde marcamos, presumi que algo acontecera. Fui ao local que, supostamente, você teria marcado com ele.
— Sim, consegui passar a mensagem para ele, mas logo depois fui sequestrada. Quando cheguei no cativeiro, Novak estava lá também. Ele me falou que conseguiu passar a nossa mensagem para outro agente.
— Bem, fiquei à distância observando e consegui identificar um agente rondando o local, todavia não o conhecia. Acabei seguindo-o, mas não me aproximei. O segui por mais um dia e o sequestrei.
— Você, o quê?
— Eu o sequestrei. – Reafirmou sorrindo. – Ora, Meg, você estava sumida e eu não sabia quem ele era e nem de que Agência. A meu ver, poderia muito bem ser um de meus perseguidores. Mas não foi por muito tempo. Ele era o substituto de Novak e me contou que ele também havia sumido. Nesse ínterim, me encontrei com Edwin e combinamos que ele iria à sua procura, enquanto eu tentava resolver as coisas em Paris.
Evernood tomou um gole de whisky e colocou a mão na nuca, massageando-a. Tentava relaxar um pouco da tensão. Blindwar não falou nada, entendendo que ela precisava de um tempo, pois deveria ter passado por maus bocados, assim como ela.
— Foi uma queda de braço entre mim e a Agência. Sabia que se você fosse liberta, seria pelas mãos de Edwin e não da Inteligência. Enquanto eles brincavam de teimar comigo, investiguei e descobri quem matou Vincent. Realmente, foi um agente da Inteligência Alemã.
— Deixou-o vivo?
Edwin perguntou, como se fosse algo natural, despertando certo desconforto em Margareth.
— Digamos que daqui a um dia ou dois, haverá um presente para a Inteligência Alemã no rio Sena.
Evernood respondeu ao mordomo-amigo, sem qualquer entusiasmo. Acreditava que após aquela viagem, Margareth se afastaria dela. Quem quereria estar ao lado de alguém com a história de vida de Elizabeth? Calou-se, por instantes.
A detetive de polícia à princípio arregalou os olhos, entretanto, à medida que rememorava tudo, entendeu a ação de sua namorada. Evernood parecia desconfortável e abalada com o que revelou.
— Ótimo! Assim eles terão o que pensar e, talvez, diminuam a ação aqui em Paris por um tempo, permitindo às Agências aliadas condições para desarticulá-los.
Terminou de falar e segurou a mão de Evernood, que estava sobre a perna. Elizabeth lançou um olhar de agradecimento por ela tentar compreender.
— Foi o que pensei. Não saberão, por um tempo, quem executou o agente deles. Acredito que ficarão mais cautelosos por esses dias. De qualquer forma, não dei essa informação para a nossa Agência. Eles me entregaram ontem a Proteção Mater assinada e, hoje mesmo, entreguei a eles documentos da Inteligência alemã codificados, que meus contatos conseguiram. Finalmente, meus serviços para a Agência terminaram. Não poderão vir atrás de mim, me pressionando para fazer mais nada.
Evernood suspirou, como se o mundo tivesse saído de seus ombros. Jogou-se para trás no sofá, apreciando aquele momento de tranquilidade.
Meia hora depois, Edwin se preparava para voltar à Paris, quando escutou barulhos do lado de fora da casa. Evernood, que conversava descontraidamente com Blindwar na cozinha, petiscando pedaços do pato assado que Edwin havia feito, retesou-se, ao escutar um “mensageiro dos ventos” soando, insistentemente. Abaixou-se de súbito, puxando Margareth para o chão.
Um zunido de tiros começou a passar pela cabeça das duas. Era ensurdecedor.
— Que merda é essa?
— Nos acharam, Meg! Talvez eu os tenha trazido aqui…
Margareth se lembrou dos inúmeros locais onde Edwin espalhara armas. Arrastou-se até o fogão, sob o olhar perscrutador de Elizabeth. Puxou-o. Pegou uma metralhadora e uma pistola Colt 45 atrás dele e munições. Ficou indecisa.
— Me jogue a metralhadora, Meg. Você não saberá usá-la.
Mesmo com tantos tiros, Evernood tentou falar com cautela. Percebeu que os atiradores disparavam a esmo, sem saber onde estavam localizados os ocupantes da casa. Haviam sido pegos na armadilha que Edwin preparara para alertá-lo, quando alguém se aproximasse da casa.
Margareth jogou a metralhadora e se arrastou de volta para perto de Elizabeth.
— Acho que não se importaram muito com o agente deles ter desaparecido… O que vamos fazer?
O coração de Margareth batia acelerado e tentava forçar a própria calma.
— Vamos acabar com esses canalhas e sumir daqui.
Evernood respondeu, tentando observar por onde poderiam escapar. Escutou resmungos do lado de fora e tiros partindo do segundo andar da casa.
— Edwin já está acabando com alguns. Ele falou para você onde é o “bunker”? – Elizabeth perguntou.
— Atrás daquela cristaleira – Margareth apontou – tem uma passagem para o porão.
— Provavelmente, não é somente um porão. Deve ter uma saída para fora. Edwin não seria estúpido a esse ponto.
Evernood se calou por segundos. Tentava pensar.
— Vou começar a atirar para fora com a metralhadora e cobrirei você. Tente tirar a cristaleira do caminho para irmos para baixo.
— Certo!
Margareth concordou. Não estavam distantes.
Evernood derrubou a mesa, protegendo o caminho até a cristaleira. Começou a atirar por cima da proteção. Durante alguns segundos, houve hesitação nos tiros vindos de fora.
Sem que Elizabeth pedisse, Margareth se arrastou até o armário. Tentou puxá-lo para liberar a passagem, porém a posição deitada não a propiciava. Não conseguiu movê-lo.
Olhou para trás e viu que Evernood atirava, cada vez que uma sombra se aproximava da porta e da janela, impedindo que os inimigos se acercassem demais para atirar com precisão. Arriscou a se ajoelhar para terminar o trabalho. Se puxasse rápido, poderiam abrir o caminho para o abrigo.
Elizabeth não olhou para trás. Estava num nível de ansiedade que nunca experimentou antes. Sempre agira sozinha e suas loucas decisões só recaíam sobre ela, no entanto, desta vez era diferente. Se falhasse, não perderia somente a sua vida. Pensamentos passavam correndo por sua mente, enquanto atirava, rememorando todas as boas emoções que experimentou nos últimos meses ao lado de Margareth.
Eu a amo demais! Se ela morrer por minha causa…
Com esse pensamento, a ira daqueles que as agrediam subiu por seu corpo. Foi como uma nuvem tomando a mente raivosa. Levantou-se e conseguiu divisar, através das vidraças estilhaçadas, homens armados. Tinha um ângulo melhor e começou a aniquilá-los, atirando desvairadamente. Não demorou muito para ver a passagem aberta e recuou de costas, sem parar de mirar em seus oponentes. Jogou-se para trás da cristaleira, quando viu que Margareth já estava segura.
— Desça as escadas, Meg! – Berrou.
Elizabeth puxou novamente a cristaleira e, em seguida, trancou a porta de ferro por dentro. Estavam momentaneamente seguras.
— Estamos presas aqui agora, Beth. Edwin está lá fora.
— Não se preocupe com ele. Tenha certeza de que Edwin conhece esta casa muito melhor do que nós e saberá se defender. Um problema de cada vez, Meg. Pegue nossos documentos falsos e coloque numa bolsa, enquanto vou procurar a saída daqui.
Margareth não discutiu, embora a preocupação com o mordomo-espião ainda lhe atormentasse. Fixou-se no que o Edwin havia dito sobre a confiança entre ele e Elizabeth, para não se afligir com a possibilidade dele estar em apuros.
— Achei!
Elizabeth gritou, retirando caixas de livros em um canto da sala. Havia uma passagem fechada com outra porta de ferro que ela abriu. Estava escuro. Vasculhou rápido o porão e encontrou lanternas à óleo. Acendeu-as, dando uma para Margareth, levando mais duas em suas mãos. Olhou pelo túnel e precisariam se arrastar por ele para chegar a uma parte mais confortável.
— Vá na frente, Meg. Tome cuidado com a bolsa, pois esses documentos são a nossa passagem para fora da França. Mantenha a sua arma em seu alcance.
Aquela era uma Elizabeth Evernood muito diferente de sua namorada, entretanto Margareth agradecia as instruções. Passou da fase de nervosismo e parecia que a realidade delas havia tomado o lugar. A objetividade que sempre levou consigo tinha finalmente a alcançado, amortecendo o desespero. Arrastou-se pelo o túnel, deixando que a ex-espiã tomasse conta do destino delas.
Margareth ouvia os ecos dos ruídos dos agentes inimigos, tentando forçar a passagem para entrar no porão. Também escutava Evernood se arrastando atrás dela, e finalmente, chegaram a um local mais aberto.
Era uma sala escura e só conseguiam ver onde a luz das lanternas alcançava. Assim que Evernood saiu, fechou a portinhola de ferro que ligava ao túnel.
— Se afaste, Meg!
A detetive de polícia não entendeu bem, no entanto se afastou como a namorada pediu. A luz tênue da sua lanterna, misturada à luz da lanterna de Evernood pousada no chão, deixou-a vislumbrar um aparato na mão da ex-espiã. Ela acionou algo e Margareth ouviu uma explosão, sentindo um calor vir da direção da boca do túnel. Evernood correu e a abraçou, protegendo-a do impacto.
— Que merda foi essa, Beth?
O coração de Blindwar batia descompassado, fazendo-a se esquecer de qualquer palavra polida.
— Foi uma explosão de dinamite, acabando com aqueles “fodidos”. Edwin deixou o rolo de condução e um gatilho na entrada do túnel. Isto é para não deixarmos evidências de nossa estadia e situação, mas, desta vez, serviu para acabar com alguns deles também.
Escutaram a voz de Edwin atrás delas, chamando-as. Viraram-se, e Elizabeth levantou a lanterna, iluminando o amigo. Ele estava deitado, sangrando.
— Tive que entrar pela nossa saída de emergência, mas não se preocupem, quem havia me visto, não terá como contar aos amiguinhos dele. – Tossiu, entre sorrisos forçados, demosntrando dor.
Margareth correu para acudir o mordomo. Ele parecia fraco. Enquanto isso, Evernood tirou uma faca que levava presa no tornozelo e se aproximou.
— Retire o casaco dele, Meg.
Imediatamente Blindwar atendeu, ajudando o mordomo a se despir do casaco e da camisa. Evernood acendeu a outra lanterna à óleo e retirou o tampo de vidro.
— Deixe-me ver, Margareth.
Afastou a namorada, olhando na frente do dorso e na parte detrás das costas do amigo.
— A artilharia deles é poderosa, pelo visto. A bala atravessou e isso é bom para você, Edwin. Foi no ombro e, pelo que vejo, não atingiu nenhuma artéria. Só teremos que cauterizar e fazer uma tipoia. Quando chegarmos em Bruxelas, tratamos melhor disso.
— Havia esquecido o quanto dói.
Ele falou, arreganhando os dentes trincados, arfante. Margareth não soube se o mordomo ria ou se a careta era de dor.
– Trabalhar para você está me amolecendo, Evernood. – O ex-espião gracejou. – Vamos logo com isso.
Pediu, vendo Elizabeth se aproximar com a faca em brasa, que havia aquecido na chama da lanterna à óleo. Evernood tocou sem piedade a ferida na parte da frente do ombro do amigo, para cauterizar a entrada da bala. Ele trincou os dentes para não deixar escapar um grito alto, mesmo assim a dor era implacável. Urrou abafadamente. Não poderia arriscar, pois não sabia se ainda existiam agentes alemães do lado de fora e a passagem por onde entrou, levava diretamente para os carros, que estavam preparados para a fuga.
Margareth segurou firme a mão do mordomo, sentindo a pressão do aperto. Pensou que se não estivesse tão acelerada, a dor do aperto a deixaria com a mão latejando.
Antes de aquecer novamente a faca, Evernood cortou um pedaço da manga do casaco do amigo, enrolando-o para que ele colocasse na boca.
— Esqueci dessa parte. – Sorriu falsamente irônica. – Desculpa. Esqueci o quanto uma queimadura dessas, numa ferida exposta, dói.
— Esquecemos muita coisa, não é, minha amiga? – Edwin falou, retomando o fôlego. – Não precisa se desculpar. Estávamos vivendo uma boa vida e esses cretinos querem nos tirar.
— Mas não conseguirão.
Ela respondeu, ajudando o mordomo a se virar para cauterizar a ferida de saída da bala.
♠
Após Edwin recuperar as forças, saíram cautelosamente pela passagem, até a garagem dos carros na lateral da casa. Ele levava uma pistola na mão contrária à do ombro atingido. Margareth também empunhava uma e Evernood mantinha a metralhadora, já abastecida com novo cartucho, além de uma pistola no cós e um revólver de calibre trinta e oito na perna, juntamente com a faca.
— Parece que estamos sós.
Evernood comentou, estranhando a calmaria.
— Ou matamos todos os canalhas, ou os que sobraram, debandaram.
— Não acredito que nos deixassem sem mais, Edwin. Sabemos como estas coisas acontecem. Se não sabem que nos mataram, se retirariam somente por um motivo. Também não creio que matamos todos.
— Se retirariam somente se houvesse uma ordem do alto comando deles. O que isso quer dizer, Beth?
— Não sei, Edwin. Fiquem aqui, próximos aos carros. Vou averiguar o perímetro. Se ouvirem uma salva de três tiros, escondam-se.
— Não vai sair por aí que nem uma louca, atrás desses assassinos, ou vai?
Elizabeth olhou a namorada, sorrindo de seu desespero, lembrando de sua vida pregressa.
— Se não for verificar se estamos seguros, não poderemos partir, Meg. Eles podem ter recuado, simplesmente, para nos observar. Não se preocupe, terei cautela.
E saiu.
♠
— Não gosto de Edwin ter ido num outro automóvel. Ele estava ferido.
— Também não gosto, Meg, mas é preciso. É assim que agimos. Se você fosse treinada, e tivéssemos três formas diferentes de viajar, nós duas não estaríamos juntas. Compreenda que, se um de nós chegar ao destino desejado, já é uma vitória. Juntos, a probabilidade de sermos pegos, é maior.
— Estamos nessa estrada horrível por isso?
— Se fossemos pela principal, poderíamos sofrer uma emboscada.
— Isso não quer dizer que não possamos ser pegas, Beth. Esses homens devem saber que não passaremos pela fronteira alfandegária.
— Quem disse que não passaremos pela fronteira alfandegária? Estou nessa trilha pelas matas, porque ela não é descrita no mapeamento do país. É uma trilha do tráfico. Voltarei para a estrada normal, assim que nos aproximarmos. Quero entrar com um passaporte para validá-lo.
Não sofreram um só ataque na trilha e retornaram para a estrada, pouco antes de passarem na fronteira. Levaram três dias e meio por aquela estrada de terra, desde que saíram da casa até chagarem a Bruxelas. Elizabeth se livrou do carro, assim que chegaram, antes de ir para uma construção na periferia da cidade.
Era um bairro mais afastado, porém não tão longe do centro. Elizabeth já tinha as chaves do casario em seu bolso. Era em uma viela deserta. Margareth observou a rua inteira e pensou que, se alguém morasse naquele local, não devia ser boa coisa.
— Essa rua é de arrepiar. Não tem uma vivalma e parece um lugar abandonado.
A detetive de polícia comentou e Elizabeth entendeu que precisaria explicar. Margareth Blindwar estava vivendo algo completamente diferente de sua vida.
— Entre.
Evernood deu passagem para a namorada, deixando que ela subisse as escadas, enquanto fechava a porta. Era um casario simples e antigo de periferia, onde a entrada dava diretamente para um hall e uma escada que levava ao pavimento superior. Quando Margareth subiu, deparou-se com um apartamento simples, porém, bem arrumado.
Os móveis estavam cobertos por lençóis e precisariam somente retirá-los e limpar o pó da casa.
— Há muito tempo, esta rua foi construída por comerciantes que trabalhavam na grande feira em torno da estação de trem periférica. Com a guerra, o maior movimento de comércio se bandeou para a estação central. As casas foram abandonadas. Algumas vendidas e outras invadidas. Não espere ver rostos agradáveis pelas ruas.
— Entendi. E você comprou essa casa? Como estava com a chave dela?
Evernood se deleitava com a ingenuidade da sua namorada, na mesma proporção em que se preocupava em arrastá-la para aquele mundo. Não queria mentir mais sobre sua vida. Num ínfimo momento de seus pensamentos, decidiu que Margareth saberia de tudo sobre ela.
— Não comprei essa casa. Eu e Edwin já sabíamos a cidade de fuga, quando me comuniquei com ele para me auxiliar.
— Eu sei. Edwin me contou.
— Acionei meus contatos para fazer a ligação de nosso ponto de fuga.
— O tal lá de Paris?
— Não. Um aqui de Bruxelas que eu contatei quando ainda estava lá. – Sorriu. – Nunca fazemos tudo pelo mesmo contato e, também, nunca revelamos todas as nossas ações para um mesmo contato.
— Que vida emocionante! Vou tomar um banho. Suponho que estejamos seguras por algumas horas.
A ironia nas palavras de Blindwar fez Evernood deixar que seu olhar se distanciasse, o que não passou despercebido pela detetive de polícia. Ela se aproximou, abraçando-a forte.
— Não pense que eu a deixaria, por conta de alguns “tirinhos” chovendo sobre mim. Só quero mesmo um banho.
Falou e riu, antes de beijar a ex-espiã. Encarou-a.
— Estou falando a sério. Prefiro estar com você aqui, Beth, do que receber uma notícia de sua morte, sem saber o que se passou. Hoje sei que estou ao lado da pessoa certa para mim… Tudo bem que você poderia ser quem é, sem tantos tiros no meio do caminho. – Gracejou. – Só quero tomar um banho, mesmo. Tirar de cima essa sujeira da estrada.
O coração de Evernood se aqueceu. Se acreditasse que alguma força do universo regia seu destino e do mundo, o agradeceria.
— Então vamos. Porque também quero tirar a minha poeira…
Blindwar se banhou e achou um vestido que cabia nela, no armário do quarto. Havia várias roupas de diversos tamanhos. Aquele lugar tinha sido preparado para receber pessoas de tipos diferentes, entretanto constatou que muitas vestimentas tinham o perfil e estilo de Elizabeth. As duas tinham, mais ou menos, a mesma modelagem de corpo.
Foi até a cozinha, enquanto Evernood se banhava.
O casario tinha até uma geladeira, item raro em uma casa mais simples. Abriu-a e se deparou com uma garrafa de leite, uma de suco, alguns tipos de verduras e legumes e, no pequeno compartimento de congelamento, um tipo de carne. Retirou alguns itens e resolveu fazer uma sopa. Estava faminta.
Elizabeth nunca perde uma oportunidade de comer bem, quando pode.
Pensou, já se preparando para fazer o jantar. Colocou tudo que queria para fazer a sopa sobre a mesa e começou a descascar alguns legumes. Estava tão cansada que não percebeu a chegada da namorada. Evernood enlaçou a cintura dela por trás, no que foi rechaçada com um golpe, levando Margareth a se virar e encarar o suposto agressor com a faca. O coração da detetive de polícia batia descompassado.
— Deus, Elizabeth! Quase me matou de susto!
— E você quase me matou com essa faca.
Evernood respondeu e, apesar de estar numa posição defensiva, sorriu.
— Gostei de saber que pode se defender bem, mas, por favor, abaixe essa faca.
Margareth foi se acalmando e apoiou o utensílio sobre a mesa.
— Não chegue assim tão mansamente, Beth. Eu poderia ter te matado.
— Me desculpe, ok? – Elizabeth se aproximou, abraçando-a. – Eu sei que está tensa com tudo isto. Me desculpe.
— Eu estava distraída. Acabei me assustando…
— Essa não é sua vida, Meg. Eu compreendo. Está cansada e eu também. Hoje vamos, somente, dormir.
— E se formos pegas desprevenidas?
— Montarei algumas armadilhas nas entradas. Não se preocupe.
— Pois eu dormirei com a pistola ao lado.
Margareth respondeu, sorrindo sem ânimo.
— O que vamos comer?
Evernood perguntou, tentando desanuviar a tensão.
— Vou fazer uma sopa. Seus contatos são bem atenciosos. Até refrigerador tem aqui.
— Atenciosos e bem pagos. Não acha realmente que fazem de graça, ou acha?
— Não é tudo por uma boa causa?
A pergunta de Margareth vinha carregada de ironia. Percebeu que, ao longo do caminho, Evernood fez questão de parar em um banco. Deixou-a em um café da esquina da rua. Blindwar começava a observar pequenas ações insistentes da namorada.
— Eles têm uma causa, mas nada serve se não há um pagamento, afinal, como deixariam tudo isso à nossa disposição e como se sustentariam?
Margareth acenou com a cabeça, com um leve sorriso nos lábios, voltando-se para a mesa, onde reiniciou a preparação dos vegetais. Elizabeth a observou por um tempo. Aquela situação poderia ser prazerosa para as duas, se não estivessem enfrentando todo aquele caos. Voltou a abraçá-la por trás.
— Eu te amo, Margareth Blindwar…
Nota: Outro capítulo e acredito que em mais um, encerramos este caso. Elizabeth colocou Margareth numa vida louca, não acham? Vamos ver como sairão dessa.
Obrigada a tod@s pela compreensão e carinho. #fiqueemcasa
Beijos
Parabéns pela história, foi excelente a ideia de trazer em episódios, fugindo um pouco da abordagem que as outras histórias do site costumam ter… me sinto acompanhando uma série policial. ?
Bem escrita, gostosa de ler.
Oi, Rafaela! Tudo bem com você?
Então, uma das intenções foi essa. Queria algo diferente e a ideia de fazer episódios, como em séries de tv ou livros Pocket me atraiu. Como gosto muito de ação, policiais, mistério e um dia conversando com uma amiga minha escritora, ela me motivou e resolvi tentar.
Que legal que está gostando e muito obrigada pelas palavras!
Um beijão para você!?
Menina, só vi hoje, estou atrasada, como pode!!!!
Digna de Ian Fleming. quanto sufoco e ação, estou adorando!
Beijos
Oi, Ione!
Nossa, não faça isso com Ian Fleming, coitado. Ele vai se revirar no túmulo. rsrs Mas muito obrigada, pois ser comparada a um autor como ele, me deixa muito feliz.?
Bom, hoje termina esse caso, porém, espero colocar sempre um mistério para se resolver ou ação nos casos delas. ?
Um beijão para você e tudo de bom!
E bota vida louca aí!! rsrs
Beth está com medo de Meg desistir do relacionamento por conta de sua vida “emocionante”. Meg está me surpreendendo. A bichinha é polícia investigativa mas já está pegando as manhas da vida de espião.
Beijo e luz, Carol
Beth sensata. Pediu rápido a metralhadora.
Oi, Fabi!
A Meg gosta de adrenalina na veia também. Para uma mulher dos anos de 1925 mais ou menos, querer entrar para a força policial, tinha que ser uma mulher de atitude. Porém, acredito que ela não esperava encontrar alguém mais ousada do que ela. rs
Sinceramente, a Beth encontrou a forma do sapato dela. E como é uma mulher inteligente, não quer deixar escorrer pelos dedos. rs
Beth sabe lidar com muitas armas diferentes, mas a Meg, tem só um 38 da força policial. rs Uma pistola automática está de bom tamanho, por enquanto, para ela. rs
Um beijão, Fabi e obrigada!
Parabéns, Carol, me senti em um filme…
Ação constante, um leve toque de humor e
uma certa tensão, tudo na medida exata.
Tô adorando tudo isso…
Mal posso esperar pelo próximo cap.
Bjs
Oi, Nádia!
Então, sou daquelas que lê Patrícia Cornwell, Agatha Christie etc e etc. rs Eu sempre quis escrever um gênero policial, porém algo mais leve do estilo “Miss Fisher” rs.
Muito obrigada, Nádia.
Um beijão para você!
Carol, você fez meu dia tão bom!!!! N sabe o quanto! Obrigada,amiga!! Você é tão forte,me enche de orgulho!!
Esse capítulo foi demais, amoo tanto essa esses contos, esse caso tá único e acho que as uniu muito mais se fosse uma calmaria só!! Beth achando que Meg é mimimi! Que nada, n foi criada com Nutela nem danoninho!!Acha q a deixaria por uns tirinhos!! É ruim, hein!!!
Meg segue TD que Beth diz, nem pensa..se atire no chão, faça isso..se fosse Dona Gabrielle!!
Essa da faca foi ótima! Quase fere a coitada da Beth! Kkkk. Você só melhora a cada dia!! Quero uma capa, um esboço de como são e livro delas com autógrafo!!!;D.
Amiga, tomarei um pinot noir agora por vc! :). Qual sua cepa favorita? E Bodega? Eu gosto do pinot noir de Luige Bosca pq é um pinot com mais corpo, mais potente se formos comprar com os outros, dado que essa cepa tem características diferentes,taninos amáveis, delicadz mas esse q te digo é MT aromático, com mais corpo! Mas vc que é chic deve conhecer uns de frança ou Itália divinos! Ou um vinho do Porto de matar!!
Sempre coloca uns vinhos caríssimos, daqueles q sonho em tomar!!Sacanagem! Q tema ver vinho, aqui nesse conto?! Se tomam whisky?!Tb gosto, por sinal! Nada, só sei q vc gosta e eu TB!! Hahahahaha..
Beijos nesse coração gigante e alma tão generosa e com uma fortaleza incrível!!
Te quero muito bem sempre!!
Oi, Lailicha!
Que bom que melhorei seu dia. Histórias servem para isso mesmo. A gente viaja, né?
Rsrsrs Sei que ama umas cenas de ação e sabe que eu também. As histórias ficam mais emocionantes. Acho que é por isso que gosto de ler ficção científica, fantasia e aventuras policiais. Sou dessas.
Tá querendo livro? Ah, isso não sei se rola não, Lailicha. Rs Depois que escrevo dá preguiça de rever tudo. Formato de livro seria um pouco diferente. Rs Quanto à esboço de como são, só se uma certa amiga que desenha se animar a fazer.
Olha, eu gosto muito dos Piont Noir, mas prefiro os que são delicados mesmo. Aliás, ano passado tomei um daí da terra da sua esposa muito bom, mas não lembro agora o nome. Depois vejo para você. Ele era do Vale do Uco. Rs Quanto ao Whisky, sinceramente não sou muito afinada com ele. Rsrs Meu pai gostava muito e tenho aqui em casa por conta dele e de meu irmão, porém, quando eles vinham, eu acompanhava com uma boa cachaça. Rs Tem umas cachaças muito gostosas, que se quiser, dou umas dicas. ?
Beijão pra ti! Também te quero muito bem, Lailicha!
Nossa amei essa cena de ação! E o amor delas tá tão lindo. Carol, a beth tem que dar muito beijinho na meg. Se fosse eu já tinha corrido hahahahaha Coitada da meg minha xará. hahahaha Olha, tô acampanhando sempre. Essa estória tipo casos policiais tá maravilhosa pq a gente fica ligada em cada crime. Parabéns carol!
bj
oi, Meg!
Concordo com você! Depois desse monte de tiro e quase morrer, acho que a Beth tem mesmo que fazer muito amor com a sua xará. Quem sabe uns beijinhos não alivia para o lado dela. ?
Obrigada, Meg e um beijão!
Trama muito bem detalhada e enredo de mistério.
E o amor é explícito entre eles.
Parabéns!!?
Oi, Carla!
Valeu! Muito obrigada pelo carinho e pelos elogios!
Um beijão pra você!
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